Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 37.496/2010
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul
Ementa: 1) Lei n. 1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul, que “altera o art. 1º, da Lei Municipal n. 1.473/2009 e dá outras providências”. Legislação que estabelece o fornecimento de transporte gratuito pelo Poder Executivo Municipal apenas aos cidadãos residentes e domiciliados no Município de Monte Alegre do Sul, que estejam frequentando cursos de nível superior ou técnico profissionalizantes, durante o período noturno. 2) Violação dos princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e da razoabilidade. (art.5º, caput, da CR, aplicável por força do art. 144 da Constituição Paulista). 3) Inconstitucionalidade reconhecida.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, §
2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90,
III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 1.523, de
02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul, que “altera o artigo
1º, da Lei Municipal n. 1.473/2009 e dá outras providências”,, pelos fundamentos a seguir
expostos:
I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei n. 1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul, apresenta a seguinte redação:
“Art.
1º - Fica revogado o art. 1º, da Lei Municipal n. 1.473, de 02 de fevereiro de
2009.
Art. 2º- O artigo 1º da Lei Municipal
n. 1.473 de 02 de fevereiro de 2009 passará a contar com a seguinte redação:
“Artigo 1º- Fica o Poder Executivo
Municipal autorizado a fornecer transporte gratuito aos cidadãos residentes
domiciliados no Município de Monte Alegre do Sul, que estejam frequentando cursos de nível superior ou
técnico-profissionalizantes, somente no período noturno”.
Parágrafo Primeiro – O benefício constante do caput será fornecido
somente àqueles que cursam entidades de ensino localizados a uma distância
máxima de
Parágrafo Segundo- A Municipalidade
não estará obrigada a disponibilizar veículo para compor uma determinada linha
caso não haja um número mínimo de 08 (oito) estudantes de Monte Alegre do Sul
para dela se servirem.”
Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de
sua publicação, revogadas quaisquer disposições em contrário, podendo o Poder
Executivo, através de Decreto, regulamentá-la para seu file cumprimento, com
vistas à consecução do interesse público.”
Como se demonstrará a seguir o referido dispositivo legal é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo.
II)
VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A legislação impugnada acabou por criar privilégio aos cidadãos residentes e domiciliados no Município de Monte Alegre do Sul, que estejam frequentando cursos de nível superior ou técnico-profissionalizantes, durante o período noturno, permitindo que apenas estes tenham direito ao transporte gratuito, propiciado pelo Poder Executivo Municipal.
Verifica-se, portanto, que a lei impugnada tem por escopo melhorar somente a situação pessoal daqueles munícipes que estejam frequentando os referidos cursos durante o período noturno, na medida em que apenas estes estão sendo contemplados pelo fornecimento do transporte gratuito para tanto.
Tanto isso é fato, que o antigo artigo 1º, da Lei n. 1.473 de 02 de fevereiro de 2009, que “dispõe sobre a disponibilização gratuita de transporte aos munícipes que estejam cursando universidades e/ou cursos técnico-profissionalidade”, alterado pela lei impugnada, não fazia tal distinção, garantindo o transporte gratuito de forma geral aos cidadãos residentes e domiciliados no Município que estivessem frequentando cursos de nível superior ou técnico-profissionalizantes em entidades de ensino localizadas a uma distância máxima de 50 (cinquenta) quilômetros de Monte Alegre do Sul (fls. 82).
Nesse contexto, é possível de fato concluir que houve intenção de favorecer apenas tais munícipes, pois ficaram sem direito ao mesmo transporte gratuito, aqueles que estão frequentando os mesmos cursos, porém, fora do período noturno, sem que houvesse, em contrapartida, fundamento razoável ao tratamento diferenciado.
Assim, a Lei n. 1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul, contraria os princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade, interesse público, e finalidade, previstos no art.111 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art.144 da mesma Carta.
A respeito da violação da impessoalidade
e da finalidade, é oportuno recordar que ambos incorporam em última análise, o
próprio princípio da isonomia. E sobre este, anota
De outro lado, em oportuna síntese, anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.94).
Ora, dar tratamento diferenciado a determinados munícipes, tão somente pelo fato deles estarem frequentando cursos de nível superior ou técnico-profissionalizantes durante o período noturno, sem que haja um consistente fator de discrímen, significa privilegiar o interesse privado em detrimento do interesse público. Isso contraria a moralidade administrativa, fere a impessoalidade e é sinônimo de desvio de finalidade.
Em última análise, a Lei n. 1.523/2010 tangencia, também, o princípio da razoabilidade.
E quanto à possibilidade de reconhecer-se a inconstitucionalidade com base na violação do aludido princípio, em sede doutrinária, Gilmar Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo E. STF anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83).
Diante do conjunto de parâmetros desrespeitados pela legislação questionada, é imperativo o reconhecimento da respectiva inconstitucionalidade, por violar o art. 111 da CE e o art. 5º, caput , da CR, aplicável por força do art. 144 da CE.
III
– PEDIDO LIMINAR
Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia da lei impugnada.
A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei n. 1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul padece de vício de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo questionado, continuará ocorrendo fornecimento de transporte gratuito diferenciado com relação aos munícipes que estão frequentando cursos de nível superior ou técnico-profissionalizantes apenas durante o período noturno. Tal situação gera prejuízo material para o erário que dificilmente poderá ser reparado. É nítida a ocorrência da hipótese do fato consumado.
A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia lei questionada, evitará maiores prejuízos, além daqueles que já sofridos até o momento.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
IV - PEDIDO
Face
ao exposto, requer o recebimento e processamento da presente ação que deverá
ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade da Lei n.
1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul, que “alterou
o art. 1º da Lei Municipal n. 1473/2009 e dá outras providências”
Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da Câmara Municipal de Monte Alegre do Sul, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
São Paulo, 14 de dezembro de 2010.
Procurador-Geral de Justiça
vlcb
Protocolado n. 37.496/2010
Interessado: (...)
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 1.523, de 02 de março de 2.010, do Município de Monte Alegre do Sul, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 14 de dezembro de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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