Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no
exercício da atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar
n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto nos
artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal e artigo 74,
inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com base nos elementos
de convicção constantes do incluso protocolado (PGJ n. 45.444/2008), vem,
respeitosamente, promover perante esse Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR em relação à
Lei Municipal n.º 1.542, de 26 de fevereiro de
2008, do Município de Caraguatatuba, que “Altera as disposições da Lei
Municipal n. 992, de 20 de dezembro de 2002, instituindo novas regras para a
concessão de Progressão e promoção aos servidores públicos municipais da Estância
Balneária de Caraguatatuba-SP, institui nova tabela de vencimentos e dá outras
providências”, por malferir os artigos 5.º, 24, §2º, n. 4, 47, II e 144, da Constituição do Estado, pelos motivos
e fundamentos a seguir expostos.
A Lei n.º 1.542, de 26 de fevereiro de 2008, do Município de Caraguatatuba, tem a
redação constante de fls. 110/132, do expediente anexo a esta (Pt.
n.45.444/2008, da PGJ).
Como se infere dos autos, o Prefeito do
Município de Caraguatatuba encaminhou à Câmara Municipal de Caraguatatuba, o projeto
de Lei n. 0134/07, com o número de Lei n. 1.484, de 19 de novembro de
2007, alterando as disposições da Lei
Municipal n. 992, de 21/12/2002, tratando de novas regras para a concessão de
promoção e progressão dos servidores públicos municipais e critérios de
avaliação e remuneração dos mesmos. Através da Mensagem n. 84/2007, o Prefeito
Municipal propôs emenda aditiva e modificativa com o intuito de alterar a
nomenclatura de um dos cargos constantes da citada lei. Submetido ao Poder
Legislativo, referido projeto de lei recebeu duas emendas de vereadores: uma
supressiva, que suprimia o art. 37 e seu parágrafo único, e outra aditiva, que
acrescia um novo artigo no lugar deste que estava sendo suprimido.
No entanto, ambas as emendas foram vetadas pelo Chefe
do Poder Executivo.
Entretanto,
ao invés de apreciar o veto referido, o Presidente da Câmara Municipal,
devolveu a Lei Municipal n. 1484/07 com o respectivo veto parcial ao Prefeito
Municipal, sob a alegação de que a mesma estaria em desacordo com o Autógrafo
expedido pela Câmara Municipal e, através do ofício n. 22/08, encaminhou ao
Prefeito Municipal a cópia da Lei Municipal n. 1.542/08, que na realidade tem o
mesmo texto da Lei Municipal n. 1.484/07, acrescida das emendas feitas pelos
vereadores que foram vetadas pelo Prefeito Municipal.
Verifica-se assim que a lei
impugnada, além de ter desrespeitado o processo legislativo, na medida
em que o veto do Prefeito Municipal às emendas feitas pelos vereadores, não foi
submetido à apreciação pelo plenário é de autoria parlamentar.
Desta feita, percebe-se de
início, que a inconstitucionalidade material reside na ofensa ao artigo 5º, da Constituição Estadual Paulista, no
tocante ao princípio da independência e harmonia de poderes, diante da invasão,
pela conduta do Poder Legislativo local, da competência exclusiva do Poder
Executivo.
São confiadas ao
Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes,
de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive
quanto ao município, é que sua parte integrante. Bem por isso a Constituição
Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder
Legislativo, fixando tarefas adequadas à organização dos poderes, no que foi
seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.
Disciplinando atividade abstrata e
genérica, a Câmara Municipal “não
administra o Município, estabelece, apenas, normas de administração” (Hely
Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, RT, 16ª ed., pp. 618.
Assim o Município, ao lado de sua autonomia política e financeira, tem,
igualmente, liberdade para organizar assuntos de seu peculiar interesse, tais
como a estruturação do serviço público, que é atividade reservada do chefe do
Poder Executivo.
Na
lição de Hely Lopes Meirelles, esta exclusividade é destinada aos temas que
disponham sobre “a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e
entidades da administração pública municipal; a criação de cargos, funções ou
empregos públicos na administração direta e autárquica, fixação e aumento de
sua remuneração; o regime jurídico dos servidores municipais; e o plano
plurianual, as diretrizes orçamentárias, os orçamentos anuais, créditos
suplementares e especiais” (ob. cit., p. 749).
Deste modo, no município, tem o prefeito
municipal à iniciativa reservada para disciplinar matéria relativa ao servidor
público e aos serviços públicos, como disposto no artigo 24, § 2º, n. 4, da
Constituição Paulista, de observância obrigatória dos municípios, como
determinado pelo artigo 144 do mesmo diploma legal.
A não ser assim adentraria o Poder
Legislativo na esfera de atribuições do Poder Executivo, o que não se coaduna
com o princípio da harmonia e independência entre os poderes.
No caso em tela pretendeu a
Câmara Municipal exercer uma atuação mediata e genérica, impondo conduta a ser
seguida pelo Poder Executivo, vale dizer, alterando e disciplinando o funcionamento do serviço
público.
Houve, portanto, limitação à
iniciativa reservada do Poder Executivo. Reconhece-se a interferência em
atividade tipicamente administrativa, pois “em assunto da alçada do Chefe do
Executivo, extrapolando de suas atribuições de edição de normas, com evidente
invasão de competência, afrontando, por via de conseqüência, o princípio da
independência e harmonia dos Poderes” (RTJSP 111/466).
Conclui-se, portanto, que houve supressão de atribuição
reservada do Chefe do Poder Executivo com a conseqüente imposição de normas que
ofende diretamente sua iniciativa legislativa, com infringência aos artigos 5º,
24, § 2º, nº 4, 47, inciso II e 144, todos da Constituição do Estado
de São Paulo.
DA
SUSPENSÃO LIMINAR
Tendo
em vista a imediata vigência da lei, necessária a liminar. Quando se trata do
controle normativo abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos
requisitos concernentes ao fumus boni
juris e ao periculum in mora, o
poder geral de cautela autoriza a suspensão de eficácia de dispositivos legais
impugnados, até o advento da decisão final.
Neste
caso, tais requisitos se fazem presentes, de modo que está translúcida a
conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia dos dispositivos
questionados. De resto, ainda que não
houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional
conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga
de provimentos cautelares para defesa
da Constituição, o juízo de conveniência é um critério
relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo
Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente
inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel.
Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC
540, DJU de 25.9.92, p. 16.182). É o que se requer.
Ante
o exposto, é a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, para, com a juntada das informações pertinentes do
senhor Prefeito Municipal e Câmara de Vereadores de Caraguatatuba, seja
declarada a inconstitucionalidade da Lei
Municipal n.º 1.542 de 26 de fevereiro de 2008, do Município de Caraguatatuba,
que “Altera
as disposições da Lei Municipal n. 992, de 20 de dezembro de 2002, instituindo
novas regras para a concessão de Progressão e promoção aos servidores públicos
municipais da Estância Balneária de Caraguatatuba-SP, institui nova tabela de
vencimentos e dá outras providências”,
por malferir os artigos 5.º,
24, §2º, n. 4, 47, II e 144, da Constituição do Estado, com as comunicações
de estilo para sua expulsão do ordenamento jurídico.
São
Paulo, 14 de agosto de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA