Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 59.179/2011

Objeto: Lei Municipal n. 2.770, de 22 de março de 2011, do Município de Guararema

 

 

Ementa.  1) Lei Municipal n. 2.770, de 22 de março de 2011, do Município de Guararema, que autoriza o reajuste da remuneração de todos os servidores do Município de Guararema, inclusive proventos de inatividade e dá outras providências. Autoria do Executivo. 2) Violação dos princípios da separação dos poderes e da isonomia (art. 5º da CF e  art. 20, V, e 144, da CE). 3) Propositura de ação direta visando a declaração da inconstitucionalidade da legislação impugnada.

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93 - Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo - art.,125, §2º, e 129,  IV, da Constituição Federal; art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 59.179/2011) vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Municipal n. 2.770, de 22 de março de 2011, do Município de Guararema, pelos fundamentos expostos a seguir

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei n. 2.770, de 22 de março de 2011, do Município de Guararema, que “autoriza o reajuste da remuneração de todos os servidores do Município de Guararema, inclusive os proventos de inatividade e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - Fica autorizado o reajuste da remuneração de todos os servidores de Guararema, concursados e comissionados em 16,20% (dezesseis e vinte centésimos por cento), relativo ao período de variação do IPCA/IBGE (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 04/2008 a 1/2011, que incidirá sobre os salários e demais vantagens previstas na legislação municipal dos servidores do Município de Guararema, constantes dos Anexos III e IV, da Lei Municipal n. 2.751, de 19/11/2010.

Parágrafo único. O reajuste de que trata este artigo será extensivo aos proventos dos inativos.

Art. 2º - Fica autorizada, nos termos do art. 37, inciso X, da Constituição Federal, a revisão em 11,40% (onze e quarenta centésimo por cento), relativa ao período de variação do IPCA/IBGE (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 01/2009 a 01/2011, dos subsídios dos Secretários Municipais e Procurador Geral, que passam a ter o valor de R$ 8.124,84 (oito mil, cento e vinte e quatro reais e oitenta e quatro centavos), e dos Secretários Municipais Adjuntos e Procurador Adjunto, que passam a ter o valor de R$ 6.479,18 (seis mil, quatrocentos e setenta e nove reais e dezoito centavos).

Art. 3º - Fica o Poder Executivo autorizado a abrir Crédito Adicional Suplementar às dotações constantes do orçamento para atender as despesas com pessoal e encargos de que trata esta Lei, até o limite de R$ 3.900.000,00 (três milhões e novecentos mil reais).

Art. 4º - O crédito de que trata o art. 3º será coberto com recursos provenientes de excesso de arrecadação, conforme Demonstrativo que integra a presente Lei.

Art. 5º - As despesas do Poder Legislativo decorrentes da execução da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessárias.

Art. 6º - Altera e atualiza os anexos III e IV da Lei Municipal n. 2.751, de 19 de novembro de 2010, conforme seguem como parte integrante desta Lei e atualiza em 16,2% os valores das tabelas constantes dos anexos I, II, III e IV, da Lei n. 2.571, de 03 de abril de 2009.

Art. 7º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos legais a partir de 1º de março de 2011.

Art. 8º - Revogam-se as disposições em contrário”.

 

2) DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Referida lei, é de autoria do chefe do Poder Executivo.

Ocorre que, nos planos federal, estadual e municipal, compete aos parlamentos fixar e modificar, respectivamente, os subsídios dos Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Secretários Municipais.

Na Constituição Federal, encontram-se as seguintes regras sobre esse tema:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

Art. 28. (...)

§ 2º Os subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado serão fixados por lei de iniciativa da Assembleia Legislativa, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (grifei).

 

Na Constituição Paulista, referidas regras foram reproduzidas para que incidissem nos planos Estadual (art. 20, inc. V) e nos Municípios (art. 144). Confira-se:

“Art. 20 - Compete, exclusivamente, à Assembleia Legislativa:

V - apresentar projeto de lei para fixar, para cada exercício financeiro, os subsídios do Governador, do Vice-Governador, dos Secretários de Estado e dos Deputados Estaduais;

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

 

Daí que decorre do art. 20, inc. V, c.c. o art. 144, da Constituição do Estado competir à Câmara Municipal, com exclusividade, a iniciativa da lei que fixa os subsídios dos Secretários Municipais.

Essa assertiva tem apoio na doutrina.

Falando sobre as atribuições da Câmara Municipal, Hely Lopes Meirelles ensina que a ela compete fixar o subsídio dos vereadores, do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais. Nas suas palavras:

“O subsídio (como agora é denominada a remuneração) desses agentes políticos – vereadores, prefeito, vice-prefeito e secretários municipais – há que ser fixado por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observando o que dispõem os arts. 29, VI, 37, XI, 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, e 153, III, e § 2º, I, da CF” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., atual., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 711).

Mais adiante, acrescenta:

“Desde a EC 19, de 1998, o art. 29, V, da CF prevê a fixação do subsídio para os secretários municipais nos mesmos moldes constitucionalmente estabelecidos para o prefeito e o vice-prefeito” (idem, ibidem, p. 713).

 

De outro giro, esse C. Órgão Especial admite ser aplicável à matéria o princípio do paralelismo ou simetria e, com esse fundamento, conheceu de ADIN ajuizada por Prefeito, com indicação de parâmetro de controle contido na Carta Paulista, e afirmou a constitucionalidade de lei de iniciativa do Poder Legislativo que fixava a remuneração de Diretores Municipais, compreendidos, no caso examinado, como verdadeiros Secretários.

Eis a ementa do julgado:

Ação direta de inconstitucionalidade – Ato normativo municipal de iniciativa de vereador e que fixa a remuneração dos diretores municipais, que, em verdade, são secretários – norma que se encontra em consonância com a Constituição Estadual e também com a própria Constituição da República – Inteligência do art. 24, § 1º, “3”, da Constituição Bandeirante aplicável ao caso, pelo princípio da simetria – Ação improcedente, cassada a liminar (ADIN nº 164.491-0/7, rel. Des. A. C. MATHIAS COLTRO, j. 22 Out. 2008).

 

A regra constitucional invocada como fundamento da presente demanda é, na verdade, um princípio extensível, ou seja, norma comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

        E, por força do art. 144 da Constituição do Estado, de observância obrigatória no poder de organização local, e, tendo sido desatendida pelo legislador de Guararema/SP, enseja a declaração de inconstitucionalidade da lei objurgada, ainda que trate de revisão geral anual dos subsídios dos Secretários Municipais.

         2.2 DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 

         A Lei em questão, também, é inconstitucional por violar o princípio da isonomia.

 

         Isto porque, prevê reajuste de remuneração com percentuais diferentes em relação aos subsídios dos Secretários Municipais, Procurador-Geral, Secretários Municipais Adjuntos e do Procurador Adjunto (11,40% do IPCA/IBGE) e dos demais funcionários públicos municipais, concursados ou comissionados, e inativos (16,20% do IPCA/IBGE).

 

         Isso significa violação ao princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição do Estado.

 

        O princípio da igualdade, em sua verdadeira acepção, significa tratar igualmente situações iguais, e de forma diferenciada situações desiguais.

 

         Daí ser possível aduzir que viola o princípio da igualdade tanto o tratamento desigual para situações idênticas, como o tratamento idêntico para situações que são diferenciadas.

 

         Como anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 35).

 

         Esse é o sentido do princípio da isonomia, salientado por José Afonso da Silva, ao afirmar que “a realização da igualdade perante a justiça, assim, exige a busca da igualização de condições dos desiguais” (Curso de direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 215).

 

            A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois, a igualdade pressupõe um juízo de valor, e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

 

            Além disso, no constitucionalismo moderno “a função de impulso e a natureza dirigente do princípio da igualdade aponta para as leis como um meio de aperfeiçoamento da igualdade através da eliminação das desigualdades fácticas” (J.J. Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 2ª ed., Coimbra editora, 2001, p. 383).

 

            O que o princípio em verdade veda é que a lei vincule uma “consequência a um fato que não justifica tal ligação”, pois, o vício de inconstitucionalidade por violação da isonomia deve incidir quando a norma que promove diferenciações sem que haja “tratamento razoável, equitativo, aos sujeitos envolvidos” (Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 18ª ed. São Paulo, Saraiva, 1997, p. 181/182).

 

            A valoração daquilo que constitui o conteúdo jurídico do princípio constitucional da igualdade, ou seja, a vedação de uma “regulação desigual de fatos iguais” (cf. Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, tradução da 20ª ed. alemã, por Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 1998, p. 330), deve ser realizada caso a caso, com base na razoabilidade e proporcionalidade na análise dos valores envolvidos, pois “não há uma resposta de uma vez para sempre estabelecida” (ob. cit., p. 331).

 

            Em outras palavras, além do aspecto negativo do princípio, como vedação de tratamento desigual a situações e pessoas em condição similar, traz conotação positiva, para conceder ao legislador a missão de, pela elaboração normativa, com parâmetro nos obstáculos e desigualdades reais, equiparar, ou equilibrar situações, materializando efetivamente o conteúdo concreto da isonomia. Pela elaboração normativa o legislador poderá afastar óbices de qualquer ordem que limitem a aproximação efetiva daqueles que se encontram sob a égide do ordenamento jurídico (cf. Paolo Biscaretti Di Ruffia, Diritto constituzionale, XV edizione, Napoli, Jovene, 1989, p. 832).

 

         No caso em exame, o que se verifica é a inexistência de qualquer fundamento concreto e razoável para que não se aplique o mesmo percentual de reajuste para todos os funcionários municipais, concursados ou comissionados, e inativos.

 

         Correto concluir, assim, que tendo o legislador tratado de forma diversa pessoas que estão em idêntica situação findou violado o princípio da isonomia, editando norma inconstitucional.

 

         3. DA CONCLUSÃO E PEDIDO

         Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

         Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei n. 2.770, de 22 de março de 2011, do Município de Guararema que “autoriza o reajuste da remuneração de todos os servidores do Município de Guararema, inclusive os proventos de inatividade e dá outras providências”.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de Guararema, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

         Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 17 de outubro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

vlcb

 

 

 

 

 

Protocolado n. 59.179/2011

Objeto: Lei Municipal n. 2.770, de 22 de março de 2011, do Município de Guararema

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 2.770, de 22 de março de 2011, do município de Guararema, que “autoriza o reajuste da remuneração de todos os servidores do Município de Guararema, inclusive os proventos de inatividade e dá outras providências”.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 19 de outubro de 2011.

 

    Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça