Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n. 50.145/08), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

de parte do texto do art. 1º da Lei Municipal n. 3.798, de 31 de janeiro de 2006, do município de Tatuí, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:

                   A iniciativa da propositura da presente ação decorre do acolhimento de representação formulada pelo Dr. (...), 5º Promotor de Justiça de Tatuí, contra a lei municipal citada, que disciplina a contratação de pessoal por tempo determinado para o atendimento de necessária temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 115, X, da Carta Paulista.

 

                   O dispositivo legal impugnado estabelece o seguinte:

 

 

Lei Municipal n. 3.798, de 31 de janeiro de 2006

 

“Dispõe sobre a contratação, pela Prefeitura Municipal de Tatuí, de empregados públicos por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme permissivo do art. 37, inciso IX da Constituição Federal, e dá outras providências”.

 

Art. 1º - Para atender a necessidade inadiáveis e/ou temporárias de excepcional interesse público, conforme permissivo constante do Artigo 37, Inciso IX da Constituição Federal, fica a Prefeitura Municipal de Tatuí autorizada a contratar empregados públicos, nas condições expressas nesta Lei, nos casos de:

 

I. Calamidade pública ou de comoção interna;

 

II.  Contratação de professor substituto;

 

III.  Contratação de profissionais da saúde;

 

IV. Campanhas de saúde pública e/ou combate a surtos endêmicos;

 

V. Afastamentos transitórios de servidores ou de sua saída do serviço público;

 

VI. Implantação de serviço urgente e inadiável;

 

VII. Execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica;

 

VIII. Atender a termos de convênio, programas e projetos sociais, limitada ao período de vigência ou prazo.

 

§ 1º - O recrutamento de pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito independentemente da existência de emprego criado em lei, mediante processo seletivo simplificado, sujeito à ampla divulgação, se houver tempo, por prazo determinado de até 06 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, de acordo com cada situação, prescindindo de concurso público.

 

§ 2º - A contratação de professor substituto a que se refere o inciso II, far-se-á para suprir a falta de docente da carreira, decorrente de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória e ainda para suprir vagas existentes devido a inauguração de novas unidades escolares quando o número de docente for insuficiente para atender aquela necessidade sem prejuízo da realização do competente concurso público quando assim se mostrar necessário.

 

 

 

         § 3º - As contratações para substituir professores afastados para a capacitação ficam limitadas a dez por cento do total de cargos de docentes da carreira constante do quadro de lotação da instituição.

 

§ 4º - A contratação de profissionais da saúde a que se refere o inciso III, far-se-á para suprir a falta do profissional da carreira, decorrente de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória e ainda para suprir vagas existentes devido a inauguração de novas unidades de saúde quando o número de profissionais for insuficiente para atender aquela necessidade sem prejuízo da realização do competente concurso público quando assim se mostrar necessário.

 

                   As disposições normativas acima destacadas em negrito, como será visto a seguir, são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 111, 115, incisos II e X, e 144, “verbis”:

 

             Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

 

             Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

             .....................................................................................

             II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

             .....................................................................................

             X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

 

             Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

 

                   De fato, algumas das situações previstas no art. 1º, da Lei Municipal n. 3.798/2006, de Tatuí, são incompatíveis com a contratação por tempo determinado para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. São as seguintes: II.  Contratação de professor substituto; III.  Contratação de profissionais da saúde; V. Afastamentos transitórios de servidores ou de sua saída do serviço público; VIII. Atender a termos de convênio, programas e projetos sociais, limitada ao período de vigência ou prazo.

                   A bem da verdade, as situações acima descritas são comuns e absolutamente previsíveis à Administração Pública. Aliás, a contratação de profissionais da saúde é necessidade permanente, não dando margem, por conseguinte, a esse tipo de contratação, conforme, aliás, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de proclamar, ‘verbis’: “Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes.” (ADI n.º 2.987, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE, julgamento em 19-2-04, DJU de 2/04/2004).

                   Deve-se sempre ter presente que “a regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional” (ADI 3210/PR, Julgamento: 11/11/2004, relator Ministro CARLOS VELLOSO).

                   Ademais, atividades permanentes ou previsíveis não autorizam a contratação temporária. Assim decidiu o Pleno do STF ao apreciar a ADI n. 890/DF, em que foi relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA (Julgamento: 11/09/2003): “A Administração Pública direta e indireta. Admissão de pessoal. Obediência cogente à regra geral de concurso público para admissão de pessoal, excetuadas as hipóteses de investidura em cargos em comissão e contratação destinada a atender necessidade temporária e excepcional. Interpretação restritiva do artigo 37, IX, da Carta Federal. Precedentes. Atividades permanentes. Concurso Público”destaques nossos.

                  No tocante à Lei Municipal n. 3.798/2006, é aceitável a contratação temporária no caso de calamidade pública, de comoção interna, de combate a surtos endêmicos, de implantação de serviço urgente e inadiável ou para a execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica. Ocorre que, nesses casos, estão presentes circunstâncias momentâneas, imprevistas ou imprevisíveis à Administração. 

 

                   Todavia, o mesmo não ocorre em relação à contratação de professor substituto, de profissionais da saúde, no caso de afastamentos transitórios de servidores ou de sua saída do serviço público e, especialmente, para atender a termos de convênio, programas e projetos sociais.

 

                  

DA LIMINAR

 

                   Quando se trata do controle normativo abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos requisitos legais atinentes ao “fumus boni juris e ao “periculum in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia dos atos normativos questionados, até o final julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.

 

                   No presente caso, esses pressupostos legais encontram-se presentes, de modo que está translúcida a conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia da lei municipal ora contestada, quer porque algumas das situações nelas previstas não são de excepcional interesse público, quer porque a aplicação dessa norma resulta na admissão de servidores sem a existência dos respectivos cargos ou funções, para o exercício de atividades permanentes, com base em critérios marcadamente políticos, em setores essenciais à Administração Pública (saúde, educação, administração). De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, pelo menos, a excepcional conveniência da liminar ora cogitada.

 

                   Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADI-MC 125, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. CELSO DE MELLO; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).  É  o que se requer.

 

                   À vista do exposto, e após a concessão de medida liminar, requeiro seja autorizado o processamento da presente ação, colhendo-se as informações pertinentes da Câmara Municipal de Tatuí e do Prefeito Municipal da mesma cidade, sobre as quais me manifestarei oportunamente, vindo, afinal, a ser declarada a inconstitucionalidade de parte do texto do art. 1º da Lei Municipal n. 3.798, de 31 de janeiro de 2006, mais especificamente dos incisos II, III, V e VIII do art. 1º e, conseqüentemente, dos §§ 2º e 4º, por contrariedade aos arts. 111, 115, incisos II e X, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 18 de agosto de 2008.

 

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça