EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 60.421/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.604, de 11 de maio de 2009, do Município de Votuporanga.

 

Ementa. 1)   Lei  Municipal n.º 4.604, de 11 de maio de 2009, do Município de Votuporanga. 2) Cria nas vias públicas vagas para estacionamento de veículos que objetivam o embarque e desembarque de hóspedes em hotéis e similares. 3) Violação dos arts. 5º, 47, II e XIV e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Inconstitucionalidade constatada. 5) Ação Direta visando à declaração de inconstitucionalidade da norma legal impugnada.

 

 

         O   PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,  no exercício  da  atribuição prevista no artigo 116,     inciso   VI, da Lei Complementar n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto  nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição da República e artigo 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 60.421/09), vem, respeitosamente, promover perante esse Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE  INCONSTITUCIONALIDADE, postulando a  inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.604, de 11 de maio de 2009, do Município de Votuporanga, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor .

 

 

A Câmara Municipal de Votuporanga fez aprovar projeto de lei de autoria parlamentar, sancionada pelo Chefe do Executivo que “dispõe sobre reserva de vagas nas vias públicas para estacionamento de veículos que objetivam o embarque e o desembarque de hóspedes em hotéis e similares”.

Referido ato normativo tem a seguinte redação:

“Art. 1° - Ficam criadas nas vias públicas, vagas para estacionamento de veículos que objetivam o embarque e desembarque de hóspedes em hotéis e similares.

Parágrafo único- As vagas previstas neste artigo serão disponibilizadas pelo setor competente do Poder executivo de forma a facilitar o transporte dos hóspedes e suas bagagens, reservando-se para tanto o período de quinze minutos.

Art. 2º - O Poder Executivo poderá regulamentar esta lei no que couber.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

 

Não resta dúvida de que a lei em tela ofendeu os postulados da Constituição Estadual.  Com efeito, ainda que seja da Câmara Municipal a função precípua de fazer leis, que visem a regular a administração e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 6ª edição, Malheiros Editores, pág.438-439), não compete ao legislativo municipal à administração, de inteira atribuição do Prefeito. A função da Câmara é a de elaborar leis de natureza abstrata, gerais e obrigatórias de conduta.  Já ao Prefeito cabe a prática de atos concretos. As normas de atribuição da Câmara são de cunho geral, ou seja, ditam ao Prefeito normas gerais da Administração.

         Consoante art. 30, incisos I e V, da Constituição da República, compete ao Município a organização de seu trânsito urbano, já que é de seu interesse local.  Ocorre, porém, que as vias públicas se inserem na classificação de bens de uso comum; bens municipais estes, de cuja administração o Município, na pessoa do Prefeito está incumbido.  Por administração de bens, deve entender-se o poder de utilização e conservação das coisas administradas.  Hely Lopes Meirelles lembra que “...os atos triviais de administração, ou seja, de utilização e conservação do patrimônio do Município, independem de autorização especial, ao passo que os de alienação, oneração e aquisição de bens exigem, em regra, lei autorizadora e licitação para o contrato respectivo.”  

         O Prefeito enquanto chefe do Poder Executivo exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas. Entre os atos de administração ordinária, pode o prefeito ter qualquer atuação voltada para a “conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens rendas ou serviços públicos” . 

         É da atribuição, pois, do prefeito administrar os bens públicos, conservando-os e utilizando-os.  Tais atos se inserem na condução ordinária da Administração, não sendo possível assim, que a Câmara Municipal interfira na competência do prefeito, editando lei que interfere na gestão do trânsito e tráfego local com criação de vagas em vias públicas para estacionamento de veículos que objetivem o embarque e o desembarque de hóspedes em hotéis e similares, pelo período de quinze minutos.

Tamanho significado apresenta esse sistema de separação das funções estatais, em nosso ordenamento jurídico, que a própria Constituição Federal, no seu art. 60, § 4.º, inciso III, cuidou de incorporá-lo ao seu núcleo intangível, ao dispor expressamente que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a aboli-lo.” 

Vistos esses aspectos, tem-se no caso sob exame que a Câmara de Vereadores de Votuporanga aprovou a Lei n.º 4. 604/2009, derivada de projeto de iniciativa parlamentar, com nítida  vocação Administrativa típica, o que não pode ser admitido.

Logo, se a iniciativa em exame for considerada válida – o que corresponde, na prática, a uma tentativa de restabelecer-se o sistema que vigorava ao tempo das Comunas -, ocorrerá  uma  hipertrofia do Legislativo, que sempre poderá impor suas  vontades ao Executivo, por meio da edição de leis , criando uma verdadeira relação de subordinação e hierarquia entre os poderes, incompatível com o sistema adotado pela Constituição em vigor, o qual se baseia na independência e harmonia entre os poderes, cuja observância é vital para a preservação do Estado de Direito.

Na ordem constitucional vigente, como anotado em tópico precedente, não existe a mínima possibilidade de a administração municipal ser exercida pela Câmara, por intermédio da edição de leis. Em relação a esse aspecto, aliás, não paira nenhuma controvérsia, uma vez que a atual Constituição é suficientemente clara ao atribuir ao Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários Municipais, a direção superior da administração municipal (CE., art. 47, inciso II) e a praticar os atos de administração, nos limites de sua competência (CE., art. 47, inciso XIV).

Bem por isso, ELIVAL DA SILVA RAMOS adverte que:

“Sob a vigência de Constituições que agasalham o princípio da separação de Poderes, no entanto, não é lícito ao Parlamento editar, a seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e individualizante. A regra é a de que as leis devem corresponder ao exercício da função legislativa. A edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que, embora fluindo das fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de generalidade e abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade substancial.” (“A Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194).

 

 

Restando caracterizada a violação de preceitos contidos na Constituição do Estado de São Paulo, a saber, aos arts. 5°, 47, incs. II e XIV e 144, merece a Lei n°  4. 604/2009, ser extirpada do mundo jurídico.

 Isto posto, requeiro seja a presente  ação devidamente processada,  requisitando-se informações ao Presidente da Câmara Municipal de Votuporanga e ao Prefeito deste mesmo Município, bem como citando-se o Procurador-Geral do Estado.

Ainda,   requer-se  que  ao  final  seja a presente  ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, de sorte a que seja declarada inconstitucional a Lei n° 4.604, de 11 de maio de 2009, do Município de Votuporanga.

                    

                             São Paulo,  29 de julho de 2009.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 60.421/2009

Interessado:  Promotoria de Justiça de Votuporanga

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.604, de 11 de maio de 2009, do Município de Votuporanga.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Municipal n. 4.604, de 11 de maio de 2009, do Município de Votuporanga, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                   São Paulo, 29 de julho de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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