Ação Direta de Inconstitucionalidade
Protocolo
nº2008.657828-0(24)
Autor:
Procurador-Geral de Justiça
Objeto: Lei
Municipal nº7025, de 31 de março de 2008, de Jundiaí.
Excelentíssimo Senhor Desembargador
Relator
Tratam estes autos de ação direta de
inconstitucionalidade proposta por esta Procuradoria-Geral de Justiça, tendo
como alvo a Lei Municipal nº7025, de 31 de março de 2008, de Jundiaí.
Esta ação foi distribuída –
protocolizada - em 04.07.08.
Ocorre
que, tendo como alvo o mesmo ato normativo, com idênticos fundamentos e
idêntico pedido, foi ajuizada anteriormente, em 30.06.08, a ADI
nº166.129.0/0-00 (cf. cópia da petição inicial – primeira folha – que segue
como anexo a esta manifestação).
Dado o equívoco – distribuição da segunda
ação direta (esta) – com idêntico pedido e fundamentação de outra proposta
anteriormente – o que se verifica é a hipótese de litispendência.
Como é assente a ocorrência da
litispendência, configurando pressuposto processual objetivo negativo, impede a
formação e desenvolvimento válido e regular do processo, determinando a
extinção da demanda proposta ulteriormente.
Diante do exposto, requer-se a extinção
deste feito sem exame do mérito, com fundamento no art.267 V do CPC.
Termos em que,
Pede-se deferimento.
São Paulo, 10 de julho de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de
Justiça
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Ementa: 1) Lei Municipal. Vedação de distribuição
de contraceptivos de urgência. Produto autorizado pela Autoridade Federal
competente e encontrável em farmácias do Município. Lei de iniciativa de
vereador. Ingerência indevida na definição de políticas públicas e nos
serviços públicos. Separação de poderes malferida. Competência legislativa
não inserida na cláusula do interesse local ou na suplementação da legislação
federal ou estadual. Inconstitucionalidade presente. |
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no
exercício da atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar
n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto nos
artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal e artigo 74,
inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, vem, respeitosamente,
promover perante esse Colendo Tribunal de Justiça a presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em relação à Lei Municipal n.º 7.025, de 31 de março de 2008, do Município de Jundiaí,
que “Veda
nos serviços de saúde pública distribuir contraceptivos de urgência', por
malferir os artigos 1.º, 5.º, 24, 111,
144, 219, parágrafo único e 233, V, da Constituição do Estado, pelos
motivos e fundamentos a seguir expostos.
A
Lei n.º 7.025, de 31 de março de 2008, do Município de Jundiaí, tem a seguinte
redação:
LEI N.° 7.025, de 31 de março de 2008
Veda nos serviços de saúde pública distribuir
contraceptivos de urgência.
“Art. 1.º Nos serviços de saúde pública não se
distribuirão contraceptivos de urgência.
§ 1º. Considera-se contraceptivo de urgência;
I – o levonorgestrel;
II – as substâncias similares.
§ 2º. Consideram-se serviços de saúde pública;
I – as repartições públicas competentes;
II – as instituições privadas de prestação de
atendimento correlato, coligadas ao Município por contrato, convênio, subvenção
e auxílio financeiro e material de qualquer natureza.
Art. 2.º Ao infrator aplicar-se-ão as sanções
regulamentares.
Art. 3.º Esta lei entra em vigor na dada da sua
publicação, revogadas as disposições em contrário''
(autoria: Vereador Cláudio
Ernani Marcondes de Miranda – fl. 34 do Protocolado-MP-anexado)
Como
se vê, o dispositivo legal -- de iniciativa
de vereador -- malfere vários princípios constitucionais eis que:
a) disciplinou assunto que se insere na
competência legislativa (concorrente)
da União e dos Estados Federados, (art. 24, XII - proteção e defesa da saúde), bem assim na competência material da União e dos Estados para a formulação e execução de políticas globais
de atendimento e procedimentos referentes à Saúde (art. 200, I, da Constituição da República, artigos 219, parágrafo único
e art. 223, V, da Constituição do Estado de São Paulo), desrespeitando os
artigos 1.º, 24, 111 e 144, 219, parágrafo único e 223, V, da Constituição do
Estado; e
b) sendo lei é de iniciativa de vereadores,
violou o princípio da separação de
poderes (art. 5.º da Constituição do Estado).
De
fato, assim dispõem as referidas normas constitucionais:
“Art. 1º - O Estado de São Paulo,
integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas
pela Constituição Federal.
Art. 5º
- São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
Art. 24 - A iniciativa das leis
complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia
Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao
Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos
nesta Constituição.
§ 2º - Compete,
exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham
sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções
ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação
da respectiva remuneração;
2 - criação
das Secretarias de Estado
Art. 111 - A administração pública direta,
indireta ou funcional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei
Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.
Art. 219 - A saúde é direito de todos e dever
do Estado.
Parágrafo único - Os Poderes Públicos
Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante:
1 - políticas sociais, econômicas e
ambientais que visem ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da
coletividade e à redução do risco de doenças e outros agravos;
Art. 223 - Compete ao sistema único de saúde, nos termos da lei, além de outras atribuições:
(...)
V - a organização, fiscalização e controle
da produção e distribuição dos
componentes farmacêuticos básicos, medicamentos, produtos químicos,
biotecnológicos, imunobiológicos, hemoderivados e outros de interesse para
a saúde, facilitando à população o acesso a eles (...)''
Os
parâmetros da Constituição da República referidos
pela Constituição do Estado (art. 1.º e 144) são:
“Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos (...)
Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Art. 200 - Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei:
I - controlar
e fiscalizar procedimentos, produtos
e substâncias de interesse para a saúde
e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos (...)''
A
Lei Municipal n.º 7.025, de 31 de março
de 2008, do Município de Jundiaí, invadiu, inconstitucionalmente, área de competência legislativa da União e dos Estados (legislar sobre políticas
públicas de saúde) e da competência material dos mesmos, ou seja, a de formular
e executar as políticas públicas globais em termos de Saúde Pública. Tratou de
assunto que, sequer de longe, pode-se afirmar como de ''interesse local'': A
Constituição da República é clara, ao prever que aos Municípios somente:
“Art. 30 - Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar
a legislação federal e a estadual no que couber (...)”
A
distribuição de pílulas chamadas de ''anticoncepção
de emergência'' é tema que não se
insere na cláusula do ''interesse local'' (art. 30, I, da Constituição da
República) sendo, como é obvio, um assunto de interesse geral ou nacional. Sequer competência
suplementar, no caso, dispõe o Município (art. 30, II, da Constituição da
República), pois, como explica Fernanda Dias Menezes de Almeida, ''...só cabe a suplementação em assuntos que digam respeito ao interesse
local. Nenhum sentido haveria, por exemplo,
Sobremais,
não se pode esquecer que o Município somente pode suplementar a competência privativa
de outros entes federados, quando necessário
ao exercício de sua competência material privativa, o que não é o caso,
obviamente. Diz a mesma autora que:
“(...) terá cabimento a legislação
municipal suplementar quando o exercício da competência material privativa do
Município depender da observância de normação heterônoma. Isto poderá ocorrer
em relação à legislação federal e à legislação estadual. Quanto à legislação
federal, o Município complementará ou suprirá normas gerais da União ao
exercer, por exemplo, a competência privativa de instituir os próprios
tributos. De fato, a instituição de tributos, por qualquer das esferas, se deve
pautar pelas normas gerais de Direito Tributário postas pela União. Nesse caso,
o Município estabelecerá as normas tributárias específicas (competência
complementar) e poderá até mesmo editar normas gerais, admitindo-se, em tese,
que à União se omita em expedi-las (competência supletiva). É possível ainda a
legislação suplementar do Município nas hipóteses em que, para o atendimento de
competência material privativa, o Município tenha que observar lei federal que
à União caiba editar no exercício de sua competência legislativa plena.”
E
tanto a União como o Estado de São Paulo exerceram sua competência legislativa
na matéria. Somente na órbita da União existe a Lei Federal n.º 8.080, de 19 de setembro de
O
medicamento citado nesta ação (''anticoncepcional de emergência - levonorgestrel'') teve sua
comercialização autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Ao
que indicam as circunstâncias do caso, houve sim motivos outros, com a
indicação de que tais medicamentos são abortivos. Ocorre que, sem qualquer fundamentação
científica mais séria, apenas a convicção ética não pode se transmudar em dever
(lei).
Ademais,
a Constituição da República incentiva a paternidade
responsável, estando claro que compete ''...ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito'' (art. 226, § 7.º, da Constituição da República).
O
Município invadiu tema sobre o qual não dispõe de competência constitucional. Para HELY LOPES MEIRELLES: “(...) estabelecida essa premissa é que se deve partir em busca dos
assuntos da competência municipal, a fim de selecionar os que são e os que não
são de seu interesse local, isto é, aqueles que predominantemente interessam à atividade local. Seria fastidiosa -- e inútil, por incompleta -- a apresentação de um elenco casuístico de
assuntos de interesse local do Município, porque a atividade municipal, embora
restrita ao território da Comuna, é multifária nos seus aspectos e variável na
sua apresentação, em cada localidade. Acresce, ainda, notar a existência de
matérias que se sujeitam simultaneamente à regulamentação pelas três ordens
estatais, dada sua repercussão no âmbito federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais:
Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de
Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização etc;
regulamentos sanitários municipais). Isso porque sobre cada faceta do assunto há
um interesse predominante de
uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao
Município a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local. Dentre os assuntos
vedados ao Município, por não se enquadrarem no conceito de interesse local, é de se assinalar, a título exemplificativo,
a atividade jurídica, a segurança nacional, o serviço postal, a energia em
geral, a informática, o sistema monetário, a telecomunicação e outros mais,
que, por sua própria natureza e fins, transcendem o âmbito local."
(Direito Municipal Brasileiro, p. 135,
Malheiros, 12.ª ed.).
Por
outro lado, poderiam os autores da Constituição do Estado, no exercício do Poder Constituinte Decorrente, repetir, enfadonhamente, as normas
de reprodução obrigatória da Constituição da República, mas preferiram
eles, acertadamente diga-se, fórmula sintética do art. 144, determinando, como
não poderia deixar de ser, que os princípios
estabelecidos na Constituição Federal (somente princípios, não regras) devessem
ser observados obrigatoriamente pelos Municípios. Não foi outra a saída encontrada pelos
Constituintes nacionais, por exemplo, com o art. 25 da Constituição da
República, a determinar que os Estados se organizem segundo os princípios da Constituição da
República, sem explicitá-los, também enfadonhamente. Assim:
“Art. 25 - Os Estados organizam-se e
regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.”
Veja-se
a correspondência deste artigo com o art. 144 da Constituição do Estado de São
Paulo (“Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”).
Sabe-se
que o princípio federativo --
adotado no art. 1.º da Constituição do Estado de São Paulo -- é ''...a rigor, um grande sistema de repartição de
competências', sendo esta 'a chave
da estrutura do poder federal' ou 'a grande questão do federalismo', e
ainda 'um problema tipicamente do estado federal''' (RAUL MACHADO HORTA E DURAND,
citados por FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA).
A
doutrina já resolveu a questão dos princípios que devem os Estados observar (o que, obviamente, aplica-se aos Municípios,
já agora por força do art. 144 da Constituição do Estado). Ao comentar sobre o conteúdo do art. 25 da
Constituição da República, a direcionar as competências dos Estados (como o
art. 144 da Constituição do Estado condiciona as competências dos Municípios), MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO refere-se à existência das ‘regras de preordenação institucional’, ‘regras de extensão normativa’
e ‘regras de subordinação normativa’, inseridas na Constituição da
República, vinculantes para os demais entes políticos, nestes termos:
“(...) Ainda
cerceiam a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa. São estas as que, presentes na
própria Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes
federativos (União, Estados, Municípios), predefinem
o conteúdo da legislação que será editada por eles. E isto, ou orientando positivamente tal conteúdo
(mandando que siga determinada linha), ou
negativamente (proibindo que
adote certas normas ou soluções). Exemplo de tais regras de subordinação
normativa é o que
decorre do art. 37 da Constituição brasileira, que
preside à atuação da administração pública direta ou indireta. Da mesma forma,
o art. 39 da Constituição direciona diretamente a legislação dos Estados (bem
como do Distrito Federal e dos Municípios) quanto aos servidores públicos. Observe-se que esta subordinação normativa
pode ser direta ou indireta. Ela é direta (e imediata) quando deflui, sem
intermediário, da Constituição Federal e obriga desde logo o legislador. É
indireta (e mediata) quando se faz por meio da legislação federal obrigatória
para os Estados. Esta "subordinação
normativa indireta" ocorre no campo da competência legislativa
concorrente da União e dos Estados (bem como do Distrito Federal), que enuncia
o art. 24 da Constituição brasileira. Com efeito, este artigo confere à União a
competência de "estabelecer normas gerais" (art. 24, § 1.°). Conseqüentemente,
a estas normas gerais se subordinam as que os Estados editarem em vista de suas
peculiaridades (art. 24, §§ 2.°, 3.° e 4.°).” (Comentários
à Constituição Brasileira de 1988, v. I, p. 197, Saraiva, 1997).
A norma da
Constituição da República já predefiniu a legislação municipal negativamente proibindo
que adote certas normas ou soluções. Claro que, apenas por não
repetir explicitamente os princípios da Constituição da República, não significa
que os Municípios fiquem livres para -- em uma curiosa situação então -- dispor
de mais poderes constituintes que o Estado (já que não se discute que, quando a
este, seu Poder Constituinte Decorrente é limitado). Trata-se o artigo 144 da Constituição
do Estado de norma de repetição
obrigatória, vale dizer:
“...as
normas centrais da Constituição Federal, tenham elas natureza de princípios
constitucionais, de princípios estabelecidos ou de normas de preordenação,
afetam a liberdade criadora do Poder Constituinte Estadual e acentuam o caráter
derivado desse poder. Como conseqüência da subordinação à Constituição Federal,
que é a matriz do ordenamento jurídico parcial dos Estados-membros, a atividade
do constituinte estadual se exaure, em grande parte, na elaboração de normas de reprodução, mediante as quais faz o transporte da
Constituição Federal para a Constituição do Estado das normas centrais,
especialmente as situadas no campo das normas de preordenação. A tarefa do
constituinte limita-se a inserir aquelas normas no ordenamento constitucional
do estado, por um processo de transplantação.
A norma de reprodução não é, para os fins da autonomia do Estado-membro,
simples norma de imitação, frequentemente encontrada na elaboração
constitucional. As normas de imitação
exprimem a cópia de técnicas ou de institutos, por influência da sugestão
exercida pelo modelo superior. As normas
de reprodução decorrem do caráter
compulsório da norma constitucional superior, enquanto a norma de
imitação traduz a adesão voluntária do constituinte a uma determinada
disposição constitucional”. (Raul Machado
Horta, Poder constituinte do estado-membro, RDP, 88/5).
A
repartição de competências é a ‘chave de abóbada’ do sistema federal;
conspurcada aquela conspurca-se este. É o que ocorre no caso dos autos, com a
violação, pelo Município, de princípios constitucionais sensíveis.
Por
outro lado, a Lei Municipal n.º 7.025,
de 31 de março de 2008, do Município de Jundiaí é de iniciativa de
vereador, violando, igualmente, o princípio da separação de poderes, eis que disciplina e confere atribuições a
órgãos do serviço público -- aqueles integrantes da Rede Pública de Saúde -- sendo
que, neste caso, a iniciativa é privativa do Executivo. Decidiu, a propósito, o Colendo Supremo Tribunal
Federal:
“AÇAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
2.719-1 - ES
RELATOR : MIN. CARLOS VELLOSO
Decisão:
O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da Lei n° 7.157, de 30 de abril de 2002, do Estado do
Espírito Santo. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Senhores
Ministros Marco Aurélio, Presidente, e Moreira Alves, e, neste julgamento, o
Senhor Ministro Nelson Jobim. Presidência do Senhor Ministro Ilmar Galvão,
VicePresidente. Plenário, 20.03.2003.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI
QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de
2002, do Espírito Santo.
I. - É
de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação,
estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art.
61, § 1°, II, e, art. 84, II e
VI.
II. - As regras do processo legislativo
federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas
de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente.’
A
administração da cidade, sabe-se, incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo',
e que tem na lei seu mais relevante instrumento,[1]
participando, sempre, o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os
atos.
Proibir
a distribuição de um determinado medicamento ou droga, ato pontual e específico, não está na competência da Câmara
Municipal, que sempre legisla ''in genere''.
O Legislativo não emite ''ordens'' ao Poder Executivo, no seu campo específico
de atuação (princípio da ''reserva de
administração''). Ao que pretende chegar
a Câmara Municipal citada, melhor se denominaria como um sistema diretorial, não presidencial
de governo, que se caracteriza, aquele, essencialmente, '‘... pelo fato de que o órgão político e
governamental é a Assembléia (Parlamento, Corpo Legislativo). Esta, na verdade, é quem toma as decisões de
política geral, sob a forma de diretrizes (além de votar as leis), como é quem
elege uma Comissão (Diretório), a qual desempenha as tarefas do Executivo,
juridicamente preso às diretivas emanadas da Câmara. Esse 'Legislativo' é, assim, e mais que tudo,
um Poder 'Deliberativo'. O Diretório, ou seja, o conjunto de ministros fica
incumbido de executar as decisões desse Poder, cada um no campo de sua competência.
Não tem ele, consequentemente, política própria. Seus membros são como elegantemente
se diz comissários da Assembléia, obrigados a fazer o que esta determinar.”
·.
Ademais,
a falta de razoabilidade da medida prevista na lei é clara. Ora, sob inspiração
de mandamento ético -- sem qualquer maior demonstração empírica -- proibir a distribuição
de medicamento em Município, sendo que o mesmo produto está à venda livremente
nas farmácias do mesmo Município, não é, sequer minimamente, razoável.
DA
SUSPENSÃO LIMINAR
Tendo
em vista a imediata vigência da lei, autêntica superfetação de legislação já
existente, a impedir a distribuição de
medicamentos, necessária a liminar. Quando se trata do controle normativo
abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos requisitos concernentes
ao fumus boni juris e ao periculum in mora, o poder geral de
cautela autoriza a suspensão de eficácia de dispositivos legais impugnados, até
o advento da decisão final.
Neste
caso, tais requisitos se fazem presentes, de modo que está translúcida a
conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia dos dispositivos
questionados. De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco,
restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no
contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa
da Constituição, o juízo de conveniência
é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes
do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p.
3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ
142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182). É o que se requer.
PEDIDO
FINAL
Ante
o exposto, é a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 7.025, de 31 de março de
2008, do Município de Jundiaí, que “Veda
nos serviços de saúde pública distribuir contraceptivos de urgência', por
malferir os artigos 1.º, 5.º, 24, 111,
144, 219, parágrafo único e 233, V, da Constituição do Estado, com as
comunicações de estilo para sua expulsão do ordenamento jurídico.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e à Municipalidade de Jundiaí,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 30 de junho de 2008.
FERNANDO GRELLA
VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça