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Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Protocolado nº 35.405/09

Assunto: Inconstitucionalidade do Anexo II da Lei 4.257, de 07 de fevereiro de 1997, modificada pela Leis ns.4.556 de 01 de dezembro de 1998, 5.153, de 25 de março de 2002 e 4.257, de 26 de dezembro de 2002, todas do Município de Marília .

 

 

Ementa. 1) Lei n. 4.257/97, modificada pelas Leis ns. 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, do município de Marília. 2) Criação de cargos, de provimento em comissão, em sociedade anônima de economia mista, com ausência dos requisitos constitucionais das características de chefia, direção e assessoramento. 3) Violação dos arts. 111, 115, II e V e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Inconstitucionalidade constatada. 5) Ação Direta visando à declaração de inconstitucionalidade das normas legais impugnadas.

 

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n. 35.405/09), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da parte especificada na presente do Anexo II da Lei 4.257, de 07 de fevereiro de 1997, modificada pelas Leis ns.4.556 de 01 de dezembro de 1998, 5.153, de 25 de março de 2002 e 4.257, de 26 de dezembro de 2002, todas do município de Marília que definiram, de forma inconstitucional, como de provimento em comissão vários cargos cujas funções são eminentemente técnicas, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:

         Registre-se, inicialmente, que a propositura da presente ação direta se deve ao acolhimento da representação formulada pelos nobres e combativos Promotores de Justiça da Comarca de Marília, Dra. Rita de Cássia Bergamo e Dr. Isauro Pigozzi Filho, que noticiaram à Procuradoria-Geral os seguintes fatos[1]:

                   Conforme relação dos funcionários comissionados da CODEMAR – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Marília – (fls.17) assim como dos demais documentos anexos, apurou-se a existência de cargos comissionados com funções rotineiras da administração pública, típicas de cargos que deveriam ser providos por concurso público, restando assim desobedecida a regra do artigo 115, incisos II e V da Constituição Paulista e do artigo 37,II e V, da Constituição Federa”.

                   Apontam-se, exemplificativamente, os cargos de assistente técnico da fazenda, assistente técnico, encarregado do setor de segurança do trabalho e agenciador, cujas funções encontram-se apontadas às fls. 54/58.

                   Outrossim, situação semelhante ocorreu no ano de 2007, sendo que o ofício 331/2007 das 4ª e 9ª Promotorias de Justiça de Marília, encaminhado à Procuradoria Geral de Justiça, informou que a Prefeitura Municipal de Marília, com autorização legislativa, criou cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo, que só poderiam ser preenchidas por concurso público.

                   É importante consignar que, em razão do ofício nº 331/2007, foi proposta, pelo DD. Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Ação Direta de Inconstitucionalidade em face às Leis Municipais de Marília.

                   Assim, pelas razões acima expostas, solicitamos a adoção de providências visando a eventual propositura de ação tendente a declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos legais.”

         Desta forma, por ser absolutamente correta a conclusão dos nobres Promotores de Justiça, evidencia-se a inconstitucionalidade em face da criação, por lei, de cargos em sociedade de economia mista, para provimento em comissão em desacordo com os parâmetros constitucionais. Vejamos.

         As Leis 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, do município de Marília, que modificaram e revogaram dispositivos da Lei n. 4.257/97, deu nova estrutura aos cargos de provimento em comissão da CODEMAR – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Marília  (sociedade de economia mista).

         O Anexo II da referida Lei elenca os cargos de provimento em comissão da mesma Companhia. A parte especificada a seguir, porém, é inconstitucional, pois, afrontando à Constituição Paulista, cria, como de provimento em comissão, vários cargos, EM SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, cujas funções são eminentemente técnicas:

 

ANEXO II

CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – Lei n. 4.257/97

 

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Coordenador de Obras

1      

C-2   

Engenheiro civil    

Encarregado do Setor de Compras e Licitação

1

C-2

- o -

Encarregado do Setor de Segurança do Trabalho

1

C-3

- o -

Agenciador

10

C-5 + comissão

Técnico em Segurança do Trabalho

 

 

         O artigo 2º da Lei n. 4.556/98, na parte especificada na presente ação, que modificou e revogou dispositivo da Lei n. 4.257/97, que dispõe sobre a CODEMAR - , também criou 02 vagas de Assistente Técnico, cargo de provimento em comissão de forma inconstitucional.

         Da mesma forma, o art.1º, da Lei n. 5.153/02 criou 01 vaga de Técnico Encarregado do Setor de Segurança do Trabalho (Obras).

         E, por fim, o art.1º, da Lei n. 5.379/02 criou 02 vagas de Assistente Técnico da Fazenda.

 

DA CRIAÇÃO DE CARGOS EM SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

         Antes de ingressar na questão da criação dos cargos de provimento em comissão sem os requisitos constitucionais das características de chefia, direção e assessoramento, que também implica em inconstitucionalidade (material), necessário se faz a incursão na questão da inconstitucionalidade em virtude do procedimento adotado para a criação dos referidos cargos.

         Observe-se, por primeiro, o seguinte:   a) a destinatária dos cargos é uma sociedade anônima de economia mista;   e b) os cargos foram criados por LEI, com inescusável interferência Estatal em pessoa jurídica regida pelo direito privado.

         Pois bem, os cargos foram criados na CODEMAR, que é uma sociedade anônima de economia mista do município de Marília, sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas (art.173,§1º, da CF).

         Quanto as suas relações internas (pessoal), aplicam-se à CODEMAR as regras pertinentes às sociedades anônimas, assim como ensina Celso Antonio Bandeira de Mello:   “Nas relações travadas entre as sociedades de economia mista e seus empregados vigora o regime da CLT, requerido tanto pela natureza da pessoa como pelos arts. 170, §2º, da Lei Magna, e de 182 do decreto-lei n. 200, de 25.02.1967, ao qual se agregam algumas outras limitações a que já se fez referência ou que merecem breve menção”   (Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta, 2ª edição, 1979, pág.120).

Lembre-se que a sociedade anônima de economia mista não se distancia do regramento da Lei das Sociedades Anônimas, devendo ser observado, quanto à criação de cargos o que nela dispuser, sem se afastar do que fizer previsão o estatuto social da pessoa jurídica em tela.

Note-se ademais e a respeito deste assunto, que o Regimento Interno prevê em seu artigo 7º que “A competência da Diretoria são as constantes no Artigo 10º do Estatuto Social:     Artigo 10º - Compete aos diretores:  ...............

 f) CRIAR CARGOS OU EXTINGUIR CARGOS OU FUNÇÕES, BEM COMO FIXAR-LHES A REMUNERAÇÃO (fl.97)”.

Portanto, vê-se, com clareza solar, que a competência para a criação de cargos na CODEMAR é da DIRETORIA EXECUTIVA e não do Estado, por intermédio de LEI.

Não pode o Estado interferir na administração de uma pessoa jurídica regida pelo direito privado, criando cargos, quer por Lei, quer por Decreto, sem malferir preceitos constitucionais que tutelam a liberdade, como o da livre iniciativa, previsto no art.170 “caput” da C.F. e, ainda aquele contemplado no art.5º, reforçado pelo seu inc.XVIII, consentâneo a esta idéia de manter livre o ente privado, ao dispor  que: “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento  (original sem grifos e saliências )

Esta liberdade, tão bem resguardada e defendida no Estado Moderno, no dizer de Américo Luis Martins da Silva significa: “o direito do cidadão de atuar sem a interferência do Estado, dentro do espírito do laissez-faire (deixar-fazer).     Em outras palavras, o termo ‘liberdade’ passou a significar ‘direito de não interferência’.”   (A Ordem Constitucional Econômica, 2ª ed., Ed. Forense, 2003, pág.64).

E dentro da perspectiva econômica, arremata o mestre:   liberdade seria a possibilidade de escolher seus próprios caminhos profissionais ou suas próprias atividades econômicas, com ausência de coação ou interferência do Estado;   seria a possibilidade de iniciativa individual, sem interferência do Estado no jogo do mercado, com meio de se atingir o máximo de eficiência na produção e de justiça na repartição do produto” (ob. aut. cits. Pág.65).   original sem grifos e saliências

Parece-nos, inclusive, esta a orientação ditada pelo parágrafo único do art.170 da Carta Magna:  “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Também o norteamento dado pela Suprema Corte transpira esta mesma idéia de limitação do Estado na interferência da liberdade ora defendida, ao assim se posicionar:    A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico, por sua vez, não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro, notadamente os princípios – como aquele que tutela a intangibilidade do ato jurídico perfeito de que se revestem de um claro sentido de fundamentalidade.   Motivos de ordem pública ou razões de Estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas que frustram a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade – não podem ser invocados para viabilizar o descumprimento da própria Constituição, que, em tema de atuação do Poder público, impõe-lhe limites inultrapassáveis, como aquele que impede a edição de atos legislativos vulneradores da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisas julgada   (STF – Pleno – AI nº 244.578/RS – Rel. Min. Celso de Mello.   Informativo STF, nº154).     Conferir, ainda:  RTJ 163/795”.    “apud”  Constituição do Brasil Interpretada, por Alexandre de Moraes, Ed. Atlas, 2002, pág.1820.   original sem grifos e saliências

Em endosso ao que ora se prega, “Acrescenta LUIS S. CABRAL DE MONCADA que este direito compreende várias vertentes, quais sejam a liberdade de criação de uma empresa e de a gerir autonomamente, ou seja, sem interferências externas.”   (Américo Luís Martins da Silva, ob. cit. Pág. 70).   original sem grifos e saliências

Como conclusão, tem-se que não tem cabimento a interferência do Estado em assunto de interesse próprio de uma pessoa jurídica de direito privado, como é o caso da sociedade anônima de economia mista (art.173,§1º, inc.II, da CF), regida por seu próprio estatuto social, a quem incumbe definir todos os seus desígnios.

Uma vez aprovado, no entanto, o ato normativo se mostra incompatível com o artigo 144 da Constituição Estadual, pois, violando-se princípios constitucionais (legalidade e livre iniciativa), o que se tem é a ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista que prevê que “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Acrescente-se também que o art. 29 caput da CR/88 estabelece tal determinação, ao prever que os Municípios, em sua organização, devem atender os princípios estabelecidos na Constituição Federal, bem como na Constituição do respectivo Estado.

 

DA CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES ESTRITAMENTE TÉCNICAS OU PROFISSIONAIS.

         Além do mais, se tal fundamento não for suficiente para aniquilar a legislação vergastada, outro fato a conduz ao destino objetivado (declaração de inconstitucionalidade), qual seja, a criação de cargos em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo, que só poderiam ser preenchidas por concurso público.

Registre-se que a parte do Anexo II da Lei 4.257/97 e as Leis ns. 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, na parte especificada na presente ação, disposições legais do município de Marília, são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, em especial com as seguintes disposições:

“Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”          

         A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (Cf. Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, Atlas, 7.ª ed., p. 261).

         Essa autonomia consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano, muito pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (Cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Rio de Janeiro, Volume I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Cf. “Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, São Paulo, 8.ª ed., 1992, p. 545).

         A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

         Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (Cf. Hely Lopes Meirelles, in “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros Editores, São Paulo, 1996, 8.ª edição, p. 420).

         Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

         Feitas essas observações iniciais, verifica-se neste caso que a Prefeitura Municipal e a Câmara Municipal de Marília criaram cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

         Segundo RUY CIRNE LIMA (“Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa vinculação.

         Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

         Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

         Daí por que a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

         Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

         Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, o jurista MARCIO CAMMAROSANO deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Cf. “Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro”, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.ª ed., p. 45).

         Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

         Afinado a esse mesmo entendimento, HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, 18.ª ed., p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

         E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

         Nesse contexto, não existe qualquer necessidade do estabelecimento de vínculo de confiança para o exercício dos cargos reproduzidos na presente inicial, criados pelas Leis ns. 4.257/97, 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, do município de Marília.

         Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

         Os cargos, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções de administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exija relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargo comum, de natureza profissional, que deve ser assumido em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

         Bem a propósito, ao examinar iniciativa semelhante, o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça (ADIn. n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA) entendeu por bem declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora de cargos em comissão, cuja natureza não correspondia às características próprias dessas funções.

         O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI n. 3706/MS[2], e apreciar caso semelhante, declarou a inconstitucionalidade de Lei Estadual que criou cargo em comissão que tem atribuição meramente técnica:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA CARGOS EM COMISSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 37, INCISOS II E V, DA CONSTITUIÇÃO. Os cargos em comissão criados pela Lei nº 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada procedente”.

         Conclui-se, portanto, que as Leis ns. 4.257/97, 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, do município de Marília, nas partes destacadas na presente ação, referentes à criação de cargos de provimento em comissão que não dependem para o seu exercício do estabelecimento de qualquer vínculo de confiança com a autoridade nomeante, são verticalmente incompatíveis com os arts. 111 e 115, incisos I e II, da Constituição do Estado de São Paulo, cuja observância é obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144 dessa mesma Carta, impondo-se, por conseguinte, a sua exclusão da ordem constitucional em vigor.

Nestes termos, aguarda-se seja determinado o processamento da presente ação, colhendo-se informações do Prefeito e da Câmara Municipal de Marília, as quais serão oportunamente examinadas, vindo, no final, a ser declarada a inconstitucionalidade parcial Leis ns. 4.257/97, 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, do município de Marília.

 

São Paulo, 23 de julho de 2009.

 

 

 

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

fjyd

 

 

 

 

 

Protocolado: nº 35.405/09

Interessado: Promotoria de Justiça de Marília

Assunto: Inconstitucionalidade do Anexo II da Lei 4.257, de 07 de fevereiro de 1997, modificada pela Leis ns.4.556 de 01 de dezembro de 1998, 5.153, de 25 de março de 2002 e 4.257, de 26 de dezembro de 2002, todas do Município de Marília

 

 

 

 

 

1.Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face Leis ns. 4.257/97, 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, do município de Marília junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                São Paulo, 23 de julho de 2009.

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

Fjyd

 

 

 

 

 

 

 

(2)

 

Autos nº. 994.09.228340-0

(181.816-0/6-00)

Requerente: Procurador-Geral de Justiça

Objeto: Inconstitucionalidade do Anexo II da Lei 4.257, de 07 de fevereiro de 1997, modificada pelas Leis ns .4.556, de 01 de dezembro de 1998, 5.153, de 25 de março de 2002 e 4.257, de 26 de dezembro de 2002, todas do Município de Marília.

 

 

Ementa. 1) Lei n. 4.257/97, modificada pelas Leis ns. 4.556/98, 5.153/02 e 5.379/02, do município de Marília. 2) Criação de cargos, de provimento em comissão, em sociedade anônima de economia mista, com ausência dos requisitos constitucionais das características de chefia, direção e assessoramento. 3) Violação dos arts. 111, 115, II e V e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Violação ao princípio da livre iniciativa.  5) Superveniente revogação da norma impugnada pela Lei n. 7052, de 31 de dezembro de 2009.  6) Extinção do processo sem exame do mérito.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela douta Procuradoria-Geral de Justiça objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Anexo II, da Lei 4.257, de 07 de fevereiro de 1997, modificada pelas Leis ns. 4.556, de 01 de dezembro de 1998, 5.153, de 25 de março de 2002 e 4.257, de 26 de dezembro de 2002, todas do Município de Marília.

         Após as alegações finais, o Município requerido veio informar a revogação expressa das normas impugnadas pela edição da Lei Municipal nº 7.052, de 31 de dezembro de 2009 (fls.64/66), o que, de fato se deu, conforme comprova o texto do diploma legal juntado às fls. 67/68.

         Assim sendo, opina-se pela extinção do processo sem exame do mérito.

         São Paulo, 6 de abril de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

fjyd

 



[1] Conforme representação acostada a fls. 2/4 do procedimento que acompanha a inicial.

[2] Relator: Min. GILMAR MENDES. Publicação: DJE-117, div. Em 4-10-2007.