EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 59.944/2010

Assunto: Inconstitucionalidade do parágrafo único do Art. 2º da Lei nº 4.333, de 15 de abril de 2010, do Município de Tatuí.

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça, do parágrafo único do Art. 2º da Lei nº 4.333, de 15 de abril de 2010, do Município de Tatuí, que exige a prévia apreciação pela Câmara Municipal do edital e da minuta do contrato de concessão do serviço de transporte público. Caso em que o Poder Legislativo criou instrumento de fiscalização não previsto na Constituição do Estado, impondo ônus e despesa à Administração, com violação do princípio da separação dos poderes. Pedido de declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal, por contrariedade ao art. 5º, CE.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.333, de 15 de abril de 2010, do Município de Tatuí, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A presente ação direta de inconstitucionalidade decorre do acolhimento de representação formulada pelo Prefeito Municipal de Tatuí.

O Alcaide noticiou que elaborou o Projeto de Lei nº 008/10, com o intuito de realizar licitação para delegar, mediante concessão, a operação de ônibus para o transporte público urbano de passageiros.

Na Câmara dos Vereadores, o projeto recebeu emenda, que acrescentou o parágrafo único ao art. 2º, verbis:

Parágrafo único – O edital e a minuta do contrato deverão ser aprovadas pelo Poder Legislativo, no período antecedente à licitação.

Não obstante o veto aposto à referida emenda, esta acabou sendo aprovada, resultando na edição da Lei nº 4.333, de 15 de abril de 2010, do Município de Tatuí, com o acréscimo inquinado.

É possível afirmar, entretanto, que o parágrafo único do art. 2º acrescentado pela Câmara dos Vereadores representa indevida intromissão do Poder Legislativo na gestão do Município, desatendendo ao princípio da separação dos poderes (art. 5º da Constituição do Estado).

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O art. 30, inc. V, da Constituição Federal diz competir ao Município “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.

Quando opta pela delegação do serviço de transporte público por meio de concessão, o Município deve editar lei autorizativa, como a Lei nº 4.333, de 15 de abril de 2010, do Município de Tatuí, ora em análise. O serviço deve ser regulamentado por decreto; o tempo de vigência do contrato e outros pormenores serão objeto do edital (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasi p. 457).

Figura-se inconstitucional, por contrariar o princípio da separação dos poderes, o inusitado mecanismo de fiscalização do Poder Executivo criado pela Vereança.

Com efeito.

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, o princípio da separação dos poderes, nos seguintes termos:

São poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

O princípio da separação dos poderes é o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112).

Nessa sensível relação, destaca-se como relevante a missão do Poder Legislativo de controlar os atos do Poder Executivo, no propalado “sistema de freios e contrapesos”.

Esse controle, todavia, é restrito. Há de ser exercido nos estreitos lindes da previsão constitucional, sob pena de se tornar ilegítimo.

O tema é conhecido do E. Tribunal de Justiça.

O C. Órgão Especial tem firme orientação de que “o Legislativo não pode criar forma de controle interno não previsto na Constituição Estadual, em paralelo ao externo nela consagrado” (ADIN nº 172.909-0/0-00, j. 17.06.2009, rel. desig. Des. PALMA BISSON).

Consolidou jurisprudência no sentido de que:

“A Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos particulares que contratam como a Administração, menos ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo (...). Importa, na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo (art. 5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico constitucional do Estado (art. 144, da Constituição Estadual)” (ADIN nº 135.843.0/7-00, rel. Des. MARCUS ANDRADE).

No caso em análise, a lei impugnada criou mecanismo de controle do Poder Executivo sem paralelo na Constituição Federal, que incide no campo do serviço público, de responsabilidade do Prefeito, mais especificamente no âmbito da delegação do serviço de transporte público.

Desse modo, a norma questionada representa, sem dúvida, ilegítima ingerência da Câmara nos atos de governo e nas prerrogativas do Prefeito, sendo forçoso reconhecer que é violadora do princípio da separação dos poderes.

No mais, a obrigação instituída pela lei – de submeter edital e minuta à prévia aprovação pelo Poder Legislativo no período antecedente à licitação – pode aumentar despesas. Nesse caso, também estaria violado o art. 25 da Carta Bandeirante.

Desse modo, em que pesem os elevados propósitos que inspiraram o legislador, impõe-se reconhecer a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.333/10.

3. PEDIDO DE LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que o dispositivo impugnado na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo impugnado, persisirá o óbice à delegação de serviço público considerado essencial, com dano à população.

A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal no aspecto administrativo.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, ou seja, do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.333/10, do Município de Tatuí, durante o trâmite da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

4. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.333/10, do Município de Tatuí.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 1 de julho de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 59.944/2010

Interessado:  Prefeito do Município de Tatuí

Assunto: Inconstitucionalidade do parágrafo único do Art. 2º da Lei nº 4.333, de 15 de abril de 2010, do Município de Tatuí.

 

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do parágrafo único do Art. 2º da Lei nº 4.333, de 15 de abril de 2010, do Município de Tatuí, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                    São Paulo, 1 de julho de 2010.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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