EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolados nºs 45.450/09 e 93.714/09

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins.  Ato normativo que dispõe sobre remuneração de servidor público à disposição do Município. Projeto de lei de Vereador. Violação da Constituição do Estado, artigos 5º; 24, §2º, nº 1; e 144.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas nos inclusos protocolados, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins dispõe a respeito de pagamento de gratificação aos servidores estaduais e federais, que estejam efetivamente prestando serviços na rede de saúde do Município de Lins, em virtude da implementação do Sistema Único de Saúde - SUS.

Esta é a redação da Lei impugnada, no que interessa:

"Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a realizar o pagamento de uma Gratificação Variável aos servidores estaduais e federais, doravante denominados Servidores Municipalizados, que estejam efetivamente prestando serviços na rede de saúde do Município de Lins, em virtude da implementação do Sistema Único de Saúde - SUS, buscando-se a equivalência salarial.

Art. 2º - O valor total da Gratificação Variável, é limitado à diferença entre os valores percebidos pelos servidores beneficiários junto ao órgão de origem estadual ou federal, a título de remuneração de seu cargo ou função, e os vencimentos e demais acréscimos financeiros referentes a décimo terceiro salário, férias, abono e os adicionais de insalubridade, noturno e de jornada extraordinária, pagos pela Prefeitura do Município aos servidores municipais que exercem funções idênticas ou assemelhadas.

(...)

Art. 10 - As despesas decorrentes da execução desta Lei Complementar correrão por conta de verbas provenientes do Fundo Municipal de Saúde - FMS".

Contudo, é possível afirmar que essa lei, ora impugnada, ofende frontalmente os seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 5º; 24, §2º, nº 1; e 144.

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Com base nos elementos colhidos, é possível concluir que a Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins é, de fato, inconstitucional, à luz dos dispositivos da Constituição do Estado acima destacados.

Dito ato normativo cuida de remuneração dos servidores públicos que estejam prestando serviços na rede de saúde do Município.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em análise, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo, a par do que dispõe o art. 24, §2º, nº 1, da Constituição Estadual, que assim reza:

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º - Compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos ou funções em sua Secretaria, bem como a fixação da respectiva remuneração;

2 - criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios.

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;  (g.n.)

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Como ensinou Hely Lopes Meirelles:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 708, 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

Pelo exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

3. PEDIDO DE LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo impugnado, instalar-se-á, provavelmente, situação consumada, decorrente do efetivo pagamento aos servidores.

A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal no aspecto administrativo.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, ou seja, a Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins, durante o trâmite da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

4. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 27 de maio de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

fjyd

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolados nºs 45.450/09 e 93.714/09

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 1.035, de 08 de fevereiro de 2008, do Município de Lins, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se aos interessados, informando-lhes a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                    São Paulo, 27 de maio de 2010.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

fjyd