Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 50.862/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/09), dos Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009, do Município de Cruzália.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Leis do Município de Cruzália. 1. Transformação dos cargos de Diretores de Departamento, de provimento em comissão, em Secretários Municipais, os quais, mantendo as mesmas atribuições, com nítido propósito de suplantar a proibição do nepotismo tal como preceituado pela Súmula Vinculante n. 13, e tendo em vista os mesmos sujeitos, ofende os princípios de moralidade e impessoalidade. 2. Criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. 3. Vinculação dos subsídios dos agentes políticos locais aos vencimentos dos servidores públicos municipais. Vedação prescrita no art. 115, XV, da Constituição Estadual.

 

                    O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/09), dos Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009, do Município de Cruzália, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – Os Atos Normativos Impugnados

1.                 A Lei n. 363, de 02 de janeiro de 2009, dispõe sobre a reestruturação administrativa do Poder Executivo do Município de Cruzália (fls. 13/28).

2.                 Não obstante tenha expressamente revogado as disposições da Lei Municipal n. 230, de 19 de outubro de 2005 (art. 35), uma análise comparativa entre ambas torna evidente a abrangência que se visou dar à reestruturação mencionada, especialmente em se considerando que a “reforma administrativa” proposta pela lei em destaque se complementa com a promulgação da Lei n. 364 e da Lei Complementar n. 13, ambas datadas também de 02 de janeiro de 2009.

3.                 Dispõe a Lei Complementar n. 13/09 sobre a criação de 6 (seis) Secretarias Municipais com a conseqüente extinção de exatamente 6 (seis) cargos de Diretor de Departamento (fl. 30).  A Lei n. 364/2009, por seu turno, cuida da fixação dos subsídios dos Secretários Municipais para a legislatura de 2009/2012 (fl. 29).

4.                 Dispõem os arts. 1º e 2º  da Lei Complementar n. 13/2009:

“Art. 1º - Ficam criados os cargos de Secretários abaixo descritos, para composição do quadro de pessoal da Administração Pública Municipal:

I – Provimento em comissão:

Cargo/Agente Político

Quantidade

Secretário Municipal de Administração e Finanças;

01

Secretário Municipal de Promoção Social;

01

Secretário Municipal de Saúde;

01

Secretário Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer;

01

Secretário Municipal de Obras Públicas e Serviços Urbanos;

01

Secretário Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente

01

 

Parágrafo primeiro: Os subsídios dos Secretários serão fixados nos termos estabelecidos no art. 39, parágrafo 4º da Constituição Federal, respeitada a iniciativa privativa da Câmara Municipal de Vereadores.

Art. 2º - Ficam extintos os cargos públicos abaixo relacionados:

I – Provimento em comissão:

Cargo

Quant.

Referência Salarial

Diretor de Departamento

06

        1.128,73

 

5.                 Embora tenha ocorrido alteração nominal dos órgãos componentes do primeiro nível de organização da Administração Direta, as atribuições constantes nas Leis Municipais n. 230/2005 (fls. 70/88) e n. 363/2009 são praticamente idênticas.

6.                 Percebe-se, assim, que a reestruturação da Administração Pública do Município de Cruzália restringiu-se à transformação de Departamentos em Secretarias Municipais.

7.                 Com efeito, preceituam o art. 12, da Lei. 363/2009 (fl. 16) e o art. 12 da Lei n. 230/2005 (fl. 74), respectivamente, que:

“Art. 12 – A estrutura da Administração Municipal direta é constituída de órgãos adequadamente entrosados entre si, obedecida à subordinação hierárquica:

a)               NÍVEL I – GABINETE E SECRETARIAS;

b)               NIVEL II – SEÇÕES;

c)                NIVEL III – SUBSEÇÕES.”

 

“Art. 12 – A estrutura da Administração Municipal direta é constituída de órgãos adequadamente entrosados entre si, obedecida a seguinte subordinação hierárquica:

d)               NÍVEL I – DEPARTAMENTO;

e)               NIVEL II – SEÇÃO.”

8.                 Apesar de o Chefe do Poder Executivo vincular, na exposição dos motivos do Projeto de Lei 377/2009 (fl. 159), a reestruturação administrativa à criação de “um organograma compatível e necessário para o bom funcionamento da prefeitura municipal, trazendo novamente a figura das secretarias municipais, de forma a buscar nos secretários municipais maior comprometimento com o plano de governo desta administração”, em verdade, seu real motivo reside na tentativa de transpor os obstáculos criados pela edição da Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal, debatida nas sessões de 20 e 21 de agosto de 2008 daquela Corte e publicada no Diário da Justiça (DJe) de 11 de novembro de 2008, in verbis:

“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

 

9.                 Com efeito, na sessão plenária de 20 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal assentou que não incidia na proibição do nepotismo a nomeação de parente para cargo de provimento em comissão de agente político, como Secretários de Município ou de Estado ou Ministros de Estado (STF, RE 579.951-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20-08-2008, v.u., DJe 23-10-2008).

10.               Tanto é assim que a atual Secretária Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, Neuza Maria Martins Vidotti, é esposa do Prefeito Municipal (fl. 39) e, em decorrência da vedação imposta pela Súmula Vinculante n. 13, foi exonerada do cargo de Diretora de Departamento de Educação, de provimento em comissão, quatro dias após a publicação e vigência da Lei n. 363/2009 (fl. 67/68), sendo nomeada para o cargo de Secretária Municipal em seguida (fl. 66), cuja natureza política não é alcançada pelo verbete, conforme explanado anteriormente. 

11.               O quadro abaixo, comparativo das atribuições do Departamento Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, previstas no art. 19 da Lei n. 230/2005 (fls. 80/82), e da atual Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, disciplinada pelo art. 19 da Lei n. 363/2009 (fls. 21/22), bem ilustram a situação:

 

Atribuições do Departamento de Educação, Cultura, Esporte e Lazer

(art. 19 da Lei n. 230/2005)

Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer

(art. 19 da Lei n. 363/2009)

1. planejamento, organização, orientação, supervisão, direção e controle do ensino em nível municipal, desenvolvendo os programas que atendam as necessidades da comunidade local;

I – Planejar, organizar, orientar, supervisionar, dirigir e controlar o ensino em nível municipal, desenvolvendo os programas que atendam as necessidades da comunidade local;

2. agilização de mecanismos para o desenvolvimento dos serviços inerentes à manutenção, transporte escolar, alimentação escolar e almoxarifado;

II – Agilizar mecanismos para o desenvolvimento dos serviços inerentes à manutenção o ensino, do transporte escolar, da alimentação escolar;

3. execução do projeto político educacional do governo municipal;

III - Executar plano político educacional do governo municipal;

4. incentivo ao processo de integração Escola/Comunidade, Rede Estadual/Rede Municipal, Rede Escolar/Instituições Públicas locais ou de outras regiões;

IV - Incentivar o processo de integração Escola/Comunidade, Rede Estadual/Rede Municipal, Rede Escolar/Instituições Públicas locais ou de outras regiões;

5. execução de atividades destinadas ao Departamento e fazer cumprir as Leis Federais, Estaduais e Municipais de ensino;

V - Executar atividades destinadas ao Departamento e fazer cumprir as Leis Federais, Estaduais e Municipais de ensino;

6. realização de cursos e orientação de natureza técnica e administrativa visando aperfeiçoamento e especialização dos servidores da área de educação;

VI - Realizar cursos e orientações de natureza técnica e administrativa visando aperfeiçoamento e especialização dos servidores da área de educação;

7. prestação de assistência escolar para assegurar condições de acesso à escola e de permanência nos estudos;

VII – Planejar, executar e administrar projetos para concessão de bolsas de estudo;

8. realização de todos os convênios possíveis, que venham auxiliar a Prefeitura Municipal a bancar as atividades educacionais e os Programas adotados pelo Departamento de Estado da Educação;

VIII - Prestar assistência ao escolar para assegurar condições de acesso e permanência na escola;

 (correspondência com o item 7)

9. instalação da Rede Pública Municipal de Ensino do Município, com desenvolvimento de programas de ensino pré-escolar, supletivo, ensino profissionalizante e outros que atendam as necessidades e expectativas da população;

IX - Instalar Rede Pública Municipal de Ensino do Município, com desenvolvimento de programas de ensino pré-escolar, educação de jovens e adultos (supletivo), ensino profissionalizante e outros que atendam as necessidades e expectativas da população;

10. planejamento, coordenação e execução das atividades, eventos e campanhas com a finalidade de desenvolver a cidadania, o espírito cívico e o respeito aos bens públicos;

X - Planejar, coordenar e executar atividades, eventos e campanhas com a finalidade de desenvolver a cidadania, espírito cívico e respeito aos bens públicos;

11. promoção da assistência ao escolar relacionada à alimentação escolar, assistência médica odontológica e social;

XI – Promover e incentivar o desenvolvimento dos esportes e da recreação no Município;

12. coordenação das atividades da biblioteca, relativo a circulação guarda e controle de acervo, promovendo sua divulgação;

XII – Promover a assistência ao escolar relacionado ao transporte, alimentação escolar, assistência médica odontológica;

(correspondência com o item 11)

13. efetuar registros, e documentários que garantam perpetuar a história do Município;

XIII - Coordenar atividades da biblioteca, relativo a circulação, guarda e controle de acervo, promovendo sua divulgação;

(correspondência com o item 12)

14. administração da Rede Municipal de ensino;

XIV - Efetuar registros e documentários que garantam perpetuar a história do Município;

(correspondência com o item 13)

15. gerenciamento de recursos de convênios destinados especialmente para área da educação;

XV – Administrar a Rede Municipal de ensino;

(correspondência com o item 14)

16. realização de censo escolar levantando o número de crianças em idade escolar com o objetivo de encaminhar todas para o ensino fundamental;

XVI – Realizar e gerenciar recursos de convênios destinados especialmente para área da educação

(correspondência com o item 15)

17. planejamento e instalação dos programas necessários para atender os vários tipos de demanda;

XVII - Planejar e instalar os projetos necessários para atender os vários tipos de demanda;

18. instalação e garantia de funcionamento dos conselhos municipais da Educação e da Alimentação Escolar;

XVIII - Instalar e garantir o funcionamento dos conselhos municipais da Educação e da Alimentação Escolar e do Conselho de Acompanhamento (FUNDEB);

19. combater a evasão, repetência e demais causas de baixo rendimentos dos alunos, através de medidas de aperfeiçoamento do ensino e de assistência ao educando;

XIX - Combater a evasão, repetência e demais causas de baixo rendimentos dos alunos, através de medidas de aperfeiçoamento do ensino e de assistência ao educando;

20. promover e coordenar reuniões com pais, visando a integração escola-família-comunidades;

XX - Promover e coordenar reuniões com pais, visando à integração escola-família-comunidades e a sua família;

21. orientar e supervisionar a qualidade da alimentação escolar;

XXI – Criar condições de ensino em parceria visando atendimento à criança portadora de deficiência;

22. criar classes de educação especial em parceria com outros órgãos do governo, visando o atendimento a crianças portadoras de deficiência;

XXII - Interagir com outras Secretarias municipais, visando à realização de programas que promovam cidadania junto aos alunos e população;

(correspondência com o item 23)

23. interagir com outros Departamentos municipais, visando a realização de programas que difundam conceitos de cidadania junto aos alunos e população;

XXIII – Discutir, elaborar e aprovar o plano de carreira para valorização do magistério municipal;

24. planejamento, organização, orientação, supervisão, direção, desenvolvimento controle das atividades Culturais, Esportivas e de Lazer em nível municipal, desenvolvendo os programas que atendam as necessidades da comunidade local;

XXIV – Discutir diretrizes e parâmetros curriculares, subsidiando as escolas na elaboração de sua proposta pedagógica;

25. realização de cursos e orientação de natureza técnica e administrativa visando aperfeiçoamento e especialização dos servidores das áreas de cultura, esportes e lazer;

XXV – Definir atribuições dos órgãos e regulamentar mecanismo, para tornar a escola da autonomia e democrática;

26. coordenação da Comissão Central de Esportes que é órgão responsável por todos os programas de atividades no âmbito da Educação Física e dos Desportos em geral, atuando sempre em consonância com a política educacional implantada no Município;

XXVI - Executar outras tarefas correlatas determinadas pelo Chefe do Poder Executivo.

(correspondência com o item 30)

27. promoção e incentivo ao desenvolvimento dos esportes e da recreação no município;

 

28. gerenciamento de recursos de convênios destinados especialmente para área de cultura, esporte e lazer;

 

29. interagir com outros Departamentos municipais, visando a realização de programas que difundem conceitos esportivos junto aos alunos da rede municipal e população;

 

30. executar outras tarefas correlatas determinadas pelo Chefe do Poder Executivo.

 

 

12.               Assim como a Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, todas as demais Secretarias, cujas atribuições estão regulamentadas na Lei n. 363/2009, têm funções correlatas aos antigos Departamentos de Administração e Finanças; de Promoção Social; de Obras Públicas e Serviços Urbanos; de Agricultura, Abastecimento e Meio-Ambiente e Fundo Municipal de Saúde.

13.               Ademais, qualquer dúvida resta sanada pela redação dos artigos 23 de ambas as Leis, os quais dispõem sobre as atribuições básicas de Direção Superior, determinando que (fls. 26 e 85):

“Art. 23 – São atribuições comuns dos Secretários Municipais (Chefes de Departamento, Chefe de Gabinete e Assessor Jurídico, na redação dada pela Lei 230/2005) e dos demais ocupantes de Cargos em Comissão:

I -  promover contatos sistemáticos com a população para assegurar a eficiência dos serviços sob sua responsabilidade;

II -  responder perante o Prefeito, pelo bom andamento dos trabalhos sob sua responsabilidade;

III – delegar competências específicas de seu cargo, desde que não resultem em omissão ou redução de sua responsabilidade;

IV – zelar pelos bens patrimoniais afetos ao órgão, respondendo por eles perante o Prefeito;

V – indicar a necessidade de pessoal;

VI – exercer ação disciplinar no âmbito do órgão que dirige;

VII – desenvolver o plano setorial de trabalho do órgão que dirige de forma a indicar precisamente, objetivos a atingir e recursos a utilizar, promovendo o controle sistemático dos resultados alcançados”.

14.              Por fim, de maneira clara, ao tratar da implantação da Estrutura Administrativa, determina a Lei n. 363/2009:

“Art. 32 – Os serviços de contabilidade deverão promover as alterações na respectiva Lei Municipal de Orçamento vigente para o Exercício de 2009 (Lei n. 361/08 de 03 de dezembro de 2008), alterando a denominação de departamentos para respectivas Secretarias, mantendo-se os mesmos valores e programas”.

15.               No que tange à fixação dos subsídios dos Secretários Municipais, determina o art. 2º da Lei n. 364/2009 que:

“Art. 2º - Os subsídios dos Secretários Municipais, de que trata o artigo 1º desta lei, serão reajustados, por meio de lei específica, na mesma data e no mesmo índice em que for concedida a revisão geral anual da remuneração dos servidores do Município, nos termos do art. 37, inciso X, da Constituição Federal de 1988”.

16.               A Lei Complementar n. 012/2007, por seu turno, dispondo sobre a criação, extinção e transformação de cargos, prevê, em seu Anexo I, os cargos de provimento em comissão que compõem a Administração municipal:

“Art. 1º - Ficam criados os cargos de provimento em comissão, constantes do Anexo I, que fica fazendo parte integrante da presente Lei, nas respectivas quantidades e referenciais de vencimentos.

(...)

Anexo I – art. 1º da Lei Complementar n. 012/2007

CARGOS EM COMISSÃO

QT

Comissão

REf

Sal.

3

Assessor Administrativo

3

483,18

1

Assessor de Gabinete

8

836,90

1

Assessor Jurídico

9

971,61

6

Assessor Técnico

6

713,35

7

Coordenador de Departamento

9

971,61

1

Coordenador de Programa

8

836,90

2

Coordenador de Seção

7

789,17

1

Coordenador Saúde Bucal

7

789,17

1

Coordenador Setor

5

634,76

6

Diretor de Departamento

10

1026,12

1

Diretor de Saúde

14

4620,00

 

 

17.                             A descrição das atribuições dos cargos em comissão encontra-se regulamentada pelo Anexo VII da Lei Complementar n. 12/2007 (fls. 263/283).

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

18.               As disposições das Leis do Município de Cruzália, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

XV – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;

(...)

 

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 297. São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.

 

19.               Por um lado, é adequado afirmar que a transformação dos cargos de provimento em comissão de Diretores de Departamento em Secretários Municipais, promovida pela Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009, com a meta de suplantar a proibição do nepotismo, mantendo as mesmas atribuições e tendo em vista benefício aos mesmos sujeitos, ofende os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público, inscritos no art. 111 da Constituição Estadual.

20.               Por outro, a criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão (assessor administrativo, assessor jurídico, assessor técnico, coordenador de departamento, coordenador de programa, coordenador de seção, coordenador saúde bucal, coordenador setor), disposta no Anexo I da Lei Complementar n. 012/2007, não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, é igualmente ofensiva a tais princípios (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

21.               Por fim, a vinculação dos subsídios dos Secretários Municipais à mesma data e no mesmo índice em que for concedida a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos municipais, tal como preceituado pelo art. 2º da Lei n. 364/2009, afronta a vedação de equiparações e vinculações de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração do pessoal do serviço público determinada pelo inciso XV do art. 115 da Constituição Estadual.

A – Criação de cargos de Secretários Municipais

22.               Conforme acima relatado, apesar dos cargos de Secretários Municipais resultarem da transformação de cargos de Diretor de Departamento, cuidou-se de mera redenominação, pois, ambos plexos de competências têm identidade de atribuições. O expediente serviu a um único propósito: o de burla à proibição de nepotismo na Administração Pública porquanto a Suprema Corte sufragou o entendimento da inaplicabilidade de sua Súmula Vinculante 13 aos cargos de agentes políticos como Ministros de Estado e Secretários Estaduais ou Municipais.

23.               Não se retira do Município a possibilidade de organização de sua estrutura administrativa. Todavia, a opção legislativa está comprometida porque foi editada com aquela intenção e não com o escopo de melhoria da organização administrativa local, tanto que beneficiada com a estratégia a esposa do Chefe do Poder Executivo que, anteriormente, exercia o cargo de Diretora de Departamento.

24.               Assinale-se, ainda, que se o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente rechaçado reclamações insurgentes da transformação normativa de cargos de Diretores de Departamentos, Assessores etc. em Secretários, por não se incluírem os agentes políticos no raio de projeção da citada súmula, isso não impede o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade das respectivas leis criadas pour cause da restrição constante da súmula vinculante, devendo ser considerado, outrossim, que não cabe reclamação por descumprimento de súmula vinculante por lei, somente por decisão judicial ou ato administrativo, conforme se infere do art. 7º da Lei n. 11.417/06.

25.               E que, segundo a tradicional doutrina, há uma diferença essencial tanto na classificação dos órgãos públicos quanto na de cargos públicos. Com efeito, a partir do critério da posição estatal, são considerados órgãos independentes:

“(...) os originários da Constituição e representativos dos Poderes de Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário -, colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelo outro. Por isso, são também chamados órgãos primários do Estado. Esses órgãos detêm e exercem precipuamente as funções políticas, judiciais e quase-judiciais outorgadas diretamente pela Constituição, para serem desempenhadas pessoalmente por seus membros (agentes políticos, distintos de seus servidores, que são agentes administrativos), segundo normas especiais e regimentais” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003, 28ª ed., p. 69).

26.               Nessa categoria são arrolados as Corporações Legislativas como o Congresso Nacional, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores e as Chefias do Poder Executivo como a Presidência da República, as Governadorias dos Estados e do Distrito Federal e as Prefeituras Municipais.

27.               Prosseguindo a escala, Hely Lopes Meirelles localiza os órgãos autônomos e os órgãos superiores. Os primeiros estão na cúpula da Administração, imediatamente abaixo dos órgãos independentes e diretamente subordinados a seus chefes, com as seguintes características:

“Têm ampla autonomia administrativa, financeira e técnica, caracterizando-se como órgãos diretivos, com funções precípuas de planejamento, supervisão, coordenação e controle das atividades que constituem sua área de competência. Participam das decisões governamentais e executam com autonomia as suas funções específicas, mas segundo diretrizes dos órgãos independentes, que expressam as opções políticas do Governo.

São órgãos autônomos os Ministérios, as Secretarias de Estado e de Município, a Advocacia-Geral da União e todos os demais órgãos subordinados diretamente aos Chefes dos Poderes, aos quais prestam assistência e auxílio imediatos. Seus dirigentes, em regra, não são funcionários, mas sim agentes políticos nomeados em comissão” (op. cit., p. 70).

28.               Diferente é a natureza dos órgãos superiores:

“(...) são os que detém poder de direção, controle, decisão e comando dos assuntos de sua competência específica, mas sempre sujeitos à subordinação e ao controle hierárquico de uma chefia mais alta. Não gozam de autonomia administrativa nem financeira, que são atributos dos órgãos independentes e dos autônomos a que pertencem. Sua liberdade funcional restringe-se ao planejamento e soluções técnicas, dentro da sua área de competência, com responsabilidade pela execução, geralmente a cargo de seus órgãos subalternos.

Nessa categoria estão as primeiras repartições dos órgãos independentes e dos autônomos, com variadas denominações, tais como Gabinetes, Secretarias-Gerais, Inspetorias-Gerais, Procuradorias Administrativas e Judiciais, Coordenadorias, Departamentos e Divisões (...)”(op. cit., p. 70).

29.               E se, consoante a mesma lição, os Chefes do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos (Ministros e Secretários de Estado e de Município) são agentes políticos porque componentes do governo nos seus primeiros escalões mediante investidura em cargos, funções, mandatos ou comissões por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais, atuando com plena liberdade funcional no desempenho de suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias e privativas (op. cit., pp. 75-77), na categoria de agentes políticos não se incluem os dirigentes de departamentos, divisões, diretorias e chefias em virtude do diferenciado status jurídico na organização administrativa.

30.               A hipótese guarda semelhança com a de atos normativos que forneciam status de Ministro de Estado a Secretários da Administração Federal e que foi rechaçada pela Suprema Corte (que negou a aquisição de foro por prerrogativa de função):

“O parecer do Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Procurador-Geral Cláudio Fonteles, expôs o caso e opinou nestes termos (f. 21-4): ‘1. JOSÉ FRITSCH ajuíza a presente reclamação em face de ato praticado pelo Delegado de Polícia do 1º Distrito Policial da Comarca de Chapecó - SC - fls. 07/08 - que instaurou inquérito policial com fim de apurar infrações previstas nos artigos 324, 325, 326 e 327, do Código Eleitoral. 2. Segundo o reclamante, que se encontra no exercício do cargo de Secretário Nacional de Aqüicultura e Pesca - fls. 13, a autoridade policial, ora reclamada, é absolutamente incompetente para instruir os autos do inquérito nº 001/03, haja vista o disposto no artigo 38, da MP nº 103/2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios: ‘A teor do § 1º do referido artigo, o cargo referido tem prerrogativa, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos de Ministro de Estado’ (fls. 03, grifo nosso). 3. Finalmente, pede-se o trancamento do inquérito policial nº 001/03, haja vista a ofensa ao princípio constitucional do juiz natural (fls. 05). 4. Com efeito, a Medida Provisória nº 103, de 1º de janeiro de 2003, convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, dispõe expressamente em artigo específico: ‘Art. 38. São criados os cargos de natureza especial de Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, de Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca, de Secretário Especial dos Direitos Humanos e de Secretário Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. § 1o Os cargos referidos no caput terão prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos de Ministro de Estado. § 2o A remuneração dos cargos referidos no caput é de R$ 8.280,00 (oito mil duzentos e oitenta reais)’ (grifo nosso). 5. Nesse ínterim, as prerrogativas concedidas pela lei aos cargos de natureza especial da Presidência da República são equivalentes às conferidas aos Ministro de Estado. Portanto, in casu, a equiparação do cargo de Secretário de Aqüicultura e Pesca ao cargo de Ministro de Estado atrai o preceito insculpido no artigo 102, I, ‘c’, da Carta Magna, reconhecendo, dessa forma, a competência dessa Corte para supervisionar e apreciar ao final o inquérito em que figura como indiciado o reclamante. 6. Em caso similar aos presentes autos, diferenciado apenas o cargo, pois se tratava do Advogado-Geral da União, assim decidiu essa Colenda Corte: ‘Foro especial em razão da função (status de Ministro de Estado). Competência para processo e julgamento de Advogado-Geral da União, tendo em vista a edição da Medida Provisória 2.049-22, de 28-8-2000, que transforma o mencionado cargo de natureza especial em cargo de ministro de Estado, atraindo, portanto, a incidência do art. 102, I, c, da CF.’ (Notícia referente ao julgamento do Inq. 1660/DF - Questão de ordem - J. 06..09.2000 - Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - veiculada no Informativo STF n.º 201)’. 7. Cita-se, ainda, decisão da lavra do eminente relator desta Reclamação proferida no Inquérito nº 1916, cujo indiciado era o Secretário Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que assessora direta e imediatamente o Presidente da República (art. 21, da Lei 10.683/03), Tarso Fernando Herz Genro. O parecer desta Procuradoria, que se deu no sentido da existência da prerrogativa de foro do Secretário Especial pela razões acima aduzidas, foi acolhido em sua inteireza (Data da decisão: 07/04/2003, DJ 11/04/2003). 8. Diante do que foi exposto, o reclamante está com razão no tocante a sua prerrogativa, porém seu pedido de trancamento do inquérito policial não procede, porquanto a presente reclamação tem cabimento apenas para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões (art. 102, I, ‘l’, CF/88 e art. 156, RISTF). 9. Posto isso, o Ministério Público Federal opina pela competência originária dessa Corte para processar e julgar JOSÉ FRITSCH, em razão de seu cargo de Secretário de Aqüicultura e Pesca, e, em conseqüência disso, requer a subida dos autos do Inquérito Policial nº 001/03, que investiga crimes eleitorais, estes considerados comuns para efeito de demarcação da competência originária desse Tribunal, e que tramita na Comarca de Chapecó-SC. 10. Pela procedência parcial da reclamação.’ Ocorre que em caso semelhante o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Inq 2.044 - QO, de que fui relator - j. 17.12.04 -, firmou entendimento em sentido contrário ao pretendido pelo Reclamante. Colhe-se, com efeito, do voto-condutor que proferi na referida assentada: ‘Senhor Presidente, conforme ressaltou o Ministério Público Federal, os autos foram encaminhados a esta Corte, porque o querelado ‘passou a exercer o cargo de Secretário Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República e, nos moldes do art. 38, § 1º, da Medida Provisória n. 103/2003, é detentor de prerrogativa, garantia, vantagens e direitos equivalentes aos de Ministro de Estado (fls. 896).’ O caso, contudo, não é da competência do Supremo Tribunal Federal. É que o Secretário Especial de Aquicultura e Pesca não é Ministro de Estado, conforme se lê do parágrafo único do art. 25, da L. 10.683/03 (com a redação dada pela L. 10.869/04): ‘(...) Parágrafo único. São Ministros de Estado os titulares dos Ministérios, o Chefe da Casa Civil, o Chefe do Gabinete da Segurança Institucional, o Chefe da Secretaria de Comunicação e Governo e Gestão Estratégica, o Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Chefe da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, o Advogado-Geral da União e o Ministro de Estado do Controle e da Transparência.’ Se o fosse, ademais, não precisaria a lei estender-lhe as ‘prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos Ministros de Estado’ (L. 10.683/03, art. 38, § 1º). O Tribunal enfrentou a questão - a propósito de notícia de crime de responsabilidade atribuída ao Secretário de Comunicação Social da Presidência da República - no AgRPet 1199, 05.05.99, quando, relator, acompanhado pela unanimidade do Plenário, proferi este voto - RTJ 169/885-7: ‘Dado que a Constituição deferiu à lei ordinária dispor sobre a 'criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública', é na lei que o faça - ainda que à luz do padrão do art. 87 da Carta Magna - que se hão de identificar quais são os Ministros de Estado para efeitos constitucionais. Fê-lo, ao meu ver com precisão, o Ministro Celso de Mello ao sustentar a decisão agravada, antes de ouvir a Procuradoria-Geral: ‘A União Federal, ao dispor sobre a organização administrativa do Poder Executivo, estabeleceu, em medida provisória editada pelo Presidente da República, que os Ministérios são, unicamente, aqueles relacionados no art. 13 da MP nº 1.498-22, de 2.10.96. Esse ato normativo, com força de lei, somente atribuiu a condição formal de Ministro de Estado (a) aos titulares dos Ministérios, expressamente designados em seu texto, (b) ao Chefe da Casa Civil da Presidência da República e (c) ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (MP nº 1.498-22, de 2.10.96, art. 13, parágrafo único). O preceito legal em questão é bastante enfático a esse respeito: ‘São Ministros de Estado os titulares dos Ministérios, da Casa Civil da Presidência da República e do Estado-Maior das Forças Armadas’ (grifei). A MP nº 1.498-22, de 2.10.96, no entanto, atribuiu aos titulares de determinados cargos públicos as ‘prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos de Ministro de Estado’ (art. 23). A norma em questão, portanto, precisamente por reconhecer que os ocupantes dos cargos de natureza especial não são Ministros de Estado, estendeu-lhes regime jurídico equivalente ao que se aplica àqueles altos agentes políticos incumbidos, constitucionalmente, de auxiliarem o Presidente da República na condução dos negócios de Estado e da Administração Federal. Uma simples análise comparativa entre o preceito inscrito no art. 23 da MP nº 1.498-22/96 (que trata dos ocupantes de cargos de natureza especial) e a regra consubstanciada no art. 22 da mesma medida provisória claramente evidencia que os agentes administrativos que titularizam os cargos de natureza especial não ostentam a condição político-jurídica de Ministro de Estado. Esse cotejo permite constatar que o Presidente da República, ao editar a Medida Provisória em questão, após extinguir o cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Militar da Presidência da República (art. 22), criou o cargo de natureza especial de Chefe da Casa Militar da presidência da República, estendendo-lhe, na mesma norma aplicável ao Secretário de Comunicação Social da Presidência da República, as prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos de Ministro de Estado (art. 23). Parece certo que essa extensão meramente legal de prerrogativas próprias de Ministro de Estado, beneficiando quem não ostenta essa elevada condição formal, deve ter repercussão na esfera administrativa, financeira e protocolar, não se projetando, contudo, na dimensão estritamente constitucional. É que a Constituição da República, ao dispor sobre o estatuto jurídico concernente ao Ministro de Estado, prescreveu regras e estabeleceu normas que só se aplicam àqueles que sejam qualificados como Ministro de Estado. Isso significa que somente quem é Ministro de Estado (MP nº 1.498/96, art. 13, parágrafo único) - e não quem a este foi meramente equiparado para efeitos administrativos, financeiros e protocolares - submete-se à disciplina constitucional própria desses qualificados agentes auxiliares do Chefe do Poder Executivo da União, notadamente no que se refere (a) à competência para referendar atos e decretos do Presidente da República (CF, art. 87, parágrafo único, I), (b) à definição do órgão judiciário competente para apreciar mandados de segurança e habeas corpus (CF, art. 105, I, b e c), (c) ao regramento pertinente à remuneração funcional (CF, art. 49, VIII) e (d) ao exercício do direito de comparecer, por sua iniciativa, perante as Casas do Congresso ou qualquer de suas Comissões (CF, art. 50, § 1º). Note-se, inclusive, que a Constituição, ao dispor sobre o poder de interpelação do Congresso Nacional, permite que este possa convocar, além do próprio Ministro de Estado, também, ‘quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado...’ (CF, art. 50, caput). O legislador constituinte, ao assim dispor, fez clara distinção entre o servidor que é Ministro de Estado e o agente público que, à semelhança do Secretário de Comunicação Social, meramente titulariza órgão diretamente subordinado à Presidência da República. Dentro desse contexto, somente o Ministro de Estado - vale dizer, os titulares de Ministério, o Chefe da Casa Civil da Presidência da República e o Chefe do EMFA (MP nº 1.498/96, art. 13, parágrafo único) - dispõe da prerrogativa de foro ratione muneris perante o STF, nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, c), ou perante o Senado Federal, na hipótese de crime de responsabilidade conexo com ilícito da mesma natureza praticado pelo Presidente da República (CF, art. 52, I)’. As premissas estabelecidas quiçá propiciem controvérsias, quando se cuide de decidir da validade da qualificação de Ministro de Estado emprestado ao órgão diretamente subordinado à Presidência da República - distinto dos Ministérios, como se verifica do art. 50 da Constituição, precisamente porque restritas as suas atribuições à assessoria do Chefe do Governo, sem funções executivas próprias: é o que sucede, por exemplo, com a chefia da Casa Civil. A dificuldade não se põe, entretanto, com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, a cujo titular a medida provisória vigente ao tempo do fato tanto não conferiu a qualificação de Ministro de Estado que a esse teve de equipará-lo em prerrogativas, garantias, vantagens e direitos. Poderia fazê-lo a lei, sem estender, contudo, a equiparação a prerrogativas e garantias que a Constituição reservou ao Ministro de Estado, não aos que, sem o ser, por força de norma ordinária, devessem receber tratamento equivalente.’ O raciocínio - como o fora, também, no Inq 1660, Pleno, Pertence, DJ 6.6.03 - é de aplicar-se, mutatis mutandis, ao caso." Este o quadro, nego seguimento ao pedido (RISTF, art. 21, §1º)” (STF, Rcl 2.356-SC, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-02-2005, DJ 14-02-2005, p. 06).

“STF - competência penal originária: Ministros de Estado. Para efeito de definição da competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, não se consideram Ministros de Estado os titulares de cargos de natureza especial da estrutura orgânica da Presidência da República, malgrado lhes confira a lei prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos dos titulares dos Ministérios: é o caso do Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República. Precedentes” (STF, Inq-QO 2.044-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 17-12-2004, m.v., DJ 08-04-2005, p. 07, RT 837/503).

“STF: competência penal originária: Ministros de Estado. Para efeito de definição da competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, não se consideram Ministros de Estado os titulares de cargos de natureza especial da estrutura orgânica da Presidência da República, malgrado lhes confira a lei prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos dos titulares de ministérios: é o caso do Secretário de Comunicação Social da Presidência da República” (STF, AgRPet 1.199-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 05-05-1999, v.u., DJ 25-06-1999, p. 19).

31.               Vale dizer, ainda que a lei tivesse aquinhoado status de Secretário Municipal a um cargo que, ontologicamente na estrutura orgânica da Administração Pública local, não tivesse essa natureza – o que é diagnosticável por seu plexo de atribuições e seu regime jurídico a adorná-lo como órgão autônomo – nem por isso seria reputado como tal. No caso, a lei local manteve as atribuições do cargo anterior que não era qualificável como agente político e a título artificial o estimou como tal. Neste sentido, cabível a invocação de auspicioso precedente do Supremo Tribunal Federal que analisou a natureza, e não a simples denominação, do cargo de provimento em comissão à vista de suas atribuições para qualificar ou não seu ocupante como agente político:

“Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta por Adilson de Castro Reis, contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, nos autos do Agravo de Instrumento 830.058.5/5, teria afrontado a 13ª Súmula Vinculante desta Corte.  Alega o reclamante ser servidor da Câmara Municipal de Suzano/SP e que o Ministério Público do Estado propôs ação civil pública com objetivo de afastá-lo de suas funções por prática de nepotismo. Informa que o Juízo reclamado deu efeito ativo ao Agravo citado e o afastou de suas funções (fls. 67-68). Ressalta que o entendimento do Tribunal a quo teria sido incorreto, pois o cargo por ele ocupado na Câmara Municipal era o de Secretário Diretor-Geral, o que configuraria uma função política. Dessa forma, sua situação enquadrar-se-ia em uma das duas hipóteses de exceção à aplicação da referida Súmula, conforme decidido por este Tribunal. Alega que estão presentes os requisitos ensejadores da concessão da medida liminar. A fumaça do bom direito evidenciar-se-ia pelo fato de o seu cargo ser político e que isso o afasta das hipóteses de nepotismo previstas na Súmula Vinculante 13. Já o perigo da demora estaria presente em virtude da necessidade de subsistência do reclamado e de sua família. Pugna pela concessão da liminar para ‘determinar a suspensão do agravo de instrumento nº 839.058.5/5, em trâmite perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao menos em relação ao ora reclamante’. No mérito, requer a procedência do pedido a fim de declarar nula a decisão ora reclamada. Indeferi o pedido de medida liminar às fls. 108-111. O Tribunal a quo prestou informações às fls. 121-122. A Procuradoria-Geral da República opinou pela improcedência da presente reclamação em parecer que recebeu a seguinte emenda: ‘RECLAMAÇÃO. CF. ART. 103-A, APLICAÇÃO INDEVIDA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NEPOTISMO. ALCANÇE DO ENUNCIADO NORMATIVO. INAPLICAÇÃO AOS CARGOS POLÍTICOS. CARGO DE SECRETÁRIO DIRETOR-GERAL DE CÂMARA MUNICIPAL. CARGO ESTRITAMENTE ADMINISTRATIVO’ (grifos no original).   É o relatório.   Passo a decidir.   Bem analisados os autos, entendo que a decisão liminar deva ser mantida na íntegra. Com efeito, o Plenário desta Corte, na Sessão de 20/8/2008, no julgamento do RE 579.951/RN, do qual fui Relator, declarou a ilegalidade da prática do nepotismo no âmbito dos Três Poderes da República.   É que a vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal que coíba a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.   Tal orientação jurisprudencial encontra-se consubstanciada na Súmula Vinculante 13, que recebeu a seguinte redação:   ‘A NOMEAÇÃO DE CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE EM LINHA RETA, COLATERAL OU POR AFINIDADE, ATÉ O TERCEIRO GRAU, INCLUSIVE, DA AUTORIDADE NOMEANTE OU DE SERVIDOR DA MESMA PESSOA JURÍDICA INVESTIDO EM CARGO DE DIREÇÃO, CHEFIA OU ASSESSORAMENTO, PARA O EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO OU DE CONFIANÇA OU, AINDA, DE FUNÇÃO GRATIFICADA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA EM QUALQUER DOS PODERES DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS, COMPREENDIDO O AJUSTE MEDIANTE DESIGNAÇÕES RECÍPROCAS, VIOLA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL’.   No julgamento do RE 579.951/RN, o Plenário enfrentou situação semelhante à deste caso, pois, fazendo distinção entre cargo estritamente administrativo e cargo político, declarou-se nulo o ato de nomeação do motorista, e considerou-se hígida, entretanto, a nomeação do agente político ocupante do cargo de Secretário Municipal de Saúde, em especial por não ter ficado evidenciada a prática do nepotismo cruzado. Nesse aspecto, acompanhei o entendimento da douta maioria.   À ocasião, ressaltei o seguinte no meu voto condutor:   ‘A Constituição de 1988, em seu art. 37, caput, preceitua que a Administração Pública rege-se por princípios destinados a resguardar o interesse público na tutela dos bens da coletividade.   Esses princípios, dentre os quais destaco o da moralidade e o da impessoalidade, exigem que o agente público paute a sua conduta por padrões éticos que têm como fim último lograr a consecução do bem comum, seja qual for a esfera de poder ou o nível político-administrativo da Federação em que atue.   Nesse contexto, verifica-se que o legislador constituinte originário, bem assim o derivado, especialmente a partir do advento da Emenda Constitucional 19/1998, que levou a cabo a chamada ‘Reforma Administrativa’, instituiu balizas de natureza cogente para coibir quaisquer práticas, por parte dos administradores públicos que, de alguma forma, pudessem buscar finalidade diversa do interesse público. Uma dessas práticas, não é demais repisar, consiste na nomeação de parentes para cargos em comissão ou de confiança, segundo uma interpretação equivocada ou, até mesmo, abusiva dos incisos II e V, do art. 37 da Constituição’.   Ademais, conforme bem ressaltou a Procuradoria Geral da República,   ‘A Lei Municipal nº 3.954, de 14.02.2005, que criou o cargo ocupado pelo reclamante e consolidou o quadro funcional dos servidores administrativos e legislativos da Câmara Municipal, integra (SIC) o cargo de Secretário, Padrão R, à secretaria administrativa, provido em comissão, com desempenho de funções sem qualquer conotação governamental da propositura, estruturação e decisão de diretrizes políticas dos entes públicos’ (fl. 135).   Isso posto, julgo improcedente esta reclamação” (STF, Rcl 6.915-SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-05-2009, DJe 22-05-2009).

32.               É nítido, pois, o desvio de poder radicado nesse ato legislativo que o contamina – assim como os demais atos normativos de igual espécie ou subalternos subseqüentes – de maneira a expô-lo ao controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade por vício material de inconstitucionalidade na medida em que ele encerra, de per si e atento às circunstâncias, ofensa aos princípios de moralidade e impessoalidade porque a competência para legislar em matéria de organização administrativa foi utilizada para fim distanciado de sua finalidade, visando tão somente favorecimentos indevidos.

33.               Não é novidade alguma o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo por desvio de poder. A esse respeito, concessa venia, reporta-se a elucidativo escólio da lavra de Caio Tácito:

“No exercício de suas atribuições e nas matérias a eles afetas, os órgãos legislativos, em princípio, gozam de discricionariedade peculiar à função política que desempenham.

Temos, contudo, sustentando a necessidade de temperamento da latitude discricionária de ato do Poder Legislativo, ainda que fundado em competência constitucional e formalmente válido.

O princípio geral de Direito de que toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também se compadece, a nosso ver, com a legitimidade da ação do legislador.

Tivemos, oportunidade de sustentar, perante o STF, em duas oportunidades, a nulidade de leis estaduais em que, no término de governos vencidos nas urnas, eram criados cargos públicos em número excessivo, não reclamados pela necessidade pública, e comprometendo gravemente as finanças do Estado, tão-somente para o aproveitamento de correligionários ou de seus familiares.

Para o desfazimento dessas leis, que caracterizavam os chamados ‘testamentos políticos’, o STF consagrou a tese da validade de novas leis que, anulando leis inconstitucionais, reconheciam o abuso pelos Poderes Legislativos estaduais da competência, em princípio discricionária, da criação de cargos públicos.

O primeiro acórdão, proferido no MS 7.243, em sessão de 20.1.69, manteve a anulação de leis do Estado do Ceará com as quais, no apagar das luzes de uma situação política derrotada, em apenas 56 dias, mediante 25 atos legislativos foram instituídos, sob a forma de criação ou transformação, 3.784 novos cargos públicos, o que equivalia a um-terço do total do funcionalismo estadual então existente, estimado em 12.000 servidores, elevando o custo mensal do pessoal a 94,24% das rendas do Estado.

Por essa forma, violava-se norma expressa da Constituição estadual, que fixava o teto de 50% para a vinculação da receita ao custeio do funcionalismo público, e se objetivava impedir o funcionamento regular do Poder Executivo, no período do novo mandato que se ia inaugurar.

Em comentário a essa decisão, que firmou precedente memorável, destacávamos a importância da tese por ela abonada:

‘A competência legislativa para criar cargos públicos visa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade da administração. Sendo, em sua essência, uma faculdade discricionária, está, no entanto, vinculada à finalidade, que lhe é própria, não podendo ser exercida contra a conveniência geral da coletividade, com o propósito manifesto de favorecer determinado grupo político, ou tornar ingovernável o Estado, cuja administração passa, pelo voto popular, às mãos adversárias.

‘Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do legítimo interesse público’ (RDA 59/347 e 348).

A mesma situação se renovou, no Estado do Rio Grande do Norte, perante outro testamento político de um governo vencido no pleito eleitoral sucessório, em que se comprometia desmedidamente o erário, elevando a mais de 80% a despesa com o funcionalismo público.

Em decisão proferida na Repr. 512, julgada, por unanimidade, pelo Tribunal Pleno, em sessão de 7.12.62, o STF reputou legítima a anulação, pela Assembléia Legislativa, de leis inconstitucionais que compunham o testamento político em causa.

Em memorial oferecido como advogado do novo governo estadual, ponderávamos que ‘o desvio de poder legislativo, caracterizado no inventário político, ofende o princípio da independência e harmonia dos Poderes, além de violar a Constituição estadual’.

Em acórdãos posteriores os RE 48.655 e 50.219 (RDA 78/269 e 281), aplicando a orientação firmada, a Corte Suprema reafirmou a tese da anulação, pelo Poder Legislativo, de seus próprios atos inconstitucionais.

A acolhida do cabimento do desvio de finalidade como vício de inconstitucionalidade fora anteriormente abonada em outro julgado do STF em voto do Min. Orozimbo Nonato, relator do RE 18.331, que, nos termos da respectiva ementa, após recordar o conhecido axioma de que o poder de taxar não se pode extremar como poder destruir, destaca: ‘É um poder cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda que, a doutrina fecunda do détournement de pouvoir’ (RF 145/146).

O excesso do poder de taxar foi igualmente repelido com respeito à lei do Estado do Rio de Janeiro que exigia taxa judiciária em termos excessivos, sem correspondência com o serviço prestado (Repr. 1.077, RTJ 11/55).

Comentando o sentido inovador da jurisprudência do Pretório Excelso, registra Seabra Fagundes, entre as fecundas criações pretorianas, ‘a extensão da teoria do desvio de poder originária e essencialmente dirigida aos procedimentos dos órgãos executivos, aos atos do poder legiferante, de maior importância num sistema de Constituição rígida, em que se comete ao Congresso a complementação do pensamento constitucional nos mais variados setores da vida social, econômica e financeira’ (RF 151/549).

Em decisão de 31.8.67, no RMS 16.912, o tema do desvio de poder como vício especial do ato legislativo foi expressamente invocado.

Apreciando lei de organização judiciária na qual se inseria emenda em benefício de determinado serventuário, advertiu o Min. Prado Kelly: ‘tratava-se de reforma judiciária e a emenda representou um desvio de poder na própria legislatura’. Sendo o mesmo Ministro as seguintes expressões: ‘Tenho por demonstrado que a emenda não obedeceu ao presumido escopo de interesse público e sim a uma inspiração que nem por ser equânime ou reparadora (como pareceu ao interveniente) deixa de ser particularista ou de favorecimento pessoal’.

Nessa decisão plenária, o Min. Victor Nunes Leal, após aderir à posição ‘de que podemos exercer controle sobre os desvios de poder da própria legislatura’, convocado por interpelação do Min. Aliomar Baleeiro a declarar ‘se admitia um desvio de poder do Poder Legislativo fora do caso de inconstitucionalidade’, não vacilou em afirmar categoricamente: ‘Admito’ (acórdão no RMS 16.912, RTJ 45/530-545, especialmente pp. 536 e 537).

Em questão relativa à permissão para explorar linhas de ônibus, o STF apreciou a incidência do desvio de poder legislativo, admitindo, em tese, a aplicação do princípio (RTJ 47/650 e 48/165).

Em três situações o STF repeliu, por inconstitucionalidade, a aplicação de sanções administrativas com a finalidade real de constranger o contribuinte à regularidade fiscal.

Decidiu a Corte Suprema que ‘é inadmissível a interdição de estabelecimento ou apreensão de mercadorias como meio coercitivo para a cobrança de tributo’ (Súmulas 70 e 323).

E, dilatando o princípio à inconstitucionalidade dos Decs.- leis 5 e 42, de 1937 – que restringiam indiretamente a atividade comercial de empresas em débito, impedindo-as de comprar selos ou despachar mercadoria – implicitamente configurou o abuso de poder legislativo (Súmula 547 e acórdão no RE 63.026, RDA 10/209).

O excesso legislativo foi invocado em acórdão do STF no RE 62.731, do qual foi Relator o Min. Aliomar Baleeiro. Afirmou-se a inconstitucionalidade de decreto-lei que vedava a purgação de mora em locações. Destacou a ementa da decisão a impertinência do fundamento por se tratar de ‘assunto miúdo de Direito Privado’ que não se incluía no conceito de segurança nacional, necessário àquela forma de processo legislativo (RDA 94/169).

O poder de polícia nas profissões somente pode ser exercido com observância do princípio da razoabilidade, afirmou o acórdão na Repr. 930 (apud Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 451).

E porque o impedimento do exercício profissional da advocacia há juizes aposentados até dois anos após a inatividade ofendia o princípio da razoabilidade, foi declarada a inconstitucionalidade da lei que estabelecia tal interdição temporária, por violação àquele princípio (Repr. 1.054, RTJ 112/7).

Em parecer no qual analisamos a inconstitucionalidade de deliberação do Banco Central do Brasil determinante da indisponibilidade de contas bancárias do Estado – membro a suas empresas, enfatizávamos que ‘importa desvio do Poder Legislativo decreto lei que se utilize do bloqueio de contas bancárias como meio de cobrança regressiva de aval a empréstimos externos’ (RDA 172/239).

Em outro parecer relativo à validade da lei municipal que subordinava a permissão de funcionamento de estabelecimentos comerciais aos sábados e domingos à prévia aprovação pelos órgãos sindicais, entendíamos ocorrer violação da competência legal, a ser exercida pelo Município, como emanação do poder de polícia.

Ressaltamos que, obrigando à intervenção dos sindicatos para a obtenção de licença especial de funcionamento, o legislador teve em mira o fortalecimento do sistema sindical, invadindo órbita de competência privativa da União.

Concluímos, assim, que, ‘a toda evidencia, a lei municipal, visando, a beneficiar o movimento sindical está maculada pelo vício de abuso do poder normativo, caracterizado como desvio de finalidade’ (RDA 164/460).

O tema do desvio de poder legislativo foi amplamente estudado, no Direito italiano, por Lívio Paladin, em ensaio sob o título ‘Osservazioni sulla discrezionalità e sull’eccesso di potere del legislatore ordinario’ (Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, ano VI, 4/993-1.046, outubro – dezembro/56).

Pondera o autor que: ‘L’illegitimità di ogni fine, diverso da quello costituzionalmente previsto, consente logicametne di configurare, sul piano legisltaivo, qual vizio della causa degli atti amministrativi, ch è l’ecesso di potere’ (‘A ilegitimidade de todo fim, diverso daquele constitucionalmente previsto, conduz logicamente afigurar-se, no plano legislativo, aquele vício de causa dos atos administrativos, que é o excesso de poder’) (Rivista cit. p. 1.031).

A figura do desvio de poder legislativo foi, pioneiramente, sustentada por Santi Romano, que, reconhecendo o poder discricionário do legislador, destaca, porém, o limite que se impõe em face da finalidade da competência legislativa: ‘ma la figura dele potere discrezionale richiede per l’appunto che di esse si faccia uso conforme alle finalità da cui il potere medismo deriva; si há altrimenti uno sviamento di potere, che costituisse uma violazione di direitto, nel senso più próprio della parola. Son concetti questi di commune applicazione riguado alle compentenza degli oragnia amministrativi e non si saprebbe indicarei l pechè non possono riferirsi, nella loro generalità, al Parlamento. In certi campoi della sua funzione legislativa, questo non há poteri sconfinati, ma poteri discricionali, il che vuol dire litate, e non altro, dall’obbligo di fare uso per dati motivi’ (‘mas a figura do poder discricionário reclama precisamente que dele se faça uso conforme à finalidade, da qual o próprio poder deriva: há de outra forma um desvio de poder que constitui uma violação de direito no sentido próprio da palavra. São conceitos estes de aplicação comum no que se refere à competência dos órgãos administrativos, e não se saberá indicar por que não parecem se referir em sua generalidade, ao Parlamento. Em certos campos de sua competência legislativa, este não possui poderes sem fronteiras, mas poderes discricionários, importa dizer, limitados pelo menos da obrigação de fazer uso por motivos determinados’) (‘Osservazioni preliminari per uma teoria sui limite della funzione legislativa nel Diritto Pubblico’, 1902, e incluído na coletânea Scriti Minori – Diritto Costituzionale, v. I/199, 1950).

Não é outro o pensamento de Costantino Mortati quando adverte que ‘a lei poderá estar viciada de inconstitucionalidade não somente quando o interesse perseguido contrasta com aquele imposto pela Constituição, mas também nos casos em que o próprio teor da lei está em absoluta incongruência com a norma editada e o fim do interesse público a ser perseguido e o próprio legislador afirma pretender perseguir. Verifica-se, nessa ultima hipótese, uma modalidade de vício de legitimidade assimilável ao excesso de poder administrativo’ (‘la legge può risultare viziata per incostituzionalità non solo quando l’interesse perseguito contrasta com quelllo imposto dalla Costituzione, ma anche nei casi in cui dallo stesso tenore della legge risulti un’assouta incongruenza fra la norma dettata ed il fine di pubblico interesse che si doveva perseguire e che lo stesso legislatore assume di volere perseguire. Si verificherebbe in quest’ultima ipotese un’ipotesi di vizio della legittimità assimilabile a quello dell’eccesso di potere amministrativo’) (verbete ‘Discricionalità’, Novissimo Digesto Italiano, v. V/1.09).

Entendemos, em suma, que a validade da norma de lei, ato emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da finalidade contida na norma constitucional que fundamenta o poder de legislar.

O abuso de poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de inconstitucionalidade da lei, pelo divórcio entre o endereço real da norma atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço de interesse incompatível com a sua legitima destinação.

Gilmar Ferreira Mendes dedicou capítulo especial de sua monografia sobre controle de constitucionalidade à avaliação do excesso de poder legislativo como vício substancial de inconstitucionalidade. Com apoio na doutrina alemã e na lição de Canotilho, evidencia a prevalência da vinculação do ato legislativo a uma finalidade e à aplicação do princípio da proporcionalidade como elemento da legitimidade constitucional das leis. Oferece, como exemplos, precedentes colhidos na jurisprudência do STF (Controle de Constitucionalidade, Saraiva, 1990, pp. 38-54).

Canotilho adverte que a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado e ao princípio de razoabilidade a fundamentar ‘a transferência para os domínios da atividade legislativa da figura do desvio de poder dos atos administrativos’ (Direito Constitucional, 4ª ed., 1986, p. 739).

E, mais amplamente, o mesmo autor estuda o desvio de poder legislativo diante do princípio de que ‘as leis estão todas positivamente vinculadas quanto a fim pela Constituição’ (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 259)’. (Caio Tácito. Desvio de Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais, in Revista Trimestral de Direito Público, n. 04, São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 33-37).

34.               Enfim, a edição da Lei Complementar n. 13/09 caracteriza nítida incompatibilidade vertical com os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público, constantes do art. 111 da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144, nódoa que se esparge às Leis n. 363 e n. 364, de 2009, por dependência ou arrastamento, uma vez que promovem a reorganização da Administração e estipulam os subsídios, respectivamente, de acordo com os novos cargos criados na Lei Complementar n. 13/09, havendo entre elas relação de íntima conexão e interdependência.

B – Criação de cargos de provimento em comissão

35.               Na dicção de Hely Lopes Meirelles, cargo em comissão :

"É o que só admite provimento em caráter provisório. (...) destinando-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V). (...) A instituição de tais cargos é permanente, mas o seu desempenho é sempre precário, pois quem os exerce não adquire direito à continuidade na função, mesmo porque a exerce por confiança do superior hierárquico, daí a livre nomeação e exoneração" (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 30ª ed., 2005, p. 405).

36.               No caso em tela, os cargos em comissão criados pela Lei Complementar n. 012/2007, à exceção dos cargos de Assessor de Gabinete, Diretor de Departamento e Diretor de Saúde, ostentam evidente natureza técnica e administrativa, que não exigem do agente nenhum vínculo especial de confiança.

37.               Um dos princípios norteadores do provimento de cargos públicos reside na ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados, respeitados os requisitos inerentes às atribuições de cada cargo. Acesso esse que se visa garantir com a obrigatória realização do concurso público, para que, sem que reste tangenciado o princípio da isonomia, preserve-se também a eficiência da máquina estatal, consubstanciada na escolha dos candidatos mais bem preparados para o desempenho das atribuições do cargo público, de acordo com os critérios previstos no edital respectivo.

38.               Ao comentar a exigência de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo público, afirma Alexandre de Moraes que:

          “Existe, assim, um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de ampla possibilidade de participação da administração pública” (Direito Constitucional, Atlas, São Paulo, 7ª edição, 2000, p. 314).

39.               Dessa forma, a criação de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, é medida excepcional, a ser adotada nos estreitos limites previstos na norma constitucional, qual seja, apenas nas atribuições de direção, chefia e assessoramento.

40.               Neste sentido, a jurisprudência censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão:

“Lei estadual que cria cargos em comissão. Violação ao art. 37, incisos II e V, da Constituição. Os cargos em comissão criados pela Lei n. 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada procedente" (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007).

“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30).

"A exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime da livre nomeação e exoneração que os caracteriza" (STF-Adin 1.141-GO - Medida liminar - Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Trib. Pleno - J. 10.10.1994 - Un. - RTJ 156/794).

"FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL - Cargo em comissão - Criação por lei municipal – Inconstitucionalidade - Cargos de natureza técnica, para funções estritamente profissionais, sem necessidade do dever de fidelidade e de lealdade - Exigibilidade de concurso público para o preenchimento - Ofensa aos princípios da igualdade e da acessoriedade aos cargos públicos - Ação direta procedente. É inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza permanente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior"(ADIN n° 92.143-0/0, Rel. Gentil Leite, j. 20.11.2002, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL N. 099, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, DO MUNICÍPIO DE ILHA SOLTEIRA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO, DE LIVRE PROVIMENTO E EXONERAÇÃO – NATUREZA SOMENTE TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DOS CARGOS CRIADOS, MUITOS DE CARÁTER PERMANENTE, NÃO EXIGINDO DE SEUS OCUPANTES NENHUM VÍNCULO ESPECIAL DE CONFIANÇA OU FIDELIDADE COM O PREFEITO MUNICIPAL – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 111 E NO ART. 115, INCISOS I, II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO – AÇÃO DIRETA PROCEDENTE” (TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

Ação direta de inconstitucionalidade – art. 1º da Lei Complementar n. 19, de 22 de agosto de 2007, do Município de Salto do Pirapora, que cria cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração – Notícia de exoneração, não confirmada, não exime o Poder Judiciário da análise acerca da inconstitucionalidade, que aliás, mostra-se manifesta – Cargos de provimento em comissão – Excepcionalidade, ante a regra constitucional de provimento por concurso público – Natureza técnica ou burocrática dos cargos criados, apesar de sua denominação – Não se exige de seus ocupantes nenhum vínculo especial com o nomeante – Ação direta julgada procedente” (TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).

“Admitir como válida, do ponto de vista constitucional, a criação de cargos em comissão para 'chefia administrativa' e outros (assistentes, assessores, encarregados, etc), para setores criados em profusão, com casuísmo e de forma aleatória no quadro organizacional do Município, é dar aos dispositivos constitucionais que envolvem a regra do concurso público, e à sua exceção, interpretação equivocada, meramente literal “(TJSP, ADIN 173.308.0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. José Roberto Bedran, v.u., 24-06-2009).

41.               Os cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

42.              A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

43.               É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Portanto, não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais, irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. O essencial é análise do plexo de atribuições da função pública.

44.               As atribuições dos cargos cujo provimento previsto nas leis municipais é em comissão não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, pois, traduzem funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

45.               Os cargos de provimento em comissão criados pelo Anexo I da Lei Complementar n. 12/2007 violam, portanto, os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, pois permitem a investidura em cargo público sem a necessária aprovação prévia em concurso público.

C – vinculação DOS SUBSÍDIOS DOS AGENTES POLÍTICOS LOCAIS AOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS

46.               com esteio na preservação da moralidade administrativa, a Constituição Estadual, em texto que reproduz o conteúdo do inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal, proíbe o tratamento jurídico paralelo de cargos cujas funções sejam desiguais, assim como repudia a subordinação de um cargo a outro, pertencentes ou não a um mesmo Poder, ou qualquer outro fator que funcione como índice de reajustamento automático:

“Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XV – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;”

47.                             A distinção entre os institutos da equiparação e da vinculação é bem delineada por Hely Lopes Meirelles:

                    Equiparar significa a previsão, em lei, de remuneração igual à de determinada carreira ou cargo. Assim, não significa equiparação a existência de duas ou mais leis estabelecendo, cada uma, valores iguais para os servidores por elas abrangidos. Vincular não significa remuneração igual, mas atrelada a outra, de sorte que a alteração da remuneração do cargo vinculante provoca, automaticamente, a alteração da prevista para o cargo vinculado” (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 30ª ed., 2005, p. 410).

48.               O art. 2º da Lei n. 364/2009, ao determinar que os subsídios dos Secretários Municipais sejam reajustados no mesmo índice em que for concedida a revisão geral anual da remuneração dos servidores do Município, afronta diretamente a norma constitucional em comento.

49.               A revisão dos subsídios dos agentes políticos deve observar o princípio da legalidade remuneratória e não comporta vinculação automática com a revisão geral anual do funcionalismo público seja porque o regime jurídico de sua remuneração é peculiar seja porque o direito à revisão geral anual é exclusivo dos servidores públicos. Com o expediente adotado no art. 2º da Lei n. 364/2009, toda vez que houver reajuste ou revisão dos vencimentos dos servidores públicos municipais, haverá o dos Secretários Municipais, implicando vinculação vedada de espécies remuneratórias.

50.               Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

          “CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 3.491-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 27-09-2006, v.u., DJ 23-03-2007, p. 71).

 

III – Pedido liminar

51.               À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Pradópolis apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque geram artificialmente cargos de Secretários Municipais com o propósito de burlar a restrição ao nepotismo e criam abusivamente cargos públicos de provimento em comissão, permitindo a investidura (ou permanência) de pessoas em funções públicas de maneira irregular, gerando excessivo ônus financeiro ao erário, amplificado com a quantidade de postos disponíveis, e agravado com a vinculação indevida de reajustes de remunerações de agentes públicos.

52.               À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/2009), dos Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009, do Município de Cruzália.

 

IV – Pedido

53.               Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/2009), dos Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009, do Município de Cruzália.

54.               Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Cruzália, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                    Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 06 de janeiro de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

dms/WPMJ


Protocolado n. 50.862/2009

Interessado: Promotoria de Justiça de Maracaí/SP

Assunto: Inconstitucionalidade de leis do Município de Cruzália.

 

 

1.              Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/2009), dos Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009, do Município de Cruzália, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.              Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 06 de janeiro de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

dms