Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 44.076/09
Assunto: Inconstitucionalidade das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Leis do Município de Sumaré. Inconstitucionalidade. 1) Criação artificial, excessiva e abusiva de cargos ou empregos de provimento em comissão que não expressam atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, mas, funções operacionais, profissionais e técnicas, e, ainda, não descrevem suas atribuições respectivas. 2) Constituição Estadual: arts. 5º, § 1º, 24, § 2º, 1, 111, 115, II, V e XI, 144 e 297.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – Os Atos Normativos
Impugnados
1. A Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, estabeleceu a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Sumaré, criando nos órgãos administrativos vários empregos de provimento em comissão.
2. Basicamente a estrutura das Secretarias Municipais conta com os empregos de Secretário Municipal, Diretor de Departamento, Chefe de Gabinete e inúmeras outras chefias, coordenadorias, assessorias técnicas, e assessorias de coordenação de equipe, como se verifica dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, e dentre eles, os de Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III.
3. Na mesma data foi editada a Lei n. 3.771 dispondo no art. 9º que “os empregos de comissão serão criados pela Lei que versa sobre a Reestruturação Administrativa Municipal”. Em seu art. 16, § 1º, d, menciona os empregos do Grupo Ocupacional Chefia, Assessoramento e Coordenação, descrevendo em seguida que:
“Art. 17. Cada um dos empregos
classificados na forma do artigo anterior possuirá características próprias,
que refletem o grau de qualificação, a especialização e a responsabilidade
exigidas para a execução das tarefas propostas.
(...)
IV – CHEFIA, ASSESSORAMENTO E
COORDENAÇÃO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
a – Os empregos de Assessor de
Coordenação de Equipe tem como Requisitos Mínimos de Qualificação:
preferencialmente, escolaridade e especialização idêntica ou aproximada aos
exigidos para o nível da equipe na qual preste assessoria ao Coordenador.
Referências, conforme o nível em que seja inserido, o emprego de Assessor de
Coordenação de Equipe de provimento em Comissão terá referência diversa,
conforme segue abaixo:
Assessor de Coordenação de Equipe
I Nível I Referência CC01
Assessor de Coordenação de Equipe
II Nível II Referência CC02
Assessor de Coordenação de Equipe
III Nível III Referência CC03
Assessor de Coordenação de Equipe
IV Nível IV Referência CC04
b - Os empregos de Coordenação de
Equipe tem como Requisitos Mínimos de Qualificação: Preferencialmente,
escolaridade e especialização idêntica ou aproximada aos exigidos para o nível
a que venha coordenar. Referências, conforme o nível em que seja inserido, o
emprego de Coordenação de Equipe de provimento em Comissão terá referência
diversa, conforme segue abaixo:
Coordenador de Equipe I Nível V
Referência CC05
Coordenador de Equipe II Nível VI
Referência CC06
Coordenador de Equipe III Nível VII
Referência CC07
(...)
e – Grupo Ocupacional Chefia,
Assessoramento e Coordenação. Assessor Técnico: Realiza assessoria em assuntos
específicos, inserindo-os na realidade global do Município e da Administração
Pública. Direciona e sugere condutas e ações baseado em critérios de
especialização que envolvam a aplicação de conhecimentos aprofundados nas áreas
técnica, administrativa e operacional do órgão que assessora, no sentido de
alcançar as metas e objetivos da Administração Municipal, influindo, ainda,
nestas metas e objetivos e nas decisões tomadas pelo Secretário Municipal e
demais chefias do órgão que assessora. O emprego requer conhecimento
aprofundado de questões atuais, além de presença de espírito para ordenar
tarefas e resolver os problemas que se apresentam de forma rápida e eficiente.
Preferencialmente, o nomeado apresentará Ensino Superior completo e
especialização na área de atuação do órgão que assessore. Subdivide-se em
quatro a saber:
Assessor Técnico I Nível VIII Referência CC08
Assessor Técnico II Nível IX Referência CC09
Assessor Técnico III Nível X Referência CC10
Assessor Técnico IV Nível XIII Referência CC14”.
4. Posteriormente, a Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, alterou a Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, modificando as remunerações e a lotação (quantidade de empregos), inclusive dos empregos públicos comissionados de Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III.
5. As informações colhidas demonstram elevado número de cargos de provimento em comissão na Administração Pública municipal. Considerando o total de 3.716 cargos ou empregos ocupados, contabilizam-se 3.078 de provimento efetivo e 638 de provimento em comissão (fl. 794). Destarte, representam os comissionados aproximadamente 18% dos servidores públicos municipais investidos, sendo a maior parte investida justamente nesses empregos de assessor técnico (57), assessor de coordenação de equipe (151) e coordenador de equipe (130). Esse total de 338 representa aproximadamente 52% dos empregos comissionados do Poder Executivo de Sumaré.
6. Com efeito, da tabela (fls. 791/817) que acompanha as informações coligidas percebe-se o seguinte quadro:
Denominação |
Quantidade |
Providos |
Assessor de Coordenação de Equipe I |
155 |
55 |
Assessor de Coordenação de Equipe
II |
129 |
35 |
Assessor de Coordenação de Equipe
III |
129 |
30 |
Assessor de Coordenação de Equipe
IV |
96 |
31 |
Subtotal |
509 |
151 |
Assessor Técnico I |
58 |
23 |
Assessor Técnico II |
58 |
16 |
Assessor Técnico III |
55 |
15 |
Assessor Técnico IV |
22 |
03 |
Subtotal |
193 |
57 |
Coordenador de Equipe I |
111 |
49 |
Coordenador de Equipe II |
92 |
42 |
Coordenador de Equipe III |
91 |
39 |
Subtotal |
294 |
130 |
Total |
996 |
338 |
II – O parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
7. As expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts.1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:
“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos
Poderes delegar atribuições.
(...)
Art. 24
- A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou
Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça,
ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos
nesta Constituição.
(...)
§ 2º
- Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que
disponham sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções ou
empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da
respectiva remuneração;
(...)
Art.
(...)
Art. 115. Para
a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em
cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou
de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado
em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento;
(...)
Art. 144. Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Art. 297. São também aplicáveis no Estado, no
que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o
corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da
Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não
contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.
8. Embora distintos seus regimes
jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades
determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por
lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma
pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente
conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou
empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva
legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade
absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo
mediante o competente e respectivo processo – criá-los e descrever as
correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas
atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei
(Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito
Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
9. A excepcional possibilidade de a
lei criar cargos ou empregos cujo provimento não se fundamente no processo
público de recrutamento por mérito não admite o uso dessa prerrogativa para
burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação
em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos
princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição
do Estado).
10. É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais.
11. Portanto, não
coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva
legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais,
burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais,
irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois,
“Lei
estadual que cria cargos
“Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser
guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira
que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local” (STF, RE-AgR
365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ
29-06-2007, p. 49)
“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição
Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam
com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura
“Os
dispositivos em questão, ao criarem cargos em comissão para oficial de justiça
e possibilitarem a substituição provisória de um oficial de justiça por outro
servidor escolhido pelo diretor do foro ou um particular credenciado pelo
Presidente do Tribunal, afrontaram diretamente o art. 37, II da Constituição,
na medida em que se buscava contornar a exigência de concurso público para a
investidura em cargo ou emprego público, princípio previsto expressamente nesta
norma constitucional” (STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen
Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
– LEI MUNICIPAL N. 099, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, DO MUNICÍPIO DE ILHA
SOLTEIRA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO, DE LIVRE PROVIMENTO E EXONERAÇÃO –
NATUREZA SOMENTE TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DOS CARGOS CRIADOS, MUITOS DE CARÁTER
PERMANENTE, NÃO EXIGINDO DE SEUS OCUPANTES NENHUM VÍNCULO ESPECIAL DE CONFIANÇA
OU FIDELIDADE COM O PREFEITO MUNICIPAL – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 111 E NO
ART. 115, INCISOS I, II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO – AÇÃO
DIRETA PROCEDENTE” (TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot
Akel, v.u., 30-01-2008).
“Ação
direta de inconstitucionalidade – art. 1º da Lei Complementar n. 19, de
22 de agosto de 2007, do Município de Salto do Pirapora, que cria cargos em
comissão, de livre nomeação e exoneração – Notícia de exoneração, não
confirmada, não exime o Poder Judiciário da análise acerca da
inconstitucionalidade, que aliás, mostra-se manifesta – Cargos de provimento em
comissão – Excepcionalidade, ante a regra constitucional de provimento por
concurso público – Natureza técnica ou burocrática dos cargos criados, apesar
de sua denominação – Não se exige de seus ocupantes nenhum vínculo especial com
o nomeante – Ação direta julgada procedente” (TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão
Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).
12. Se
somente os empregos de Assessor Técnico I a IV têm descrição de atribuições em
lei, diferentemente dos empregos de Coordenador de Equipe e Assistente de
Coordenação de Equipe, em ambas as hipóteses revela-se a inconstitucionalidade
da seguinte maneira: a) em relação a estes últimos não tem qualquer descrição
de suas atribuições; b) quanto aos primeiros, trata-se de mera logomaquia
acaciana e lacônica, pois, a descrição das atribuições não expressa qualquer
função que denote assessoramento, chefia e direção na medida em que reverbera
um plexo de competências profissionais, operacionais, técnicas e burocráticas
sem qualquer exigibilidade do elemento fiduciário.
13. Acresça-se
ainda a falta evidente de proporcionalidade e de razoabilidade - princípios
jurídicos explicitamente referidos no art. 111 da Constituição Estadual –
manifestada pela excessiva quantidade de empregos públicos comissionados dessas
espécies.
14. Patenteado,
pois, o divórcio com os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição do Estado de
São Paulo.
15. Com
efeito, não há indicação alguma – por completa omissão e por imperfeição – de
que as atribuições residam no nível político de assessoria, chefia ou direção a
exigir relação de confiança e, portanto, liberdade de provimento e exoneração,
senão o seu desempenho por servidores públicos investidos em cargos de
provimento efetivo.
16. O contexto emergente das leis
locais impugnadas manifesta artificial, indiscriminada e abusiva criação de
cargos de provimento em comissão para o exercício de funções próprias de
servidores titulares de cargos ou empregos públicos (isolados ou organizados em
carreira), neles investidos mediante aprovação prévia em concurso público,
ofendendo princípios caros ao regime republicano assentado na igualdade, na
moralidade, na razoabilidade, na legalidade, e que não se coaduna com
expedientes tendentes à inserção de elementos políticos nas funções técnicas, e
que rendem ensejo ao aparelhamento, ao patrimonialismo, ao compadrio, ao
filhotismo, ao loteamento político, a ineficiência etc.
17. Soa
absolutamente impossível a criação desarrazoada de cargos ou empregos de
provimento em comissão para o desempenho de funções (competências) de natureza
técnica, profissional, burocrática, definitivas – reservadas aos cargos de
provimento efetivo – em que não é imprescindível o vínculo de confiança, sob
pena de ofensa aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade,
segurança jurídica e razoabilidade.
18. Ademais,
é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de a
lei específica descrever as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida
doutrina:
“(...) somente a lei pode criar
esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o
cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição,
que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo
permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de
ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se
necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina
essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das
competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e
das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer,
de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que
a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição
jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que
dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho.
Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
19. Pois, somente a partir da descrição
precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento
administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa
licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de
exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em
nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os
direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da
forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela moralidade, pela
impessoalidade e pela razoabilidade.
20. Como a regra na investidura em
cargo ou emprego público é a prévia aprovação em concurso público, a exceção
consistente na liberdade de provimento e exoneração impõe a observância de
limites que têm o escopo de impedir a transformação da exceção em regra e
vice-versa e evitar a criação artificial, abusiva e indiscriminada de cargos de
provimento em comissão de maneira a ruir o sistema do mérito – cujos baldrames
são a igualdade e a moralidade de modo a viabilizar a escolha isenta e objetiva
sem protecionismos, favorecimentos ou perseguições.
21. Ofensivo a tais princípios, assim
como a razoabilidade, é a lei criar cargos de provimento em comissão à míngua
do delineamento de suas atribuições. Os cargos de provimento em comissão não
são instituídos com ampla liberdade pelo legislador na medida em que são
restritos àqueles cujas funções consistam nas atribuições de assessoramento,
chefia e direção em nível político, e não técnico. No caso sob exame, embora os
cargos criados tenham denominação de consultoria, não há dado algum
evidenciando que desempenharão funções de natureza política no seio
administrativo em que o requisito da confiança justifique a liberdade de
provimento. Ou melhor, como alguns carecem da definição de suas atribuições a
revelar alguma dessas hipóteses, não se revela razoável sua instituição pela
impossibilidade de aferição do exercício de funções políticas ou de funções
técnicas, burocráticas, permanentes, profissionais (estas, reservadas
ontologicamente a cargos de provimento efetivo).
22. Nem
se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria
competência para descrição das atribuições dos empregos de provimento em
comissão, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à
reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da
organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe
do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus
requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do
art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em
coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de
organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a
disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre
órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar
cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°,
II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual)
ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem
explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84,
VI, a, da Constituição, é:
“(...) mera competência para um
arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a
transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira
de Mello. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).
23. Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO.
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS
26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à
possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar
órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal
a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na
espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido”
(STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008,
v.u., DJe 0-03-2009).
“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição.
Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as
respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei
inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica
do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de
constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie
cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências,
atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da
Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de
cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos
jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas.
Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa
privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’,
da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que
autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação
de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução”
(STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u.,
DJe 02-10-2008).
III
– Pedido liminar
24. À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Sumaré apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação porque criam abusivamente empregos públicos de provimento em
comissão e permitem a investidura ou sua permanência de pessoas em funções
públicas de maneira irregular, gerando excessivo ônus financeiro ao erário,
amplificado com a quantidade de postos disponíveis.
25. À luz
deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, das expressões Assessor Técnico I,
Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de
Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de
Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de
Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos
arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei
n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º
da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de
Sumaré.
IV
– Pedido
26. Face
ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para
que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das
expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III,
Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de
Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de
Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e
Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32,
34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003,
inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de
2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n.
3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré.
27. Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sumaré, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
São Paulo, 29 de junho de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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Protocolado n.
44.076/09
Interessado: Câmara
Especializada de Crimes de Prefeitos - CECRIMP
Assunto: Inconstitucionalidade das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face de expressões constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 29 de junho de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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