EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 5.692/10

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei  nº 243, de 23 de março de 2004, do Município de Rancharia.

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade da Lei n. 243, de 23 de março de 2004, do Município de Rancharia, que “dispõe sobre a concessão de reajuste dos vencimentos dos funcionários e servidores da Câmara Municipal de Rancharia e dá outras providências”. 2) Concessão de reajuste aos funcionários e servidores da Câmara Municipal de Rancharia em percentual maior do concedido aos funcionários e pensionistas do Poder Executivo, através de Lei de iniciativa do Poder Executivo. Violação dos arts. 5º, 19, “caput”, 20, III e 115, XI e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 3) Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei n. 243, de 23 de março de 2004, do Município de Rancharia que “ dispõe sobre a concessão de reajuste dos vencimentos dos funcionários e servidores da Câmara Municipal de Rancharia e dá outras providências”, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei n. 243, de 23 de março de 2004, que “dispõe sobre a concessão de reajuste dos vencimentos dos funcionários e servidores da Câmara Municipal de Rancharia e dá outras providências”, do Município de Rancharia (fls. 09), de autoria do Chefe do Executivo local, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - Fica autorizado ao Chefe do Poder Legislativo Ranchariense conceder reajuste de 15,70%  aos funcionários e servidores da Câmara Municipal de Rancharia.

Art. 2º - As despesas resultantes da execução desta Lei correrão à conta das dotações orçamentárias própria, consignadas ao órgão do Poder Legislativo do Município de Rancharia.

Art.3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos ao 1º dia de fevereiro de 2004”.

II – FUNDAMENTAÇÃO.

Como se sabe, a Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o à organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, de conformidade com o disposto nos seus arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, inciso VI, alínea “c” (Cf. ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, Atlas, 7.ª ed., pág. 261).

Entretanto, a autonomia consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano, mas sim é limitada pelos “princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo” (Cf. DE PLACIDO E SILVA, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Vol. I, 1984, pág. 251), obtendo de JOSE AFONSO DA SILVA a seguinte definição: “...é a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que vem a ser a própria Constituição (Cf. “Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros,  8.ª ed., pág. 545).

Para o referido jurista, a autonomia municipal está assentada nas seguintes capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e também dos Vereadores, (c) autolegislação, mediante a edição de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, e (d) auto-administração ou gestão própria, para manter e prestar os serviços locais (ob. cit., pág. 546).

Logo, nessas quatro capacidades estão compreendidas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização das atividades e serviços públicos locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits.).                                             

Como consectário da autonomia administrativa de que foram dotados, os Municípios brasileiros dispõem de competência para organizar os seus próprios serviços, atendidas as conveniências locais, e, para tanto, “a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, 8.ª ed., pág. 420).

Nada obstante, a autonomia consagrada aos Municípios para a organização dos seus próprios serviços não é ilimitada, encontrando-se sujeita às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e, finalmente, (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao funcionalismo público (HELY..., ob. e loc. cits.).

Pois bem, sob o pretexto de agir nos estritos limites da autonomia administrativa consagrada pela vigente Constituição em favor dos Municípios, o Chefe do Executivo local editou a Lei n. 243, de 23 de março de 2004, daquele Município, que apresenta grave vício formal, decorrente justamente da participação do Executivo no processo legislativo, a despeito de a lei em comento tratar de matéria de competência exclusiva do Legislativo, de conformidade com o disposto nos arts. 19, ‘caput’, e 20, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo.

Deveras, no seu art. 19, ‘caput’, a Carta Política Estadual reza que: “Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas aquelas previstas no seu art. 20 (‘...a organização de sua Secretaria, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias’), porquanto se referem a assuntos que são de alçada exclusiva da Assembléia Legislativa.

A participação do Executivo em etapa do processo legislativo que resultou na edição da Lei n.º 243, de 23 de março de 2004, não pode ser considerada indiferente ao ordenamento jurídico-constitucional; na prática, isto significa que a Câmara renunciou a sua prerrogativa de dispor livremente sobre matéria que é de sua exclusiva competência, num grave atentado ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no art. 5.º, ‘caput’, da Constituição Paulista, lembrando sempre que, conforme advertência de HELY LOPES MEIRELLES (Cf. “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 9.ª ed., pág. 530), a nenhum poder é dado renunciar às prerrogativas institucionais, inerentes a sua função, tampouco aquiescer com que outro poder as exerça.

Decorre, daí, que a Lei Municipal n.º 243, de 23 de março de 2004, de Rancharia, é formalmente inconstitucional porque o Poder Executivo participou do processo de sua formação, apesar de se referir a matéria que é de competência exclusiva da Câmara, tendo sido elaborada, portanto, em frontal desacordo com os arts. 5.º, 19, ‘caput’, e 20, inciso III, da Carta Paulista.

Ao depois, referida lei, igualmente padece de inconstitucionalidade, porquanto fere o disposto no art. 115, incisos XI e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, na medida em que desequipara a remuneração dos servidores do Legislativo e do Executivo.

Isto porque, a Lei n. 256, de 27 de abril de 2004, de Rancharia (fls. 08), concedeu o reajuste de 9% (nove por cento) aos atuais valores de vencimentos, salários, proventos e pensões dos servidores ativos, inativos, pensionistas e funcionários do Município (art.1º), ao passo que a Lei impugnada, como já mencionado,  concedeu reajuste de 15,70% aos funcionários e servidores da Câmara Municipal de Rancharia (art. 1º).

Observe-se que o art. 115, inciso XI da Constituição do Estado, prevê a adoção de índice único,  e sua aplicação sempre na mesma data.

Não pode ser geral uma revisão valida apenas para uma parte dos servidores, como faz a lei impugnada, reajustando a maior os vencimentos dos funcionários do Legislativo, contradizendo seus próprios termos e desatendendo o disposto no art. 115, XI da Constituição do Estado, que prevê a adoção de índice idêntico para todos os servidores. 

III- CONCLUSÃO E PEDIDO.

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei n. 243, de 23 de março de 2004, que “dispõe sobre a concessão de reajuste dos vencimentos dos funcionários e servidores da Câmara Municipal de Rancharia e dá outras providências”, do Município de Rancharia.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 03 de maio de 2010.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 5.692/10

Interessado: Promotoria de Justiça de Rancharia

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei  nº 243, de 23 de março de 2004, do Município de Rancharia.

 

 

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 243, de 23 de março de 2004, do Município de Rancharia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                    São Paulo, 03 de maio de 2010.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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