EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 61.873/2009

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco.

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos em comissão criados pela Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco.

2)      Cargos meramente técnicos ou burocráticos. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 111, art. 115 I, II e V, e art. 144).

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 61.873/2009, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de dispositivos de da Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, que criaram cargos de provimento em comissão, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)Dispositivos impugnados.

A Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco, em conformidade com a respectiva rubrica, “Dispõe sobre a estrutura da Administração Superior do Município de Osasco, a criação de cargos de provimento em comissão e funções gratificadas no âmbito do Poder Executivo Municipal e estabelece diretrizes para a organização da Administração Municipal”.

Entretanto, referida lei criou cargos de provimento em comissão que possuem perfil essencialmente técnico ou burocrático, e deveriam ser providos, em nossa percepção, mediante concurso público. Nesse sentido, pedimos vênia para transcrever os dispositivos legais verticalmente incompatíveis com nossa ordem constitucional, colocando-os em destaque (negrito):

“(...)

Art. 13. São cargos da classe de direção, chefia e assessoramento superiores:

I – Chefe de Gabinete do Prefeito;

II – Secretário Adjunto;

III – Diretor de Departamento;

IV – Assessor II;

V – Assessor I;

VI – Coordenador de Programa;

VII – Chefe de Equipamento Público;

VIII – Chefe de Divisão;

IX – Chefe de Seção;

X – Oficial de Gabinete;

XI – Coordenação de Manutenção Urbana;

XII – Supervisão de Manutenção Urbana.

§ 1º. Ficam criados os cargos de Direção, Chefia e Assessoramento Superiores, nas quantidades, com as remunerações e gratificações constantes do anexo III, que faz parte integrante da presente Lei Complementar.

§ 2º. As atribuições dos cargos de classe de direção, chefia e assessoramento a que se refere este artigo estão definidas no anexo IX desta Lei Complementar.

(...)

ANEXO III – Tabela Especificações Cargos CDA

Denominação

Quantidade

Assessor I

53

Assessor II

37

Chefe de equipamento público

200

(...)

 

Chefe de seção

481

(...)

 

Oficial de gabinete

50

(...)

Anexo IV – Atribuições dos cargos classe de direção, chefia e assessoramento superiores.

I – ASSESSOR I:

a) subsidiar as decisões de competência do Prefeito ou dos Secretários, levando em consideração a legislação, a doutrina e a jurisprudência aplicáveis;

b) analisar os feitos e processos administrativos de competência do órgão que prestar serviço e emitir pareceres que subsidiem a decisão de seu superior hierárquico;

c) assessorar os Secretários no desenvolvimento, implantação e acompanhamento de projetos e ações estratégicas do governo;

d) formular e implementar estratégias e mecanismos de integração, desenvolvimento e fortalecimento institucional;

e) disponibilizar informações gerenciais, visando dar suporte ao processo decisório e à supervisão ministerial;

f) exercer outras atividades inerentes à sua área de atuação;

g) desempenhar outras atribuições afins.

II - ASSESSOR II :

a) assessorar o Prefeito e os Secretários nas decisões referentes a assuntos técnicos;

b) proporcionar alternativas sistemáticas ao Prefeito e aos Secretários;

c) possibilitar eficiência e eficácia as decisões administrativas;

d) colaborar na avaliação periódica do andamento das políticas, programas, projetos e atividades das Secretarias e observar o desempenho dos órgãos responsáveis por sua execução;

e) assegurar aos processos de gestão e de tomada de decisão, fluxo continuo de informações atualizadas com objetivo de realimentar sucessivamente as programações e, se necessário corrigir distorções identificadas e fixar novos objetivos a alcançar; e

f) executar, quando determinado, tarefas consideradas excepcionais e/ou extraordinárias as rotinas das pastas;

g) desempenhar outras atribuições afins.

(...)

IV – CHEFE DE EQUIPAMENTO PÚBLICO:

a) dirigir, organizar e supervisionar os recursos e as atividades e serviços da Unidade sobre sua responsabilidade;

b) organizar e fazer cumprir as escalas de trabalho dos servidores lotados na Unidade sob sua responsabilidade;

c) providenciar as ações e procedimentos necessários á realização de planos, projetos e ações programadas pelas Secretarias e acompanhar sua execução;

d) assegurar o acondicionamento e a provisão dos materiais e equipamentos necessários ao funcionamento do serviço;

e) zelar pelas condições e estado de conservação das instalações e equipamentos da Unidade, bem como pela vigilância de suas dependências;

f) organizar e consolidar informações sobre atendimento ao público;

g) desempenhar outras atribuições afins.

(...)

VI – CHEFE DE SEÇÃO:

a) supervisionar, coordenar, controlar e orientar a execução das atividades afetas à Seção e responder pelos encargos atribuídos;

b) orientar a execução das atividades da Seção de acordo com os padrões de qualidade, produtividade e custos, ditados pelas normas, princípios e critérios estabelecidos;

c) emitir parecer nos processos que lhe tenham sido distribuídos pelo superior imediato e nos processos cujos assuntos se relacionem com as atribuições de sua Seção;

d) cooperar com o Chefe imediato em assuntos técnicos ou administrativos;

e) prestar contas, a qualquer tempo, das atividades em execução ou executadas pela Seção;

f) promover reuniões periódicas de coordenação entre seus subordinados, ouvindo sugestões ou discutindo assuntos diretamente ligados às atividades que lhe são afetas;

g) comunicar ao superior imediato quaisquer deficiências ou ocorrências relativas às entidades sob sua responsabilidade, bem como propor alternativas para solucioná-las;

h) zelar pela disciplina nos locais de trabalho e aplicar penalidades aos subordinados, dentro de sua competência e de acordo com a legislação vigente;

i) desempenhar outras atribuições que lhe forem determinadas pelo superior imediato ou por qualquer autoridade legal competente;

j) supervisionar, controlar e orientar as atividades de seus subordinados com o objetivo de manter em bom estado de conservação os prédios, os equipamentos e as instalações sob sua guarda ou responsabilidade e solicitar os reparos necessários;

k) desempenhar outras funções que lhe forem determinadas pela autoridade competente;

l) desempenhar outras atribuições afins.

(...)

X – OFICIAL DE GABINETE:

a) prestar assistência aos gabinetes dos Secretários e Diretores nos assuntos internos da pasta, visando a execução do cumprimento de metas, projetos e planos do gabinete ou diretoria, coletando dados e outras informações relevantes para tomada de decisões;

b) realizar ações de apoio geral que lhe forem atribuídos pelos superiores imediatos;

d) desempenhar outras atribuições afins.

(...)”

Como se verifica, ostentam características de cargos meramente técnicos, a serem providos mediante concurso público, os seguintes: assessor I; assessor II; chefe de equipamento público; chefe de seção; oficial de gabinete.

A tal conclusão se chega: (a) seja por força das atribuições conferidas a tais cargos; (b) seja ainda em função da sua quantidade; (c) bem como pelo respectivo posicionamento na estrutura da administração (em especial quanto a cargos de chefia para unidades situadas em posicionamento subalterno no diagrama institucional da Municipalidade – como no caso dos cargos de “Chefe de equipamento público e de Chefe de Seção”). Tais dados, observados com atenção, são reveladores de que referidos cargos ostentam perfil essencialmente técnico, afigurando-se mais adequado seu provimento mediante concurso público.

Observe-se que, mesmo havendo descrição de certa forma lacônica das atribuições de tais cargos, do respectivo conjunto extrai-se a percepção de que exercem, efetivamente, atividades essencialmente burocráticas.

Nesse sentido note-se, exemplificativamente, na descrição das atribuições contida no Anexo IV da Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, o que segue:

(a) para o cargo de Assessor I há previsão de analise de feitos e processos administrativos, com emissão de pareceres levando em consideração subsídios fornecidos por legislação, doutrina e jurisprudência, o que releva atuação essencialmente técnica;

(b) para o cargo de Assessor II há previsão de colaboração na produção de decisões referentes a assuntos técnicos, propiciar eficiência e eficácia às decisões administrativas; colaboração em avaliação periódica de atividades e órgãos administrativos e responsáveis; assegurar fluxo contínuo de informações; o que também revela atividades nitidamente técnicas;

(c) quanto aos Chefes de Equipamentos Públicos o que se tem, fundamentalmente, são atividades relacionadas ao funcionamento do “Equipamento Público” colocado sob responsabilidade do servidor, bem como o zelo pelas respectivas instalações e dependências, o que também, com a devida vênia, revela atividades essencialmente burocráticas;

(d) com relação aos Chefes de Seção, entre suas atribuições relevam aquelas correlatas à execução de atividades em conformidade com padrões de qualidade, produtividade e custos, ditados por normas, princípios e critérios estabelecidos; emitir pareceres técnicos em processos que lhe sejam distribuídos; cooperar com superiores em assuntos técnicos ou administrativos; manter em bom estado de conservação prédios, equipamentos e instalações. Todas estas são, igualmente, atividades com cunho predominantemente técnico, que dispensam especial relação de confiança, mormente considerando que as Seções cuja Chefia é deferida aos mencionados servidores estão alocadas em posições subalternas no organograma da administração municipal;

(e) finalmente, com relação ao cargo de Oficial de Gabinete, a previsão de atribuição para prestar assistência a superiores, coletando informações relevantes para a tomada de decisões, também é indicativa de função nitidamente técnica e burocrática.

2)Anterior declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal nº 128, de 10 de fevereiro de 2005, de Osasco.

É importante frisar que há pouco tempo, por força de ação direta proposta por esta Procuradoria-Geral de Justiça, esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade de dispositivos legais que criaram cargos de provimento em comissão absolutamente similares àqueles ora impugnados, entre outros.

Na ADI nº 157.950.0/6, rel. des. Debatin Cardoso, foi declarada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º e Anexo VI, da Lei Complementar nº 128, de 10 de fevereiro de 2005, do Município de Osasco, sendo acolhida integralmente a argumentação apresentada em nossa inicial.

Pedimos vênia, nessa oportunidade, para transcrever trecho da inicial da referida ação direta, a fim de demonstrar que entre os cargos nela declarados inconstitucionais encontram-se alguns que, mediante nova denominação, foram reinstituídos pela Lei Complementar nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, ora impugnada.

Eis o trecho relevante da inicial da ADI nº 157.950.0/6:

 

(...)

1)DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

O presente protocolado foi instaurado por força de representação, na qual se noticiou a criação de cargos de provimento em comissão no Município de Osasco, por força da Lei Complementar 128, de 10 de fevereiro de 2005, que “dispõe sobre a criação, extinção de cargos de provimento em comissão, incorporação do abono salarial e dá outras providências”.

Eis os dispositivos da referida lei cujo exame se faz necessário na presente ação direta:

“Art.2º. Ficam criados os cargos de provimento em comissão, nas quantidades, denominações, vencimento e gratificações, especificados no anexo VI, que passa a fazer parte integrante desta lei complementar.

§1º. Fica a tabela constante do anexo II, da Lei Complementar 06, de 12 de dezembro de 1991, a que faz referência o art.6º daquela lei complementar, pertinente aos cargos de provimento em comissão, substituído pelo anexo VI desta lei complementar.”

(...)

ANEXO – VI

Cargos de provimento em comissão.

Denominação

Quantidade

Assessor Técnico III

21

Assessor Técnico II

32

Assessor Técnico I

53

Assistente de Cerimonial

1

Assistente de Imprensa

20

Assistente de Secretário

62

Assistente do Prefeito

10

(...)

 

Auxiliar de Administração Regional

20

Auxiliar de Gabinete

19

Chefe de Centro de Vivência

10

Chefe de Creche

50

Chefe de Divisão

182

(...)

 

Chefe de Seção

486

Chefe de Unidade de Saúde

100

Chefe da Junta de Serviço Militar

1

Coordenador

3

Coordenador de Administração Regional

20

Coordenador Educacional

100

(...)

 

Encarregado de Serviço

479

(...)

 

Motorista de Gabinete

24

Oficial de Gabinete

24

(...)

 

Secretária

25

(...)

 

Vice-diretor de Escola

70

 

É relevante observar, desde logo, que, nos termos de informações prestadas pela Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos de Osasco: (a) o quadro previsto na Administração Municipal é de 16.698 (dezesseis mil seiscentos e noventa e oito) cargos de provimento efetivo e 2.030 (dois mil e trinta) cargos de provimento em comissão; (b) há, em exercício, 8.305 (oito mil trezentos e cinco) servidores que ocupam cargos de provimento efetivo, e 1.570 (mil quinhentos e setenta) que ocupam cargos de provimento em comissão, bem como 315 (trezentos e quinze) cargos de provimento em comissão ocupados por servidores efetivos (fls.189).

É dado relevante, portanto, que: (a) dentro do quadro previsto de servidores, mais de 12% destinam-se a cargos de provimento em comissão; (b) quanto ao quadro existente de servidores, mais de 22,5% são preenchidos, atualmente, por provimento em comissão.

Deste modo, todos os dispositivos e cargos postos em destaque anteriormente são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art.111, art.115 incisos I, II e V, e art.144, todos da Constituição do Estado de São Paulo, que têm a seguinte redação

(...)

Aliás, ao menos dois dados concretos, além dos argumentos que serão expostos nos itens subseqüentes, demonstram claramente a invalidade jurídico-constitucional dos cargos em comissão listados acima: (a) o fato de tratar-se de cargos inseridos, em profusão, na estrutura subalterna da Administração Municipal; (b) a quantidade de cargos em comissão, quando realizado o cotejo com o total de servidores efetivos no Município, seja no montante previsto, seja no de fato existente.

É fácil observar, pela quantidade e natureza dos cargos aqui impugnados, que eles estão situados em estruturas subalternas da Administração Pública local.

Quanto à proporção de cargos em comissão, como visto acima, mais de 22% (vinte e dois por cento) dos servidores do Município, atualmente, são de provimento em comissão. É evidente que se trata de elevada proporção.”

(...)

Em outras palavras, cargos similares aos de Assessor I e II, Chefe de Equipamento Público, Chefe de Seção e Oficial de Gabinete, criados pela Lei Complementar nº 180/2009, e impugnados nesta inicial, já foram declarados inconstitucionais por esse C. Órgão Especial na ADI nº 157.950.0/6.

É bem verdade que, de acordo com informações da Municipalidade, houve redução na proporção de cargos de provimento em comissão, quando se formula a comparação com o quadro anteriormente existente (cf. fls. 302 do protocolado que acompanha esta inicial).

Mas isso não afeta o essencial, ou seja, que os cargos impugnados têm natureza técnica, visto que: (a) suas atribuições sugerem atividades predominantemente técnicas; (b) foram criados em grande quantidade; (c) estão situados em posições subalternas na administração do Município de Osasco, o que afasta a exigência de especial relação de confiança entre os respectivos ocupantes e os agentes políticos integrantes da administração superior da Municipalidade, recomendando, em conformidade com nossa sistemática constitucional, seu provimento mediante concurso público.

3)Incompatibilidade vertical com o ordenamento constitucional.

Os cargos postos em destaque anteriormente são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

A autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de auto-administração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 591).

Nas quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c) autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de José Afonso da Silva (ob. cit., p. 591).

Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, estruturando-se adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, na Administração Pública, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I da Constituição Federal; bem como no art. 115, I da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade administrativa e política.

Há implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

É a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5ª ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT  VOL-01765-01 PP-00169).

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, mormente considerando as atribuições previstas para os cargos impugnados nesta ação direta, evidencia-se claramente que se destinam ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

Admitir como válida, do ponto de vista constitucional, a criação de cargos em comissão que não ostentam os pressupostos para tanto, é dar aos dispositivos constitucionais que envolvem a regra do concurso e à sua exceção, interpretação equivocada, meramente literal.

Cumpre recordar que as exceções devem ser interpretadas restritivamente (Carlos Maximiliano, Aplicação do direito, 18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 225).

Note-se que os cargos em comissão glosados nesta ação direta revelam postos em que predominará sempre o conhecimento e aptidão técnica do servidor. Não se vislumbra, em tais casos, qualquer exigência de especial relação de confiança.

Justifica-se, deste modo, a afirmação de que tais cargos não são de natureza tal que se justifique, sob o perfil dos limites constitucionais existentes na matéria em exame, o provimento em comissão.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Cabe também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

4)Pedido de liminar.

Estão presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a suspensão dos preceitos indicados, do ato normativo hostilizado.

A razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a propositura desta ação direta, antes declinados, especialmente considerando a existência de anterior ação direta julgada procedente por esse C. Órgão Especial, na qual cargos similares, do Município de Osasco, foram declarados inconstitucionais (ADI nº 157.950.0/6, rel. des. Debatin Cardoso).

Quanto ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a presunção de constitucionalidade das normas glosadas nesta ação direta, atos materiais serão realizados no sentido de concretização de suas previsões normativas, gerando situações cuja reversão ao status quo ante, futuramente, será de considerável grau de dificuldade.

As situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos, desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Requer-se, destarte, a concessão da liminar, determinando-se a suspensão das normas impugnadas, que criaram os cargos em comissão glosados nesta ação direta, a fim de que não seja realizada nenhuma nova contratação para tais cargos até o final julgamento deste feito.

5)Conclusão e pedido.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco, que criaram os seguintes cargos de provimento em comissão; Assessor II; Assessor I; Chefe de Equipamento Público; Chefe de Seção; e Oficial de Gabinete.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Osasco, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 24 de novembro de 2009.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 61.873/2009

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Complementar Municipal nº 180, de 18 de fevereiro de 2009, de Osasco.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 24 de novembro de 2009.

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

rbl