EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n :  41. 622/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.272/09, do Município de Caieiras.

 

 

Ementa.  1) Lei Municipal n. 4.272, de 19 de março de 2009, do Município de Caieiras, que “dispõe sobre permissão de uso de imóvel de propriedade do Município ao Supermercado Grande Caieiras Ltda., e dá outras providências”. 2) Diploma que não observa o princípio da licitação, nem da isonomia.; 3) Violação aos arts 111, 117 e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo; 4) Inconstitucionalidade constatada. 5) Ação Direta visando à declaração de inconstitucionalidade da norma legal impugnada.

 

 

         O   PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,  no exercício  da  atribuição prevista no artigo 116,     inciso   VI, da Lei Complementar n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto  nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição da República e artigo 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 41622/2009), vem,   respeitosamente, promover perante esse  Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE  INCONSTITUCIONALIDADE,  postulando   a  inconstitucionalidade do Lei Municipal n. 4.272, de 19 de março de 2009, do Município de Caieiras, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor .

 

 

        A Lei Municipal n. 4.272, de 19 de março de 2009, do Município de Caieiras, que “dispõe sobre permissão de uso especial de imóvel de propriedade do Município ao Supermercado Grande Caieiras Ltda., e dá outras providências”,  apresenta a seguinte redação:

 

         Artigo 1º - Fica o Poder executivo autorizado a ceder ao SUPERMERCADO GRANDE CAIEIRAS LTDA., localizado na Rua João Massaia, n. 40, Laranjeiras, inscrito no CNPJ sob n. 10.475.341/0001-40, a título de permissão de Uso especial, gratuitamente, nos termos do Processo n. 2650/2009, um imóvel de propriedade do Município com área de 142,56m2, descrita no  Artigo 3º desta Lei.

 

         Artigo 2º - O imóvel a ser cedido tem a seguinte característica e benfeitorias conforme Memorial Descritivo elaborado pela Secretaria Municipal de obras, Projetos e Planejamento, que fica fazendo parte integrante desta Lei;

SITUAÇÃO: Localiza-se na Avenida Paulicéia, Viela 01, jardim das laranjeiras, Município de Caieiras, Comarca de Franco da Rocha, Estado de São Paulo.

ÁREA: 142,56m2

PROPRIETÁRIO: PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE CAIEIRAS

DIVISAS E CONFRONTAÇÕES: Com frente para a Avenida Paulicéia, onde mede 4,00 metros da frente aos fundos, do lado direito de quem da avenida olha o imóvel mede 35,64 metros, confrontando com Antonio Souza Dantas (Divisa de Gleba); do lado esquerdo mede 35,64 metros, confrontando com o lote 01 da quadra B, nos fundos mede 4,000m, confrontando com a área de uso institucional, perfazendo a área total de 142, 56 m2.

 

         Artigo 3º - A Permissão de Uso Especial que trata o art. 1º será pelo prazo de 15 (quinze) anos, podendo ser prorrogada por iguais períodos permanecendo o interesse público, e regulamentada através de Contrato, onde constarão as cláusulas de permissão e de resolução.

 

         Artigo 4º - Findo o prazo de permissão de uso especial, em não havendo prorrogação ou havendo resolução contratual, todas e quaisquer benfeitorias já existentes ou que forem realizadas no imóvel descrito no art. 2º , passarão a pertencer ao Patrimônio Público Municipal, sem que caiba ao permissionário, direito a qualquer indenização ou retenção.

 

         Artigo 5º - O imóvel descrito e caracterizado no Artigo 3º fica desafetado de sua destinação original passando a categoria de bem patrimonial disponível.

 

         Artigo 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.      

 

 

          Referida legislação, como se verá, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, em especial com as seguintes disposições:

 

           “Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

 

           Art. 117 – Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

 

           Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

 

 

 

 

         A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se nota da exegese dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da Constituição Federal.

 

         Na definição de José Afonso da Silva, autonomia é a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior, que no caso é a Constituição.  Verifica-se, pois, que essa autonomia consagrada ao Município não tem caráter absoluto e soberano, ao contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo.

 

         A autonomia municipal assenta-se em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local.

 

 

 

         Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração), conforme o mesmo autor.  

 

         Por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para administrar seus próprios interesses, segundo suas conveniências locais. Mas a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais e estaduais pertinentes.

 

         Todavia,  verifica-se que o Prefeito de Caieiras através da mencionada lei, concedeu a outorga de permissão de uso na área pré-estabelecida,  a determinada pessoa jurídica (Supermercado Grande Caieiras Ltda.)  para construção e exploração de atividades comerciais ligadas a este ramo, sem a devida  licitação, como lhe era exigido segundo a regra inscrita no art. 117, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

         Maria Sylvia Zanella Di Pietro, lembrando o conceito de José Roberto Dromi define licitação “como o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato”.  É comum na Administração Pública a contratação com terceiros. Consoante leciona Marçal Justen Filho, citando Cirne Lima, “o fim, - e não a vontade -, domina todas as formas de administração”.

 

         A falta de licitação é apenas um dos  vícios materiais encontrados nesse Decreto. Aliás, sobre o tema Marçal Justen Filho afirma: “Deve tomar-se em vista, como ponto de partida, a previsão constitucional de que todas as contratações administrativas serão precedidas de licitação, ressalvadas as exceções indicadas em lei. Portanto, a regra geral será a da licitação prévia.” 

 

         Referida Lei malferiu, ainda, os princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade, ao permitir que  determinado Supermercado fosse contemplado com a outorga da permissão de uso para construção e exploração de atividades comerciais, em área pública, bem de uso comum de todo o povo. É de conhecimento geral que o Poder Público age em nome do Estado, não podendo favorecer quem quer que seja, sob pena de invalidade dos atos que produzir. Para a doutrina, o princípio da impessoalidade ou da finalidade “exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública”, de modo que “o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros.”

 

         Em conseqüência, não só a impessoalidade foi quebrada, mas também a isonomia, pois o favorecimento de alguns em detrimento de outros importa no descumprimento dos mais comezinhos princípios constitucionais, que é o de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sobre isso, José Afonso da Silva leciona: “Há duas formas de cometer essa inconstitucionalidade. Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. Neste caso, não se estendeu às pessoas ou grupos discriminados o mesmo tratamento dado aos outros. O ato é inconstitucional, sem dúvida, porque feriu o princípio da isonomia”.

 

          O desprezo à ordem jurídica institucional gera violação ao princípio da moralidade, pois não se pode permitir que a administração pública aja sem isenção e ao arrepio da ordem constitucional.

 

         Portanto, o agente público, incluído aquele que detém mandato eletivo está preso à observação das normas e princípios constitucionais, como previsto no art. 111, da Carta Estadual.

 

 

 

 

         E, no caso em exame isso não ocorreu. Ao permitir que o Município de Caieiras outorgasse  a permissão de uso a determinado Supermercado para a construção e exploração de atividades comerciais ligadas a esse ramo, o Chefe do Poder Executivo local afrontou os mais comezinhos princípios administrativos, quais sejam, o da impessoalidade, da igualdade, da moralidade e o da Licitação.

 

         Assim, afigura-se irrecusável que a legislação em exame é verticalmente incompatível com os arts. 111 e 117 da Constituição do Estado de São Paulo, preceitos esses que são de observância obrigatória pelos Municípios, por força do disposto no art. 144 dessa mesma Carta, impondo-se, por conseguinte, a sua exclusão do ordenamento constitucional em vigor.

 

         Nestes termos, requeiro seja determinado o processamento da presente ação, colhendo-se informações pertinentes do Prefeito e da Câmara      de     Vereadores   de   Caieras, sobre as quais me manifestarei no momento processual oportuno, vindo, no final, a ser reconhecida e proclamada a inconstitucionalidade da Lei n. 4.272, de 19 de março de 2009, do Município de Caieiras, adotando-se, após, as providências necessárias à suspensão definitiva dos efeitos de sua execução.

 

 

 

 

         Requer-se ainda seja citado o Procurador-Geral do Estado, para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

 

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

                               São Paulo,  14 de julho de 2009.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n : 41.622/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.272, de 19 de março de 2009, do Município de Caieiras.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Municipal n. 4.272, de 19 de março de 2009, do Município de Caieiras, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                   São Paulo, 14 de julho de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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