Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 44.076/09

Assunto: Inconstitucionalidade das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Leis do Município de Sumaré. Inconstitucionalidade. 1) Criação artificial, excessiva e abusiva de cargos ou empregos de provimento em comissão que não expressam atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, mas, funções operacionais, profissionais e técnicas, e, ainda, não descrevem suas atribuições respectivas. 2) Constituição Estadual: arts. 5º, § 1º, 24, § 2º, 1, 111, 115, II, V e XI, 144 e 297.

           

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os Atos Normativos Impugnados

1.                A Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, estabeleceu a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Sumaré, criando nos órgãos administrativos vários empregos de provimento em comissão.

2.                Basicamente a estrutura das Secretarias Municipais conta com os empregos de Secretário Municipal, Diretor de Departamento, Chefe de Gabinete e inúmeras outras chefias, coordenadorias, assessorias técnicas, e assessorias de coordenação de equipe, como se verifica dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, e dentre eles, os de Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III.

3.                Na mesma data foi editada a Lei n. 3.771 dispondo no art. 9º que “os empregos de comissão serão criados pela Lei que versa sobre a Reestruturação Administrativa Municipal”. Em seu art. 16, § 1º, d, menciona os empregos do Grupo Ocupacional Chefia, Assessoramento e Coordenação, descrevendo em seguida que:

“Art. 17. Cada um dos empregos classificados na forma do artigo anterior possuirá características próprias, que refletem o grau de qualificação, a especialização e a responsabilidade exigidas para a execução das tarefas propostas.

(...)

IV – CHEFIA, ASSESSORAMENTO E COORDENAÇÃO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

a – Os empregos de Assessor de Coordenação de Equipe tem como Requisitos Mínimos de Qualificação: preferencialmente, escolaridade e especialização idêntica ou aproximada aos exigidos para o nível da equipe na qual preste assessoria ao Coordenador. Referências, conforme o nível em que seja inserido, o emprego de Assessor de Coordenação de Equipe de provimento em Comissão terá referência diversa, conforme segue abaixo:

Assessor de Coordenação de Equipe I   Nível I   Referência CC01

Assessor de Coordenação de Equipe II  Nível II   Referência CC02

Assessor de Coordenação de Equipe III  Nível III  Referência CC03

Assessor de Coordenação de Equipe IV  Nível IV  Referência CC04

b - Os empregos de Coordenação de Equipe tem como Requisitos Mínimos de Qualificação: Preferencialmente, escolaridade e especialização idêntica ou aproximada aos exigidos para o nível a que venha coordenar. Referências, conforme o nível em que seja inserido, o emprego de Coordenação de Equipe de provimento em Comissão terá referência diversa, conforme segue abaixo:

Coordenador de Equipe I   Nível V   Referência CC05

Coordenador de Equipe II  Nível VI   Referência CC06

Coordenador de Equipe III  Nível VII  Referência CC07

(...)

e – Grupo Ocupacional Chefia, Assessoramento e Coordenação. Assessor Técnico: Realiza assessoria em assuntos específicos, inserindo-os na realidade global do Município e da Administração Pública. Direciona e sugere condutas e ações baseado em critérios de especialização que envolvam a aplicação de conhecimentos aprofundados nas áreas técnica, administrativa e operacional do órgão que assessora, no sentido de alcançar as metas e objetivos da Administração Municipal, influindo, ainda, nestas metas e objetivos e nas decisões tomadas pelo Secretário Municipal e demais chefias do órgão que assessora. O emprego requer conhecimento aprofundado de questões atuais, além de presença de espírito para ordenar tarefas e resolver os problemas que se apresentam de forma rápida e eficiente. Preferencialmente, o nomeado apresentará Ensino Superior completo e especialização na área de atuação do órgão que assessore. Subdivide-se em quatro a saber:

Assessor Técnico I      Nível VIII      Referência CC08

Assessor Técnico II      Nível IX       Referência CC09

Assessor Técnico III      Nível X       Referência CC10

Assessor Técnico IV      Nível XIII    Referência CC14”.

4.                Posteriormente, a Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, alterou a Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, modificando as remunerações e a lotação (quantidade de empregos), inclusive dos empregos públicos comissionados de Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III.  

5.                As informações colhidas demonstram elevado número de cargos de provimento em comissão na Administração Pública municipal. Considerando o total de 3.716 cargos ou empregos ocupados, contabilizam-se 3.078 de provimento efetivo e 638 de provimento em comissão (fl. 794). Destarte, representam os comissionados aproximadamente 18% dos servidores públicos municipais investidos, sendo a maior parte investida justamente nesses empregos de assessor técnico (57), assessor de coordenação de equipe (151) e coordenador de equipe (130). Esse total de 338 representa aproximadamente 52% dos empregos comissionados do Poder Executivo de Sumaré.

6.                Com efeito, da tabela (fls. 791/817) que acompanha as informações coligidas percebe-se o seguinte quadro:

Denominação

Quantidade

Providos

Assessor de Coordenação de Equipe I

155

55

Assessor de Coordenação de Equipe II

129

35

Assessor de Coordenação de Equipe III

129

30

Assessor de Coordenação de Equipe IV

96

31

Subtotal

509

151

Assessor Técnico I

58

23

Assessor Técnico II

58

16

Assessor Técnico III

55

15

Assessor Técnico IV

22

03

Subtotal

193

57

Coordenador de Equipe I

111

49

Coordenador de Equipe II

92

42

Coordenador de Equipe III

91

39

Subtotal

294

130

Total

996

338

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

7.                As expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts.1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 297. São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.

 

8.                Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo – criá-los e descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

 

9.                A excepcional possibilidade de a lei criar cargos ou empregos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento por mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

 

10.              É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais.

 

11.              Portanto, não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais, irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. O essencial é análise do plexo de atribuições da função pública. Neste sentido, a jurisprudência censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão:

“Lei estadual que cria cargos em comissão. Violação ao art. 37, incisos II e V, da Constituição. Os cargos em comissão criados pela Lei n. 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada procedente" (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007).

 

“Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local” (STF, RE-AgR 365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ 29-06-2007, p. 49)

 

“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30).

 

“Os dispositivos em questão, ao criarem cargos em comissão para oficial de justiça e possibilitarem a substituição provisória de um oficial de justiça por outro servidor escolhido pelo diretor do foro ou um particular credenciado pelo Presidente do Tribunal, afrontaram diretamente o art. 37, II da Constituição, na medida em que se buscava contornar a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, princípio previsto expressamente nesta norma constitucional” (STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16).

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL N. 099, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, DO MUNICÍPIO DE ILHA SOLTEIRA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO, DE LIVRE PROVIMENTO E EXONERAÇÃO – NATUREZA SOMENTE TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DOS CARGOS CRIADOS, MUITOS DE CARÁTER PERMANENTE, NÃO EXIGINDO DE SEUS OCUPANTES NENHUM VÍNCULO ESPECIAL DE CONFIANÇA OU FIDELIDADE COM O PREFEITO MUNICIPAL – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 111 E NO ART. 115, INCISOS I, II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO – AÇÃO DIRETA PROCEDENTE” (TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

 

Ação direta de inconstitucionalidade – art. 1º da Lei Complementar n. 19, de 22 de agosto de 2007, do Município de Salto do Pirapora, que cria cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração – Notícia de exoneração, não confirmada, não exime o Poder Judiciário da análise acerca da inconstitucionalidade, que aliás, mostra-se manifesta – Cargos de provimento em comissão – Excepcionalidade, ante a regra constitucional de provimento por concurso público – Natureza técnica ou burocrática dos cargos criados, apesar de sua denominação – Não se exige de seus ocupantes nenhum vínculo especial com o nomeante – Ação direta julgada procedente” (TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).

 

12.              Se somente os empregos de Assessor Técnico I a IV têm descrição de atribuições em lei, diferentemente dos empregos de Coordenador de Equipe e Assistente de Coordenação de Equipe, em ambas as hipóteses revela-se a inconstitucionalidade da seguinte maneira: a) em relação a estes últimos não tem qualquer descrição de suas atribuições; b) quanto aos primeiros, trata-se de mera logomaquia acaciana e lacônica, pois, a descrição das atribuições não expressa qualquer função que denote assessoramento, chefia e direção na medida em que reverbera um plexo de competências profissionais, operacionais, técnicas e burocráticas sem qualquer exigibilidade do elemento fiduciário.

13.              Acresça-se ainda a falta evidente de proporcionalidade e de razoabilidade - princípios jurídicos explicitamente referidos no art. 111 da Constituição Estadual – manifestada pela excessiva quantidade de empregos públicos comissionados dessas espécies.

14.              Patenteado, pois, o divórcio com os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição do Estado de São Paulo.

15.             Com efeito, não há indicação alguma – por completa omissão e por imperfeição – de que as atribuições residam no nível político de assessoria, chefia ou direção a exigir relação de confiança e, portanto, liberdade de provimento e exoneração, senão o seu desempenho por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo.

16.              O contexto emergente das leis locais impugnadas manifesta artificial, indiscriminada e abusiva criação de cargos de provimento em comissão para o exercício de funções próprias de servidores titulares de cargos ou empregos públicos (isolados ou organizados em carreira), neles investidos mediante aprovação prévia em concurso público, ofendendo princípios caros ao regime republicano assentado na igualdade, na moralidade, na razoabilidade, na legalidade, e que não se coaduna com expedientes tendentes à inserção de elementos políticos nas funções técnicas, e que rendem ensejo ao aparelhamento, ao patrimonialismo, ao compadrio, ao filhotismo, ao loteamento político, a ineficiência etc.

17.              Soa absolutamente impossível a criação desarrazoada de cargos ou empregos de provimento em comissão para o desempenho de funções (competências) de natureza técnica, profissional, burocrática, definitivas – reservadas aos cargos de provimento efetivo – em que não é imprescindível o vínculo de confiança, sob pena de ofensa aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, segurança jurídica e razoabilidade.

18.          Ademais, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de a lei específica descrever as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

 

19.              Pois, somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

 

20.              Como a regra na investidura em cargo ou emprego público é a prévia aprovação em concurso público, a exceção consistente na liberdade de provimento e exoneração impõe a observância de limites que têm o escopo de impedir a transformação da exceção em regra e vice-versa e evitar a criação artificial, abusiva e indiscriminada de cargos de provimento em comissão de maneira a ruir o sistema do mérito – cujos baldrames são a igualdade e a moralidade de modo a viabilizar a escolha isenta e objetiva sem protecionismos, favorecimentos ou perseguições.

 

21.              Ofensivo a tais princípios, assim como a razoabilidade, é a lei criar cargos de provimento em comissão à míngua do delineamento de suas atribuições. Os cargos de provimento em comissão não são instituídos com ampla liberdade pelo legislador na medida em que são restritos àqueles cujas funções consistam nas atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível político, e não técnico. No caso sob exame, embora os cargos criados tenham denominação de consultoria, não há dado algum evidenciando que desempenharão funções de natureza política no seio administrativo em que o requisito da confiança justifique a liberdade de provimento. Ou melhor, como alguns carecem da definição de suas atribuições a revelar alguma dessas hipóteses, não se revela razoável sua instituição pela impossibilidade de aferição do exercício de funções políticas ou de funções técnicas, burocráticas, permanentes, profissionais (estas, reservadas ontologicamente a cargos de provimento efetivo).

 

22.              Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos de provimento em comissão, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, é:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

23.              Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

III – Pedido liminar

 

24.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Sumaré apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque criam abusivamente empregos públicos de provimento em comissão e permitem a investidura ou sua permanência de pessoas em funções públicas de maneira irregular, gerando excessivo ônus financeiro ao erário, amplificado com a quantidade de postos disponíveis.

 

25.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré.

 

IV – Pedido

 

26.              Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré.

27.              Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sumaré, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

São Paulo, 29 de junho de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 44.076/09

Interessado:  Câmara Especializada de Crimes de Prefeitos - CECRIMP

Assunto: Inconstitucionalidade das expressões Assessor Técnico I, Assessor Técnico II, Assessor Técnico III, Assessor Técnico IV, Assessor de Coordenação de Equipe I, Assessor de Coordenação de Equipe II, Assessor de Coordenação de Equipe III, Assessor de Coordenação de Equipe IV, Coordenador de Equipe I, Coordenador de Equipe II e Coordenador de Equipe III, constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face de expressões constantes dos arts. 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48, da Lei n. 3.769, de 20 de fevereiro de 2003, inclusive com a redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.180, de 29 de maio de 2006, e o art. 17, IV, e, da Lei n. 3.771, de 20 de fevereiro de 2003, do Município de Sumaré, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 29 de junho de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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