EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Previsão de contratação temporária  em hipóteses em que não se demonstrou  a existência de emergência, nem interesse público excepcional. Violação dos arts. 115,II e X, 117, caput e 144, da Constituição Paulista. Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

                           

                                      O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, escorado nos artigos 90, III, da Constituição Estadual e 667, III, do Regimento Interno deste Tribunal, vem à presença do Colendo Órgão Especial propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do que contêm o inciso VI, do art. 2º, a alínea “a” do § único, do art. 3º o art.  12 e o inciso I do § 1º ,  do art. 13, da Lei n. 2.730, de 12 de novembro de 2001, do Município de Itanhaém, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:

 

                                       O Poder Legislativo do Município de Itanhaém,  fez editar a Lei Complementar n° 2.730, de 12 de novembro de 2001, que “dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a    necessidade     temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX, do art. 37 da Constituição Federal e dá outras providências”

 

                                      Referido ato normativo estabelece, dentre outras questões afetas à Administração Pública municipal, as hipóteses que são consideradas pelo legislador local como de natureza temporária.

 

                                      Com o intuito de regulamentar esta matéria no âmbito municipal, mesmo sem ter se reportado expressamente ao art. 37, inc. IX, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, inc. X, da Carta Paulista, assim previu o legislador local:

 

“Art. 2º – As contratações a que se refere o art. 1º  somente poderão ocorrer nos seguintes casos:

 

(...)

 

VI- execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica, decorrentes da celebração de convênio, durante o período de sua vigência;

 

(....)

 

Art. 3º - As contratações serão feitas pelo tempo estritamente necessário para atender as hipóteses elencadas no artigo anterior, observado o prazo máximo de 12 (doze) meses.

 

Parágrafo único – É vedada a prorrogação do contrato, salvo se :

 

a)     houver obstáculo judicial para a realização de concurso público;

 

(....)

 

Art. 12 - É vedada a contratação, com fundamento nesta Lei, para função correspondente a cargo ou emprego em comissão.

 

Art. 13.....

 

§ 1º - A contratação, que se dará sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, será de no máximo 12 (doze) meses, vedada a sua prorrogação, salvo se:

 

I- houver obstáculo judicial para a realização de concurso público;

 

                                      Dentre as situações previstas na lei ora em comento como autorizadoras da contratação temporária, com dispensa da regra geral, que é o ingresso no serviço público através de concurso formulado nos termos do art. 37, inc. II, do Texto Maior, a constante do inciso VI, do art. 2º acaba por ofender princípios constitucionais consignados tanto na Carta da República como na Carta Bandeirante.

 

                                       Com efeito, o art. 37, inc. IX, da Carta de Regência, reproduzida no art. 115, inc. X, da Carta Bandeirante, como

forma de absoluta exceção ao princípio do concurso público, prevê que   “a   lei   estabelecerá   os   casos   de   contratação   por    tempo

determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”.

 

                                      Percebemos claramente que a exceção prevista pelo constituinte não se constitui em uma carta branca ao legislador, a fim de que este possa, a seu bel prazer, estabelecer as hipóteses de contratação temporária, pois estas deverão, necessariamente, conter todos os requisitos constitucionais.

 

                                      E, o Excelso Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento quanto a esses requisitos. Vejamos:

 

                                      “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. – A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso  II do art. 37 e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional. II. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB, Ministro Carlos Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício  Corrêa;  ADI  2.380-MC/DF,  Ministro  Moreira  Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III. – A lei referida no inciso IX do art. 37, CF, deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo-se ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF – ADI 3210/PR – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 11. 11.2004).

 

                                      O julgado acima transcrito bem retrata que não basta que um serviço seja temporário, para que se possa aplicar a regra de exceção contida no art. 37, inc. IX, da Carta Magna, havendo necessidade de que este requisito esteja devidamente conjugado com o interesse público excepcional e a situação emergencial, pois, como citado, se for possível prever a necessidade daquela contratação com antecedência, então não há porque aplicar a exceção como regra.

 

 

                                      Diante desse quadro, resta absolutamente patente a inconstitucionalidade do inciso VI, do art. 2º, da Lei n. 2.730, de 12 de novembro de 2001, do Município de Itanhaém,  uma vez que denotam situações claramente possíveis de serem antevistas, e, conseqüentemente, de serem objeto de certame regular para a escolha dos servidores a serem contratados.

 

                                      Com efeito, o inciso VI, do art. 2º, prevê a possibilidade de contratação temporária, sem o regular concurso público, no caso de “ execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica, decorrentes de celebração de convênio, durante o período de sua vigência”.

 

                                      Não há dúvida de que a hipótese legal fere a disposição constitucional quanto à matéria, na medida em que não se demonstra a emergência, e nem o interesse público excepcional.

 

                                      Em verdade, trata-se de verdadeira burla à determinação contida no art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, cujo teor foi reproduzido pelo art. 117, caput, da Constituição Paulista, no sentido de que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas   que   estabeleçam   obrigações  de   pagamento,   mantidas   as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

 

                                      Este princípio resta maculado pela citada legislação municipal, na medida em que prevê a contratação de um prestador de serviços por meio de contratação temporária, como, se não havendo a alegada (e inexistente) urgência, fosse o Poder Público Municipal realizar concurso público para preenchimento de uma vaga para atividade claramente descrita como de prestação de serviço temporário à Administração Pública.

 

                                      É preciso focar que não cabe ao administrador escolher quando vai ou não prestar um serviço ou realizar uma obra com o próprio aparelho estatal, mas sim verificar se a lei exige ou não a realização da licitação, pois, presumidamente, esta é mais vantajosa ao interesse público.

 

                                      O importante é destacar que essas hipóteses listadas como inconstitucionais, além de não demonstrarem o interesse público excepcional, são previsíveis, o que, também impede a realização da contratação temporária.

 

 

                                      O inciso VI do art. 2º  burla, portanto, o princípio da licitação dos serviços públicos. Mas não é só !

 

                                       Ao legislar sobre normas gerais que digam respeito a licitações e contratações, dispensado-as por via oblíqua, o legislador  municipal  invadiu  competência  privativa   da  União,  pois,

 como determina o art. 22, inc. XXVII, do Magno Texto, somente este ente federado pode tratar sobre estas matérias.

 

                                      E o legislador federal, escudado na competência que lhe conferiu a Constituição Federal, realmente tratou da       contratação    de serviços por parte da Administração Pública, exigindo, como regra, a licitação, inclusive para que terceiros venham a ministrar treinamento e aperfeiçoamento de pessoal.

 

                                      De fato, a Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, denominada Lei de Licitações, determina em seu art. 2° que “as obras e serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei”.

 

                  

                                      O art. 6°, do mesmo diploma legal prevê que serviço é “toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem,      operação,       conservação,     reparação,     adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais” (inc. II).

 

 

                                      Por outro lado, a pendência de medidas judiciais contra concursos realizados anteriormente também não pode ser alçada à condição de justificativa autorizadora da prorrogação de contratos de natureza temporária, como previsto  na alínea “a”, do parágrafo único do art. 3º e no inciso I do § 1º do art. 13, seja porque dá margem a manobras escusas, como o intencional cometimento de irregularidades na realização de concurso público, apenas para respaldar contratações, seja porque a previsível demora na tramitação de um processo judicial não pode contribuir para a perpetuação de contratações realizadas ao arrepio da Constituição.

 

                                      Quanto ao art. 12,  da Lei n. 2.730, de 12 de novembro de 2001, de Itanhaém, a inconstitucionalidade resulta da proibição de nomeação de servidor temporário para o exercício de cargo de confiança, que, nos termos do art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, é de livre nomeação e exoneração, ressalvado o disposto no art. 37, inciso V, da Constituição da República.

 

                                      Se os cargos e funções desta natureza são de livre nomeação e exoneração, conforme dispõe o art. 115, II, da Carta em vigor, a proibição legal à nomeação de servidor temporário para o exercício desses cargos ou funções não tem nenhuma razão para subsistir, seja porque não há incompatibilidade entre as respectivas funções, seja porque o legislador ordinário não dispõe de poderes para restringir a competência do Executivo, que é extraída diretamente da Constituição. 

 

 

                                       Como     é      possível     verificar    dos     autos,    a sustação do efeito do inciso VI do art. 2º , da alínea “a”, do parágrafo único do art. 3º , do art. 12 e do inciso I do art. 13, da Lei n. 2.730, de 12 de novembro de 2001, do Município de Itanhaém é de extrema urgência, na medida em que enquanto os referidos dispositivos legais estiverem em vigor, fica o Poder Executivo municipal autorizado a contratar  pessoas  temporariamente,  e  em violação aos princípios do concurso público e da licitação, em caso de execução de serviços decorrentes da celebração de convênio, durante o período de sua vigência, bem como prorrogar a seu bem prazer, contratações temporárias, quando  houver obstáculo judicial para a realização de concurso público.

 

 

                                      Diante desse quadro, é que se requer a concessão de medida liminar “inaudita altera pars”, com vistas a imediatamente estancar a situação de inconstitucionalidade a que estará sujeita a população do Município de Itanhaém, que será a grande prejudicada em razão da irregular contratação de pessoas, com dinheiro público, e subtraindo de todos os eventuais interessados, a possibilidade de participação em certame público para contratação de serviço daquela natureza.

 

        

                                       Restando caracterizada a violação de preceitos contidos na Constituição do Estado de São Paulo, a saber, aos arts. 115, incs.  II e X ; 117, caput  e 144, merecem os dispositivos contidos na legislação supra mencionada serem extirpados do mundo jurídico.

 

Isto  posto,  requeiro  seja  a    presente     ação

devidamente processada,  requisitando-se informações ao Presidente da Câmara Municipal de Itanhaém e ao Prefeito deste mesmo Município, bem como citando-se o Procurador-Geral do Estado.

 

 

 

                                      Ainda, requer-se que  ao  final seja  a   presente ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, de sorte a que  sejam  declarados  inconstitucionais o inciso VI do art. 2º, da alínea “a”, do parágrafo único do art. 3º , do art. 12 e do inciso I do art. 13, da Lei n. 2.730, de 12 de novembro de 2001, do Município de Itanhaém.

                                                                                                                                               Procurador-Geral de Justiça  

 

São Paulo, 30 de setembro de 2008.

 

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

               

                       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado PGJ nº 50.628/07

Interessado: Promotoria de Justiça de Itanhaém

 

 

 

 

 

                                                1.Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 2.730, de 12 de novembro de 2001, do Município de Itanhaém, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

                                                 2.Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                São Paulo, 30 de setembro de 2008

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça