Excelentíssimo Senhor
Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Protocolado n. 50.862/2009
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei
Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência ou arrastamento
das Leis n. 363/09 e n. 364/09), dos Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12,
de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009,
do Município de Cruzália.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Leis
do Município de Cruzália. 1. Transformação dos cargos de Diretores de
Departamento, de provimento em comissão,
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro
de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com
o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda
art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo
nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante
esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro
de 2009 (e por dependência ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/09), dos
Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art.
2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009, do Município de Cruzália, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – Os Atos Normativos Impugnados
1. A Lei n. 363, de 02 de janeiro de
2009, dispõe sobre a reestruturação administrativa do Poder Executivo do
Município de Cruzália (fls. 13/28).
2. Não obstante tenha expressamente
revogado as disposições da Lei Municipal n. 230, de 19 de outubro de 2005 (art.
35), uma análise comparativa entre ambas torna evidente a abrangência que se
visou dar à reestruturação mencionada, especialmente em se considerando que a
“reforma administrativa” proposta pela lei em destaque se complementa com a
promulgação da Lei n. 364 e da Lei Complementar n. 13, ambas datadas também de
02 de janeiro de 2009.
3. Dispõe a Lei Complementar n. 13/09
sobre a criação de 6 (seis) Secretarias Municipais com a conseqüente extinção
de exatamente 6 (seis) cargos de Diretor de Departamento (fl. 30). A Lei n. 364/2009, por seu turno, cuida da
fixação dos subsídios dos Secretários Municipais para a legislatura de
2009/2012 (fl. 29).
4. Dispõem os arts. 1º e 2º da Lei Complementar n. 13/2009:
“Art. 1º - Ficam criados os
cargos de Secretários abaixo descritos, para composição do quadro de pessoal da
Administração Pública Municipal:
I – Provimento em comissão:
Cargo/Agente
Político |
Quantidade |
Secretário
Municipal de Administração e Finanças; |
01 |
Secretário
Municipal de Promoção Social; |
01 |
Secretário
Municipal de Saúde; |
01 |
Secretário
Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer; |
01 |
Secretário
Municipal de Obras Públicas e Serviços Urbanos; |
01 |
Secretário
Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente |
01 |
Parágrafo primeiro: Os
subsídios dos Secretários serão fixados nos termos estabelecidos no art. 39,
parágrafo 4º da Constituição Federal, respeitada a iniciativa privativa da
Câmara Municipal de Vereadores.
Art. 2º - Ficam extintos os cargos públicos
abaixo relacionados:
I – Provimento em comissão:
Cargo |
Quant. |
Referência Salarial |
Diretor de Departamento |
06 |
1.128,73 |
5. Embora tenha ocorrido alteração
nominal dos órgãos componentes do primeiro nível de organização da Administração
Direta, as atribuições constantes nas Leis Municipais n. 230/2005 (fls. 70/88)
e n. 363/2009 são praticamente idênticas.
6. Percebe-se, assim, que a
reestruturação da Administração Pública do Município de Cruzália restringiu-se
à transformação de Departamentos
7. Com efeito, preceituam o art. 12, da
Lei. 363/2009 (fl. 16) e o art. 12 da Lei n. 230/2005 (fl. 74),
respectivamente, que:
“Art. 12 – A estrutura da
Administração Municipal direta é constituída de órgãos adequadamente entrosados
entre si, obedecida à subordinação hierárquica:
a)
NÍVEL I – GABINETE E SECRETARIAS;
b)
NIVEL II – SEÇÕES;
c)
NIVEL III – SUBSEÇÕES.”
“Art. 12 – A estrutura da
Administração Municipal direta é constituída de órgãos adequadamente entrosados
entre si, obedecida a seguinte subordinação hierárquica:
d)
NÍVEL I – DEPARTAMENTO;
e)
NIVEL II – SEÇÃO.”
8. Apesar de o Chefe do Poder Executivo vincular, na
exposição dos motivos do Projeto de Lei 377/2009 (fl. 159), a reestruturação
administrativa à criação de “um organograma compatível e necessário para o bom
funcionamento da prefeitura municipal, trazendo novamente a figura das
secretarias municipais, de forma a buscar nos secretários municipais maior
comprometimento com o plano de governo desta administração”, em verdade, seu
real motivo reside na tentativa de transpor os obstáculos criados pela edição
da Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal, debatida nas sessões de
20 e 21 de agosto de 2008 daquela Corte e publicada no Diário da Justiça (DJe)
de 11 de novembro de
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente
em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo
de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou
de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e
indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal”.
9. Com efeito, na sessão plenária de 20 de agosto de 2008, o
Supremo Tribunal Federal assentou que não incidia na proibição do nepotismo a
nomeação de parente para cargo de provimento em comissão de agente político,
como Secretários de Município ou de Estado ou Ministros de Estado (STF, RE
579.951-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20-08-2008, v.u.,
DJe 23-10-2008).
10. Tanto
é assim que a atual Secretária Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer,
Neuza Maria Martins Vidotti, é esposa do Prefeito Municipal (fl. 39) e, em
decorrência da vedação imposta pela Súmula Vinculante n. 13, foi exonerada do
cargo de Diretora de Departamento de Educação, de provimento em comissão,
quatro dias após a publicação e vigência da Lei n. 363/2009 (fl. 67/68), sendo
nomeada para o cargo de Secretária Municipal em seguida (fl. 66), cuja natureza
política não é alcançada pelo verbete, conforme explanado anteriormente.
11. O quadro abaixo, comparativo das
atribuições do Departamento Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer,
previstas no art. 19 da Lei n. 230/2005 (fls. 80/82), e da atual Secretaria de
Educação, Cultura, Esporte e Lazer, disciplinada pelo art. 19 da Lei n. 363/2009
(fls. 21/22), bem ilustram a situação:
Atribuições do Departamento de Educação, Cultura,
Esporte e Lazer (art. 19 da Lei n. 230/2005) |
Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer (art. 19 da Lei n. 363/2009) |
1. planejamento, organização, orientação,
supervisão, direção e controle do ensino em nível municipal, desenvolvendo os
programas que atendam as necessidades da comunidade local; |
I – Planejar, organizar, orientar, supervisionar,
dirigir e controlar o ensino em nível municipal, desenvolvendo os programas
que atendam as necessidades da comunidade local; |
2. agilização de mecanismos para o desenvolvimento
dos serviços inerentes à manutenção, transporte escolar, alimentação escolar
e almoxarifado; |
II – Agilizar mecanismos para o desenvolvimento dos
serviços inerentes à manutenção o ensino, do transporte escolar, da
alimentação escolar; |
3. execução do projeto político educacional do
governo municipal; |
III - Executar plano político educacional do governo
municipal; |
4. incentivo ao processo de integração
Escola/Comunidade, Rede Estadual/Rede Municipal, Rede Escolar/Instituições
Públicas locais ou de outras regiões; |
IV - Incentivar o processo de integração
Escola/Comunidade, Rede Estadual/Rede Municipal, Rede Escolar/Instituições
Públicas locais ou de outras regiões; |
5. execução de atividades destinadas ao Departamento
e fazer cumprir as Leis Federais, Estaduais e Municipais de ensino; |
V - Executar atividades destinadas ao Departamento e
fazer cumprir as Leis Federais, Estaduais e Municipais de ensino; |
6. realização de cursos e orientação de natureza
técnica e administrativa visando aperfeiçoamento e especialização dos
servidores da área de educação; |
VI - Realizar cursos e orientações de natureza
técnica e administrativa visando aperfeiçoamento e especialização dos
servidores da área de educação; |
7. prestação de assistência escolar para assegurar
condições de acesso à escola e de permanência nos estudos; |
VII – Planejar, executar e administrar projetos para
concessão de bolsas de estudo; |
8. realização de todos os convênios possíveis, que
venham auxiliar a Prefeitura Municipal a bancar as atividades educacionais e
os Programas adotados pelo Departamento de Estado da Educação; |
VIII - Prestar assistência ao escolar para assegurar
condições de acesso e permanência na escola; (correspondência
com o item 7) |
9. instalação da Rede Pública Municipal de Ensino do
Município, com desenvolvimento de programas de ensino pré-escolar, supletivo,
ensino profissionalizante e outros que atendam as necessidades e expectativas
da população; |
IX - Instalar Rede Pública Municipal de Ensino do
Município, com desenvolvimento de programas de ensino pré-escolar, educação
de jovens e adultos (supletivo), ensino profissionalizante e outros que
atendam as necessidades e expectativas da população; |
10. planejamento, coordenação e execução das
atividades, eventos e campanhas com a finalidade de desenvolver a cidadania,
o espírito cívico e o respeito aos bens públicos; |
X - Planejar, coordenar e executar atividades,
eventos e campanhas com a finalidade de desenvolver a cidadania, espírito
cívico e respeito aos bens públicos; |
11. promoção da assistência ao escolar relacionada à
alimentação escolar, assistência médica odontológica e social; |
XI – Promover e incentivar o desenvolvimento dos
esportes e da recreação no Município; |
12. coordenação das atividades da biblioteca,
relativo a circulação guarda e controle de acervo, promovendo sua divulgação; |
XII – Promover a assistência ao escolar relacionado
ao transporte, alimentação escolar, assistência médica odontológica; (correspondência com o item 11) |
13. efetuar registros, e documentários que garantam
perpetuar a história do Município; |
XIII - Coordenar atividades da biblioteca, relativo
a circulação, guarda e controle de acervo, promovendo sua divulgação; (correspondência com o item 12) |
14. administração da Rede Municipal de ensino; |
XIV - Efetuar registros e documentários que garantam
perpetuar a história do Município; (correspondência com o item 13) |
15. gerenciamento de recursos de convênios
destinados especialmente para área da educação; |
XV – Administrar a Rede Municipal de ensino; (correspondência com o item 14) |
16. realização de censo escolar levantando o número
de crianças em idade escolar com o objetivo de encaminhar todas para o ensino
fundamental; |
XVI – Realizar e gerenciar recursos de convênios
destinados especialmente para área da educação (correspondência com o item 15) |
17. planejamento e instalação dos programas
necessários para atender os vários tipos de demanda; |
XVII - Planejar e instalar os projetos necessários
para atender os vários tipos de demanda; |
18. instalação e garantia de funcionamento dos
conselhos municipais da Educação e da Alimentação Escolar; |
XVIII - Instalar e garantir o funcionamento dos
conselhos municipais da Educação e da Alimentação Escolar e do Conselho de
Acompanhamento (FUNDEB); |
19. combater a evasão, repetência e demais causas de
baixo rendimentos dos alunos, através de medidas de aperfeiçoamento do ensino
e de assistência ao educando; |
XIX - Combater a evasão, repetência e demais causas
de baixo rendimentos dos alunos, através de medidas de aperfeiçoamento do
ensino e de assistência ao educando; |
20. promover e coordenar reuniões com pais, visando
a integração escola-família-comunidades; |
XX - Promover e coordenar reuniões com pais, visando
à integração escola-família-comunidades e a sua família; |
21. orientar e supervisionar a qualidade da
alimentação escolar; |
XXI – Criar condições de ensino em parceria visando
atendimento à criança portadora de deficiência; |
22. criar classes de educação especial em parceria
com outros órgãos do governo, visando o atendimento a crianças portadoras de
deficiência; |
XXII - Interagir com outras Secretarias municipais,
visando à realização de programas que promovam cidadania junto aos alunos e
população; (correspondência com o item 23) |
23. interagir com outros Departamentos municipais,
visando a realização de programas que difundam conceitos de cidadania junto
aos alunos e população; |
XXIII – Discutir, elaborar e aprovar o plano de
carreira para valorização do magistério municipal; |
24. planejamento, organização, orientação,
supervisão, direção, desenvolvimento controle das atividades Culturais,
Esportivas e de Lazer em nível municipal, desenvolvendo os programas que
atendam as necessidades da comunidade local; |
XXIV – Discutir diretrizes e parâmetros
curriculares, subsidiando as escolas na elaboração de sua proposta
pedagógica; |
25. realização de cursos e orientação de natureza
técnica e administrativa visando aperfeiçoamento e especialização dos
servidores das áreas de cultura, esportes e lazer; |
XXV – Definir atribuições dos órgãos e regulamentar
mecanismo, para tornar a escola da autonomia e democrática; |
26. coordenação da Comissão Central de Esportes que
é órgão responsável por todos os programas de atividades no âmbito da
Educação Física e dos Desportos em geral, atuando sempre em consonância com a
política educacional implantada no Município; |
XXVI - Executar outras tarefas correlatas
determinadas pelo Chefe do Poder Executivo. (correspondência com o item 30) |
27. promoção e incentivo ao desenvolvimento dos
esportes e da recreação no município; |
|
28. gerenciamento de recursos de convênios
destinados especialmente para área de cultura, esporte e lazer; |
|
29. interagir com outros Departamentos municipais,
visando a realização de programas que difundem conceitos esportivos junto aos
alunos da rede municipal e população; |
|
30. executar outras tarefas correlatas determinadas
pelo Chefe do Poder Executivo. |
|
12. Assim como a Secretaria Municipal de
Educação, Cultura, Esporte e Lazer, todas as demais Secretarias, cujas
atribuições estão regulamentadas na Lei n. 363/2009, têm funções correlatas aos
antigos Departamentos de Administração e Finanças; de Promoção Social; de Obras
Públicas e Serviços Urbanos; de Agricultura, Abastecimento e Meio-Ambiente e
Fundo Municipal de Saúde.
13. Ademais, qualquer dúvida resta sanada
pela redação dos artigos 23 de ambas as Leis, os quais dispõem sobre as
atribuições básicas de Direção Superior, determinando que (fls. 26 e 85):
“Art. 23 – São atribuições
comuns dos Secretários Municipais (Chefes
de Departamento, Chefe de Gabinete e Assessor Jurídico, na redação dada pela
Lei 230/2005) e dos demais ocupantes de Cargos em Comissão:
I - promover contatos sistemáticos com a
população para assegurar a eficiência dos serviços sob sua responsabilidade;
II - responder perante o Prefeito, pelo bom
andamento dos trabalhos sob sua responsabilidade;
III – delegar competências
específicas de seu cargo, desde que não resultem em omissão ou redução de sua
responsabilidade;
IV – zelar pelos bens
patrimoniais afetos ao órgão, respondendo por eles perante o Prefeito;
V – indicar a necessidade de
pessoal;
VI – exercer ação
disciplinar no âmbito do órgão que dirige;
VII – desenvolver o plano
setorial de trabalho do órgão que dirige de forma a indicar precisamente,
objetivos a atingir e recursos a utilizar, promovendo o controle sistemático
dos resultados alcançados”.
14. Por fim, de maneira clara, ao tratar
da implantação da Estrutura Administrativa, determina a Lei n. 363/2009:
“Art. 32 – Os serviços de
contabilidade deverão promover as alterações na respectiva Lei Municipal de
Orçamento vigente para o Exercício de 2009 (Lei n. 361/08 de 03 de dezembro de
2008), alterando a denominação de departamentos para respectivas Secretarias,
mantendo-se os mesmos valores e programas”.
15. No
que tange à fixação dos subsídios dos Secretários Municipais, determina o art.
2º da Lei n. 364/2009 que:
“Art. 2º - Os subsídios dos
Secretários Municipais, de que trata o artigo 1º desta lei, serão reajustados,
por meio de lei específica, na mesma data e no mesmo índice em que for
concedida a revisão geral anual da remuneração dos servidores do Município, nos
termos do art. 37, inciso X, da Constituição Federal de 1988”.
16. A Lei Complementar n. 012/2007, por
seu turno, dispondo sobre a criação, extinção e transformação de cargos, prevê,
“Art. 1º - Ficam criados os
cargos de provimento em comissão, constantes do Anexo I, que fica fazendo parte
integrante da presente Lei, nas respectivas quantidades e referenciais de
vencimentos.
(...)
Anexo
I – art. 1º da Lei Complementar n. 012/2007
CARGOS
EM COMISSÃO
QT |
Comissão |
REf |
Sal. |
3 |
Assessor
Administrativo |
3 |
483,18 |
1 |
Assessor
de Gabinete |
8 |
836,90 |
1 |
Assessor
Jurídico |
9 |
971,61 |
6 |
Assessor
Técnico |
6 |
713,35 |
7 |
Coordenador
de Departamento |
9 |
971,61 |
1 |
Coordenador
de Programa |
8 |
836,90 |
2 |
Coordenador
de Seção |
7 |
789,17 |
1 |
Coordenador
Saúde Bucal |
7 |
789,17 |
1 |
Coordenador
Setor |
5 |
634,76 |
6 |
Diretor
de Departamento |
10 |
1026,12 |
1 |
Diretor
de Saúde |
14 |
4620,00 |
17.
A
descrição das atribuições dos cargos em comissão encontra-se regulamentada pelo
Anexo VII da Lei Complementar n. 12/2007 (fls. 263/283).
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
18. As disposições das Leis do Município de Cruzália,
contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está
subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:
Art.
(...)
Art. 115. Para a
organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações
instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o
cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público
depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e
títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de
livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento;
(...)
XV – é vedada a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do
serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;
(...)
Art. 144. Os Municípios,
com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Art. 297. São
também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à
Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como
as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações
no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição
do Estado”.
19. Por um lado, é adequado afirmar que a transformação dos
cargos de provimento em comissão de Diretores de Departamento
20. Por outro, a criação indiscriminada, abusiva e artificial
de cargos de provimento em comissão (assessor administrativo, assessor
jurídico, assessor técnico, coordenador de departamento, coordenador de programa,
coordenador de seção, coordenador saúde bucal, coordenador setor), disposta no
Anexo I da Lei Complementar n. 012/2007, não retrata atribuições de
assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas,
operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos
investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em
concurso público de provas ou de provas e títulos, é igualmente ofensiva a tais
princípios (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os incisos II e V do
art. 115 da Constituição Estadual.
21. Por
fim, a vinculação dos subsídios dos Secretários Municipais à mesma data e no
mesmo índice em que for concedida a revisão geral anual da remuneração dos
servidores públicos municipais, tal como preceituado pelo art. 2º da Lei n.
364/2009, afronta a vedação de equiparações e vinculações de quaisquer espécies
remuneratórias para efeito de remuneração do pessoal do serviço público
determinada pelo inciso XV do art. 115 da Constituição Estadual.
A – Criação de cargos de Secretários Municipais
22. Conforme acima relatado, apesar dos cargos de Secretários
Municipais resultarem da transformação de cargos de Diretor de Departamento,
cuidou-se de mera redenominação, pois, ambos plexos de competências têm identidade
de atribuições. O expediente serviu a um único propósito: o de burla à
proibição de nepotismo na Administração Pública porquanto a Suprema Corte
sufragou o entendimento da inaplicabilidade de sua Súmula Vinculante 13 aos
cargos de agentes políticos como Ministros de Estado e Secretários Estaduais ou
Municipais.
23. Não se retira do Município a possibilidade de organização
de sua estrutura administrativa. Todavia, a opção legislativa está comprometida
porque foi editada com aquela intenção e não com o escopo de melhoria da
organização administrativa local, tanto que beneficiada com a estratégia a
esposa do Chefe do Poder Executivo que, anteriormente, exercia o cargo de
Diretora de Departamento.
24. Assinale-se, ainda, que se o Supremo Tribunal Federal tem
reiteradamente rechaçado reclamações insurgentes da transformação normativa de
cargos de Diretores de Departamentos, Assessores etc. em Secretários, por não
se incluírem os agentes políticos no raio de projeção da citada súmula, isso
não impede o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade das
respectivas leis criadas pour cause
da restrição constante da súmula vinculante, devendo ser considerado,
outrossim, que não cabe reclamação por descumprimento de súmula vinculante por
lei, somente por decisão judicial ou ato administrativo, conforme se infere do
art. 7º da Lei n. 11.417/06.
25. E
que, segundo a tradicional doutrina, há uma diferença essencial tanto na
classificação dos órgãos públicos quanto na de cargos públicos. Com efeito, a
partir do critério da posição estatal, são considerados órgãos independentes:
“(...) os originários da Constituição e
representativos dos Poderes de Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário -,
colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação
hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um
Poder pelo outro. Por isso, são também chamados órgãos primários do Estado.
Esses órgãos detêm e exercem precipuamente as funções políticas, judiciais e
quase-judiciais outorgadas diretamente pela Constituição, para serem
desempenhadas pessoalmente por seus membros (agentes políticos, distintos de
seus servidores, que são agentes administrativos), segundo normas especiais e
regimentais” (Hely Lopes Meirelles. Direito
Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003, 28ª ed., p. 69).
26. Nessa categoria são arrolados as Corporações Legislativas
como o Congresso Nacional, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as
Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores e as Chefias do Poder
Executivo como a Presidência da República, as Governadorias dos Estados e do
Distrito Federal e as Prefeituras Municipais.
27. Prosseguindo a escala, Hely Lopes Meirelles localiza os
órgãos autônomos e os órgãos superiores. Os primeiros estão na cúpula da
Administração, imediatamente abaixo dos órgãos independentes e diretamente
subordinados a seus chefes, com as seguintes características:
“Têm ampla autonomia administrativa, financeira e
técnica, caracterizando-se como órgãos diretivos, com funções precípuas de
planejamento, supervisão, coordenação e controle das atividades que constituem
sua área de competência. Participam das decisões governamentais e executam com
autonomia as suas funções específicas, mas segundo diretrizes dos órgãos
independentes, que expressam as opções políticas do Governo.
São órgãos autônomos os Ministérios, as
Secretarias de Estado e de Município, a Advocacia-Geral da União e todos os
demais órgãos subordinados diretamente aos Chefes dos Poderes, aos quais prestam
assistência e auxílio imediatos. Seus dirigentes, em regra, não são
funcionários, mas sim agentes políticos nomeados em comissão” (op. cit., p. 70).
28. Diferente é a natureza dos órgãos superiores:
“(...) são os que detém poder de direção, controle,
decisão e comando dos assuntos de sua competência específica, mas sempre
sujeitos à subordinação e ao controle hierárquico de uma chefia mais alta. Não
gozam de autonomia administrativa nem financeira, que são atributos dos órgãos
independentes e dos autônomos a que pertencem. Sua liberdade funcional
restringe-se ao planejamento e soluções técnicas, dentro da sua área de
competência, com responsabilidade pela execução, geralmente a cargo de seus
órgãos subalternos.
Nessa categoria estão as primeiras repartições dos
órgãos independentes e dos autônomos, com variadas denominações, tais como
Gabinetes, Secretarias-Gerais, Inspetorias-Gerais, Procuradorias
Administrativas e Judiciais, Coordenadorias, Departamentos e Divisões (...)”(op. cit., p. 70).
29. E se, consoante a mesma lição, os Chefes do Poder Executivo
(Presidente da República, Governadores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos
(Ministros e Secretários de Estado e de Município) são agentes políticos porque
componentes do governo nos seus primeiros escalões mediante investidura em
cargos, funções, mandatos ou comissões por nomeação, eleição, designação ou
delegação para o exercício de atribuições constitucionais, atuando com plena
liberdade funcional no desempenho de suas atribuições com prerrogativas e
responsabilidades próprias e privativas (op.
cit., pp. 75-77), na categoria de agentes políticos não se incluem os
dirigentes de departamentos, divisões, diretorias e chefias em virtude do
diferenciado status jurídico na
organização administrativa.
30. A hipótese guarda semelhança com a de atos normativos que
forneciam status de Ministro de
Estado a Secretários da Administração Federal e que foi rechaçada pela Suprema
Corte (que negou a aquisição de foro por prerrogativa de função):
“O parecer do Ministério
Público Federal, em parecer da lavra do Il. Procurador-Geral Cláudio Fonteles,
expôs o caso e opinou nestes termos (f. 21-4): ‘1. JOSÉ FRITSCH ajuíza a
presente reclamação em face de ato praticado pelo Delegado de Polícia do 1º
Distrito Policial da Comarca de Chapecó - SC - fls. 07/08 - que instaurou
inquérito policial com fim de apurar infrações previstas nos artigos 324, 325,
326 e 327, do Código Eleitoral. 2. Segundo o reclamante, que se encontra no
exercício do cargo de Secretário Nacional de Aqüicultura e Pesca - fls.
“STF - competência penal originária: Ministros de Estado.
Para efeito de definição da competência penal originária do Supremo Tribunal
Federal, não se consideram Ministros de Estado os titulares de cargos de
natureza especial da estrutura orgânica da Presidência da República, malgrado
lhes confira a lei prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes
aos dos titulares dos Ministérios: é o caso do Secretário Especial de
Aqüicultura e Pesca da Presidência da República. Precedentes” (STF, Inq-QO
2.044-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 17-12-
“STF: competência penal originária: Ministros de Estado.
Para efeito de definição da competência penal originária do Supremo Tribunal
Federal, não se consideram Ministros de Estado os titulares de cargos de
natureza especial da estrutura orgânica da Presidência da República, malgrado
lhes confira a lei prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes
aos dos titulares de ministérios: é o caso do Secretário de Comunicação Social
da Presidência da República” (STF, AgRPet 1.199-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, 05-05-1999, v.u., DJ 25-06-1999, p. 19).
31. Vale dizer, ainda que a lei tivesse aquinhoado status de Secretário Municipal a um
cargo que, ontologicamente na estrutura orgânica da Administração Pública
local, não tivesse essa natureza – o que é diagnosticável por seu plexo de
atribuições e seu regime jurídico a adorná-lo como órgão autônomo – nem por
isso seria reputado como tal. No caso, a lei local manteve as atribuições do
cargo anterior que não era qualificável como agente político e a título
artificial o estimou como tal. Neste sentido, cabível a invocação de auspicioso
precedente do Supremo Tribunal Federal que analisou a natureza, e não a simples
denominação, do cargo de provimento em comissão à vista de suas atribuições
para qualificar ou não seu ocupante como agente político:
“Trata-se de reclamação, com
pedido de medida liminar, proposta por Adilson de Castro Reis, contra decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, nos autos do
Agravo de Instrumento 830.058.5/5, teria afrontado a 13ª Súmula Vinculante
desta Corte. Alega o reclamante ser servidor da Câmara Municipal de
Suzano/SP e que o Ministério Público do Estado propôs ação civil pública com
objetivo de afastá-lo de suas funções por prática de nepotismo. Informa que o Juízo reclamado deu efeito ativo ao Agravo citado e o
afastou de suas funções (fls. 67-68). Ressalta que o entendimento do Tribunal a
quo teria sido incorreto, pois o cargo por ele ocupado na Câmara Municipal era
o de Secretário Diretor-Geral, o que configuraria uma função política. Dessa
forma, sua situação enquadrar-se-ia em uma das duas hipóteses de exceção à
aplicação da referida Súmula, conforme decidido por este Tribunal. Alega que
estão presentes os requisitos ensejadores da concessão da medida liminar. A
fumaça do bom direito evidenciar-se-ia pelo fato de o seu cargo ser político e que isso o afasta das hipóteses de nepotismo previstas na Súmula
Vinculante 13. Já o perigo da demora estaria presente em virtude da necessidade
de subsistência do reclamado e de sua família. Pugna pela concessão da liminar
para ‘determinar a suspensão do agravo de instrumento nº 839.058.5/5, em
trâmite perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao menos em
relação ao ora reclamante’. No mérito, requer a procedência do pedido a fim de
declarar nula a decisão ora reclamada. Indeferi o pedido de medida liminar às
fls. 108-111. O Tribunal a quo prestou informações às fls. 121-
32. É nítido, pois, o desvio de poder radicado nesse ato
legislativo que o contamina – assim como os demais atos normativos de igual
espécie ou subalternos subseqüentes – de maneira a expô-lo ao controle
abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade por vício
material de inconstitucionalidade na medida em que ele encerra, de per si e atento às circunstâncias,
ofensa aos princípios de moralidade e impessoalidade porque a competência para
legislar em matéria de organização administrativa foi utilizada para fim
distanciado de sua finalidade, visando tão somente favorecimentos indevidos.
33. Não é novidade alguma o controle concentrado de
constitucionalidade de lei ou ato normativo por desvio de poder. A esse
respeito, concessa venia, reporta-se
a elucidativo escólio da lavra de Caio Tácito:
“No exercício de suas atribuições e nas matérias a
eles afetas, os órgãos legislativos, em princípio, gozam de discricionariedade
peculiar à função política que desempenham.
Temos, contudo, sustentando a necessidade de
temperamento da latitude discricionária de ato do Poder Legislativo, ainda que
fundado em competência constitucional e formalmente válido.
O princípio geral de Direito de que toda e qualquer
competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe
é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também
se compadece, a nosso ver, com a legitimidade da ação do legislador.
Tivemos, oportunidade de sustentar, perante o STF,
em duas oportunidades, a nulidade de leis estaduais em que, no término de
governos vencidos nas urnas, eram criados cargos públicos em número excessivo,
não reclamados pela necessidade pública, e comprometendo gravemente as finanças
do Estado, tão-somente para o aproveitamento de correligionários ou de seus
familiares.
Para o desfazimento dessas leis, que
caracterizavam os chamados ‘testamentos políticos’, o STF consagrou a tese da
validade de novas leis que, anulando leis inconstitucionais, reconheciam o
abuso pelos Poderes Legislativos estaduais da competência, em princípio
discricionária, da criação de cargos públicos.
O primeiro acórdão, proferido no MS 7.243, em
sessão de 20.1.69, manteve a anulação de leis do Estado do Ceará com as quais,
no apagar das luzes de uma situação política derrotada, em apenas 56 dias,
mediante 25 atos legislativos foram instituídos, sob a forma de criação ou
transformação, 3.784 novos cargos públicos, o que equivalia a um-terço do total
do funcionalismo estadual então existente, estimado em 12.000 servidores,
elevando o custo mensal do pessoal a 94,24% das rendas do Estado.
Por essa forma, violava-se norma expressa da
Constituição estadual, que fixava o teto de 50% para a vinculação da receita ao
custeio do funcionalismo público, e se objetivava impedir o funcionamento
regular do Poder Executivo, no período do novo mandato que se ia inaugurar.
Em comentário a essa decisão, que firmou
precedente memorável, destacávamos a importância da tese por ela abonada:
‘A competência legislativa para criar cargos
públicos visa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade da
administração. Sendo, em sua essência, uma faculdade discricionária, está, no
entanto, vinculada à finalidade, que lhe é própria, não podendo ser exercida
contra a conveniência geral da coletividade, com o propósito manifesto de
favorecer determinado grupo político, ou tornar ingovernável o Estado, cuja
administração passa, pelo voto popular, às mãos adversárias.
‘Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a
atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a
competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do
legítimo interesse público’ (RDA 59/347
e 348).
A mesma situação se renovou, no Estado do Rio
Grande do Norte, perante outro testamento político de um governo vencido no
pleito eleitoral sucessório, em que se comprometia desmedidamente o erário,
elevando a mais de 80% a despesa com o funcionalismo público.
Em decisão proferida na Repr. 512, julgada, por
unanimidade, pelo Tribunal Pleno, em sessão de 7.12.62, o STF reputou legítima
a anulação, pela Assembléia Legislativa, de leis inconstitucionais que
compunham o testamento político em causa.
Em memorial oferecido como advogado do novo
governo estadual, ponderávamos que ‘o desvio de poder legislativo,
caracterizado no inventário político, ofende o princípio da independência e
harmonia dos Poderes, além de violar a Constituição estadual’.
Em acórdãos posteriores os RE 48.655 e 50.219 (RDA 78/269 e 281), aplicando a
orientação firmada, a Corte Suprema reafirmou a tese da anulação, pelo Poder
Legislativo, de seus próprios atos inconstitucionais.
A acolhida do cabimento do desvio de finalidade
como vício de inconstitucionalidade fora anteriormente abonada em outro julgado
do STF em voto do Min. Orozimbo Nonato, relator do RE 18.331, que, nos termos
da respectiva ementa, após recordar o conhecido axioma de que o poder de taxar
não se pode extremar como poder destruir, destaca: ‘É um poder cujo exercício
não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda que, a
doutrina fecunda do détournement de pouvoir’ (RF 145/146).
O excesso do poder de taxar foi igualmente
repelido com respeito à lei do Estado do Rio de Janeiro que exigia taxa
judiciária em termos excessivos, sem correspondência com o serviço prestado
(Repr. 1.077, RTJ 11/55).
Comentando o sentido inovador da jurisprudência do
Pretório Excelso, registra Seabra Fagundes, entre as fecundas criações
pretorianas, ‘a extensão da teoria do desvio de poder originária e
essencialmente dirigida aos procedimentos dos órgãos executivos, aos atos do
poder legiferante, de maior importância num sistema de Constituição rígida, em
que se comete ao Congresso a complementação do pensamento constitucional nos
mais variados setores da vida social, econômica e financeira’ (RF 151/549).
Em decisão de 31.8.67, no RMS 16.912, o tema do
desvio de poder como vício especial do ato legislativo foi expressamente
invocado.
Apreciando lei de organização judiciária na qual
se inseria emenda em benefício de determinado serventuário, advertiu o Min.
Prado Kelly: ‘tratava-se de reforma judiciária e a emenda representou um desvio
de poder na própria legislatura’. Sendo o mesmo Ministro as seguintes
expressões: ‘Tenho por demonstrado que a emenda não obedeceu ao presumido
escopo de interesse público e sim a uma inspiração que nem por ser equânime ou
reparadora (como pareceu ao interveniente) deixa de ser particularista ou de
favorecimento pessoal’.
Nessa decisão plenária, o Min. Victor Nunes Leal,
após aderir à posição ‘de que podemos exercer controle sobre os desvios de
poder da própria legislatura’, convocado por interpelação do Min. Aliomar
Baleeiro a declarar ‘se admitia um desvio de poder do Poder Legislativo fora do
caso de inconstitucionalidade’, não vacilou em afirmar categoricamente:
‘Admito’ (acórdão no RMS 16.912, RTJ
45/530-545, especialmente pp. 536 e 537).
Em questão relativa à permissão para explorar
linhas de ônibus, o STF apreciou a incidência do desvio de poder legislativo,
admitindo, em tese, a aplicação do princípio (RTJ 47/650 e 48/165).
Em três situações o STF repeliu, por
inconstitucionalidade, a aplicação de sanções administrativas com a finalidade
real de constranger o contribuinte à regularidade fiscal.
Decidiu a Corte Suprema que ‘é inadmissível a
interdição de estabelecimento ou apreensão de mercadorias como meio coercitivo
para a cobrança de tributo’ (Súmulas 70 e 323).
E, dilatando o princípio à inconstitucionalidade
dos Decs.- leis 5 e 42, de 1937 – que restringiam indiretamente a atividade
comercial de empresas em débito, impedindo-as de comprar selos ou despachar
mercadoria – implicitamente configurou o abuso de poder legislativo (Súmula 547
e acórdão no RE 63.026, RDA 10/209).
O excesso legislativo foi invocado em acórdão do
STF no RE 62.731, do qual foi Relator o Min. Aliomar Baleeiro. Afirmou-se a
inconstitucionalidade de decreto-lei que vedava a purgação de mora
O poder de polícia nas profissões somente pode ser
exercido com observância do princípio da razoabilidade, afirmou o acórdão na
Repr. 930 (apud Gilmar Ferreira
Mendes, ob. cit., p. 451).
E porque o impedimento do exercício profissional
da advocacia há juizes aposentados até dois anos após a inatividade ofendia o
princípio da razoabilidade, foi declarada a inconstitucionalidade da lei que
estabelecia tal interdição temporária, por violação àquele princípio (Repr.
1.054, RTJ 112/7).
Em parecer no qual analisamos a
inconstitucionalidade de deliberação do Banco Central do Brasil determinante da
indisponibilidade de contas bancárias do Estado – membro a suas empresas,
enfatizávamos que ‘importa desvio do Poder Legislativo decreto lei que se
utilize do bloqueio de contas bancárias como meio de cobrança regressiva de aval
a empréstimos externos’ (RDA
172/239).
Em outro parecer relativo à validade da lei
municipal que subordinava a permissão de funcionamento de estabelecimentos
comerciais aos sábados e domingos à prévia aprovação pelos órgãos sindicais,
entendíamos ocorrer violação da competência legal, a ser exercida pelo
Município, como emanação do poder de polícia.
Ressaltamos que, obrigando à intervenção dos
sindicatos para a obtenção de licença especial de funcionamento, o legislador
teve em mira o fortalecimento do sistema sindical, invadindo órbita de
competência privativa da União.
Concluímos, assim, que, ‘a toda evidencia, a lei
municipal, visando, a beneficiar o movimento sindical está maculada pelo vício
de abuso do poder normativo, caracterizado como desvio de finalidade’ (RDA 164/460).
O tema do desvio de poder legislativo foi
amplamente estudado, no Direito italiano, por Lívio Paladin, em ensaio sob o
título ‘Osservazioni sulla discrezionalità e sull’eccesso di potere del
legislatore ordinario’ (Rivista Trimestrale
di Diritto Pubblico, ano VI, 4/993-1.046, outubro – dezembro/56).
Pondera o autor que: ‘L’illegitimità di ogni fine,
diverso da quello costituzionalmente previsto, consente logicametne di
configurare, sul piano legisltaivo, qual vizio della causa degli atti
amministrativi, ch è l’ecesso di potere’ (‘A ilegitimidade de todo fim, diverso
daquele constitucionalmente previsto, conduz logicamente afigurar-se, no plano
legislativo, aquele vício de causa dos atos administrativos, que é o excesso de
poder’) (Rivista cit. p. 1.031).
A figura do desvio de poder legislativo foi,
pioneiramente, sustentada por Santi Romano, que, reconhecendo o poder
discricionário do legislador, destaca, porém, o limite que se impõe em face da
finalidade da competência legislativa: ‘ma la figura dele potere discrezionale
richiede per l’appunto che di esse si faccia uso conforme alle finalità da cui
il potere medismo deriva; si há altrimenti uno sviamento di potere, che
costituisse uma violazione di direitto, nel senso più próprio della parola. Son
concetti questi di commune applicazione riguado alle compentenza degli oragnia
amministrativi e non si saprebbe indicarei l pechè non possono riferirsi, nella
loro generalità, al Parlamento. In certi campoi della sua funzione legislativa,
questo non há poteri sconfinati, ma poteri discricionali, il che vuol dire
litate, e non altro, dall’obbligo di fare uso per dati motivi’ (‘mas a figura
do poder discricionário reclama precisamente que dele se faça uso conforme à
finalidade, da qual o próprio poder deriva: há de outra forma um desvio de
poder que constitui uma violação de direito no sentido próprio da palavra. São
conceitos estes de aplicação comum no que se refere à competência dos órgãos
administrativos, e não se saberá indicar por que não parecem se referir em sua
generalidade, ao Parlamento. Em certos campos de sua competência legislativa,
este não possui poderes sem fronteiras, mas poderes discricionários, importa
dizer, limitados pelo menos da obrigação de fazer uso por motivos determinados’)
(‘Osservazioni preliminari per uma teoria sui limite della funzione legislativa
nel Diritto Pubblico’, 1902, e incluído na coletânea Scriti Minori – Diritto
Costituzionale, v. I/199, 1950).
Não é outro o pensamento de Costantino Mortati
quando adverte que ‘a lei poderá estar viciada de inconstitucionalidade não
somente quando o interesse perseguido contrasta com aquele imposto pela
Constituição, mas também nos casos em que o próprio teor da lei está em
absoluta incongruência com a norma editada e o fim do interesse público a ser
perseguido e o próprio legislador afirma pretender perseguir. Verifica-se,
nessa ultima hipótese, uma modalidade de vício de legitimidade assimilável ao
excesso de poder administrativo’ (‘la legge può risultare viziata per incostituzionalità
non solo quando l’interesse perseguito contrasta com quelllo imposto dalla
Costituzione, ma anche nei casi in cui dallo stesso tenore della legge risulti
un’assouta incongruenza fra la norma dettata ed il fine di pubblico interesse
che si doveva perseguire e che lo stesso legislatore assume di volere
perseguire. Si verificherebbe in quest’ultima ipotese un’ipotesi di vizio della
legittimità assimilabile a quello dell’eccesso di potere amministrativo’)
(verbete ‘Discricionalità’, Novissimo Digesto
Italiano, v. V/1.09).
Entendemos, em suma, que a validade da norma de
lei, ato emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da
finalidade contida na norma constitucional que fundamenta o poder de legislar.
O abuso de poder legislativo, quando
excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de
inconstitucionalidade da lei, pelo divórcio entre o endereço real da norma
atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço de interesse
incompatível com a sua legitima destinação.
Gilmar Ferreira Mendes dedicou capítulo especial
de sua monografia sobre controle de constitucionalidade à avaliação do excesso
de poder legislativo como vício substancial de inconstitucionalidade. Com apoio
na doutrina alemã e na lição de Canotilho, evidencia a prevalência da
vinculação do ato legislativo a uma finalidade e à aplicação do princípio da
proporcionalidade como elemento da legitimidade constitucional das leis.
Oferece, como exemplos, precedentes colhidos na jurisprudência do STF (Controle de Constitucionalidade,
Saraiva, 1990, pp. 38-54).
Canotilho adverte que a lei é vinculada ao fim
constitucionalmente fixado e ao princípio de razoabilidade a fundamentar ‘a
transferência para os domínios da atividade legislativa da figura do desvio de
poder dos atos administrativos’ (Direito
Constitucional, 4ª ed., 1986, p. 739).
E, mais amplamente, o mesmo autor estuda o desvio
de poder legislativo diante do princípio de que ‘as leis estão todas
positivamente vinculadas quanto a fim pela Constituição’ (Constituição Dirigente e
Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 259)’. (Caio Tácito. Desvio de
Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais, in Revista Trimestral de Direito Público,
n. 04, São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 33-37).
34. Enfim, a edição da Lei Complementar n. 13/09 caracteriza
nítida incompatibilidade vertical com os princípios de moralidade,
impessoalidade, razoabilidade e interesse público, constantes do art. 111 da
Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144,
nódoa que se esparge às Leis n. 363 e n. 364, de 2009, por dependência ou
arrastamento, uma vez que promovem a reorganização da Administração e estipulam
os subsídios, respectivamente, de acordo com os novos cargos criados na Lei
Complementar n. 13/09, havendo entre elas relação de íntima conexão e
interdependência.
B – Criação de cargos de provimento em comissão
35. Na dicção de Hely Lopes Meirelles,
cargo em comissão :
"É o que só admite provimento em caráter provisório.
(...) destinando-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento
(CF, art. 37, V). (...) A instituição de tais cargos é permanente, mas o seu
desempenho é sempre precário, pois quem os exerce não adquire direito à continuidade
na função, mesmo porque a exerce por confiança do superior hierárquico, daí a
livre nomeação e exoneração" (Direito
Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 30ª ed., 2005, p. 405).
36. No caso em tela,
os cargos em comissão criados pela Lei Complementar n. 012/2007, à exceção dos
cargos de Assessor de Gabinete, Diretor de Departamento e Diretor de Saúde, ostentam
evidente natureza técnica e administrativa, que não exigem do agente nenhum
vínculo especial de confiança.
37. Um dos princípios
norteadores do provimento de cargos públicos reside na ampla acessibilidade e
igualdade de condições a todos os interessados, respeitados os requisitos
inerentes às atribuições de cada cargo. Acesso esse que se visa garantir com a
obrigatória realização do concurso público, para que, sem que reste tangenciado
o princípio da isonomia, preserve-se também a eficiência da máquina estatal,
consubstanciada na escolha dos candidatos mais bem preparados para o desempenho
das atribuições do cargo público, de acordo com os critérios previstos no
edital respectivo.
38. Ao comentar a
exigência de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos para a investidura em cargo público, afirma Alexandre de Moraes que:
“Existe,
assim, um verdadeiro direito de acesso
aos cargos, empregos e funções públicas, sendo o cidadão e o estrangeiro,
na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de ampla
possibilidade de participação da administração pública” (Direito Constitucional, Atlas, São Paulo, 7ª edição, 2000, p. 314).
39. Dessa forma, a
criação de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, é medida
excepcional, a ser adotada nos estreitos limites previstos na norma
constitucional, qual seja, apenas nas atribuições de direção, chefia e
assessoramento.
40. Neste sentido, a jurisprudência
censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento
em comissão:
“Lei estadual que cria cargos
“Ofende
o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em
comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação
e exoneração, que informa a investidura
"A
exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela
criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não
pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime da livre nomeação e
exoneração que os caracteriza" (STF-Adin 1.141-GO -
Medida liminar - Rel.
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Trib. Pleno - J. 10.10.1994
- Un. - RTJ 156/794).
"FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL - Cargo em
comissão - Criação por lei municipal – Inconstitucionalidade - Cargos de
natureza técnica, para funções estritamente profissionais, sem necessidade do
dever de fidelidade e de lealdade - Exigibilidade de concurso público para o
preenchimento - Ofensa aos princípios da igualdade e da acessoriedade aos
cargos públicos - Ação direta procedente. É inconstitucional a lei que criar
cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou
operacionais, de natureza permanente profissional, fora dos níveis de direção,
chefia e assessoramento superior"(ADIN n° 92.143-0/0, Rel. Gentil Leite, j.
20.11.2002, v.u.).
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL N. 099, DE 16 DE DEZEMBRO DE
2005, DO MUNICÍPIO DE ILHA SOLTEIRA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO, DE LIVRE
PROVIMENTO E EXONERAÇÃO – NATUREZA SOMENTE TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DOS CARGOS
CRIADOS, MUITOS DE CARÁTER PERMANENTE, NÃO EXIGINDO DE SEUS OCUPANTES NENHUM
VÍNCULO ESPECIAL DE CONFIANÇA OU FIDELIDADE COM O PREFEITO MUNICIPAL – OFENSA
AO DISPOSTO NO ART. 111 E NO ART. 115, INCISOS I, II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DE SÃO PAULO – AÇÃO DIRETA PROCEDENTE” (TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão
Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).
“Ação
direta de inconstitucionalidade – art. 1º da Lei Complementar n. 19, de
22 de agosto de 2007, do Município de Salto do Pirapora, que cria cargos em
comissão, de livre nomeação e exoneração – Notícia de exoneração, não
confirmada, não exime o Poder Judiciário da análise acerca da inconstitucionalidade,
que aliás, mostra-se manifesta – Cargos de provimento em comissão –
Excepcionalidade, ante a regra constitucional de provimento por concurso
público – Natureza técnica ou burocrática dos cargos criados, apesar de sua
denominação – Não se exige de seus ocupantes nenhum vínculo especial com o
nomeante – Ação direta julgada procedente” (TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão
Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).
“Admitir
como válida, do ponto de vista constitucional, a criação de cargos em comissão
para 'chefia administrativa' e outros (assistentes, assessores, encarregados,
etc), para setores criados em profusão, com casuísmo e de forma aleatória no
quadro organizacional do Município, é dar aos dispositivos constitucionais que
envolvem a regra do concurso público, e à sua exceção, interpretação
equivocada, meramente literal “(TJSP, ADIN 173.308.0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. José Roberto Bedran,
v.u., 24-06-2009).
41. Os
cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e
profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos
investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em
concurso público de provas ou de provas e títulos.
42. A excepcional possibilidade de a lei
criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de
recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para
burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação
em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos
princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição
do Estado).
43. É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser
restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior,
nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes
políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão
e controle de diretrizes político-governamentais. Portanto, não coaduna a
criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal
absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais,
burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais,
irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois,
44. As
atribuições dos cargos cujo provimento previsto nas leis municipais é em
comissão não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso
às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, pois,
traduzem funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas,
administrativas, rotineiras.
45. Os cargos de provimento em
comissão criados pelo Anexo I da Lei Complementar n. 12/2007 violam, portanto,
os incisos II e V do art.
115 da Constituição Estadual, pois permitem a investidura em cargo público sem
a necessária aprovação prévia em concurso público.
C – vinculação DOS SUBSÍDIOS DOS AGENTES
POLÍTICOS LOCAIS AOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS
46. com esteio na preservação da moralidade
administrativa, a Constituição Estadual, em texto que reproduz o conteúdo do
inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal, proíbe o tratamento jurídico
paralelo de cargos cujas funções sejam desiguais, assim como repudia a
subordinação de um cargo a outro, pertencentes ou não a um mesmo Poder, ou
qualquer outro fator que funcione como índice de reajustamento automático:
“Artigo 115 - Para
a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
XV – é vedada a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do
serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;”
47.
A distinção entre os
institutos da equiparação e da vinculação é bem delineada por Hely Lopes
Meirelles:
“Equiparar significa
a previsão, em lei, de remuneração igual à
de determinada carreira ou cargo. Assim, não significa equiparação a existência
de duas ou mais leis estabelecendo, cada uma, valores iguais para os servidores
por elas abrangidos. Vincular não
significa remuneração igual, mas atrelada a outra, de sorte que a alteração da
remuneração do cargo vinculante provoca, automaticamente, a alteração da
prevista para o cargo vinculado” (Direito
Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 30ª ed., 2005, p. 410).
48. O art. 2º da Lei n. 364/2009, ao
determinar que os subsídios dos Secretários Municipais sejam reajustados no
mesmo índice em que for concedida a revisão geral anual da remuneração dos
servidores do Município, afronta diretamente a norma constitucional em comento.
49. A
revisão dos subsídios dos agentes políticos deve observar o princípio da
legalidade remuneratória e não comporta vinculação automática com a revisão
geral anual do funcionalismo público seja porque o regime jurídico de sua
remuneração é peculiar seja porque o direito à revisão geral anual é exclusivo
dos servidores públicos. Com o expediente adotado no art. 2º da Lei n. 364/2009,
toda vez que houver reajuste ou revisão dos vencimentos dos servidores públicos
municipais, haverá o dos Secretários Municipais, implicando vinculação vedada
de espécies remuneratórias.
50. Nesse
sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:
“CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE
FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a
classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de
mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e
Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura
funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou
alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a
respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo
legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do
Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos
vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e
o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais,
desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do
reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio
da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 3.491-RS, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 27-09-2006, v.u., DJ 23-03-2007, p. 71).
III – Pedido liminar
51. À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Pradópolis apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação porque geram artificialmente cargos de Secretários Municipais com o
propósito de burlar a restrição ao nepotismo e criam abusivamente cargos
públicos de provimento em comissão, permitindo a investidura (ou permanência)
de pessoas em funções públicas de maneira irregular, gerando excessivo ônus
financeiro ao erário, amplificado com a quantidade de postos disponíveis, e
agravado com a vinculação indevida de reajustes de remunerações de agentes
públicos.
52. À
luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência
ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/2009), dos Anexos I e VII da Lei
Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22
de janeiro de 2009, do Município de Cruzália.
IV – Pedido
53. Face
ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para
que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 13, de 22 de janeiro de
2009 (e por dependência ou arrastamento das Leis n. 363/09 e n. 364/2009), dos
Anexos I e VII da Lei Complementar n. 12, de 01 de outubro de 2007, e do art.
2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de 2009, do Município de Cruzália.
54. Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara
Municipal e ao Prefeito Municipal de Cruzália, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 06 de janeiro de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
dms/WPMJ
Protocolado n. 50.862/2009
Interessado: Promotoria de Justiça de Maracaí/SP
Assunto: Inconstitucionalidade de leis do Município de Cruzália.
1.
Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei
Complementar n. 13, de 22 de janeiro de 2009 (e por dependência ou arrastamento
das Leis n. 363/09 e n. 364/2009), dos Anexos I e VII da Lei Complementar n.
12, de 01 de outubro de 2007, e do art. 2º da Lei n. 364, de 22 de janeiro de
2009, do Município de Cruzália, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo.
2.
Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São Paulo, 06 de janeiro de
2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de
Justiça
dms