EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE
DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no artigo 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e ainda em
conformidade com o disposto no artigo125, §2º, e 129, inciso IV da Constituição
Federal, e ainda artigo 74, inciso VI, e artigo 90, inciso III, da Constituição
do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado (PGJ nº 45.954/07), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida liminar da Lei Municipal nº 4.938, de 24 de maio de
2006, de Indaiatuba, pelos fundamentos a seguir expostos.
A Lei
Municipal em questão aprovada pela respectiva Câmara Municipal e sancionada e
promulgada pelo Prefeito Municipal dispõe
sobre a concessão administrativa de uso de área pertencente ao Patrimônio
Público Municipal, em favor da Moto Honda da Amazônia Ltda., e dá outras
providências, tem a presente redação:
“Art. 1º -
Fica o Poder Executivo autorizado a , mediante contrato, outorgar concessão
administrativa de uso, na forma do §1º do art. 129 da Lei Orgânica do Município
de Indaiatuba, em favor da Moto Honda da Amazônia Ltda, as seguintes áreas
localizadas no Loteamento denominado “João Narezzi”:
I - Área
1, que “tem início no ponto de divisa da área reservada ao proprietário e a Rua
06, segue medindo de frente para referida rua
II- Área
2, que “tem início no ponto de divisa da Alameda Comendador Santoro Mironi e a
área reservada ao proprietário, segue medindo de frente para a referida alameda
cruzando com a faixa ‘non aedificandi’ de
III- Área
3, “tem início no ponto de divisa da Rua 06 e Alameda Com. Santoro Mironi e
confrontando com a referida Alameda segue medindo
Art. 2º -
No contrato de concessão administrativa de uso de que trata o artigo anterior,
a concessionária deverá assumir as seguintes obrigações;
I-
Manter uma
área de terra de no mínimo
II- Manter
na área de terra a que se refere o inciso I deste artigo, de sua posse ou
propriedade, um Centro educacional, composto de Centro de Pilotagem com
Segurança e de Centro de Motociclismo, e destinar esses centros exclusivamente
para a formação de instrutores, frotistas e órgãos públicos, bem como para a
realização de cursos de pilotagem para prática fora de estrada, curso de
formação de examinadores de órgãos públicos, cursos de conhecimento e
manutenção básica de produtos Honda, curso de formação de pilotos de competição
e competições da modalidade esportiva “Motocross” e outros similares;
III-
promover torneios da modalidade esportiva “Motocross” e ceder suas instalações
para servir de sede para etapas de campeonatos estaduais, brasileiros e provas
internacionais;
IV-
permitir o uso dos espaços concedidos, bem como de seus equipamentos, para
eventos e atividades promovidas pelo poder público municipal, gratuitamente.
V- Zelar
pela preservação das áreas concedidas, notadamente quanto ao meio-ambiente, não
podendo em hipótese alguma, alterar seus fins e objetivos estabelecidos originariamente
para a respectiva área.
Art. 3º -
A concessão administrativa de uso de que trata esta lei vigorará pelo prazo de
45 anos, renovável por igual período de tempo.
Art. 4º -
A concessão administrativa de uso de que trata esta lei ficará automaticamente
revogada, sujeitando-se a concessionária à devolução da posse dos imóveis com
as eventuais benfeitorias nele construídas, sem direito a qualquer retenção ou
indenização, nos casos de:
I- não
cumprimento de qualquer uma das obrigações previstas no artigo 2º desta lei;
II-
extinção da concessionária;
III-
paralisação de qualquer uma das atividades não previstas nesta lei;
IV- uso
dos imóveis mediante discriminação de sexo, raça, trabalho, credo religioso ou
convicções políticas.
Art. 5º - Fica
dispensada a realização de concorrência pública para a concessão de direito
real de uso de que trata esta lei, nos termos do §1º “in fine”, do art. 129 da
Lei Orgânica do Município de Indaiatuba.
Art. 6º -
Não incidirá a Taxa de Licença e Localização e Funcionamento a que se refere o
art. 135 e seguintes da Lei n. 1.284, de 20 de dezembro de 1973, nas atividades
que venham a ser exercidas pela concessionária nas áreas de que trata esta lei,
bem como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana.
Art. 7º-
Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º -
Fica revogada a Lei Municipal n. 3.445, de 11 de setembro de 1997.”
Em
primeiro lugar, insta observar que anteriormente já havia sido julgada
procedente em Primeira Instância, Ação Popular proposta em razão da celebração
de contrato de concessão de direito real de uso, do mesmo imóvel, à mesma
empresa (processo n. 686/98, da 2ª Vara de Indaiatuba), bem como já havia,
igualmente, sido julgada procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade,
proposta em relação a Lei Municipal n. 3.445 de 11 de setembro de 1997, de
Indaiatuba, que também dispunha sobre a
concessão de direito real de uso de imóveis do Patrimônio Público Municipal em
favor da Moto Honda da Amazônia, concedendo isenção de tributos municipais, sendo
a matéria nela tratada , praticamente igual a tratada na lei ora impugnada, conforme pode se verificar às fls.
36/39.
Justamente
por ser praticamente idêntica à Lei Municipal n. 3.445, de 11 de setembro de
1997, a Lei Municipal n. 4.938, de 24 de maio de 2006, padece de
inconstitucionalidade, como a seguinte se demonstrará.
Inicialmente
é de se consignar que o artigo 180 da Constituição do Estado de São Paulo
sofreu alteração redacional por ocasião da Emenda n° 23, de
“As
áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais
não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originais alterados, exceto
quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de:
a) loteamentos, cujas áreas verdes ou
institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais
de interesse social, destinados à população de baixa renda e cuja alteração
esteja consolidada;
b) equipamentos públicos implantados com uso
diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da
aprovação do loteamento”.
A
mencionada Emenda Constitucional ainda acrescentou dois parágrafos ao art. 180
da Carta Paulista, sendo que o § 1° teve a seguinte redação:
“§ 1°
- As exceções contempladas nas alíneas “a” e “b” do inciso VII deste artigo
serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja
consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação que se
dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham
equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de
compensação”.
Fica
absolutamente cristalina a intenção do legislador paulista no sentido de
permitir raras exceções à regra geral no sentido de que nenhuma área verde ou institucional
havida pelo Poder Público Municipal pode ter sua destinação alterada.
De fato,
as áreas verdes e institucionais têm a função de proporcionar aos habitantes de
determinada localidade onde se instituiu um núcleo de pessoas a possibilidade
de, sem um deslocamento de grandes proporções, desfrutar de lazer e equilíbrio
ambiental, bem como ter acesso aos equipamentos públicos indispensáveis a uma
vida digna.
Ao
permitir o desvirtuamento dos objetivos, finalidades e destinações destas
áreas, o Poder Público penaliza o cidadão, que deixa de alcançar a qualidade de
vida pretendida pelo legislador. Daí porque, o Parlamento Paulista, através da
Emenda Constitucional n° 23, admitiu a ocorrência da alteração destas situações
em casos excepcionalíssimos.
Realmente,
conquanto tenha o Poder Legislativo Paulista admitido aquelas exceções, estas
foram aceitas apenas para regularizar certas
situações já consolidadas, cuja reversão era impossível ou de dificílima
ocorrência.
Assim,
permitiu a Constituição Bandeirante, a partir da citada Emenda, que pudesse
ocorrer a alteração daquelas situações jurídicas, quando as áreas verdes ou
institucionais já estivem total ou parcialmente ocupadas por núcleos
habitacionais ocupados por população de baixa renda, e já consolidados, bem
como para manter equipamentos públicos não previstos originariamente para
aqueles locais.
E, mesmo
nas situações acima retratadas, o § 1° do art. 180 exige que as hipóteses de
exceção já estivessem consolidadas até dezembro de 2004, e que fossem feitas
compensações de áreas, nas imediações daquelas que tiveram a alteração.
Não é o
caso dos autos !
Com
efeito, conforme podemos verificar da documentação anexada à presente inicial,
o diploma legal ora combatido autorizou a concessão de direito real de uso de
imóveis do Patrimônio Público Municipal em favor da Moto Honda da Amazônia,
concedendo isenção de tributos municipais. Trata-se de uso de áreas definidas
em projeto do Loteamento denominado João Narezzi, como área verde, área
institucional e sistemas de lazer, sendo, portanto, referidas áreas
originalmente destinadas ao lazer e ao equilíbrio ecológico.
Não
existe, portanto, o elemento constitucional necessário para a ocorrência da
alteração de destinação, fim ou objetivos, qual seja, a necessidade de
regularização pretendida pela Lei n° 4.928/2006 de Indaiatuba, pois, não há
naquela área nenhum núcleo habitacional de baixa renda já consolidado, e nem
equipamento público de uso diverso de destinação originária.
Como é possível
verificar dos autos, a sustação dos
efeitos da Lei n° 4.938/2006, do Município de Indaiatuba, é de extrema
urgência, na medida em que enquanto esta estiver em vigência, fica o Poder Executivo
municipal autorizado a alterar as destinações de área verde.
Diante
desse quadro, é que se requer a concessão
de medida liminar “inaudita altera
pars”, com vistas a imediatamente estancar a situação de
inconstitucionalidade a que estará sujeita a população do Município de Indaiatuba,
que será a grande prejudicada em razão da subtração dos propósitos de área
importante para a plena obtenção de uma vida com qualidade.
Resta claro,
pois, que esta lei outorgando concessão de direito real de uso de áreas
definidas em projeto como sendo área verde, área institucional e sistemas de
lazer, afronta o artigo 180, inc. VII, da Constituição Estadual Paulista, cuja
observância é obrigatória em face do art. 144, dessa mesma Carta.
Isto posto,
requeiro seja a presente ação devidamente processada, requisitando-se
informações ao Presidente da Câmara Municipal de Indaituba e ao Prefeito deste
mesmo Município, bem como citando-se o Procurador-Geral do Estado.
Ainda, requer-se
que ao final seja a presente ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, de sorte a que seja
declarada inconstitucional a Lei n° 4.938,
de 24 de maio de 2006, do Município de Indaiatuba.
São Paulo, 29 de agosto de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA