EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 40.550/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.600, de 08 de julho de 2009, do Município de Guararema, e, por arrastamento, do Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009.

 

Ementa:

1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.600, de 08 de julho de 2009, que dispõe sobre a criação do “Cartão Cidadão”, no âmbito do Município de Guararema, e Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009, responsável por estabelecer normas e diretrizes para o “Cartão Cidadão de Guararema”.

2. Inconstitucionalidade da exigência do “Cartão Cidadão” para que a população tenha acesso à educação, saúde, esporte, lazer e assistência social. Afronta aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

3. O pleno acesso aos bens e serviços essenciais, necessários para o desenvolvimento individual e coletivo e para assegurar o bem estar social, é uma decorrência do princípio da universalidade. Todos têm direito ao acesso a todos os serviços. O Poder Público, ademais, tem o dever de prestá-los.

 

         

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 2.600, de 08 de julho de 2009, do Município de Guararema, e, por arrastamento, do Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.

A Lei nº 2.600, de 08 de julho de 2009, que dispõe sobre a criação do Cartão Cidadão de Guararema, no âmbito do Município de Guararema, dispõe:

Art. 1º - Fica criado o Cartão Cidadão de Guararema no âmbito do Município de Guararema.

Art. 2º - O Cartão de Guararema passará a ser uma identidade do morador do Município.

 Art. 3º - O Cartão Cidadão de Guararema será pessoal e intransferível e não poderá ser cedido ou emprestado a qualquer título. Seu extravio, perda ou roubo deverá ser comunicado sempre à Coordenação do Cartão Cidadão de Guararema.

Parágrafo Único – O Cartão Cidadão será um direito de todo morador da cidade, para utilização de todos os serviços oferecidos pela Rede Pública Municipal, sejam eles das áreas da Saúde, Educação e Cultura, Esportes e Lazer, Assistência Social e Cidadania, Turismo, entre outros, que a Prefeitura de Guararema ofereça (g.n.).

Art. 4º - O Munícipe interessado no Cartão Cidadão de Guararema deverá se cadastrar por ocasião do Censo Municipal.

§ 1º - Concluído o Censo Municipal, o cadastramento deverá ser feito na Sede da Coordenação do Cartão de Guararema, localizado na Avenida Professor Lucas Nogueira Garcez, nº350, Centro, neste Município.

§ 2º - Para o cadastramento, servirão como comprovantes de residência no Município:

a) Imposto Predial e Territorial Urbano ( carnê do IPTU );

b) Imposto Territorial Rural ( carnê do ITR );

c) Contrato de locação, com firma reconhecida;

d) Declaração do empregador, quando a residência for cedida gratuitamente, contendo todos os dados do imóvel e com firma reconhecida.

Art. 5º - As despesas decorrentes com a aplicação da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 6º - Esta Lei será regulamentada pelo Chefe do Poder Executivo Municipal dentro de 60 ( sessenta ) dias a contar da data de sua promulgação.

A fim de regulamentar a Lei Municipal nº 2.600, de 08 de julho de 2009, o Chefe do Executivo de Guararema editou o Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009, responsável por estabelecer normas e diretrizes para o “Cartão Cidadão de Guararema”. Eis o teor do Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009:

Art.1º - Este Decreto estabelece normas e diretrizes que regulamentam a Lei Municipal nº 2.600, de 08 de julho de 2009, a qual dispõe sobre a criação do Cartão Cidadão de Guararema, e revoga o Decreto nº 2.668, de 04 de setembro de 2009.

Art.2º - O Cartão Cidadão de Guararema passa a ser uma identidade do morador do Município de Guararema perante a Administração Pública Municipal.

Art.3º - O Cartão Cidadão de Guararema é pessoal e intransferível, não podendo ser cedido ou emprestado a qualquer título.

Parágrafo único - O responsável pelo mau uso do Cartão responderá civil e criminalmente, caso seja constatado o disposto no caput deste artigo.

Art.4º - O Cartão Cidadão de Guararema é um direito de todo morador da cidade, para utilização de todos os serviços oferecidos pela Rede Pública Municipal.

Art.5º - O Cartão Cidadão de Guararema, de porte obrigatório, será exigido nas seguintes dependências, a partir de 01 de fevereiro de 2010:

I - CESAP (Centro de Especialidades de Saúde e Atendimento à População);

II – Unidade Móvel de Saúde;

III – UBS – Unidade Básica de Saúde do Bairro Lambari e demais UBS que vierem a ser inauguradas pela Administração Municipal;

IV – Secretaria Municipal de Educação e Cultura, para:

a) retirada de passe escolar para utilização do transporte escolar;

b) matrículas e rematrículas nas escolas da Rede Municipal de Ensino;

c) matrículas e rematrículas em cursos promovidos pelo Poder Público.

V – Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, nos respectivos programas municipais e demais eventos esportivos e de Lazer;

VI – Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania, em todas as suas unidades e respectivos programas municipais;

VII – Secretaria Municipal de Administração e Finanças, como documento de identificação em solicitações e requisições diversas de interesse do munícipe, junto ao Setor de Arquivo e Protocolo;

VIII – demais programas e eventos promovidos pela Administração Municipal.

Parágrafo único - Os futuros projetos e recursos em benefício da população, bem como outros programas municipais que utilizem outro tipo de cartão, poderão ser inseridos no Cartão Cidadão e terão seu regulamento por meio de Decreto próprio.

Art.6º - Os novos cadastramentos deverão ser feitos na Sede da Coordenação do Cartão Cidadão, localizada na Avenida Professor Lucas Nogueira Garcez, nº 350, Centro, neste Município.

Art.7º - Somente serão aceitos os seguintes documentos como comprovantes de residência no Município:

I – Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU);

II – Imposto Territorial Rural (ITR);

III – Contrato de locação, com firma reconhecida;

IV – Declaração do empregador, quando a residência for cedida gratuitamente, contendo todos os dados do imóvel e com firma reconhecida.

§1º - Fica resguardado ao Município de Guararema verificar a veracidade dos comprovantes de residência acima expostos por meio de todas as provas em Direito admitidas.

§2º - A apresentação de quaisquer documentos ou declarações falsas será objeto de procedimentos administrativos e/ou judiciais, com a consequente apuração de responsabilidade.

§3º - Os casos omissos que não se enquadrem nos incisos deste artigo serão analisados por Comissão a ser designada pelo Prefeito Municipal e pela Coordenação do Cartão Cidadão, por meio de comprovação física e vistoria do local, com registro em processo administrativo, autuado no Setor de Arquivo e Protocolo.

Art.8º - O pedido de 2ª (segunda) via do Cartão Cidadão deverá ser feito junto à Coordenação do Cartão Cidadão.

§1º – Para emissão da segunda via será cobrada taxa no valor correspondente a 1/3 (um terço) da Unidade Fiscal do Município.

§2º – Haverá isenção da cobrança da taxa caso seja requerida a segunda via do Cartão em razão de emissão equivocada ou com a grafia incorreta.

Art.9º - Qualquer alteração cadastral, seja ela por mudança de residência, número de telefone, endereço eletrônico, estado civil, ou outras consideradas relevantes, deverá ser comunicada à Coordenação do Cartão Cidadão, no prazo de 15 (quinze) dias.

Importante mencionar que o art. 2º do Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009, afirma que o Cartão Cidadão de Guararema “passa a ser uma identidade do morador do Município de Guararema perante a Administração Pública Municipal” e, segundo o art. 4º do mesmo Decreto, “O Cartão Cidadão de Guararema é um direito de todo morador da cidade, para utilização de todos os serviços oferecidos pela Rede Pública Municipal”.

O mais grave está no fato de que o art. 5º torna o referido “Cartão Cidadão” como de porte obrigatório, devendo ser exigido em diversos estabelecimentos.

É possível afirmar que a Lei impugnada e o Decreto que a regularmentou ofendem frontalmente os seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 217; 219; 222/224; 237/240; 248/253 e 277.

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

Conforme bem percebido pelo Membro do Ministério Público da Comarca de Guararema, ao arguir incidentalmente a inconstitucionalidade das normas ora guerreadas em sede de ação civil pública, “o Poder Público municipal pretende, na realidade, que referido cartão seja meio de identificar as pessoas que efetivamente residem no município e, com isso, excluir do atendimento à saúde, educação, lazer, turismo e assistência social e a todos os direitos essenciais garantidos aquelas pessoas que não possuam o cartão, quer porque aqui se encontram apenas em trânsito, ou que não tenham comprovado que residem na cidade”(fls.14).

Com efeito, nota-se das informações que acompanham a presente ação direta de inconstitucionalidade, colhidas pelo Membro do Ministério Público da Comarca de Guararema, que mencionado “Cartão Cidadão” está sendo exigido da população para que tenha acesso à educação, saúde, esporte, lazer e assistência social, criando, assim, uma situação de exclusão, em afronta aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Há evidente inconstitucionalidade quando se requer documento obrigatório para utilização de todos os serviços oferecidos pela Rede Pública Municipal, em suas diversas frentes (saúde, educação, cultura, esportes, lazer, assistência social, turismo, etc).

São ofendidos, assim, os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo:

Artigo 217 - Ao Estado cumpre assegurar o bem-estar social, garantindo o pleno acesso aos bens e serviços essenciais ao desenvolvimento individual e coletivo.

(...).

Artigo 219 - A saúde é direito de todos e dever do Estado.

Parágrafo único - Os Poderes Públicos Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante:

1 - políticas sociais, econômicas e ambientais que visem ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade e à redução do risco de doenças e outros agravos;

2 - acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis;

3 - direito à obtenção de informações e esclarecimentos de interesse da saúde individual e coletiva, assim como as atividades desenvolvidas pelo sistema;

4 - atendimento integral do indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde.

(...).

Artigo 222 - As ações e os serviços de saúde executados e desenvolvidos pelos órgãos e instituições públicas estaduais e municipais, da administração direta, indireta e fundacional, constituem o sistema único de saúde, nos termos da Constituição Federal, que se organizará ao nível do Estado, de acordo com as seguintes diretrizes e bases:

I - descentralização com direção única no âmbito estadual e no de cada Município, sob a direção de um profissional de saúde;

II - municipalização dos recursos, serviços e ações de saúde, com estabelecimento em lei dos critérios de repasse das verbas oriundas das esferas federal e estadual;

III - integração das ações e serviços com base na regionalização e hierarquização do atendimento individual e coletivo, adequado às diversas realidades epidemiológicas;

IV - universalização da assistência de igual qualidade com instalação e acesso a todos os níveis, dos serviços de saúde à população urbana e rural;

V - gratuidade dos serviços prestados, vedada a cobrança de despesas e taxas, sob qualquer título.

Parágrafo único - O Poder Público Estadual e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

1 - no caso do Estado, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 165 da Constituição Estadual e dos recursos de que tratam os artigos 157 e 159, I, "a", e II, da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos Municípios;

2 - no caso dos Municípios, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 156 da Constituição Federal e dos recursos de que tratam os artigos 158, I e II, e 159, I, "b", da Constituição Federal e artigo 167 da Constituição Estadual.

Artigo 223 - Compete ao Sistema Único de Saúde, nos termos da lei, além de outras atribuições:

I - a assistência integral à saúde, respeitadas as necessidades específicas de todos os segmentos da população;

II - a identificação e o controle dos fatores determinantes e condicionantes da saúde individual e coletiva, mediante, especialmente, ações referentes à:

a) vigilância sanitária;

b) vigilância epidemiológica;

c) saúde do trabalhador;

d) saúde do idoso;

e) saúde da mulher;

f) saúde da criança e do adolescente;

g) saúde dos portadores de deficiências.

III - a implementação dos planos estaduais de saúde e de alimentação e nutrição, em termos de prioridades e estratégias regionais, em consonância com os Planos Nacionais;

IV - a participação na formulação da política e na execução das ações de saneamento básico;

V - a organização, fiscalização e controle da produção e distribuição dos componentes farmacêuticos básicos, medicamentos, produtos químicos, biotecnológicos, imunobiológicos, hemoderivados e outros de interesse para a saúde, facilitando à população o acesso a eles;

VI - a colaboração na proteção do meio ambiente, incluindo do trabalho, atuando em relação ao processo produtivo para garantir:

a) o acesso dos trabalhadores às informações referentes a atividades que comportem riscos à saúde e a métodos de controle, bom como aos resultados das avaliações realizadas;

b) a adoção de medidas preventivas de acidentes e de doenças do trabalho;

VII - a participação no controle e fiscalização da produção, armazenamento, transporte, guarda e utilização de substâncias de produtos psicoativos, tóxicos e teratogênicos;

VIII - a adoção de política de recursos humanos em saúde e na capacitação, formação e valorização de profissionais da área, no sentido de propiciar melhor adequação às necessidades específicas do Estado e de suas regiões e ainda àqueles segmentos da população cujas particularidades requerem atenção especial, de forma a aprimorar a prestação de assistência integral;

IX - a implantação de atendimento integral aos portadores de deficiências, de caráter regionalizado, descentralizado e hierarquizado em níveis de complexidade crescente, abrangendo desde a atenção primária, secundária e terciária de saúde, até o fornecimento de todos os equipamentos necessários à sua integração social;

X - a garantia do direito à auto-regulação da fertilidade como livre decisão do homem, da mulher ou do casal, tanto para exercer a procriação como para evitá-la, provendo por meios educacionais, científicos e assistenciais para assegurá-lo, vedada qualquer forma coercitiva ou de indução por parte de instituições públicas ou privadas;

XI - a revisão do Código Sanitário Estadual a cada cinco anos;

XII - a fiscalização e controle do equipamento e aparelhagem utilizados no sistema de saúde, na forma da lei.

(...).

Artigo 237 - A educação, ministrada com base nos princípios estabelecidos no artigo 205 e seguintes da Constituição Federal e inspirada nos princípios de liberdade e solidariedade humana, tem por fim:

I - a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade;

II - o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais da pessoa humana;

III - o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional;

IV - o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum;

V - o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos conhecimentos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio, preservando-o;

VI - a preservação, difusão e expansão do patrimônio cultural;

VII - a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe, raça ou sexo;

VIII - o desenvolvimento da capacidade de elaboração e reflexão crítica da realidade.

Artigo 238 - A lei organizará o Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, levando em conta o princípio da descentralização.

Artigo 239 - O Poder Público organizará o Sistema Estadual de Ensino, abrangendo todos os níveis e modalidades, incluindo a especial, estabelecendo normas gerais de funcionamento para as escolas públicas estaduais e municipais, bem como para as particulares.

§ 1º - Os Municípios organizarão, igualmente, seus sistemas de ensino.

§ 2º - O Poder Público oferecerá atendimento especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na rede regular de ensino.

§ 3º - As escolas particulares estarão sujeitas à fiscalização, controle e avaliação, na forma da lei.

Artigo 240 - Os Municípios responsabilizar-se-ão prioritariamente pelo ensino fundamental, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria, e pré-escolar, só podendo atuar nos níveis mais elevados quando a demanda naqueles níveis estiver plena e satisfatoriamente atendida, do ponto de vista qualitativo e quantitativo.

(...).

Artigo 277 - Cabe ao Poder Público, bem como à família, assegurar à criança, ao adolescente, ao idoso e aos portadores de deficiências, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e agressão.

Parágrafo único - O direito à proteção especial, conforme a lei, abrangerá, entre outros, os seguintes aspectos:

1 - Garantia à criança e ao adolescente de conhecimento formal do ato infracional que lhe seja atribuído, de igualdade na relação processual, representação legal, acompanhamento psicológico e social e defesa técnica por profissionais habilitados;

2 - obrigação de empresas e instituições, que recebam do Estado recursos financeiros para a realização de programas, projetos e atividades culturais, educacionais, de lazer e outros afins, de preverem o acesso e a participação de portadores de deficiências.

Pode-se inferir que o pleno acesso aos bens e serviços essenciais, necessários para o desenvolvimento individual e coletivo e para assegurar o bem estar social é uma decorrência do princípio da universalidade.

Significa dizer que todos têm direito ao acesso a todos os serviços, ao passo que o Poder Público tem o dever de prestá-los. O art. 277 da Constituição do Estado de São Paulo é categórico quanto afirma que compete ao Poder Público assegurar à criança, ao adolescente, ao idoso e aos portadores de deficiências, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de discriminação.

Com efeito, observa José Afonso da Silva que “é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008, 308).

O mesmo raciocínio vale para o exercício dos demais direitos fundamentais.

Não é razoável exigir que para a utilização dos serviços oferecidos pela Rede Pública Municipal de Guararema, sejam eles das áreas da Saúde, Educação e Cultura, Esportes e Lazer, Assistência Social e Cidadania, Turismo, entre outros, exija-se a apresentação de um determinado documento, exclusivo para aqueles que residem no município.

É de se mencionar que o “direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço”(AI 734487 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010).

Nos mesmos moldes, o Pretório Excelso assentou que “a educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil” (RE 603575 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010).

3. CONCLUSÃO E PEDIDO.

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade das normas aqui apontadas.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2600, de 08 de julho de 2009, do Município de Guararema, bem como do Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009, por arrastamento, responsável por estabelecer normas e diretrizes para o “Cartão Cidadão de Guararema”.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 14 de setembro de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

Ef

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 40.550/2010

Interessado:  Promotoria de Justiça de Guararema

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.600, de 08 de julho de 2009, do Município de Guararema, e, por arrastamento, do Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009.

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 2.600, de 08 de julho de 2009, do Município de Guararema, e, por arrastamento, do Decreto n. 2.716, de 28 de dezembro de 2009, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 14 de setembro de 2010.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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