Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São
Paulo.
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual n.º 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em
conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da
Constituição Federal, e nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com base nos elementos de informação constantes
do incluso protocolado (PGJ n.º 51.177/07), vem, respeitosamente, perante esse EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Municipal n. 28/2007, do Município de Nova
Granada, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:
1. Do ato normativo impugnado.
A Lei Municipal em questão instituiu
gratificação aos funcionários estatutários, celetistas, comissionados daquela
prefeitura municipal, tem a presente redação:
“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder gratificação de
10% (dez por cento) a 80%(oitenta por cento), sob o salário base do servidor
municipal.
§1º
- As Gratificações previstas neste artigo incidirão sobre o salário base da
tabela de Vencimentos e Salários vigente para o funcionalismo público municipal
na forma estabelecida nesta Lei e somente será devida enquanto durar o
exercício, não podendo ser computado para o cálculo de nenhuma outra vantagem.
§2º - Fica vedado a Gratificação de que cuida esta Lei para os aposentados
e pensionistas.
§3º - As Gratificações de que trata esta Lei não se constituirão em parcelas
incorporáveis ao vencimento do servidor para nenhum efeito e nem serão
considerados para cálculo de valores de benefícios a serem pagos pelo Regime de
Previdências.
Art. 2º - Para a obtenção da Gratificação de que trata o art. 1º desta
lei, deverão ser obedecidos os seguintes
critérios:
a) Pontualidade;
b) Assiduidade;
c) Criatividade;
d) Participação;
e) Comportamento;
f) Escrituração de Documento;
g) Relacionamento Pessoal;
h) Atendimento ao Público;
i) Atualização de Prontuário;
j) Ética Profissional.
Art. 3º - A Gratificação de que trata esta Lei, poderá ser concedida
após 90 (noventa) dias de atividades municipais.
Art. 4º - A competência para a concessão da vantagem decorrente da
presente Lei, bem como sua perda, é exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
Art.
5º - As despesas decorrentes da execução da presente lei, correrão por conta de
dotação própria do orçamento vigente, suplementadas se necessário.
Art.
6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Trata-se de lei verticalmente
incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante se
demonstrará.
2. Violação ao princípio da reserva legal.
A Lei Municipal impugnada, ao permitir que o
Chefe do Poder Executivo Municipal atribua gratificações de 10% (dez por cento) até 80% (oitenta por
cento), sob o salário base do servidor municipal, em razão de pontualidade,
assiduidade, criatividade, participação, comportamento, escrituração de
documentos, relacionamento pessoal, atendimento ao público, atualização de
prontuário e ética profissional, viola o princípio da reserva legal em matéria
de fixação de remuneração e vantagens para servidores públicos, previsto no
artigo 111 e no artigo 24, § 2º, nº 1, ambos da Constituição do Estado,
aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144 da Constituição Paulista.
A idéia de legalidade nos
atos da Administração, contemplada nos dispositivos acima referidos, da
Constituição do Estado, tem lastro também no artigo 37 caput, e no respectivo inciso X da CF/88 (redação da EC 19/98),
pelo qual a remuneração dos servidores
públicos e o subsídio de que trata o § 4º do artigo 39 somente poderão ser
fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em
cada caso, assegurada a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem
distinção de índices.
A propósito da
reserva de lei em matéria de remuneração de servidores públicos já se
pronunciou o Pretório Excelso:
Em tema de remuneração dos servidores públicos,
estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de
remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei
específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade
formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da
Câmara dos Deputados. Cautelar deferida (ADIn 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso,
j. em 16-12-04, DJ de 1º-2-05).
Este também é o entendimento
da doutrina, anotando Hely Lopes Meirelles que “(...) os vencimentos –padrão e
vantagens– só por lei específica (reserva legal específica) podem ser fixados
ou alterados (art. 37, X), segundo as conveniências e possibilidades da
Administração” (Direito administrativo
brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2007, p. 483). No mesmo sentido são as
ponderações de Celso Antônio Bandeira de Mello, em Curso de direito administrativo, São Paulo, Malheiros, 2000, p. 239.
Assim, ao permitir que a
fixação de vantagens decorra não de lei, mas de ato administrativo do próprio
Poder Executivo, o Legislador Municipal delegou função indelegável –de
legislar–, violando o princípio da reserva legal que vigora nessa matéria.
3) Violação da moralidade administrativa.
A Lei Municipal impugnada,
também viola o princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo 111
da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 da
Carta Paulista.
Em oportuna síntese, anota
Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se
verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela
se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os
bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de
equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da
moralidade administrativa” (Direito
Administrativo, São Paulo, Atlas,
2006, p. 94).
Não há dúvida de que, na
hipótese, houve ofensa à moralidade administrativa. O legislador municipal
optou por consagrar a liberdade mais ampla possível para que o Chefe do
Executivo, por simples ato administrativo, possa determinar a fixação de
gratificação de 10% (dez por cento) até 80% (oitenta por cento), sob o salário base do
servidor municipal, “em razão de
pontualidade, assiduidade, criatividade, participação, comportamento,
escrituração de documentos, relacionamento pessoal, atendimento ao público,
atualização de prontuário e ética profissional,produtividade”.
Tamanha liberdade de ação
administrativa não é discricionariedade, mas arbítrio. Contraria a necessidade
de respeito a valores imanentes à gestão de verbas públicas e abre ensejo para
favorecimentos que não se coadunam com a administração de recursos que, em
última análise pertencem à própria sociedade local.
A solução fere uma concepção
mais ampla de justiça e eqüidade, e por isso ofende a moralidade
administrativa. Aliás, o deixar a Lei a
critério do Prefeito Municipal a avaliação da assiduidade, criatividade,
participação, comportamento, escrituração de documentos, relacionamento
pessoal, atendimento ao público, atualização de prontuário e ética profissional,
não estabelece qualquer critério
objetivo para que as aludidas gratificações sejam concedidas.
4. Violação do princípio da impessoalidade.
A Lei Municipal impugnada
colide, além do mais, com o princípio da impessoalidade, assentado no artigo
111 da Constituição do Estado de São Paulo.
Como bem anotou Celso Antônio
Bandeira de Mello, neste princípio “se traduz a idéia de que a Administração
tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou
detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou
animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação
administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de
qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da
igualdade ou isonomia” (op. cit., p. 84).
No caso em exame, verifica-se
ainda a violação ao princípio da impessoalidade. O absoluto subjetivismo na
concessão do benefício previsto na lei
impugnada demonstra que essa faculdade do administrador se presta a
servir como instrumento para a instituição de benefícios indevidos em favor
daqueles que ostentem relações pessoais com o gestor público que
momentaneamente esteja no posto de Chefe do Executivo.
A ausência de critérios
objetivos para a fixação do benefício indica claramente a quebra do princípio
da impessoalidade, que deve imperar no âmbito da Administração Pública.
5. Violação do princípio da razoabilidade.
Foi violado também o princípio da
razoabilidade, que encontra assento no artigo 111 e no artigo 128 da
Constituição do Estado de São Paulo.
Note-se que o artigo 128 da Carta
Paulista determina expressamente que as
vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando
atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
A Lei cria a possibilidade de fixação de
gratificação especial para hipóteses absolutamente indefinidas. Releva, a propósito, a lacônica menção à “criatividade, participação, comportamento,
escrituração de documentos, relacionamento pessoal, atendimento ao público,
atualização de prontuário e ética profissional”.
Essa abertura de
possibilidades sem qualquer indicação hipotética de real necessidade demonstra
que a solução prevista na lei fere o princípio da razoabilidade, ao criar um
ônus desnecessário, inapropriado, e descabido para a Administração Pública. Nem
se pode afirmar que a fixação de gratificações, nestes termos, por atos
administrativos, atenderá à necessidade de respeito ao interesse público e às
exigências do serviço.
Como
anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a
afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins”, tendo
importância tanto quando da criação da norma como quando de sua aplicação.
Ademais, prossegue o autor, “o princípio da proporcionalidade, uma vez admitido
como um princípio substantivo autônomo, como é considerado na doutrina alemã do
Direito Público, e não apenas com o sentido estrito contido no conceito de
razoabilidade, prescreve, especificamente, o justo equilíbrio entre os sacrifícios
e os benefícios resultantes da ação do Estado” (Curso de direito administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.
101). Também neste sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (op. cit., p. 95).
Ainda em sede doutrinária,
Gilmar Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da
proporcionalidade pelo Pretório Excelso, anotou “de maneira inequívoca a
possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua
dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim
perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção
entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (“A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, em Direitos fundamentais e controle de
constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83).
Era mesmo perfeitamente
dispensável a previsão legal impugnada, pois a instituição de vantagens
pessoais para servidores estava a exigir a edição de lei, strictu senso. De resto, não bastasse a inadequada previsão
normativa, vê-se a imposição de ônus desproporcional entre o interesse público
e o objetivo perseguido: dar ao Chefe do Executivo ampla liberdade para
beneficiar servidores de sua livre escolha com gratificação –estarrecedora– pelo simples cumprimento do dever.
Daí a violação aos artigos
111 e 128 da Constituição do Estado de São Paulo.
6. Da liminar.
Estão presentes, na hipótese
examinada, os pressupostos do fumus bonis
iuris e do periculum in mora, a
justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo
impugnado.
A razoável fundamentação
jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma
clara, que a Lei impugnada na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre
especialmente da idéia de que, em que
pese não se tratar de diploma recente, sem a imediata suspensão da vigência
e eficácia do ato normativo questionado, subsistirá a possibilidade de que o
Chefe do Executivo continue a fixar gratificações de forma absolutamente
ilícita, nos moldes previstos na lei impugnada. Não há dúvida de que efetuados
os pagamentos, e sendo ulteriormente reconhecida a inconstitucionalidade do
dispositivo, haverá grande dificuldade para reposição dos valores pagos
indevidamente, exigindo, possivelmente, propositura de inúmeras ações de
repetição em juízo.
É nítida a ocorrência da
hipótese do fato consumado: com repercussão concreta, guarda relevância para a
apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de
inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões
declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão
da eficácia da Lei questionada, cuja inconstitucionalidade é palpável, evitará
maiores prejuízos, além daqueles que já sofridos até o momento.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIn-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIn-
MC 568, RTJ 138/64;
ADIn-MC 493, RTJ 142/52; ADIn-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se
a concessão da liminar, para fins de suspensão
imediata da eficácia do ato normativo impugnado.
7. Conclusão e pedido.
Por todo o exposto,
evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade do
dispositivo legal antes indicado.
Assim,
aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para
que seja ao final julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da
Lei Municipal n. 28, de 02 de maio de
2007, do Município de Nova Granada.
Requer-se ainda sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal de Nova Granada, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o
ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se
vista para fins de manifestação final.
São
Paulo, 25 de abril de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA