EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 38.036/2010

Assunto: Inconstitucionalidade das Leis nº 747/00 e 864/05, do Município de Guarani d’Oeste.

 

Ementa: Leis nº 747/00 e 864/05, do Município de Guarani d’Oeste, que dispõem sobre as hipóteses de contratação por tempo determinado. Previsões que não se ajustam à regra do artigo 115, inc. X, da Constituição do Estado. Dispositivo constitucional que merece interpretação restritiva, por excepcionar a regra do concurso público. Pedido de declaração de inconstitucionalidade dos incisos II, IV, VII e VIII, do art. 2º da Lei nº 747/00 e da Lei nº 864/05.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE dos incisos II, IV, VII e VIII, do art. 2º da Lei nº 747/00 e da Lei nº 864/05, do Município de Guarani d’Oeste, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. INTRODUÇÃO

Como exceção à regra geral que impõe à Administração a realização de concurso púbico para a contratação de servidores, o artigo 37, inc. IX, da Constituição da República e o artigo 115, inc. X, da Constituição do Estado de São Paulo permitem que a lei defina os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

A doutrina aponta três requisitos obrigatórios para a utilização dessa exceção, sob pena de inconstitucionalidade, por se tratar, na expressão de Pinto Ferreira[1], de uma “válvula de escape” para a exigência do concurso público: (a) excepcional interesse público; (b) temporariedade da contratação; e (c) hipóteses expressamente previstas em lei.

No caso dos autos, o Município de Guarani d’Oeste editou duas leis que tratam da contratação de pessoal por tempo determinado: a Lei nº 747/00 e a Lei nº 864/05.

Na Lei nº 747/00 estão previstas, no art. 2º, as hipóteses de contratação temporária. Consideramos, entretanto, que as previsões dos incisos II, IV, VII e VIII não se adéquam à moldura constitucional.

Dessa lei, portanto, são impugnados os seguintes dispositivos destacados em negrito:

 

LEI nº 747, de 10 de abril de 2000

Dispõe sobre a contratação de pessoal por tempo determinado, nos termos do inciso IX, do artigo 37, da Constituição Federal e dá outras providências.

(...)

Art. 2º - As contratações a que se refere o artigo 1º somente poderão ocorrer nos seguintes casos:

(...)

II – necessidade de pessoal em decorrência de dispensa, demissão, exoneração, falecimento ou aposentadoria, nas unidades de prestação de serviços essenciais, desde que não ultrapasse a 20% (vinte por cento) dos cargos ou empregos do Quadro Pessoal da Prefeitura e da Câmara Municipal;

(...)                                                 

IV – para atender os termos do convênio, acordo, ajuste ou qualquer outra convenção para a execução de obras ou prestação de serviços, durante o período de vigência do respectivo instrumento;

(...)

VII – preenchimento de cargos ou empregos permanentes até a realização do concurso para seu provimento;

VIII – para formação e manutenção de Guarda Municipal; e

(...)

Na Lei nº 864/05, sob a perspectiva da “necessidade temporária e do excepcional interesse público”, criaram-se cargos permanentes (e não funções temporárias), para contratações por tempo determinado, sob regime estatutário.

Nesse caso, a inconstitucionalidade permeia todo o texto legal, expresso nos seguintes termos:

LEI nº 864/3005, de 10 de agosto de 2005

Dispõe sobre a contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária e de excepcional interesse público junto ao quadro de pessoal da Prefeitura Municipal.

MARCO ANTONIO DO CARMO CABOCLO, Prefeito Municipal de Guarani d’Oeste, Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais,

FAZ SABER que a Câmara Municipal de Guarani d’Oeste, Estado de São Paulo, etc., em Sessão Extraordinária deste Legislativo realizada no dia 10 de Agosto de 2005, aprovou e ele promulga e sanciona a seguinte Lei:

Art. 1º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a criar no Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de Guarani d’Oeste, 19 cargos sob o regime estatutário, conforme quadro abaixo:

NOME DO CARGO

Nº DE CARGOS

REFERÊNCIA Nº

Professor Pré-Escolar – 20 horas

02 (dois)

04 (quatro)

Trabalhador em Atividades Gerais

04 (quatro)

02 (dois)

Trabalhador Braçal

07 (sete)

01 (um)

Trabalhador em Atividades de Manutenção Interna

06 (seis)

01 (um)

 

Art. 2º - A presente lei tem caráter de urgência, devido à necessidade de se manter a estrutura funcional da Prefeitura Municipal, tendo em vista o desfalque feito pela liminar deferida pelo Judiciário, em razão da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo – Processo nº 560/2005, que determinou a suspensão da eficácia dos atos administrativos relativos ao concurso público nº 01/2002, promovido por esta Prefeitura.

Art. 3º - Os cargos acima serão preenchidos mediante processo seletivo e contrato temporário por 06 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, conforme determina a lei.

Art. 4º - Os contratos temporários para preenchimento das vagas criadas por esta Lei serão regidos pelo Regime Estatutário, de acordo com a Lei nº 433, de 14 de abril de 1992, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos do município e dá outras providências, e, com contribuição para o INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social.

Art. 5º - As despesas decorrentes da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias do orçamento vigente.

Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Guarani d’Oeste, 10 de Agosto de 2005.

MARCO ANTONIO DO CARMO CABOCLO

Prefeito Municipal

Os atos normativos em questão contrariam, como se verá, os artigos 111; 115, incisos II e X; e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

As disposições normativas impugnadas são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus artigos 111; 115, incisos II e X; e 144, verbis:

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)    

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)    

X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Na sistemática vigente, a regra para a contratação de pessoal no serviço público é a realização de concurso, sendo exceções os casos que seguem: (a) cargos em comissão (art. 37, II, da CF; art. 115, II, da Constituição Paulista); (b) contratação em caso de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX da CF; art.115, X, da Constituição Paulista); e (c) provimento originário de cargos pelo quinto constitucional nos Tribunais Superiores e Tribunais de Contas (art. 73, 94, 101, 104, 111-A, 123 da CF).

De acordo com o inciso IX do art. 37 da CF (reproduzido no art. 115, X, da Constituição Paulista), “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

Para que se tenha como legítima a contratação de servidores em caráter temporário, extraem-se do preceito constitucional os seguintes pressupostos: (a) a existência de lei editada pelo ente federativo prevendo as hipóteses de contratação sem concurso; (b) que o contrato seja por prazo determinado; (c) que haja necessidade verdadeiramente temporária; (d) que esteja identificado o excepcional interesse público.

A respeito do tema, Adilson de Abreu Dallari explica:

“A lei deve indicar, como casos de contratação temporária aquelas situações de excepcional interesse público referidas na Constituição, como, por exemplo, a ocorrência de calamidade pública, execução de serviços essencialmente transitórios, a necessidade de implantação imediata de um novo serviço, a manutenção de serviços que possam ser sensivelmente prejudicados em decorrência de demissão ou exoneração de seus executantes, etc. (...) Evidentemente, deverão ser estabelecidos prazos máximos de contratação, conforme as circunstâncias, estabelecendo-se, de plano, a proibição de prorrogação do contrato e a nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função. Também deve ser estipulado o processo de seleção do pessoal a ser contratado, já que a temporariedade não justifica sejam postergados os princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade.” (Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p.126).

É Hely Lopes Meirelles, no entanto, quem nos alerta acerca do maior pecado que leis da espécie podem conter – a abstração ou a previsão de hipóteses vagas – que conduz ao arbítrio do Chefe do Poder Executivo:

“Essas leis deverão atender aos princípios da razoabilidade e da moralidade. Não podem prever hipóteses abrangentes e genéricas, nem deixar sem definição, ou em aberto, os casos de contratação. Dessa forma, só podem prever casos que efetivamente justifiquem a contratação. Esta, à evidência, somente poderá ser feita sem processo seletivo quando o interesse público assim o permitir” (Direito administrativo brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.440, g.n.).

E, de fato, no caso da Lei nº 747/00, as situações previstas nos incisos II, IV, VII e VIII, do art. 2º são incompatíveis com a disciplina de contratação por tempo determinado para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.

Referidas previsões colidem com a Constituição do Estado porque não evidenciam a situação de excepcionalidade que autoriza a contratação de pessoal.

Refletindo sobre o tema, Celso Ribeiro Bastos concluiu que a lei integradora deve deixar clara que a situação de excepcionalidade resulta de circunstâncias imprevisíveis pela Administração (Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1992, 3º vol., tomo III, p. 98, grifei).

Sendo assim, impõe-se à Administração que não tenha ela mesma, por inércia, dado azo ao surgimento, por exemplo, de uma hipótese de urgência.

Para o autor citado, a “Constituição exclui a possibilidade de a lei definir casos de contratação voltados ao atendimento de funções não relevantes, embora necessárias. O texto distingue, pois, entre o que seja necessidade, mas de caráter restrito, muito provavelmente relacionado a aspectos burocráticos e administrativos, e aquela outra necessidade decorrente da satisfação de um interesse público de relevo, o que significa dizer uma potencialidade de repercutir profundamente nas conveniências da sociedade. Só esta última foi albergada pela Lei Maior” (ob. cit., p. 100).

A aplicação do inc. II do art. 2º da Lei nº 747/00 permite a contratação de pessoal para qualquer função da Prefeitura ou da Câmara, bastando que esta se encontre “nas unidades de prestação de serviços essenciais”.

A solução legal é flagrantemente equivocada e confere ao chefe do Poder Executivo uma liberdade imensa, inclusive para estipular que unidades prestam “serviços essenciais”.

O dispositivo também permite ao Alcaide criar artificialmente a demanda, v.g. dispensando funcionários.

Peca, também, ao estipular o limite percentual das contratações, vinculando-o ao número de cargos existentes.

A definição do teto é, por si só, incompatível com a noção de imperiosidade da situação em que se apóiam os contratos temporários. Seria possível conciliar uma calamidade pública com o limite previamente definido dos servidores necessários para debelá-la?

Outro problema desse dispositivo reside no elevado grau de abstração que o caracteriza, tornando-o, em conseqüência, incompatível com o art. 115, inc. X, da Constituição Bandeirante.

Eis a deficiência a que se referiu Hely Lopes Meirelles na passagem já transcrita e que, em diversas ocasiões, levou esse Sodalício à declaração de inconstitucionalidade de leis municipais como esta.

À guisa de exemplo, tem-se o recentíssimo julgamento da ADI nº 155.524-0/8-00, do qual foi relator o em. Des. Maurício Ferreira Leite, na qual se sobressai, como fundamento, a repulsa à previsão genérica das hipóteses de contratação temporária.

Colhe-se no voto, acolhido à unanimidade pelos Desembargadores MARCO CÉSAR, MUNHOZ SOARES, SOUSA LIMA, CANGUÇU DE ALMEIDA, CELSO LIMONGI, PENTEADO NAVARRO, OSCARLINO MOELLER, PALMA BISSON, RIBEIRO DOS SANTOS, ARMANDO TOLEDO, A.C.MATHIAS COLTRO, JOSÉ SANTANA, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, JOSÉ REYNALDO, DEBATIN CARDOSO, PAULO TRAVAIN E DAMIÃO COGAN, a confirmação dessa assertiva:

“Analisando toda a questão, deve-se ter em mente que o ingresso direto no serviço público, independentemente de concurso, é absolutamente excepcional, sendo a contratação temporária uma dessas modalidades de acesso.

Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a contratação temporária não pode se dar para a seleção de pessoal para a prática de atividades permanentes do serviço público. Confira-se, neste sentido, a ementa da ADI 2987/SC, relator o Min Sepúlveda Pertence:

‘Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes.’

Também não se mostra possível a utilização desse instrumento de maneira genérica, sem descrição pormenorizada das condições para tanto, em especial a respeito do tempo determinado para tais contratações e das hipóteses específicas.

Para melhor compreensão da matéria, transcreve-se trecho de ementa da ADI 321 O/PR, rel. o Min Carlos Velloso, que aplica-se, de maneira perfeita, à situação aqui examinada:

‘... - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação. Inconstitucionalidade’.

Como visto, a legislação municipal destoa do permissivo constitucional e da interpretação a ele dado pela Corte Suprema, vez que não especifica as hipóteses e nem estabelece um prazo determinado para essa contratação, motivo pelo qual deve ser acolhido, neste ponto, o pedido ministerial”.

O inc. IV do art. 2º da Lei nº 747/00 (“para atender os termos do convênio, acordo, ajuste ou qualquer outra convenção para a execução de obras ou prestação de serviços, durante o período de vigência do respectivo instrumento”) também não se harmoniza com a Constituição Paulista.

A execução de convênios com outros entes da federação é atividade normal da Administração Pública.

A expressão legal não demonstra, por si só, a situação de excepcional interesse público que justificaria, como exceção à regra geral, a contratação temporária de servidores.

Por isso, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis que contenham disposições análogas, como ocorreu na ADIN 63.343-0/6, 22.11.2000, rel. Des. Borelli Machado, de cujo Acórdão se extrai a seguinte lição:

Execução de obra determinada e celebração de contratos e convênios com entidades governamentais são enunciados vagos, que se adequam às atividades normais da Administração Pública. Deles não se vê, só por eles, excepcional interesse público nem sua temporariedade.

A previsão do inc. VII do art. 2º da Lei nº 747/00 (“preenchimento de cargos ou empregos permanentes até a realização do concurso para seu provimento”), da mesma forma, não é adequada.

O afastamento de servidores e sua substituição por outros do próprio quadro fazem parte da rotina administrativa.

É situação comum e absolutamente previsível ao Chefe do Poder Executivo, e que, por isso mesmo, não se contém na autorização constitucional do contrato temporário.

Pelo dispositivo se permitiria, por exemplo, a admissão temporária de pessoal para o exercício de funções burocráticas. Essas, no entanto, são necessidade permanente da Administração e, na dicção do Supremo Tribunal Federal, não se ajustam à figura do agente temporário:

“Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes.” (ADI n.º 2.987, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE, julgamento em 19-2-04, DJU de 2/04/2004).

O inc. VIII do art. 2º da Lei nº 747/00 incorre no mesmo problema. A manutenção do efetivo da Guarda Municipal, que exerce atividade permanente, deve fazer parte da rotina administrativa, inclusive porque o exercício da função pressupõe servidor especializado e bem treinado.

Por isso, não é possível recorrer à exceção constitucional para formar e manter (expressões do legislador) a Guarda Municipal nos períodos de normalidade, como pretendeu o legislador municipal.

Em todos os casos enumerados, a pretexto de esclarecer o conteúdo do inc. IX do art. 37 da Constituição Federal, o ordenamento acabou sendo inovado com previsões vagas e não contidas nos moldes da Carta.

Não é demais lembrar que, nesse tema, a Constituição terá necessariamente interpretação restritiva, pois o parâmetro de controle expressa exceção à regra geral de acessibilidade aos cargos da Administração por concurso público:

“A Administração Pública direta e indireta. Admissão de pessoal. Obediência cogente à regra geral de concurso público para admissão de pessoal, excetuadas as hipóteses de investidura em cargos em comissão e contratação destinada a atender necessidade temporária e excepcional. Interpretação restritiva do artigo 37, IX, da Carta Federal. Precedentes. Atividades permanentes. Concurso Público” (ADI n. 890/DF, relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, j. 11/09/2003) – destaques nossos.

Para a Lei nº 864/05, impugnada in totum, reiteram-se as considerações doutrinárias já expendidas.

Referido ato normativo criou 19 (dezenove) cargos para servidores temporários, a pretexto de “manter a estrutura funcional da Prefeitura Municipal” (art. 2º), que teria sido comprometida por decisão judicial de caráter liminar. Esses cargos são preenchidos por agentes temporários (art. 3º) submetidos ao regime estatutário (art. 4º).

O ato normativo em análise não se ajusta à moldura constitucional porque ao serviço temporário não se relacionam cargos, mas funções para o atendimento de necessidades de excepcional interesse público, que devem estar perfeitamente definidas na lei.

Aliás, a lei contém verdadeira contraditio in terminis, pois cargos existem para as atividades permanentes da Administração e não para realizações específicas para por cobro ao imprevisto. É por isso que Márcio Cammarosano definiu “cargo público como sendo o mais simples e indivisível plexo unitário de competências da organização central do Estado, criado por lei, ou também por decreto-lei, quando da União, com denominação própria e número certo, relativas ao exercício de atividades civis permanentes, a serem desenvolvidas por um agente sob relação de emprego de natureza estatutária” (Márcio Cammarosano, Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 19 – g.n.).

O art. 2º, que o legislador reservou para identificar a demanda dos “cargos”, não nos permite enxergar se a decisão judicial incidiu sobre serviços essenciais e se a situação por ela gerada era, de fato, imprevisível.

De outro giro, os agentes temporários devem celebrar com a Administração vinculo celetista, que é “o único que se afeiçoa com o caráter temporário da contratação” (Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 13ª. ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 159). No caso da Lei nº 864/05, foi prevista a admissão de servidores estatutários – e, portanto, com os direitos e as prerrogativas que lhe são inerentes – mediante processo seletivo simplificado, o que não se coaduna com a regra que emana da primeira parte do art. 115, inc. II, da Constituição Paulista.

Desse modo, a pretexto de corrigir a situação de anormalidade derivada de uma decisão judicial, o legislador municipal acabou criando cargos no Quadro de Pessoal, para provimento temporário por servidores estatutários contratados mediante processo seletivo simplificado.

Repudia-se, destate, a solução legal.

Como os artigos da lei estão inter-relacionados e a manutenção dos cargos no Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de Guarani d’Oeste não se compadece com o conceito de necessidade temporária, a íntegra da lei deve ser tida por inconstitucional.

 

3. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos legais apontados.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos incisos II, IV, VII e VIII, do art. 2º da Lei nº 747/00 e da Lei nº 864/05, do Município de Guarani d’Oeste.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 16 de Junho de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

Jesp

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 38.036/2010

Interessado:  Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica

Assunto: Inconstitucionalidade das Leis nº 747/00 e 864/05, do Município de Guarani d’Oeste.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face das Leis nº 747/00 e 864/05, do Município de Guarani d’Oeste, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 16 de Junho de 2010.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

eaa

 

 



[1] Apud: MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 853-854.