EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 39.281/08

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal de n. 500/2007, do Município de Ilha Bela

 

Ementa: 1. Lei Municipal n. 500, de 9 de agosto de 2007, decorrente do Projeto de Lei n. 93/2007, de autoria do Chefe do Poder Executivo, que instituiu no município a contribuição para custeio dos serviços de iluminação pública;

2. Contribuição que não condiz com o regime de alíquotas progressivas. Tipo de tributo que não pode variar na razão da presumível capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária;

3. Impossibilidade de se aferir a capacidade contributiva simplesmente pelo padrão de consumo de energia elétrica medido em Kw/h;

4. Quebra do princípio da isonomia tributária;

5. Impossibilidade do legislador ordinário, fora das hipóteses taxativamente indicadas no texto da Carta Política (arts. 153, § 2.º, I, 153, § 4.º, 156, § 1.º, 182, § 4.º, II, 195, § 9.º), valer-se da progressividade na definição de alíquotas pertinentes à contribuição;

6. Inobservância dos princípios da razoabilidade e da isonomia;

7. Lei verticalmente incompatível com os arts. 5.º, 111, 144, 160, § 1.º e 163, inciso II, todos da Constituição Paulista;

8. Ação direta ajuizada.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PT n. 39.281/08), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, em face das Leis de n. 670/97. 700/97, 14/01, 547/2007,  todas do Município de Ilha Bela e ambas de iniciativa parlamentar, dispondo sobre alterações do Código de Posturas do Município (Lei Complementar n. 502/99), pelos fundamentos a seguir expostos.

A Lei Municipal n. 500, de 9 de agosto de 2007, decorrente do Projeto de Lei n. 93/2007, de autoria do Chefe do Poder Executivo, instituiu no município de Ilhabela a contribuição para custeio dos serviços de iluminação pública prevista no art. 149-A da Constituição Federal, nos seguintes termos:

“LEI Nº 500/2007

INSTITUI NO MUNICÍPIO DE ILHABELA A CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DOS SERVIÇOS DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA PREVISTA NO ARTIGO 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

(...), Prefeito Municipal da Estância Balneária de Ilhabela, no uso de suas atribuições legais, faz saber que a Câmara Municipal aprovou e ele sanciona a seguinte Lei:

Art. 1º - Fica instituída no Município de Ilhabela a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública – CIP, prevista no artigo 149-A da Constituição Federal.

Parágrafo único - O serviço previsto no caput deste artigo compreende o consumo de energia elétrica destinada à iluminação de vias, logradouros, praças, jardins, monumentos e assemelhados e a administração do serviço de iluminação pública, bem como a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública no Município.

Art. 2º - É fato gerador da CIP, para os imóveis edificados e cadastrados junto à Concessionária, o custo dos serviços de iluminação pública, mediante ligação regular de energia feita por pessoas natural ou jurídica, localizados no território urbano, nos distritos políticos e bairros dentro da expansão urbana do Município.

Art. 3º - Sujeito passivo da CIP são todos os proprietários, os detentores do domínio útil ou possuidores a qualquer título, de imóveis edificados, localizados nas áreas urbanas e de expansão urbana do Município.

Art. 4º - A base de cálculo da CIP para os imóveis edificados e cadastrados junto à concessionária é o custo dos serviços de iluminação pública nos termos do parágrafo único do artigo 1º.

Parágrafo único – Para os imóveis mencionados no caput deste artigo, os valores de contribuição são diferenciados em função da classe e faixa de consumo, definidos conforme a tabela abaixo:

Classe Residencial

Consumo K(Wh)

Valor (R$)

0 a 50

Isento

51 a 100

1,50

101 a 150

2,50

151 a 200

3,80

201 a 300

4,80

301 a 400

5,80

401 a 600

6,50

601 a 800

8,50

Acima de 800

10,00

 

Classe Industrial

Consumo K(Wh)

Valor (R$)

0 a 50

1,00

51 a 100

1,00

101 a 150

3,00

151 a 200

4,80

201 a 300

5,80

301 a 400

7,50

401 a 600

8,80

601 a 800

9,80

Acima de 800

15,00

 

Classe Comercial

Consumo K(Wh)

Valor (R$)

0 a 50

1,00

51 a 100

2,00

101 a 150

4,00

151 a 200

5,80

201 a 300

6,80

301 a 400

8,80

401 a 600

9,80

601 a 800

9,80

Acima de 800

15,00

 

Classe Poder Público

Consumo K(Wh)

Valor (R$)

0 a 50

1,00

51 a 100

1,00

101 a 150

5,00

151 a 200

6,50

201 a 300

7,50

301 a 400

8,00

401 a 600

8,50

601 a 800

9,00

Acima de 800

10,00

 

Classe Serviço Público

Consumo K(Wh)

Valor (R$)

0 a 50

1,00

51 a 100

1,00

101 a 150

3,00

151 a 200

5,00

201 a 300

5,00

301 a 400

7,00

401 a 600

8,00

601 a 800

9,00

Acima de 800

15,00

 

Classe Consumo Próprio

Consumo K(Wh)

Valor (R$)

0 a 50

7,00

51 a 100

7,00

101 a 150

7,00

151 a 200

7,00

201 a 300

7,00

301 a 400

7,00

401 a 600

7,00

601 a 800

8,00

Acima de 800

10,00

 

I – A determinação da classe/ categoria de consumidor observará as normas da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – ou órgão regulador que vier a substituí-la.

II – Estão isentos da contribuição os consumidores da classe residencial com consumo mensal até 50 kWh.

III – O valor da CIP será atualizado pelo índice de correção da tarifa de iluminação pública categoria B4b, autorizado pelo poder concedente para a concessionária de energia elétrica.

Art. 5º - Para os imóveis edificados e cadastrados junto à concessionária, a CIP será lançada para pagamento, nas faturas mensais de energia elétrica.

§ 1º - O Município conveniará com a Concessionária de Energia Elétrica a forma de cobrança e repasse dos recursos relativos a esta contribuição.

§ 2º - O convênio deverá, obrigatoriamente, prever repasse do valor arrecadado pela concessionária ao Município, retendo os valores necessários ao pagamento da energia fornecida para a iluminação pública e os valores fixados para remuneração dos custos de arrecadação e de débitos que, eventualmente, o Município tenha ou venha a ter com a concessionária, relativos aos serviços supra citados.

§ 3º - Os valores de CIP não recebidos pela empresa concessionária de energia elétrica, serão mantidos á disposição da Prefeitura para que sejam inseridos na dívida ativa do município.

Art. 6º - Quando ocorrer atraso no pagamento da CIP, fica atribuído o encargo de mora constituído de 2% (dois por cento) de multa, juros 1% (um por cento) pro rata tempore die e correção monetária.

Art. 7º - Fica criado o Fundo Municipal de iluminação Pública, de natureza contábil e administrado pela Secretaria Municipal de Finanças.

Parágrafo único - Para o Fundo, deverão ser destinados todos os recursos arrecadados com a CIP para custear os serviços de iluminação pública previstos nesta Lei.

Art. 8º - Fica o Poder Executivo autorizado a firmar com a concessionária ou permissionária do seu município, o convênio ou contrato a que se refere o Art. 5º.

Art. 9º - Esta lei entrara em vigor a partir da sua data de publicação.

Ilhabela, 09 de agosto de 2007.

(...)

Prefeito Municipal”.

A legislação municipal acima reproduzida – como será visto na seqüência - é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, mais precisamente com os seus arts. 5.º, 111, 144, 160, § 1.º e 163, inciso II, que dispõem o seguinte:

  “Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1.º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Art. 160, § 1.º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Art. 163 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

Na ordem constitucional em vigor, os Municípios integram a federação e têm assegurada sua autonomia, atendidos os princípios estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado (CF, art. 29). Essa autonomia se revela pelas competências outorgadas a tais entes federativos para legislarem sobre assuntos de interesse local; suplementarem a legislação federal e a estadual no que couber; instituírem e arrecadarem os tributos que lhes são próprios (CF, art. 30), a par de outras.

É bem de ver, porém, que a competência tributária dos entes públicos municipais - consubstanciada na capacidade de instituir tributos - encontra limites nas normas da Constituição Federal ( ) atinentes ao Sistema Tributário Nacional (CF., art. 145 e segs.), que envolvem princípios incontornáveis, dentre os quais as regras matrizes dos tributos.

Realmente, mesmo admitindo-se que a Constituição em vigor não criou tributos, é certo que, além de discriminar competências, ela traçou a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem ser instituídos pelas entidades estatais. Assim, ao conferir às pessoas políticas competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições, a Constituição Federal no seu art. 145 classifica juridicamente os tributos, traçando o modelo de cada um deles e vinculando ao legislador ordinário.

De acordo com o magistério de ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “a Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital)  enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.” (Cf. “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 4.ª ed., p. 257).

Nesse mesmo sentido é a orientação que emerge da mais alta Corte Judiciária do país, ‘verbis’: “O fundamento do poder de tributar (...) reside no dever jurídico de essencial e estrita fidelidade dos entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Constituição da República. (v. Despacho do Ministro-Presidente CELSO DE MELLO, publicado no Informativo n.º 125), sendo, portanto, inconstitucional qualquer tributo criado fora desses limites.  

 Vistos esses aspectos, tem-se no caso sob exame que – com fundamento no permissivo do art. 149-A da Constituição Federal – a Câmara de Vereadores de Ilha Bela editou a Lei Municipal n. 500, de 9 de agosto de 2007, decorrente do Projeto de Lei n. 93/2007, de autoria do Chefe do Poder Executivo, instituindo a cobrança de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública que tem por fato gerador, “para os imóveis edificados e cadastrados junto à Concessionária, o custo dos serviços de iluminação pública, mediante ligação regular de energia feita por pessoas natural ou jurídica, localizados no território urbano, nos distritos políticos e bairros dentro da expansão urbana do Município” (art. 2.º), sujeito passivo “todos os proprietários, os detentores do domínio útil ou possuidores a qualquer título, de imóveis edificados, localizados nas áreas urbanas e de expansão urbana do Município” (art. 3.º), base de cálculo “o custo dos serviços de iluminação pública nos termos do parágrafo único do artigo 1º (art. 4.º) e alíquota estabelecida conforme a classe de consumidores e a quantidade de consumo (parágrafo único do art. 4.º).

E, a propósito, vale lembrar que antes de promulgada a EC n.º 39/02, a qual possibilitou a instituição e a cobrança desse tributo, inúmeros Municípios implantaram a taxa de iluminação pública, declarada inconstitucional pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (RREE 231.764 e 233.332), por referir-se a serviço inespecífico e indivisível.

Ocorre que, nada obstante o advento da EC n.º 39/02, quando autorizou a cobrança de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, a Lei n.º 500/2007 contrariou frontalmente a Constituição, fugindo do modelo por esta traçado, ao instituir a progressividade de alíquotas em função da classe de consumidores e da quantidade de consumo, nos termos da tabela que veicula.

Com efeito, a lei em questão dispôs no parágrafo único do art. 4º que “os valores de contribuição são diferenciados em função da classe e faixa de consumo”.

As tabelas do art. 4º demonstram que houve fixação de alíquotas progressivas para a cobrança da contribuição de iluminação pública, em diversas classes: industrial, comercial, residencial, poder público e consumo próprio.

Entretanto, por sua natureza peculiar, a contribuição de iluminação pública não condiz com o regime de alíquotas progressivas, tal como previsto na lei ora discutida, mormente pela ausência de autorização constitucional expressa. Isso significa dizer que esse tipo de tributo não pode variar na razão da presumível capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária. 

Mesmo se fosse juridicamente possível a adoção do critério da progressividade na definição das alíquotas dessa contribuição, o que se admite tão-só para argumentar, não haveria como aferir a capacidade contributiva simplesmente pelo padrão de consumo de energia elétrica medido em Kw/h, de acordo com a respectiva classe de consumidores (Industrial, Comercial, Residencial, Serviço Público e Poder Público), uma vez que esse critério não se presta à efetiva realização da justiça tributária.

Com efeito, o critério legalmente eleito - a quantidade de consumo medida em Kw/h - não permite avaliar a real capacidade econômica do contribuinte. Para que se alcance a isonomia tributária, por meio de avaliação da capacidade econômica do contribuinte, é indispensável a consideração de outros dados, como os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, conforme expresso na regra constitucional.

Apenas para ilustrar essa situação, tome-se como exemplo o imóvel de alto padrão que seja habitado por apenas um morador, o qual passa a maior parte do tempo fora. Certamente, o seu consumo de energia elétrica será infinitamente inferior ao de uma moradia coletiva (v.g. um cortiço), que, em regra, é ocupada por pessoas mais humildes. Por conta do critério legalmente estabelecido, essas últimas serão obrigadas ao pagamento de contribuição de iluminação pública em montante superior ao do primeiro, o que, além de desarrazoado, atenta contra o postulado constitucional da isonomia.

Daí a lúcida advertência lançada pelo Des. PAULO SHINTATE, ao examinar propositura semelhante, “verbis”: “essa progressividade (...) estabelecida de forma desvinculada da objetiva e adequada avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo conduz, ao contrário do pretendido pela norma constitucional, à injustiça e à quebra do princípio da isonomia tributária.” (ADIn n.º 059.340.0/8, j. em 26/04/2000).

E, demais disso, tem prevalecido no Excelso Pretório o entendimento de que o legislador ordinário, fora das hipóteses taxativamente indicadas no texto da Carta Política (arts. 153, § 2.º, I, 153, § 4.º, 156, § 1.º, 182, § 4.º, II, 195, § 9.º), não pode valer-se da progressividade na definição de alíquotas pertinentes à contribuição previdenciária (ADIn n.º 2062/DF) . Embora no precedente em foco tenha sido tratado especificamente da instituição de alíquotas progressivas à cobrança de contribuição previdenciária, os seus fundamentos são aplicáveis a este caso, em que se contesta a adoção por lei do critério da progressividade na cobrança da contribuição de iluminação pública.

De resto, cumpre anotar que, em se tratando de contribuição destinada ao custeio do serviço de iluminação pública, a sua base de cálculo deveria guardar alguma relação com essa atividade estatal. Contudo, a lei prevê que a base de cálculo da CIP é o valor mensal do consumo total de energia elétrica constante na fatura emitida pela empresa concessionária distribuidora.

Após dispor que as alíquotas são diferenciadas, a lei determinou a sua incidência sobre o valor do consumo mensal de energia elétrica (Kw/h) do próprio contribuinte. Assim, para a determinação do montante a ser pago a título de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, basta converter a unidade de medida em expressão monetária e aplicar, sobre o valor apurado, a alíquota respectiva.

Tal critério, “data venia”, é inconstitucional, à medida que a base imponível desse tributo é totalmente dissociada da atuação estatal, pois leva em conta fator que serve de fundamento à cobrança do ICMS: o consumo de energia elétrica pelo contribuinte das classes industrial, comercial e residencial, donde configurada a bitributação.

 Em conclusão, o ato legislativo em epígrafe é materialmente inconstitucional porque: (a) a Constituição não autoriza a adoção de alíquotas progressivas na cobrança da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública; (b) o critério legalmente eleito [que considera apenas a quantidade de consumo medida em Kw/h] não permite determinar a capacidade contributiva, sendo, portanto, ofensivo à razoabilidade e à isonomia, (c) da forma como instituída a sua cobrança, tomando por base o consumo de energia elétrica do contribuinte, a contribuição criada por essa lei praticamente se equipara a imposto estadual (ICMS), donde configurada, na espécie, a bitributação.

Remanesce, no caso, a necessidade da concessão de medida liminar. É que, quando se trata do controle normativo abstrato, e uma vez verificada a cumulativa satisfação dos requisitos legais concernentes ao “fumus boni júris” e ao “periculum in mora”, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia da norma impugnada, até o final julgamento da respectiva ação direta de inconstitucionalidade.

E, nesse passo, releva notar que a plausibilidade jurídica da tese exposta na inicial é evidente, não admitindo maiores questionamentos, ante a adoção por lei de critério de cobrança desarrazoado, arbitrário e que se revela sobremaneira ofensivo ao princípio da isonomia tributária, para o custeio do serviço de iluminação pública.

E, por outro lado, também está delineada a situação de risco, caracterizadora do ‘periculum in mora’, tanto mais porque “em matéria tributária há um permanente estado de ameaça gerada pela potencialidade de ato administrativo fiscal dirigido ao contribuinte” (STJ - 1ª Turma, j. 21.8.97, rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJU de 10.11.97, p. 57.703). Assim, o contribuinte estará sendo compelido a pagar uma exação cuja constitucionalidade é contestada seriamente aqui – e certamente o fará por temor às sérias conseqüências que a lei empresta ao inadimplemento de débitos tributários. Salvo, é claro, se ele estiver amparado pela medida liminar que ora se pleiteia.

Como a CIP atinge milhares de pessoas, a repetição do indébito exigirá a multiplicação de longas e dispendiosas demandas. Ou seja, estar-se-á sujeitando o contribuinte a uma situação semelhante à anacrônica regra do solve et repete.  Em suma: há justo receio de lesão ao direito que tem o contribuinte de não pagar uma dívida tributária cuja fonte normativa foi moldada em total afronta às normas constitucionais. De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do STF, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. CELSO DE MELLO; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

E tais afirmações se ajustam com precisão aos casos, como o presente, cuja matéria em discussão é tributária. Com efeito, as limitações constitucionais ao poder estatal de tributar têm manifesta relevância e é inegável que convém ao bem comum assegurar o efetivo império de seus princípios. Como se sabe, “o exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional, que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes”. Bem por isso, “os princípios constitucionais tributários (...), sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal” (ADIN-MC 712-DF, rel. Min. CELSO DE MELLO, j. em 7.10.92).

Acrescente-se que esse E. Tribunal de Justiça já reconheceu, em precedentes, a inconstitucionalidade de leis municipais que instituem a Contribuição para Custeio da Iluminação Pública, utilizando a progressividade em sua base de cálculo. A título de exemplificação, confira-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Demanda objetivando a desconstituição da Lei nº 1.371, de 3 de dezembro de 2003, do Município de Echaporã, que “dispõe sobre a instituição, no Município de Echaporã da Contribuição para Custeio da Iluminação Pública – CIP, prevista no artigo 149-A da Constituição Federal” – Contribuição para custeio da iluminação pública – Lei que institui alíquotas progressivas – “Art. 5º ‘caput’ – As alíquotas de contribuição são diferenciadas conforme a classe de consumidores e a quantidade de consumo medida em KW/h, conforme a tabela anexo I” – O legislador municipal aplicou o princípio da capacidade contributiva à espécie tributária ‘contribuição’, sem embargo de coadunar-se, apenas, com os ‘impostos’, conforme a letra da Constituição do Estado (art. 160, § 1º), que reproduz a Carta Magna (art. 145, § 1º) – Ainda que assim não fosse, a fruição, pelos contribuintes, da iluminação pública, bem como a repartição, entre eles, dos respectivos custos, não possui qualquer relação direta com os tipos de atividades que desenvolvem, que importam, isso sim, maior ou menor gasto ‘individual’ de energia elétrica, de modo que os fatores eleitos pela lei não podem, juridicamente, servir de discriminantes de alíquotas. Nessa conformidade, a progressividade de alíquotas, presente na espécie dos autos, desatende ao ‘princípio da igualdade tributária’ (C. Est., art. 163, II) Precedentes TJSP – ADIn 104.888-0/0-00, Rel. Des. SOUSA LIMA e TJSP – ADIn 108.351-0/9-00, Rel. Des. BARBOSA PEREIRA. – Impossibilidade de parcial procedência da ação, para permitir que a lei subsista, cobrando-se, apenas, pelo menor valor previsto, pois isso implicaria em estar o Tribunal a legislar (TJSP – ADIn 104.888-0/0-00) 0 – Inconstitucionalidade da Lei n. 1.371, de dezembro de 2003, do Município de Echaporã, por afronta ao artigo 163, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo – Ação procedente.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 132.065-0/4-00 – São Paulo – Órgão Especial – Relator: Mohamed Amaro – 02.08.06 – V.U.; g.n.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE- Lei Complementar nº 03/2002 e Lei Complementar nº 01/2003, do Município de Panorama – Instituição de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública – Inconstitucionalidade – Caracterização – Afronta aos arts. 111, 144, 160, parágrafo 1º, e 163, inciso II, todos da Constituição Estadual – Progressividade de alíquotas – Inexistência de previsão constitucional – Faixas de consumo de energia elétrica – Critério que não permite avaliar a real capacidade contributiva – Inobservância dos princípios da razoabilidade e da isonomia – Subsistência parcial das leis – Impossibilidade – Tribunal que não pode legislar – Leis declaradas inconstitucionais – Ação procedente, mantidos até a data do julgamento os efeitos da liminar” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 130.412-0/4-00 – São Paulo – Órgão Especial – Relator: Sousa Lima – 22.11.06 – V.U.; g.n.).

                   No mesmo sentido: ADI 125.535-0/3-00, rel. Des. Jarbas Mazzoni, j.08.11.06, v.u.; ADI 123.974-0/1-00, rel. Des. Denser de Sá, j.24.01.07, v.u.; ADI 129.272.0/1, rel. Des. Sousa Lima, j.21.03.07, v.u.).

Face ao exposto, requer-se:

a) o recebimento da inicial e o regular processamento da presente ação direta até final julgamento;

b) a colheita das informações necessárias dos Excelentíssimos Senhores Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Ilha Bela, sobre as quais protesta por manifestação oportuna;

c) a oitiva do douto Procurador-Geral do Estado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual;

d) ao final, seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal de n. 500/2007, do Município de Ilha Bela, por violação aos arts. 5.º, 111, 144, 160, § 1.º e 163, inciso II, todos da Constituição Paulista.

São Paulo, 26 de março de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 39.281/08 – MP

Interessado: Promotoria de Justiça de Ilhabela.

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal de n. 500/2007, do Município de Ilhabela.

 

 

1.      Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade da Lei n. 500/2007.

2.      Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.      Extraiam-se cópias dos autos para formação de novos protocolados em relação às demais leis impugnadas.

 

São Paulo, 26 de março de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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