EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 42.067/11
Assunto: Inconstitucionalidade do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo PGJ, em face do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba. Ofensa aos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, previstos no art. 111 da Constituição do Estado. Precedentes. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade do ato normativo.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba.
1. DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
O art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba, dispõe:
Art. 33. Em caso de empate na classificação, terá preferência para nomeação o candidato já pertencente ao serviço público municipal, estadual ou federal, observada essa ordem de preferência, e, dentre eles, persistindo o empate, o mais antigo.
Parágrafo único. No caso de empate entre candidatos que não pertençam ao serviço público, será nomeado o mais idoso.
Contudo, é possível afirmar que referida norma ofende frontalmente o art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.
É o que será demonstrado a seguir.
2. DA FUNDAMENTAÇÃO
A propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade decorre do acolhimento de representação subscrita pelo Dr. JOSÉ AUGUSTO MUSTAFÁ, DD Promotor de Justiça de Araçatuba.
Deflui do expediente por ele remetido e que ora integra a presente inicial que o art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba, fere os princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, todos previstos no art. 111 da Constituição do Estado.
Cuida-se de regra não razoável, que prejudica, injustificadamente, candidatos por conta de exercerem funções públicas em entidades diversas.
Ora, na ordem constitucional em vigor, os Municípios integram a Federação e são dotados de “autonomia administrativa” (cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional, 8ª. ed., São Paulo, Malheiros, p. 544), que vem a ser a capacidade de organizar e dirigir os seus próprios serviços.
Como consectário da “autonomia administrativa”, os
Municípios brasileiros dispõem de competência para organizar o seu próprio
funcionalismo, de acordo com as conveniências locais, e, para tanto, “a Administração cria cargos e funções,
institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece
vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores”
(Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo,
Malheiros, p. 420), mas é obrigada a observar ‘as normas
constitucionais aplicáveis aos servidores públicos em geral’ (CF, arts.
A Constituição Paulista, a seu turno, consagra a regra segundo a qual “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.” (art. 115, II).
Esse preceito, que encontra fundamento de validade nos postulados básicos da isonomia e moralidade (cf. Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 9ª. ed., São Paulo, Atlas, p. 318-319), reproduz norma constitucional federal (CF, art. 37, II) cuja observância é obrigatória por todas as entidades de direito público, de conformidade com o disposto no art. 144 dessa mesma Carta Política.
É certo que, quando a Constituição impõe a obrigatoriedade do concurso público para o preenchimento dos cargos e empregos públicos, faculta a avaliação dos candidatos por provas ou por provas e títulos.
Não admite, entretanto, que, elegendo-se o certame de provas e títulos, atribua-se preferência a quem já pertença ao serviço público, sobretudo preferindo os servidores do âmbito municipal.
O critério de desempate é abusivo e o tema não é novo para esse E. Tribunal de Justiça.
Confira-se:
FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL – Concurso público – Anulação – Prova de títulos que considera apenas o tempo de serviço público prestado no município – Inadmissibilidade – Concurso que teve por finalidade efetivar em cargos públicos superiores os funcionários do município – Inobservância dos princípios da impessoalidade, da moralidade administrativa, da igualdade e da legalidade. Recurso provido (TJSP – Apelação Cível nº 177.932-1 – Bragança Paulista – Rel. Alfredo Migliore – 7 Dez. 1992).
Não é outro o entendimento do STF, como demonstram os seguintes julgados:
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Art. 17, I e II, da Lei n° 12.919, de 29 de junho de 1998, do Estado de Minas
Gerais. 2. Concurso Público de Ingresso e Remoção nos Serviços Notarias e de
Registro. 3. Apresentação dos seguintes títulos: a) "tempo de serviço prestado como titular, interino, substituto
ou escrevente em serviço notarial e de registro" (art. 17, I); b)
"apresentação de temas em congressos relacionados com os serviços
notariais e registrais" (art. 17, II). 4. Violação ao princípio constitucional da isonomia. 5.
Precedentes: ADI n° 3.522/RS; ADI 3.443/MA; ADI n° 2.210/AL. 6. Medida cautelar
julgada procedente.
(ADI 3580 MC, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2006, DJ 10-03-2006 PP-00006 EMENT
VOL-02224-01 PP-00121 LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 71-76)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. REGULAMENTO nº 7/2004, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, INCISOS I E II DO ART. 31. PROVA DE TÍTULOS: EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS. I. - Viola o princípio constitucional da isonomia norma que estabelece como título o mero exercício de função pública. II. - ADI julgada procedente, em parte (ADI 3443, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2005, DJ 23-09-2005 PP-00006 EMENT VOL-02206-1 PP-00200 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 75-81).
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EDITAL DE
CONCURSO PÚBLICO DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. PREVISÃO DE PONTUAÇÃO AOS SERVIDORES NÃO
ESTÁVEIS, BEM COMO A APROVAÇÃO EM QUALQUER CONCURSO PÚBLICO, SEM DIFERENCIAÇÃO
DE NÍVEL DE GRADUAÇÃO, DESIGUALA OS CONCORRENTES, EM OFENSA AO PRINCÍPIO DA
ISONOMIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE, AO NÃO TRAZER O NOME DOS
CANDIDATOS E OS RESPECTIVOS NÚMEROS DE INSCRIÇÃO. "FUMUS BONI IURIS"
E "PERICULUM IN MORA" CONFIGURADOS. SUSPENSÃO DE ITENS DO EDITAL.
LIMINAR DEFERIDA (ADI 2206 MC, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal
Pleno, julgado em 08/11/2000, DJ 01-08-2003 PP-00100 EMENT VOL-02117-33
PP-06964).
EMENTA: I. Concurso para a magistratura: argüição
de inconstitucionalidade da resolução que o dispensa - aprovado pelo Tribunal
de Justiça - e do edital - baixado por seu Presidente, por não ter participado
a Ordem dos Advogados do Brasil da elaboração de tais atos normativos: ação
direta inadmissível no ponto, porque, outorgadas as competências do Tribunal e
de seu Presidente pela lei, a existir, a inconstitucionalidade direta seria
desta, a lei, e não, dos atos normativos que, com base na competência legal,
foram baixados. II. Concurso para a magistratura: exigência constitucional de
participação da OAB "em todas as suas fases": conseqüente plausibilidade
da argüição de inconstitucionalidade das normas regulamentares do certame que:
(a) confiaram exclusivamente ao Presidente do Tribunal de Justiça, com recurso
para o plenário deste, decidir sobre os requerimentos de inscrição; (b)
predeterminaram as notas a conferir a cada categoria de títulos: usurpação de
atribuições da comissão, da qual há de participar a Ordem. III. Concurso público para a magistratura: títulos: plausível a
invocação do princípio constitucional da isonomia contra a validade de normas
que consideram título o mero exercício de cargos públicos, efetivos ou
comissionados, privativos ou não de graduados em Direito
(ADI 2210 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Tribunal Pleno, julgado em 28/09/2000, DJ 24-05-2002 PP-00053 EMENT
VOL-02070-02 PP-00284) (g.n.).
Conforme bem observado pelo Membro do Ministério Público da Comarca de Araçatuba, em sua representação, “o tratamento privilegiado constante da Lei Municipal se mostra afrontoso à moralidade e à legalidade administrativa e ofende o cânone da regular e igualitária acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas, assegurado a todos os concorrentes em igualdade de condições”(fls. 04).
Em conclusão, não há o que justifique, para fins de concurso público, a benesse do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba, que, à vista desarmada, opõe-se aos princípios da impessoalidade, da igualdade e da moralidade administrativas.
3. PEDIDO DE LIMINAR
Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.
A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo impugnado, instalar-se-á, provavelmente, a situação consumada decorrente da nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos com regras viciadas.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública.
Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal no aspecto administrativo.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, ou seja, do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba, durante o trâmite da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.
4. CONCLUSÃO E
PEDIDO
Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 16 de junho de 2011.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
ef
Protocolado nº 42.067/11
Assunto: Inconstitucionalidade do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 33 da Lei Municipal n. 3.774, de 28 de setembro de 1992, do Município de Araçatuba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 16 de junho de 2011.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
ef