Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no
exercício da atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar
n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto nos
artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal e artigo 74,
inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, vem, respeitosamente,
promover perante esse Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
relação à Lei Municipal n.º 7.025, de 31
de março de 2008, do Município de Jundiaí, que “Veda nos serviços de saúde
pública distribuir contraceptivos de urgência” por malferir os artigos 1.º, 5.º, 24, 111, 144, 219, parágrafo
único e 233, V, da Constituição do Estado, pelos motivos e fundamentos a
seguir expostos.
1. A Lei
n.º 7.035, de 31 de março de 2008, do Município de Jundiaí, tem a seguinte
redação:
“LEI N.° 7.035, DE 31 DE MARÇO DE 2008
VEDA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA DISTRIBUIR
CONTRACEPTIVOS DE URGÊNCIA
“Art. 1.º Nos serviços de saúde pública não se
distribuirão contraceptivos de urgência.
§1º - Considera-se contraceptivo de urgência:
I- o levenorgestrel;
II- as substâncias similares.
§2º - Consideram-se serviços de saúde pública;
I- as repartições públicas competentes;
II- as instituições privadas de prestação de atendimento
correlato, coligadas ao Município por contrato, convênio, subvenção e auxílio
financeiro e material de qualquer natureza.
Art. 2º - Ao infrator aplicar-se-ão as sanções
regulamentares.
Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.”
(autoria: Vereador Cláudio Ernani Marcondes de Miranda)
2. Como
se vê, o dispositivo legal -- de
iniciativa de vereador -- malfere vários princípios constitucionais eis
que:
a) disciplinou assunto que se insere na
competência legislativa (concorrente)
da União e dos Estados Federados, (art. 24, XII - proteção e defesa da saúde), bem assim na competência material da União e dos Estados para a formulação e execução de políticas globais
de atendimento e procedimentos referentes à Saúde (art. 200, I, da Constituição da República, artigos 219, parágrafo único
e art. 223, V, da Constituição do Estado de São Paulo), desrespeitando os
artigos 1.º, 24, 111 e 144, 219, parágrafo único e 223, V, da Constituição do
Estado; e
b) lei de iniciativa de vereadores,
violou o princípio da separação de
poderes (art. 5.º da Constituição do Estado).
De
fato, assim dispõem as referidas normas constitucionais:
“Art.
1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil,
exerce as competências que não
lhe são vedadas pela Constituição Federal.
Art.
5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.
Art.
24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro
ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de
Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição.
§
2º - Compete, exclusivamente, ao
Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
1
- criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração
direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;
2
- criação das Secretarias de Estado
Art.
111 - A administração pública direta, indireta ou funcional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade,
finalidade, motivação e interesse
público.
Art. 144 - Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos
os princípios estabelecidos na Constituição Federal
e nesta Constituição.
Art.
219 - A saúde é direito de todos e dever do Estado.
Parágrafo
único - Os Poderes Públicos Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde
mediante:
1
- políticas sociais, econômicas e ambientais que visem ao bem-estar físico,
mental e social do indivíduo e da coletividade e à redução do risco de doenças
e outros agravos;
Art.
223 - Compete ao sistema único de saúde,
nos termos da lei, além de outras atribuições:
(...)
V
- a organização, fiscalização e controle da produção e distribuição dos componentes farmacêuticos básicos, medicamentos, produtos
químicos, biotecnológicos, imunobiológicos, hemoderivados e outros de
interesse para a saúde, facilitando à população o acesso a eles (...)''
Os
parâmetros da Constituição da República referidos
pela Constituição do Estado (art. 1.º e 144) são:
“Art.
1.º A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
democrático de direito e tem como fundamentos (...)
Art.
24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
XII
- previdência social, proteção e
defesa da saúde;
Art.
200 - Ao sistema único de saúde compete,
além de outras atribuições, nos termos da lei:
I
- controlar e fiscalizar
procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e
participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos (...)''
3. A Lei Municipal n.º 7.025, 31 de março de
2008, do Município de Jundiaí, invadiu, inconstitucionalmente, área de competência legislativa da União e dos Estados (legislar sobre políticas
públicas de saúde) e da competência material dos mesmos, ou seja, a de formular
e executar as políticas públicas globais em termos de Saúde Pública. Tratou de
assunto que, sequer de longe, pode-se afirmar como de ''interesse local'': A
Constituição da República é clara, ao prever que aos Municípios somente:
‘Art.
30 - Compete aos Municípios:
I
- legislar sobre assuntos de interesse
local;
II
- suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber (...)’
4. A distribuição de
pílulas chamadas de ''anticoncepção de
emergência'' é tema que não se
insere na cláusula do ''interesse local'' (art. 30, I, da Constituição da
República) sendo, como é obvio, um assunto de interesse geral ou nacional. Sequer competência suplementar, no caso, dispõe o Município (art. 30, II,
da Constituição da República), pois, como explica Fernanda Dias Menezes de Almeida,
''...só cabe a suplementação em assuntos
que digam respeito ao interesse local. Nenhum sentido haveria, por exemplo,
Sobremais,
não se pode esquecer que o Município somente pode suplementar a competência
privativa de outros entes federados, quando
necessário ao exercício de sua competência material privativa, o que não é
o caso, obviamente. Diz a mesma autora que:
'(...)
terá cabimento a legislação municipal suplementar quando o exercício da
competência material privativa do Município depender da observância de
normação heterônoma. Isto poderá ocorrer em relação à legislação federal e à
legislação estadual. Quanto à legislação federal, o Município complementará ou
suprirá normas gerais da União ao exercer, por exemplo, a competência privativa
de instituir os próprios tributos. De fato, a instituição de tributos, por
qualquer das esferas, se deve pautar pelas normas gerais de Direito Tributário
postas pela União. Nesse caso, o Município estabelecerá as normas tributárias
específicas (competência complementar) e poderá até mesmo editar normas
gerais, admitindo-se, em tese, que à União se omita em expedi-las (competência
supletiva). É possível ainda a legislação suplementar do Município nas
hipóteses em que, para o atendimento de competência material privativa, o
Município tenha que observar lei federal que à União caiba editar no exercício
de sua competência legislativa plena.'
E
tanto a União como o Estado de São Paulo exerceram sua competência legislativa
na matéria. Somente na órbita da União existe a Lei Federal n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, a dispor sobre as ações, coordenadas e
planejadas do Sistema Único de Saúde -
SUS, bem assim a Lei Federal n.º 9.782, de 26 de janeiro de 1999, a criar o Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
5. O medicamento citado
nesta ação (''anticoncepcional de emergência'') teve sua comercialização
autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Caso os motivos da
proibição estejam ligados a credo religioso, com a indicação de que tais
medicamentos seriam abortivos, já se afirma que não há qualquer fundamentação científica
mais séria para tal afirmação; e a convicção religiosa, por mais respeitável
que seja, não pode se transmudar em dever (lei); o Estado brasileiro é laico e
garante aos nacionais os seus direitos independentemente de convicção religiosa
(art. 5.º,
VIII, da Constituição da República: ''ninguém
será privado de direitos por motivos de crença religiosa...'').
Ademais,
a Constituição da República incentiva a paternidade responsável, estando claro que compete ''...ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito'' (art. 226, §7.º, da Constituição da República).
6. O
Município invadiu tema sobre o qual não dispõe de competência consittucional. REINHOLD
ZIPPELIUS escreve sobre a estrutura de Estado como o nosso que: "O Estado
Federal, é, pois também uma reunião de Estados, mas organizada de tal maneira
que o seu conjunto constitui igualmente um Estado em si mesmo. Esse conjunto das respectivas competências
estatais no Estado Federal acha-se
de tal modo distribuído entre os órgãos do Estado Federal e os dos
diferentes países que o constituem, que o problema da hierarquia dessas
competências fica sempre como que suspenso e
Para
HELY LOPES MEIRELLES: '(...) estabelecida
essa premissa é que se deve partir em busca dos assuntos da competência
municipal, a fim de selecionar os que são e os que não são de seu interesse
local, isto é, aqueles que predominantemente
interessam à atividade local. Seria fastidiosa -- e inútil, por incompleta -- a
apresentação de um elenco casuístico de assuntos de interesse local do
Município, porque a atividade municipal, embora restrita ao território da
Comuna, é multifária nos seus aspectos e variável na sua apresentação, em cada localidade.
Acresce, ainda, notar a existência de matérias que se sujeitam simultaneamente
à regulamentação pelas três ordens estatais, dada sua repercussão no âmbito
federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais:
Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de
Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização etc;
regulamentos sanitários municipais). Isso porque sobre cada faceta do assunto há
um interesse predominante de
uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao
Município a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local. Dentre os assuntos
vedados ao Município, por não se enquadrarem no conceito de interesse local, é de se assinalar, a
título exemplificativo, a atividade jurídica, a segurança nacional, o serviço
postal, a energia em geral, a informática, o sistema monetário, a
telecomunicação e outros mais, que, por sua própria natureza e fins,
transcendem o âmbito local." (Direito Municipal Brasileiro, p. 135, Malheiros,
12.ª ed.).
7. Por outro lado, poderiam
os autores da Constituição do Estado, no exercício do Poder Constituinte Decorrente, repetir,
enfadonhamente, as normas de reprodução obrigatória da Constituição
da República, mas preferiram eles, acertadamente diga-se, fórmula sintética
do art. 144, determinando, como não poderia deixar de ser, que os princípios estabelecidos na Constituição
Federal (somente princípios, não regras) devessem ser observados
obrigatoriamente pelos Municípios. Não foi outra a saída encontrada pelos
Constituintes nacionais, por exemplo, com o art. 25 da Constituição da
República, a determinar que os Estados se organizem segundo os princípios da Constituição da
República, sem explicitá-los, também enfadonhamente. Assim:
“Art. 25 - Os Estados
organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta
Constituição.”
Veja-se
a correspondência deste artigo com o art. 144 da Constituição do Estado de São
Paulo (“Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”).
8. Sabe-se que o princípio federativo -- adotado no art.
1.º da Constituição do Estado de São Paulo -- é ''...a rigor, um grande sistema de repartição de
competências', sendo esta 'a chave
da estrutura do poder federal' ou 'a grande questão do federalismo', e
ainda 'um problema tipicamente do estado federal''' (RAUL MACHADO HORTA E DURAND,
citados por FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA).
Com
KLAUS STERN ve-se que: ‘
9. A doutrina já resolveu a
questão dos princípios que devem os Estados observar (o que, obviamente, aplica-se aos Municípios, já agora por força do
art. 144 da Constituição do Estado). Ao comentar sobre o conteúdo do art. 25 da
Constituição da República, a direcionar as competências dos Estados (como o
art. 144 da Constituição do Estado condiciona as competências dos Municípios), MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO refere-se à existência das ‘regras de preordenação institucional’, ‘regras de extensão normativa’
e ‘regras de subordinação normativa’, inseridas na Constituição da
República, vinculantes para os demais entes políticos, nestes termos:
“(...)
Ainda cerceiam a autonomia dos Estados regras
de subordinação normativa.
São estas as que, presentes na própria Constituição Federal e direcionadas por
ela a todos os entes federativos (União, Estados, Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que
será editada por eles. E isto, ou orientando
positivamente tal conteúdo (mandando que siga determinada linha), ou negativamente (proibindo que adote certas normas ou soluções). Exemplo de
tais regras de subordinação normativa é o que decorre do art.
37 da Constituição brasileira,
que preside à atuação da administração pública direta ou indireta. Da mesma
forma, o art. 39 da Constituição direciona diretamente a legislação dos Estados
(bem como do Distrito Federal e dos Municípios) quanto aos servidores públicos. Observe-se que esta subordinação
normativa pode ser direta ou indireta. Ela é direta (e imediata) quando deflui,
sem intermediário, da Constituição Federal e obriga desde logo o legislador. É
indireta (e mediata) quando se faz por meio da legislação federal obrigatória
para os Estados. Esta "subordinação
normativa indireta" ocorre no campo da competência legislativa
concorrente da União e dos Estados (bem como do Distrito Federal), que enuncia
o art. 24 da Constituição brasileira. Com efeito, este artigo confere à União a
competência de "estabelecer normas gerais" (art. 24, § 1.°). Conseqüentemente,
a estas normas gerais se subordinam as que os Estados editarem em vista de suas
peculiaridades (art. 24, §§ 2.°, 3.° e 4.°).” (Comentários à Constituição
Brasileira de 1988, v. I, p. 197, Saraiva, 1997).
10. A norma da Constituição
da República já predefiniu a legislação municipal negativamente proibindo que adote certas normas ou
soluções. Claro
que, apenas por não repetir explicitamente os princípios da Constituição da
República, não significa que os Municípios fiquem livres para -- em uma curiosa
situação então -- dispor de mais poderes constituintes que o Estado (já que não
se discute que, quando a este, seu Poder Constituinte Decorrente é limitado). Trata-se
o artigo 144 da Constituição do Estado de norma
de repetição obrigatória, vale dizer:
“...as normas centrais da Constituição
Federal, tenham elas natureza de princípios constitucionais, de princípios
estabelecidos ou de normas de preordenação, afetam a liberdade criadora do
Poder Constituinte Estadual e acentuam o caráter derivado desse poder. Como
consequência da subordinação à Constituição Federal, que é a matriz do
ordenamento jurídico parcial dos Estados-membros, a atividade do constituinte
estadual se exaure, em grande parte, na elaboração de normas de reprodução, mediante
as quais faz o transporte da Constituição Federal para a Constituição do Estado
das normas centrais, especialmente as situadas no campo das normas de preordenação
A tarefa do constituinte limita-se a inserir aquelas normas no ordenamento
constitucional do estado, por um processo de transplantação. A norma de reprodução não é, para os fins da
autonomia do Estado-membro, simples norma de imitação, frequentemente
encontrada na elaboração constitucional. As normas de imitação exprimem a cópia de técnicas ou de institutos,
por influência da sugestão exercida pelo modelo superior. As normas de reprodução decorrem do caráter compulsório da
norma constitucional superior, enquanto a norma de imitação traduz a adesão
voluntária do constituinte a uma determinada disposição constitucional. (Raul
Machado Horta, Poder constituinte do estado-membro, RDP, 88/5).
11. A repartição de competências é a ‘chave de abóbada’ do sistema federal;
conspurcada aquela conspurca-se este. É o que ocorre no caso dos autos, com a
violação, pelo Município, de princípios constitucionais sensíveis.
12. Por
outro lado, a Lei Municipal n.º 7.025, de
31 de março de 2008, do Município de Jundiaí é de iniciativa de
vereador, violando, igualmente, o princípio da separação de poderes, eis que disciplina e confere atribuições a
órgãos do serviço público -- aqueles integrantes da Rede Pública de Saúde -- sendo
que, neste caso, a iniciativa é privativa do Executivo. Decidiu, a propósito, o
Colendo Supremo Tribunal Federal:
‘AÇAO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE 2.719-1 - ES
RELATOR : MIN.
CARLOS VELLOSO
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da Lei n° 7.157, de 30 de abril de 2002, do Estado do
Espírito Santo. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Senhores
Ministros Marco Aurélio, Presidente, e Moreira Alves, e, neste julgamento, o
Senhor Ministro Nelson Jobim. Presidência do Senhor Ministro limar Galvão,
VicePresidente. Plenário, 20.03.2003.
EMENTA:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE
INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e,
art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo
a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de
órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do
processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do
STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente.’
A
administração da cidade, sabe-se, incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo',
e que tem na lei seu mais relevante instrumento,[1]
participando, sempre, o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os
atos[2].
Proibir
a distribuição de um determinado medicamento ou droga, ato pontual e específico, não está na competência da Câmara
Municipal, que sempre legisla ''in genere''. O Legislativo não emite ''ordens''
ao Poder Executivo, no seu campo específico de atuação (princípio da ''reserva de administração''). Ao que pretende chegar
a Câmara Municipal citada, melhor se denominaria como um sistema diretorial, não presidencial
de governo, que se caracteriza, aquele, essencialmente, ''...pelo fato de que o
órgão político e governamental é a Assembléia (Parlamento, Corpo Legislativo). Esta,
na verdade, é quem toma as decisões de política geral, sob a forma de diretrizes
(além de votar as leis), como é quem elege uma Comissão (Diretório), a qual
desempenha as tarefas do Executivo, juridicamente preso às diretivas emanadas da
Câmara. Esse 'Legislativo' é, assim, e mais que tudo, um Poder 'Deliberativo'.
O Diretório, ou seja, o conjunto de ministros fica incumbido de executar as
decisões desse Poder, cada um no campo de sua competência. Não tem ele,
consequentemente, política própria. Seus membros são, como elegantemente se
diz, comissários da Assembléia, obrigados a fazer o que esta determinar.' [3]
Há
competências claras do Poder Executivo; o princípio da legalidade deve ser, ultrapassado
de há muito o liberalismo, bem compreendido.
Ademais,
a falta de razoabilidade da medida prevista na lei é clara. Ora, proibir a
distribuição de medicamento em Município, sendo que o mesmo produto está à
venda livremente nas farmácias do mesmo Município, não é, sequer minimamente, razoável.
13. DA SUSPENSÃO LIMINAR
Tendo
em vista a imediata vigência da lei, autêntica superfetação de legislação já
existente, a impedir a distribuição de
medicamentos, necessária a liminar. Quando se trata do controle normativo
abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos requisitos concernentes
ao fumus boni juris e ao periculum in mora, o poder geral de
cautela autoriza a suspensão de eficácia de dispositivos legais impugnados, até
o advento da decisão final.
Neste
caso, tais requisitos se fazem presentes, de modo que está translúcida a
conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia dos dispositivos
questionados. De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco,
restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no
contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da
Constituição, o juízo de conveniência
é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes
do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p.
3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ
142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182). É o que se requer.
14. Ante o exposto, é a
presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
para, com a juntada das informações pertinentes do senhor Prefeito Municipal e
Câmara de Vereadores de Jundiaí, seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 7.025, de 31 de março de
2008, do Município de Jundiaí, que “Veda
nos serviços de saúde pública distribuir contraceptivos de emergência”, por
malferir os artigos 1.º,
5.º, 24, 111, 144, 219, parágrafo único e 233, V, da Constituição do Estado, com as comunicações de estilo para sua expulsão do
ordenamento jurídico.
São
Paulo, 25 de junho de 2008
FERNANDO GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
[1] Christian Starck. 'El Concepto de ley en la
constitucion alemana', p. 73, CEC, Madrid, 1979.
[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de
uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um
'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função
legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar
solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo
as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do
Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o admite
- deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O
Legislativo controla o Poder governante também com outros meios (investigações,
comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das
escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.
[3] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 'A
democracia no limiar do Séc. XXI', p. 203, Saraiva.