EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 61.873/2009
Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco.
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos em comissão criados pela Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco.
2) Cargos meramente técnicos ou burocráticos. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 111, art. 115 I, II e V, e art. 144).
3) Inconstitucionalidade
reconhecida.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de
novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129,
inciso IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90,
inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 61.873/2009, que segue como anexo), vem
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de
dispositivos de da Lei Complementar
Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, que criaram cargos de
provimento em comissão, pelos
fundamentos expostos a seguir.
1)Dispositivos impugnados.
A Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de
fevereiro de 2009, de Osasco, em conformidade com a respectiva rubrica, “Dispõe sobre a estrutura da Administração
Superior do Município de Osasco, a criação de cargos de provimento em comissão
e funções gratificadas no âmbito do Poder Executivo Municipal e estabelece
diretrizes para a organização da Administração Municipal”.
Entretanto,
referida lei criou cargos de provimento em comissão que possuem perfil
essencialmente técnico ou burocrático, e deveriam ser providos, em nossa
percepção, mediante concurso público. Nesse sentido, pedimos vênia para
transcrever os dispositivos legais verticalmente incompatíveis com nossa ordem
constitucional, colocando-os em destaque (negrito):
“(...)
Art. 13. São cargos da classe de direção, chefia e assessoramento superiores:
I – Chefe de Gabinete do Prefeito;
II – Secretário Adjunto;
III – Diretor de Departamento;
IV
– Assessor II;
V
– Assessor I;
VI – Coordenador de Programa;
VII
– Chefe de Equipamento Público;
VIII – Chefe de Divisão;
IX
– Chefe de Seção;
X
– Oficial de Gabinete;
XI – Coordenação de Manutenção Urbana;
XII – Supervisão de Manutenção Urbana.
§ 1º. Ficam criados os cargos de Direção, Chefia e Assessoramento Superiores, nas quantidades, com as remunerações e gratificações constantes do anexo III, que faz parte integrante da presente Lei Complementar.
§ 2º. As atribuições dos cargos de classe de direção, chefia e assessoramento a que se refere este artigo estão definidas no anexo IX desta Lei Complementar.
(...)
ANEXO III – Tabela Especificações Cargos CDA
Denominação |
Quantidade |
Assessor
I |
53 |
Assessor
II |
37 |
Chefe
de equipamento público |
200 |
(...) |
|
Chefe
de seção |
481 |
(...) |
|
Oficial
de gabinete |
50 |
(...)
Anexo IV – Atribuições dos cargos classe de direção, chefia e assessoramento superiores.
I – ASSESSOR I:
a) subsidiar as decisões de competência do Prefeito ou dos Secretários, levando em consideração a legislação, a doutrina e a jurisprudência aplicáveis;
b) analisar os feitos e processos administrativos de competência do órgão que prestar serviço e emitir pareceres que subsidiem a decisão de seu superior hierárquico;
c) assessorar os Secretários no desenvolvimento, implantação e acompanhamento de projetos e ações estratégicas do governo;
d) formular e implementar estratégias e mecanismos de integração, desenvolvimento e fortalecimento institucional;
e) disponibilizar informações gerenciais, visando dar suporte ao processo decisório e à supervisão ministerial;
f) exercer outras atividades inerentes à sua área de atuação;
g) desempenhar outras atribuições afins.
II - ASSESSOR II :
a) assessorar o Prefeito e os Secretários nas decisões referentes a assuntos técnicos;
b) proporcionar alternativas sistemáticas ao Prefeito e aos Secretários;
c) possibilitar eficiência e eficácia as decisões administrativas;
d) colaborar na avaliação periódica do andamento das políticas, programas, projetos e atividades das Secretarias e observar o desempenho dos órgãos responsáveis por sua execução;
e) assegurar aos processos de gestão e de tomada de decisão, fluxo continuo de informações atualizadas com objetivo de realimentar sucessivamente as programações e, se necessário corrigir distorções identificadas e fixar novos objetivos a alcançar; e
f) executar, quando determinado, tarefas consideradas excepcionais e/ou extraordinárias as rotinas das pastas;
g) desempenhar outras atribuições afins.
(...)
IV – CHEFE DE EQUIPAMENTO PÚBLICO:
a) dirigir, organizar e supervisionar os recursos e as atividades e serviços da Unidade sobre sua responsabilidade;
b) organizar e fazer cumprir as escalas de trabalho dos servidores lotados na Unidade sob sua responsabilidade;
c) providenciar as ações e procedimentos necessários á realização de planos, projetos e ações programadas pelas Secretarias e acompanhar sua execução;
d) assegurar o acondicionamento e a provisão dos materiais e equipamentos necessários ao funcionamento do serviço;
e) zelar pelas condições e estado de conservação das instalações e equipamentos da Unidade, bem como pela vigilância de suas dependências;
f) organizar e consolidar informações sobre atendimento ao público;
g) desempenhar outras atribuições afins.
(...)
VI – CHEFE DE SEÇÃO:
a) supervisionar, coordenar, controlar e orientar a execução das atividades afetas à Seção e responder pelos encargos atribuídos;
b) orientar a execução das atividades da Seção de acordo com os padrões de qualidade, produtividade e custos, ditados pelas normas, princípios e critérios estabelecidos;
c) emitir parecer nos processos que lhe tenham sido distribuídos pelo superior imediato e nos processos cujos assuntos se relacionem com as atribuições de sua Seção;
d) cooperar com o Chefe imediato em assuntos técnicos ou administrativos;
e) prestar contas, a qualquer tempo, das atividades em execução ou executadas pela Seção;
f) promover reuniões periódicas de coordenação entre seus subordinados, ouvindo sugestões ou discutindo assuntos diretamente ligados às atividades que lhe são afetas;
g) comunicar ao superior imediato quaisquer deficiências ou ocorrências relativas às entidades sob sua responsabilidade, bem como propor alternativas para solucioná-las;
h) zelar pela disciplina nos locais de trabalho e aplicar penalidades aos subordinados, dentro de sua competência e de acordo com a legislação vigente;
i) desempenhar outras atribuições que lhe forem determinadas pelo superior imediato ou por qualquer autoridade legal competente;
j) supervisionar, controlar e orientar as atividades de seus subordinados com o objetivo de manter em bom estado de conservação os prédios, os equipamentos e as instalações sob sua guarda ou responsabilidade e solicitar os reparos necessários;
k) desempenhar outras funções que lhe forem determinadas pela autoridade competente;
l) desempenhar outras atribuições afins.
(...)
X – OFICIAL DE GABINETE:
a) prestar assistência aos gabinetes dos Secretários e Diretores nos assuntos internos da pasta, visando a execução do cumprimento de metas, projetos e planos do gabinete ou diretoria, coletando dados e outras informações relevantes para tomada de decisões;
b) realizar ações de apoio geral que lhe forem atribuídos pelos superiores imediatos;
d) desempenhar outras atribuições afins.
(...)”
Como se verifica, ostentam características de cargos meramente técnicos, a serem providos mediante concurso público, os seguintes: assessor I; assessor II; chefe de equipamento público; chefe de seção; oficial de gabinete.
A tal conclusão se chega: (a) seja por força das atribuições conferidas a tais cargos; (b) seja ainda em função da sua quantidade; (c) bem como pelo respectivo posicionamento na estrutura da administração (em especial quanto a cargos de chefia para unidades situadas em posicionamento subalterno no diagrama institucional da Municipalidade – como no caso dos cargos de “Chefe de equipamento público e de Chefe de Seção”). Tais dados, observados com atenção, são reveladores de que referidos cargos ostentam perfil essencialmente técnico, afigurando-se mais adequado seu provimento mediante concurso público.
Observe-se que, mesmo havendo descrição de certa forma lacônica das atribuições de tais cargos, do respectivo conjunto extrai-se a percepção de que exercem, efetivamente, atividades essencialmente burocráticas.
Nesse sentido note-se, exemplificativamente, na descrição das atribuições contida no Anexo IV da Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, o que segue:
(a) para o cargo de Assessor I há previsão de analise de feitos e processos administrativos, com emissão de pareceres levando em consideração subsídios fornecidos por legislação, doutrina e jurisprudência, o que releva atuação essencialmente técnica;
(b) para o cargo de Assessor II há previsão de colaboração na produção de decisões referentes a assuntos técnicos, propiciar eficiência e eficácia às decisões administrativas; colaboração em avaliação periódica de atividades e órgãos administrativos e responsáveis; assegurar fluxo contínuo de informações; o que também revela atividades nitidamente técnicas;
(c) quanto aos Chefes de Equipamentos Públicos o que se tem, fundamentalmente, são atividades relacionadas ao funcionamento do “Equipamento Público” colocado sob responsabilidade do servidor, bem como o zelo pelas respectivas instalações e dependências, o que também, com a devida vênia, revela atividades essencialmente burocráticas;
(d) com relação aos Chefes de Seção, entre suas atribuições relevam aquelas correlatas à execução de atividades em conformidade com padrões de qualidade, produtividade e custos, ditados por normas, princípios e critérios estabelecidos; emitir pareceres técnicos em processos que lhe sejam distribuídos; cooperar com superiores em assuntos técnicos ou administrativos; manter em bom estado de conservação prédios, equipamentos e instalações. Todas estas são, igualmente, atividades com cunho predominantemente técnico, que dispensam especial relação de confiança, mormente considerando que as Seções cuja Chefia é deferida aos mencionados servidores estão alocadas em posições subalternas no organograma da administração municipal;
(e) finalmente, com relação ao cargo de Oficial de Gabinete, a previsão de atribuição para prestar assistência a superiores, coletando informações relevantes para a tomada de decisões, também é indicativa de função nitidamente técnica e burocrática.
2)Anterior
declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar
Municipal nº 128, de 10 de fevereiro de 2005, de Osasco.
É importante frisar que há pouco tempo, por força de ação direta proposta por esta Procuradoria-Geral de Justiça, esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade de dispositivos legais que criaram cargos de provimento em comissão absolutamente similares àqueles ora impugnados, entre outros.
Na ADI nº 157.950.0/6, rel. des. Debatin Cardoso, foi declarada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º e Anexo VI, da Lei Complementar nº 128, de 10 de fevereiro de 2005, do Município de Osasco, sendo acolhida integralmente a argumentação apresentada em nossa inicial.
Pedimos vênia, nessa oportunidade, para transcrever trecho
da inicial da referida ação direta, a fim de demonstrar que entre os cargos
nela declarados inconstitucionais encontram-se alguns que, mediante nova
denominação, foram reinstituídos pela Lei Complementar nº 180, de 18 de
fevereiro de 2009, ora impugnada.
Eis o trecho relevante da inicial da ADI nº 157.950.0/6:
(...)
1)DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO.
O presente protocolado foi instaurado por força de
representação, na qual se noticiou a criação de cargos de provimento em
comissão no Município de Osasco, por força da Lei Complementar 128, de 10 de
fevereiro de 2005, que “dispõe sobre a
criação, extinção de cargos de provimento em comissão, incorporação do abono
salarial e dá outras providências”.
Eis os dispositivos da referida lei cujo exame se faz
necessário na presente ação direta:
“Art.2º. Ficam criados
os cargos de provimento em comissão, nas quantidades, denominações, vencimento
e gratificações, especificados no anexo VI, que passa a fazer parte integrante
desta lei complementar.
§1º. Fica a tabela
constante do anexo II, da Lei Complementar 06, de 12 de dezembro de
(...)
ANEXO – VI
Cargos de provimento em
comissão.
Denominação |
Quantidade |
Assessor Técnico III |
21 |
Assessor Técnico II |
32 |
Assessor Técnico I |
53 |
Assistente de
Cerimonial |
1 |
Assistente de
Imprensa |
20 |
Assistente de
Secretário |
62 |
Assistente do
Prefeito |
10 |
(...) |
|
Auxiliar de
Administração Regional |
20 |
Auxiliar de Gabinete |
19 |
Chefe de Centro de
Vivência |
10 |
Chefe de Creche |
50 |
Chefe de Divisão |
182 |
(...) |
|
Chefe de Seção |
486 |
Chefe de Unidade de
Saúde |
100 |
Chefe da Junta de
Serviço Militar |
1 |
Coordenador |
3 |
Coordenador de
Administração Regional |
20 |
Coordenador
Educacional |
100 |
(...) |
|
Encarregado de
Serviço |
479 |
(...) |
|
Motorista de Gabinete
|
24 |
Oficial de Gabinete |
24 |
(...) |
|
Secretária |
25 |
(...) |
|
Vice-diretor de
Escola |
70 |
É relevante observar, desde logo, que, nos termos de
informações prestadas pela Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos de
Osasco: (a) o quadro previsto na
Administração Municipal é de 16.698 (dezesseis mil seiscentos e noventa e oito)
cargos de provimento efetivo e 2.030 (dois mil e trinta) cargos de provimento
em comissão; (b) há, em exercício,
8.305 (oito mil trezentos e cinco) servidores que ocupam cargos de provimento
efetivo, e 1.570 (mil quinhentos e setenta) que ocupam cargos de provimento em
comissão, bem como 315 (trezentos e quinze) cargos de provimento em comissão
ocupados por servidores efetivos (fls.189).
É dado relevante, portanto, que: (a) dentro do quadro previsto de servidores, mais de
12% destinam-se a cargos de provimento em comissão; (b) quanto ao quadro existente de servidores, mais de
22,5% são preenchidos, atualmente, por provimento em comissão.
Deste modo, todos os dispositivos e cargos postos em destaque
anteriormente são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional
vigente, em especial com o art.111,
art.115 incisos I, II e V, e art.144, todos da Constituição do Estado de São
Paulo, que têm a seguinte redação
(...)
Aliás, ao menos dois dados concretos, além dos argumentos que
serão expostos nos itens subseqüentes, demonstram claramente a invalidade
jurídico-constitucional dos cargos em comissão listados acima: (a) o fato de
tratar-se de cargos inseridos, em profusão, na estrutura subalterna da
Administração Municipal; (b) a quantidade de cargos em comissão, quando
realizado o cotejo com o total de servidores efetivos no Município, seja no
montante previsto, seja no de fato existente.
É fácil observar, pela quantidade e natureza dos cargos aqui
impugnados, que eles estão situados em
estruturas subalternas da Administração Pública local.
Quanto à proporção de cargos em comissão, como visto acima,
mais de 22% (vinte e dois por cento) dos servidores do Município, atualmente,
são de provimento em comissão. É evidente que se trata de elevada proporção.”
(...)
Em outras palavras, cargos similares aos de Assessor I e II, Chefe de Equipamento Público, Chefe de Seção e Oficial de Gabinete, criados pela Lei Complementar nº 180/2009, e impugnados nesta inicial, já foram declarados inconstitucionais por esse C. Órgão Especial na ADI nº 157.950.0/6.
É bem verdade que, de acordo com informações da Municipalidade, houve redução na proporção de cargos de provimento em comissão, quando se formula a comparação com o quadro anteriormente existente (cf. fls. 302 do protocolado que acompanha esta inicial).
Mas isso não afeta o essencial, ou seja, que os cargos impugnados têm natureza técnica, visto que: (a) suas atribuições sugerem atividades predominantemente técnicas; (b) foram criados em grande quantidade; (c) estão situados em posições subalternas na administração do Município de Osasco, o que afasta a exigência de especial relação de confiança entre os respectivos ocupantes e os agentes políticos integrantes da administração superior da Municipalidade, recomendando, em conformidade com nossa sistemática constitucional, seu provimento mediante concurso público.
3)Incompatibilidade vertical
com o ordenamento constitucional.
Os
cargos postos em destaque anteriormente são verticalmente incompatíveis com a
ordem constitucional vigente, em especial com
o art. 111, art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do
Estado de São Paulo.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta
autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela
Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
A
autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de
auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de
autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras
Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante
competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de
auto-administração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse
local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 591).
Nas
quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política
(capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c)
autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços
locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e
aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de
José Afonso da Silva (ob. cit., p. 591).
Para
que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos,
empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras,
vencimentos, entre outras questões, estruturando-se adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, na Administração Pública, deve ser o preenchimento dos cargos através de
concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a
acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I da Constituição Federal;
bem como no art. 115, I da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser
a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
administrativa e política.
Há
implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão,
visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência
constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes
artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e
administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência
constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33ª
ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria
natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança
e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão
necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se
desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não
poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua
confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito
administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p.
É a
natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o
imprescindível “vínculo de confiança” (cf.
Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5ª ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo
legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais
cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o
seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de
pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que
devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo
unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou
aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade
superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem
exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever
elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que
servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No
caso em exame, mormente considerando as atribuições previstas para os cargos
impugnados nesta ação direta, evidencia-se claramente que se destinam ao
desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem,
para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.
Admitir
como válida, do ponto de vista constitucional, a criação de cargos em comissão
que não ostentam os pressupostos para tanto, é dar aos dispositivos constitucionais
que envolvem a regra do concurso e à sua exceção, interpretação equivocada, meramente literal.
Cumpre
recordar que as exceções devem ser interpretadas restritivamente (Carlos
Maximiliano, Aplicação do direito,
18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 225).
Note-se
que os cargos em comissão glosados nesta ação direta revelam postos em que
predominará sempre o conhecimento e aptidão técnica do servidor. Não se
vislumbra, em tais casos, qualquer exigência de especial relação de confiança.
Justifica-se,
deste modo, a afirmação de que tais cargos não são de natureza tal que se
justifique, sob o perfil dos limites constitucionais existentes na matéria em
exame, o provimento em comissão.
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados
desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des.
Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des.
Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel.
des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008,
v.u.).
Cabe
também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na
prática, negativa de vigência ao art.
115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I,
II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art.
144 da Carta Estadual.
4)Pedido de liminar.
Estão
presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a
suspensão dos preceitos indicados, do ato normativo hostilizado.
A
razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a
propositura desta ação direta, antes declinados, especialmente considerando a
existência de anterior ação direta julgada procedente por esse C. Órgão Especial,
na qual cargos similares, do Município de Osasco, foram declarados
inconstitucionais (ADI nº 157.950.0/6, rel. des. Debatin Cardoso).
Quanto
ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a
presunção de constitucionalidade das normas glosadas nesta ação direta, atos
materiais serão realizados no sentido de concretização de suas previsões
normativas, gerando situações cuja reversão ao status quo ante, futuramente, será de considerável grau de
dificuldade.
As
situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido
da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos,
desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado
de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte
Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Requer-se,
destarte, a concessão da liminar, determinando-se a suspensão das normas impugnadas, que criaram os cargos em comissão
glosados nesta ação direta, a fim de que não seja realizada nenhuma nova contratação para tais cargos até o
final julgamento deste feito.
5)Conclusão e pedido.
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei
Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco, que
criaram os seguintes cargos de provimento em comissão; Assessor II; Assessor I; Chefe de
Equipamento Público; Chefe de Seção; e Oficial de Gabinete.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito
Municipal de Osasco, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 24 de novembro de
2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
rbl
Protocolado nº 61.873/2009
Assunto: Inconstitucionalidade
de cargos em comissão criados pela Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de
fevereiro de 2009, de Osasco.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.
3. Cumpra-se.
São Paulo, 24 de novembro de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
rbl