Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 46.654/10
Assunto: Inconstitucionalidade do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do art. 75, caput, § 1º, II, e do art. 80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos.
Ementa: Constitucional. Ambiental. Lei n. 3.841/04 (Plano Diretor III), do Município de Valinhos. Processo legislativo. Separação dos poderes. Meio Ambiente. Inconstitucionalidade. 1. O planejamento municipal, veiculado através do instrumento de maior importância urbanística que é o plano diretor, tem como elemento formal obrigatório, para atribuição de legitimidade substancial ao uso do poder, a participação popular em todas as suas fases, devendo abranger emendas parlamentares (arts. 180, II, e 191, CE). 2. Norma, ademais, nociva ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE), compelindo o Poder Executivo a solicitar autorização legislativa específica, não obstante desestimada por seus órgãos técnicos para alteração urbanística de determinado empreendimento, porque subverte a reserva de iniciativa legislativa decorrente da reserva de Administração (art. 47, II e XIV, CE) e a característica normativa dos órgãos colegiados ambientais (art. 193, XX, parágrafo único, alínea a, CE), sendo incompatível às exigências de participação comunitária em quaisquer planos, programas ou projetos e ao resguardo do meio ambiente (arts. 180 II, 191, e 192, caput e §§ 1º e 2º, CE), além de exonerar o bem-estar, a preservação do meio ambiente urbano e a observância de normas de qualidade de vida (art. 180, I, III e V, CE). 3. Inconstitucionalidade do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do art. 75, caput, § 1º, II, e do art. 80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em
conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição
Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São
Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem,
respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso II do
art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do art. 75, caput, § 1º, II, e do art. 80, da
Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos , pelos fundamentos a seguir
expostos:
I
– O Ato Normativo Impugnado
1. A Lei n. 3.841, de
21 de dezembro de 2004, que dispõe sobre o Plano Diretor III do Município de
Valinhos (fls. 448/528, 532/599) resultou do Projeto de Lei n. 59/94 (fls. 366/446, 994/1226)
decorrente da Mensagem 31/04, de autoria do Chefe do Poder Executivo, apresentada
em 30 de julho de 2004 (fls. 293/365), com a seguinte redação nos arts. 38, II,
74 e §§, 75, § 1º, II, e 80:
“Art. 38. Constituem objetivos para o plano de abastecimento de água do Município:
(...)
II – nas sub-bacias onde ocorre captação de água para abastecimento público, deverão ser consideradas como não edificantes e proibidas para o uso de criação de animais e a utilização de agrotóxicos e outros agentes poluidores, a área no raio de 100 m (cem metros) das nascentes e a 200 m (duzentos metros) da margem do local utilizado para a captação de água;
(...)
Art. 74. O território do Município é dividido em macrozonas delimitadas no Anexo I, integrante desta Lei, mapa n° 14/04-DU/SMAU, assim definidas:
(...)
§ 1º. Para a macrozona rural turística, no cálculo da densidade populacional, será aplicada a tabela a seguir:
D (m2/hab.) |
V1-l/s |
V2-l/s |
>800<1000 |
1.0 |
1.5 |
>1000<5000 |
1.0 |
1.0 |
>5000 |
1.0 |
0 |
§ 2º. Para a macrozona rural turística e de proteção e recuperação dos mananciais, será aplicada a tabela a seguir:
D
(m2/hab.) |
V1-l/s |
V2-l/s |
>800<1000 |
1.0 |
3.0 |
>1000<1200 |
1.0 |
2.5 |
>1200<1500 |
1.0 |
2.0 |
>1500<2000 |
1.0 |
1.5 |
>2000<5000 |
1.0 |
1.0 |
>5000 |
1.0 |
0 |
§ 3º. Deverão, na aplicação das tabelas constantes dos parágrafos anteriores, ser consideradas as seguintes hipóteses:
I – 800,00 m2/habitante é a maior densidade possível para o parcelamento ou o fracionamento nas macrozonas rurais;
II – ‘D’ representa a densidade demográfica: quantia de metros quadrados de terra por habitante, a ser adotada pelo empreendimento, de acordo com a quantidade de água que irá disponibilizar para o sistema público de abastecimento;
III – ‘V1-l/s’ é o volume de litros por segundo de água, a ser fornecido pelo empreendimento, para o consumo próprio, de acordo com a densidade adotada;
IV – ‘V2-l/s’ é a quantidade de litros de água por segundo, a ser disponibilizada pelo empreendimento, para o sistema público de abastecimento, para cada litro por segundo de água de consumo próprio, previsto para o empreendimento, de acordo com a densidade determinada;
V – para o cálculo da vazão em razão da população, serão considerados:
a)a cota média percapta igual a duzentos litros por dia;
b) a vazão média igual a nove inteiros e nove décimos de litros por segundo, por quilômetro quadrado, considerando-se o período de sete dias por semana na razão de retorno de dez anos;
c) a intensidade de chuva na média de mil e trezentos milímetros por ano, com a possibilidade de captação máxima de acordo com o índice a ser autorizado pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – DAEE;
d) a perda do sistema de abastecimento na razão de no máximo quinze por cento (15%).
§ 4º. Ocorrendo a captação de água em quantidade insuficiente, devido à estiagem, forçando-se ao racionamento, deverá haver a distribuição proporcional em relação aos parágrafos 1º e 2º do artigo 74.
Art. 75. O empreendimento a ser implantado nas Macrozonas Rural Turística e Rural Turística e de Proteção e Recuperação dos Mananciais deverá apresentar Relatório Ambiental Preliminar – RAP e, dependendo do caso, Estudo de Impacto do Meio Ambiente – EIA/Relatório de Impacto do Meio Ambiente – RIMA, cuja análise prévia deverá ser realizada pelas áreas técnicas da Municipalidade, Comissão Especial de Análise de Uso e Ocupação do Solo, Conselho Municipal de Planejamento, Conselho Municipal de Meio Ambiente e, com parecer favorável destes órgãos e conselhos, deverá ser elaborado projeto de lei específico, para a aprovação da alteração do empreendimento para a zona de expansão urbana, contendo as exigências para a sua implantação, cujo encaminhamento ao Poder Legislativo dar-se-á após a realização de audiência pública.
§ 1º. A implantação de empreendimento nas macrozonas referidas no ‘caput’, será autorizada somente mediante o atendimento de, no mínimo, as seguintes diretrizes e critérios:
(...)
II – garantia de reservação de água para a captação na forma das tabelas constantes dos parágrafos 1º e 2º do artigo 73, prevista no inciso anterior, com destinação ao aumento da captação de água do sistema público, não podendo interferir na quantidade e na qualidade, causando redução do manancial hoje utilizado e disponibilizado para o abastecimento público e, inclusive, devendo adotar os procedimentos técnicos necessários;
(...)
Art. 80. O Poder Executivo poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local passível de receber o potencial construtivo, deduzida a área construída utilizada quando necessária, nos termos desta Lei, ou aliená-lo, parcial ou totalmente, para fins de: (...)” (fls. 390, 410/413, 419/420).
2. Na fase de preparo do
anteprojeto de lei houve participação popular mediante audiência pública
promovida pelo Poder Executivo (fls. 299/300, 1002/1003).
3. Recebendo pareceres favoráveis
das Comissões de Justiça e Redação, em 14 de outubro de 2004 (fl. 1194), de
Finanças e Orçamento, em 20 de outubro de 2004 (fl. 1196), e de Obras, Serviços
Públicos e Assistência Social, em 20 de outubro de 2004 (fl. 1197), foi
divulgado edital, em 25 de outubro de 2004, pela Presidência da Câmara,
convocando audiência pública realizada em 10 de novembro de 2004 (fls.
1198/1218).
4. No entanto, o projeto de lei
recebeu 05 (cinco) emendas do Vereador Djenomar Barbosa de Lolo preconizando as
seguintes alterações nas disposições acima transcritas constantes da proposta
do Poder Executivo, e que estão assim redigidas:
“Emenda 01
No artigo 38, inciso II, onde se lê:
...a área no raio de 100 m (cem metros) das nascentes e a 200 m (duzentos metros) da margem do local utilizado para a captação de água:
LEIA-SE
...o raio da área de afastamento das nascentes e a distância da margem do local utilizando para captação de água serão os previstos na legislação federal;
Emenda 02
No artigo 74:
a) Dar nova redação ao § 1º, eliminar o § 2º, e renomear os §§ 3º e 4º, que passarão a ter as seguintes redações:
§ 1º. Para as
macro-zonas constantes dos incisos III e IV, deste artigo, no cálculo da
densidade populacional será aplicada a tabela a seguir:
D (m2/hab.) |
V1-l/s |
V2-l/s |
>800<1000 |
1.0 |
1.5 |
>1000<5000 |
1.0 |
1.0 |
>5000 |
1.0 |
0 |
§ 2º. Deverão, na
aplicação da tabela constante do parágrafo anterior, serem consideradas as
seguintes definições:
I – 500,00 m2/habitantes é a maior densidade possível para o parcelamento ou o fracionamento nas macrozonas rurais;
II –...
III –...
IV –...
V –...
a)...
b)...
c)...
§ 3º. Ocorrendo a captação de água em quantidade suficiente, devido à estiagem, forçando-se o racionamento, deverá haver a distribuição proporcional na forma do parágrafo 1º, deste artigo.
Emenda 03
No artigo 75, caput, onde se lê:
...cuja análise prévia deverá ser realizada pelas áreas técnicas da Municipalidade, Comissão Especial de Análise de Uso e Ocupação do Solo, Conselho Municipal de Planejamento, Conselho Municipal de Meio Ambiente e, com parecer favorável destes órgãos e conselhos, deverá ser elaborado projeto de lei específico...
LEIA-SE:
...cuja análise prévia deverá ser realizada pelas áreas técnicas da Municipalidade, Comissão Especial de Análise de Uso e Ocupação do Solo, Conselho Municipal de Planejamento, Conselho Municipal de Meio Ambiente e, com pareceres na forma dos regimentos ou atos constitutivos desses órgãos e conselhos, deverá ser elaborado projeto de lei específico...
Emenda 04
No artigo 75, § 1º, inciso II, onde se lê:
...constantes dos parágrafos 1º e 2º do artigo 73...
LEIA-SE:
...constantes do parágrafo 1º do artigo 74...” (fl. 1219/1220).
“Emenda n. 05 (...)
No Artigo 80, onde se lê:
Artigo 80-... exercer em outro local passível de receber o potencial construtivo, deduzida a área construída...
LEIA-SE:
Artigo 80-... exercer em outro local passível de receber o potencial construtivo ou potencial de empreender, deduzida a área construída... ” (fl. 1221).
5. As
quatro primeiras emendas foram lidas na sessão de 09 de novembro de 2004 (fl.
1220) e a quinta na sessão de 16 de novembro de 2004 (fl. 1221) e receberam
pareceres favoráveis das citadas comissões da Câmara Municipal de Valinhos (fls.
1222/1224), sendo, em seguida, aprovados o Projeto de Lei e as Emendas n. 01 a
05, por unanimidade, e dispensados de segunda discussão, na sessão de 14 de
dezembro de 2004 (fls. 1226, 1372).
6. Assim
sendo, foi editada a Lei n. 3.841, em 21 de dezembro de 2004 (fls. 532/599),
com a seguinte redação no que interessa:
“Art. 38. Constituem objetivos para o plano de abastecimento de água do Município:
(...)
II – nas sub-bacias onde ocorre captação de água para abastecimento público, deverão ser consideradas como não edificantes e proibidas para o uso de criação de animais e a utilização de agrotóxicos e outros agentes poluidores, o raio de afastamento das nascentes e a distância da margem do local utilizado para a captação de água previstos na legislação federal;
(...)
Art. 74. O território do Município é dividido em macrozonas delimitadas no Anexo I, integrante desta Lei, mapa n° 14/04-DU/SMAU, assim definidas:
(...)
§ 1º. Para as macrozonas constantes dos incisos III e IV, deste artigo, no cálculo da densidade populacional, será aplicada a tabela a seguir:
D (m2/hab.) |
V1-l/s |
V2-l/s |
>500<1000 |
1.0 |
1.5 |
>1000<5000 |
1.0 |
1.0 |
>5000 |
1.0 |
0 |
§ 2º. Deverão, na aplicação das tabelas constantes do parágrafo
anterior, serem consideradas as seguintes definições:
I – 500,00 m2/habitante é a maior densidade possível para o parcelamento ou o fracionamento nas macrozonas rurais;
II – ‘D’ representa a densidade demográfica: quantia de metros quadrados de terra por habitante, a ser adotada pelo empreendimento, de acordo com a quantidade de água que irá disponibilizar para o sistema público de abastecimento;
III – ‘V1-l/s’ é o volume de litros por segundo de água, a ser fornecido pelo empreendimento, para o consumo próprio, de acordo com a densidade adotada;
IV – ‘V2-l/s’ é a quantidade de litros de água por segundo, a ser disponibilizada pelo empreendimento, para o sistema público de abastecimento, para cada litro por segundo de água de consumo próprio, previsto para o empreendimento, de acordo com a densidade determinada;
V – para o cálculo da vazão em razão da população, serão considerados:
a) a cota média percapta igual a duzentos litros por dia;
b) a vazão média igual a nove inteiros e nove décimos de litros por segundo, por quilômetro quadrado, considerando-se o período de sete dias por semana na razão de retorno de dez anos;
c) a intensidade de chuva na média de mil e trezentos milímetros por ano, com a possibilidade de captação máxima de acordo com o índice a ser autorizado pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – DAEE;
d) a perda do sistema de abastecimento na razão de no máximo quinze por cento (15%).
§ 3º. Ocorrendo a captação de água em quantidade insuficiente, devido à estiagem, forçando-se ao racionamento, deverá haver a distribuição proporcional na forma do parágrafo 1º deste artigo 74.
Art. 75. O empreendimento a ser implantado nas Macrozonas Rural Turística e Rural Turística e de Proteção e Recuperação dos Mananciais deverá apresentar Relatório Ambiental Preliminar – RAP e, dependendo do caso, Estudo de Impacto do Meio Ambiente – EIA/Relatório de Impacto do Meio Ambiente – RIMA, cuja análise prévia deverá ser realizada pelas áreas técnicas da Municipalidade, Comissão Especial de Análise de Uso e Ocupação do Solo, Conselho Municipal de Planejamento, Conselho Municipal de Meio Ambiente e, com pareceres na forma dos regimentos ou atos constitutivos desses órgãos ou conselhos, deverá ser elaborado projeto de lei específico, para a aprovação da alteração do empreendimento para a zona de expansão urbana, contendo as exigências para a sua implantação, cujo encaminhamento ao Poder Legislativo dar-se-á após a realização de audiência pública.
§ 1º. A implantação de empreendimento nas macrozonas referidas no ‘caput’, será autorizada somente mediante o atendimento de, no mínimo, as seguintes diretrizes e critérios:
(...)
II – garantia de reservação de água para a captação na forma das tabelas constantes do parágrafo 1º do artigo 74, com destinação ao aumento da captação de água do sistema público, não podendo prejudicar a quantidade ou a qualidade, ou causar a redução do manancial hoje utilizado e disponibilizado para o abastecimento público e, inclusive, devendo adotar os procedimentos técnicos necessários;
(...)
Art. 80. O Poder Executivo poderá autorizar o proprietário de
imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local passível de receber
o potencial construtivo ou
potencial de empreender, deduzida
a área construída utilizada quando necessária, nos termos desta Lei, ou
aliená-lo, parcial ou totalmente, para fins de: (...)” (fls. 557, 575/579, 585).
7.
Porém, as
disposições do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do art. 75, caput, § 1º, II, e do art. 80, da Lei n.
3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos, padecem de
inconstitucionalidade como será demonstrado.
II
– O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
8. As disposições do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do art. 75, caput, § 1º, II, e do art. 80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos (ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal):
“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Art. 297. São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.
9. Na espécie, a incompatibilidade vertical da lei local com a Constituição do Estado de São Paulo se manifesta pelo contraste direto com as seguintes disposições constitucionais estaduais:
“Artigo 5º - São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
§1º - É vedado a
qualquer dos Poderes delegar atribuições.
(...)
Artigo 47 -
Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas
nesta Constituição:
(...)
II - exercer, com o auxílio dos
Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV - praticar os
demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
III - a preservação,
proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural;
(...)
V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Artigo 191 - O
Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação,
conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural,
artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em
harmonia com o desenvolvimento social e econômico.
Artigo 192 - A
execução de obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos e a
exploração de recursos naturais de qualquer espécie, quer pelo setor público,
quer pelo privado, serão admitidas se houver resguardo do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
§1º - A outorga de
licença ambiental, por órgão ou entidade governamental competente, integrante
de sistema unificado para esse efeito, será feita com observância dos critérios
gerais fixados em lei, além de normas e padrões estabelecidos pelo Poder
Público e em conformidade com o planejamento e zoneamento ambientais.
§2º - A licença
ambiental, renovável na forma da lei, para a execução e a exploração
mencionadas no ‘caput’ deste artigo, quando potencialmente causadoras de
significativa degradação do meio ambiente, será sempre precedida, conforme
critérios que a legislação especificar, da aprovação do Estudo Prévio de
Impacto Ambiental e respectivo relatório a que se dará prévia publicidade,
garantida a realização de audiências públicas.
Artigo 193 - O
Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade
ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado
dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos
e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a
participação da coletividade, com o fim de:
(...)
XX - controlar e
fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos que,
direta ou indiretamente, possam causar degradação do meio ambiente, adotando
medidas preventivas ou corretivas e aplicando as sanções administrativas
pertinentes;
(...)
Parágrafo único -
O sistema mencionado no ‘caput’ deste artigo será coordenado por órgão da
administração direta que será integrado por:
a) Conselho
Estadual do Meio Ambiente, órgão normativo e recursal, cujas atribuições e
composição serão definidas em lei;
b) órgãos executivos incumbidos da realização das atividades de desenvolvimento ambiental”.
10. Verte dos autos que instruem a presente ação que as emendas parlamentares apresentadas ao projeto de lei não foram precedidas em sua aprovação da oitiva de conselhos municipais (Planejamento e Meio Ambiente), como constatado (fls. 03/04, 17, 30/31, 1372), e que são compostos por representantes de entidades comunitárias da sociedade civil (fls. 244/247, 268/270), assim como não foram objeto de exame e debate na audiência pública convocada pela Câmara Municipal de Valinhos, consoante se percebe do edital e da transcrição respectivas (fls. 1198/1218).
11. Portanto, a necessidade de participação da comunidade na discussão e deliberação do plano diretor restou prejudicada no processo legislativo da lei impugnada, pois, não abrangeu as emendas parlamentares que o alteraram.
12. O planejamento municipal, veiculado através do instrumento de maior importância urbanística que é o plano diretor, tem como elemento formal obrigatório, para atribuição de legitimidade substancial ao uso do poder, a participação popular em todas as suas fases.
13. Essa premissa foi louvada pelo eminente Desembargador Samuel Junior em declaração de voto vencedor em julgamento proferido por esse colendo Órgão Especial, cuja ementa assim está redigida:
“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).
14. Se
assim é em face da oferta de substitutivo, idêntico tratamento deve ser
dispensado a emendas parlamentares, porque a democracia participativa
assegurada no inciso II do art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual,
assim como no inciso XII do art. 29 da Constituição Federal, alcança a elaboração
do plano diretor antes e durante seu processo legislativo até o estágio final
de produção da lei.
15. Ademais,
a alteração promovida pela emenda parlamentar no caput do art. 75 da Lei n. 3.841/04 não é tão singela e aponta no
sentido de viabilização de projeto de lei específico de autorização de
empreendimentos em certas zonas (rural turística, de proteção e recuperação de
mananciais), visando à aprovação de alteração do empreendimento para zona de
expansão urbana, ainda que contrário aos pareceres dos órgãos municipais
técnicos ou comunitários.
16. De
fato, para além do vício de inconstitucionalidade formal acima denunciado, que
patenteia ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual, diferentemente da
proposta inaugural do projeto de lei que condicionava a apresentação de projeto
de lei específico para tanto a emissão de pareceres favoráveis “das áreas
técnicas da Municipalidade, Comissão Especial de Análise de Uso e Ocupação do
Solo, Conselho Municipal de Planejamento, Conselho Municipal de Meio Ambiente”,
a redação aprovada, resultante da emenda parlamentar acima referida, abandona a
natureza vinculante desses pareceres, imprimindo-lhes característica não
vinculante com a fórmula “pareceres na forma dos regimentos ou atos constitutivos
desses órgãos ou conselhos”.
17. Isso
implica nociva conseqüência na senda do princípio da separação dos poderes,
constante do art. 5º da Constituição Estadual, visivelmente violado. Pois, o
Poder Executivo estará compelido a solicitar ao Poder Legislativo autorização
legislativa, não obstante desestimada, por seus órgãos técnicos, para alteração
urbanística de determinado empreendimento, situação que subverte a reserva de
iniciativa legislativa que decorre da reserva de Administração constante dos
incisos II e XIV do art. 47 da Constituição Estadual e diverge com a
característica normativa dos órgãos colegiados ambientais (art. 193, XX,
parágrafo único, alínea a,
Constituição Estadual).
18. Ademais,
é incompatível com as normas dos arts. 180 II, 191, e 192, caput e §§ 1º e 2º, da Constituição Estadual, exigentes de
participação comunitária em quaisquer planos, programas ou projetos e adversas
a atividades que não resguardam o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
para além de proporcionar ofensa direta aos incisos I, III e V do art. 180 da
Constituição Estadual por exonerar a tutela dos bens jurídicos ambientais ali
consignados (garantia do bem-estar, preservação do meio ambiente urbano,
observância de normas de qualidade de vida).
19. Por estas razões, deve ser declarada a
inconstitucionalidade do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do
art. 75, caput, § 1º, II, e do art.
80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos.
III – Pedido
liminar
20. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura das normas impugnadas, apontadas como violadoras
de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação evitando, assim, danos ambientais e
urbanísticos e insegurança jurídica.
21. À luz deste perfil, requer-se a
concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo
julgamento desta ação, do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do
art. 75, caput, § 1º, II, e do art.
80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos.
IV - Pedido
22. Face ao exposto,
requer o recebimento e processamento da presente ação que deverá ser julgada
procedente para declaração da inconstitucionalidade do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do
art. 75, caput, § 1º, II, e do art.
80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos.
23. Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Valinhos, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 26 de julho de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado n. 46.654/10
Assunto: Inconstitucionalidade do inciso II do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do art. 75, caput, § 1º, II, e do art. 80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro de 2004, do Município de Valinhos.
1.
Distribua-se a
petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do inciso II
do art. 38, dos §§ 1º a 3º do art. 74, do art. 75, caput, § 1º, II, e do art. 80, da Lei n. 3.841, de 21 de dezembro
de 2004, do Município de Valinhos, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 5 de agosto de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça