Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

 

Ementa. 1)  Art. 1º da Lei n. 1093, de 22 de fevereiro de 2001, art. 1º da Lei n. 1.259, de 18 de março de 2004, art. 6º, I, II,§1º, I e II, §2º, I, II e III, da Lei n. 1.327, de 26 de abril de 2005, art. 2º , I,II, III, IV e parágrafo único, I, II,III,IV, V, VI, VII, da Lei n. 1.343, de 29 de junho de 2005, art. 2º da Lei n. 1.367, de 17 de fevereiro de 2006, Lei n. 1.378, de 29 de junho de 2006, art. 2º ,§1º , I,II,III,IV,V,VI,VII,§2º , da Lei n. 1.384 de 11 de setembro de 2006 e da  Lei n. 1.408, de 27 de fevereiro de 2007, todos do Município de Cotia. 2) Criação de cargos de provimento em comissão, com ausência dos requisitos constitucionais das características de  chefia, direção e assessoramento. 3) Violação dos arts. 111, 115, II e V e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Inconstitucionalidade constatada. 5) Ação Direta visando à declaração de inconstitucionalidade das normas legais impugnadas.

 

 

                             O   PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,  no exercício  da  atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto  nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição da República e artigo 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 62.891/07), vem,   respeitosamente,     

 

                                                                            Promover perante esse Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE  INCONSTITUCIONALIDADE,   do art. 1º da Lei n. 1093, de 22 de fevereiro de 2001, art. 1º da Lei n. 1.259, de 18 de março de 2004, art. 6º, I, II,§1º, I e II, §2º, I, II e III, da Lei n. 1.327, de 26 de abril de 2005, art. 2º , I,II, III, IV e parágrafo único, I, II,III,IV, V, VI, VII, da Lei n. 1.343, de 29 de junho de 2005, art. 2º da Lei n. 1.367, de 17 de fevereiro de 2006, Lei n. 1.378, de 29 de junho de 2006, art. 2º ,§1º , I,II,III,IV,V,VI,VII,§2º , da Lei n. 1.384 de 11 de setembro de 2006 e da  Lei n. 1.408, de 27 de fevereiro de 2007, todos do Município de Cotia, bem assim de todos os anteriores atos normativos que contenham previsão  dos cargos ora impugnados, sempre de provimento em comissão  (para se evitar o efeito repristinatório), pelos motivos de fato e de direito que passa a expor .

 

                                      As Leis e os dispositivos legais impugnados apresentam  a seguinte redação:

 

                                      Lei n. 1.093, de 22 de fevereiro de 2001,”Dispõe sobre criação de cargos de Vice-Diretor e Diretor de escola e dá outras providências.”

 

                                      Art. 1º - Ficam criados 30 (trinta) cargos de    Vice-Diretor   de Escola, referência 22-A/ED, de provimento    

 

 

 

 

em     comissão,   os   quais passam a fazer parte integrante do Anexo II, da lei n. 1050 de 09 de junho de 2000, e que terão remuneração na forma prevista pelo Anexo II, da Lei Complementar n. 18, de 30 de março de 1998.”

 

                                      “Lei n. 1.259, de 18 de março de 2004, que “Dispõe sobre a criação de cargos de Vice-Diretor de Escola e dá outras providências”.

 

                                      “Art. 1º - Ficam criados, no Quadro de Cargos de Provimento em Comissão da prefeitura, 30 (trinta) cargos de Vice-Diretor de Escola, referência 22-A/ED, que passam a fazer parte integrante do Anexo II da Lei n. 1.050, de 09 de junho de 2000, com suas alterações posteriores, em especial, decorres da Lei n. 1.093, de 22 de fevereiro de 2001”.

 

                                      “Lei n. 1.327, de 26 de abril de 2005, que “Dispõe sobre a criação da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras e dá outras providências”.

 

                                      (...)

 

                                      Art.6º - Ficam criados, com lotação e quantificação idênticas em cada uma das Secretarias Municipais, no Quadro de Cargos de provimento em Comissão da Prefeitura, os cargos a seguir indicados, que passam a fazer parte integrante do    Anexo II da Lei n. 1.050, de 09 de junho de 2000, com suas 

 

 

 

alterações posteriores, em especial, da Lei n. 1.093, de 22 de fevereiro de 2001:

 

                                      I. 4 (quatro) de Coordenador de Projetos, referência 24; e

 

                                      II. 15 (quinze) de Assistente Técnico de Gabinete, referência 21.

          

                                      §1º - Incumbe ao Coordenador de Projetos:

 

                                      I. coordenar, supervisionar e avaliar a execução de um ou mais projetos ou atividades específicas, ou, ainda, unidades administrativas da respectiva Secretaria Municipal, conforme determinação do titular da Pasta; e

 

                                      II. exercer outras atribuições que lhe forem cometidas pelo Secretário Municipal.

 

                                      §2º - Incumbe ao Assistente Técnico de Gabinete:

 

                                      I. dar assistência do Secretário Municipal no desempenho de suas funções;

 

          

                                      II. supervisionar as atividades administrativas da Secretaria em que estiver lotado, envolvendo as áreas de pessoal, financeira, bem como o apoio administrativo aos departamentos a ela subordinadas; e

 

                                      III. exercer outras atribuições que lhe forem cometidas pelo Secretário Municipal.”

 

                                      “Lei n. 1.343, de 29 de junho de 2005, que “Dispõe sobre a criação de cargos e dá outras providências”

 

                                      (...)

 

                                      Art. 2º - Ficam criados no Quadro de Cargos de Provimento em Comissão da Prefeitura os cargos a seguir indicados, que passam a fazer parte integrante do Anexo II, da Lei n. 1.050, de 9 de junho de 2000, com suas alterações posteriores, em especial, decorrentes da Lei n. 1.093, de 22 de fevereiro de 2001:

 

                                      I. 82 (oitenta e dois) de Coordenador de Projetos, referência 24;

 

                                      II. 02 (dois) de Chefe de Divisão, referência 22;

 

 

 

 

                                      III. 20 (vinte) de Assistente Técnico de Gabinete, referência 21; e

 

                                      IV. 20 (vinte) de Auxiliar de Gabinete, referência 19.

 

                                      Parágrafo único. Ao Auxiliar de Gabinete compete:

 

                                      I. fiscalizar a execução dos serviços distribuídos aos servidores lotados no respectivo Gabinete;

 

                                      II. manter atualizada a correspondência do Gabinete.

 

                                      III. supervisionar a organização e atualização de arquivos, fichários e controles necessários ao bom andamento dos trabalhos;

 

                                      IV. manter, em boa guarda, livros e papéis, de modo a preservá-los de perda, extravio ou dano, comunicando imediatamente ao setor competente os extravios ou as danificações dos mesmos;

 

                                      V. elaborar, juntamente com a Assessoria, os relatórios determinados pelo titular do Gabinete; e

 

 

 

                                      VI. requisitar  o material necessário ao funcionamento do respectivo Gabinete; e

 

                                      VII. exercer outras atribuições peculiares ao serviço que lhe tenham sido determinadas pelo titular do Gabinete.”     

                                                         

                                      “Lei n. 1.367, de 17 de fevereiro de 2006, que “Dispõe sobre a criação de Cargos Públicos na Prefeitura”.

 

                                      (...)

 

                                      “Art.2º - Ficam criados no Quadro de Cargos de Provimento em Comissão da Prefeitura os cargos a seguir indicados, que passam a fazer parte integrante do Anexo II, da Lei n. 1.050, de 9 de junho de 2000, com suas alterações posteriores, em especial, decorrentes da Lei n. 1.093, de 22 de fevereiro de 2001:

 

                                      I. 10 (dez) de Coordenador de Projetos, referência 24;

 

                                      II. 16 (dezesseis) de Assistente Técnico de Gabinete, referência 21; e

 

 

 

                                      III. 10 (dez) Auxiliar de Gabinete, referência 19”.

 

                                      “Lei n. 1.378, de 29 de junho de 2006, que “Dispõe sobre a criação de cargos e dá outras providências”                      

 

                                      Art. 1º - Ficam criados no Quadro de Cargos de Provimento em Comissão da Prefeitura, os cargos a seguir indicados, que passam a fazer parte integrante do Anexo II da Lei n. 1.050, de 9 de junho de 2000, com suas alterações posteriores, em especial, decorrentes da Lei n. 1.093, de 22 de fevereiro de 2001:

                            

                                      I. 20 (vinte) de Coordenador de Projetos, referência 24;

 

                                      II. 30 (trinta) de Assistente Técnico de Gabinete, referência 21; e

 

                                      III. 20 (vinte) Auxiliar de Gabinete, referência 19”.

 

                                      Art. 2º - Os ocupantes dos cargos criados por esta Lei cumprirão jornada de trabalho e demais condições previstas na legislação vigente.

 

 

 

 

                                      Art.3º - Em virtude das alterações determinadas por esta Lei, o Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Administração e Planejamento atualizará os respectivos anexos gerais do Quadro de Cargos Públicos da Prefeitura.

 

                                      Art. 4º - O provimento dos cargos de que trata          esta    Lei dar-se-á de acordo com a disponibilidade de

 

recursos orçamentários, em consonância com o disposto no art. 169,§1º, da Constituição Federal.

 

                                      Art. 5º- As despesas com a execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

 

                                      Art. 6º - Esta Lei  entra em vigor na data de  sua publicação.”.

 

                                       “Lei n. 1.384, de 11 de setembro de 2006, que “Dispõe sobre a criação, transformação e reclassificação de cargos do Quadro da Prefeitura e dá outras providências”.

 

                                      (...)

 

 

 

                                      Art. 2º - Ficam transformados os cargos de provimento em comissão de Estagiário de Direito, criados pelo art. 25 da Lei n. 1.087, de 22 de dezembro de 2000, para Assistente Jurídico, referência 21.

 

                                      § 1º - Compete ao Assistente Jurídico auxiliar nos trabalhos jurídicos e da Prefeitura, compreendendo, entre outras, a seguintes atividades:

 

                                      I. pesquisar e levantar dados de conteúdo doutrinário ou jurisprudencial;

 

                                      II- controlar o andamento e prazos dos procedimentos administrativos e processos judiciais;

 

                                      III- colaborar no processo de organização e informatização de dados referentes à legislação municipal;

 

                                      IV- auxiliar na redação oficial e na elaboração da correspondência oficial;

 

                                      V- auxiliar na elaboração de pareceres técnicos, estudos e peças judiciais;

 

                                      VI- auxiliar na prestação de assessoria jurídica; e

 

 

 

                                      VII- executar outras atividades correlatas.

 

                                      §2º - Os cargos de Assistente Jurídico somente serão providos por bacharel em direito ou estudante devidamente matriculado em curso de ensaio superior de ciências jurídicas.”

 

                                      “Lei n. 1.408, de 27 de fevereiro de 2007 que “Dispõe sobre a criação de cargos na Prefeitura e dá outras providencias”.

 

 

                                      (...)

 

                                      Art.1º - Ficam criados, no Quadro de Cargos de Provimento em Comissão da Prefeitura, os cargos a seguir indicados, que passam a fazer parte integrante do Anexo II, da Lei n. 1.050, de 9 de junho de 2000, com suas alterações posteriores, em especial, decorrentes da Lei n. 1.093, de 22 de fevereiro de 2001:

 

                                      I. 2 (dois) de Consultor Jurídico Adjunto, referência 24;

 

                                      II. 20 (vinte) de Consultor Técnico, referência 24;

 

 

                                      III. 10 (dez) de Coordenador de Projetos, referência 24;

 

                                      IV. 51 (cinqüenta e um) de Diretor de Departamento, referência 23;

 

                                      V. 150 (cento e cinqüenta) de Assistente Técnico de Gabinete, referência 21; e

 

                                      VI. 140 (cento e quarenta) de Auxiliar de Gabinete, referência19.

 

                                      Art. 2º - Em virtude das alterações determinadas por esta Lei, o Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Administração e Planejamento atualizará os respectivos anexos gerais do Quadro de cargos Públicos da Prefeitura.

 

                                      Art. 3º - O provimento dos cargos de que trata esta Lei dar-se-á de acordo com a disponibilidade de recursos orçamentários, em consonância com o disposto no art. 169,§1º, da Constituição Federal.

 

                                      Art. 4º - As despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias.

 

 

 

                                      Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.   

 

                  

                                      Como se pode observar, os dispositivos legais impugnados criaram cargos  públicos de provimento em comissão.  Contudo,   houve       afronta      aos   artigos   111 ,  115, II, e V, 144 da Constituição do Estado   de        São Paulo. De  fato, assim dispõem  as referidas normas constitucionais:

 

 

                                 'Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou funcional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação,  interesse público e eficiência.

 

                                 Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

 

                                 II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,    ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração (...)

 

 

                                 V – As funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores  ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão,  a serem preenchidos       por        servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos  previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (....)

 

 

                                 Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.’

 

                                      Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art.1º e art.18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.459).

 

 

 

                                     A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ªed., São Paulo, Saraiva, 2005, p.285).

 

                                     A autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de        leis        municipais); (d) capacidade de auto-administração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p.591).

 

                                      Nas quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências);   (c)   autonomia   administrativa (administração

 

própria   e     organização   dos   serviços locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de José Afonso da Silva (ob. cit., p.591).

 

                                   Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, estruturando-se adequadamente.

 

                                   Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na      própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

 

                                      A regra, na Administração Pública, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37 inciso I da Constituição   Federal;       bem      como     no art.115 inciso I da

 

Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

 

                                      A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade administrativa e política.

 

                                      Há implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão. Assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.

 

                                      A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do Pretório Excelso, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional   do      concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)”

 

 

(Direito administrativo brasileiro, 33ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.440).

 

                                 Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

 

                                 É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de

 

 

gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3ªed., São Paulo, Saraiva, 1993, p.208).

 

                                     Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p.41, g.n.).

 

                                     É a natureza do cargo e das funções a ele cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí   o     entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5ªed., São Paulo, RT, p.317).  

 

 

 

 

                                      Essa também é a posição do Pretório Excelso, como se infere no precedente cuja ementa é a seguir transcrita:

 

                                      E M E N T A: Concurso público: plausibilidade da alegação de ofensa da exigência constitucional por lei que define cargos de Oficial de Justiça como de provimento em comissão e permite a substituição do titular mediante livre designação de servidor ou credenciamento de particulares: suspensão cautelar deferida. 1. A exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício   de  funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza; precedentes. 2. Também não e de admitir-se que, a título de preenchimento provisório de vaga ou substituição do titular do cargo - que    deve ser de provimento efetivo, mediante concurso público -, se proceda, por tempo indeterminado, a livre designação de servidores ou ao credenciamento de estranhos ao serviço público. (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994,

 

 

 

 Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT  VOL-01765-01 PP-00169, g.n.)”.

 

                                      Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum   a       todos       os       funcionários,     como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à

 

 

autoridade superior(...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de Auxiliar de Gabinete, Assistente Técnico de Gabinete, Assistente Jurídico, Vice-Diretor, Diretor de Departamento e Coordenador de Projetos,  cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p.95/96).

 

                                      Veja-se, a propósito, que os cargos citados são criados em profusão, com desvio de finalidade, já que as funções a serem desempenhadas são técnicas, burocráticas ou operacionais, conforme se depreende em especial do §1º do art. 6º, da Lei n. 1.327, de 26 de abril de 2005 (Coordenador de Projetos – fls. 2220), §2º , do art. 6º , da Lei n. 1.327 de 26 de abril de 2005 (Assistente Técnico de Gabinete), parágrafo único do art. 2º , da Lei n. 1.343, de 29 de junho de 2002 (Auxiliar de Gabinete – fls. 2226), §1º do art. 2º da Lei n. 1.384,   de   11 de setembro de 2006  (Assistente Jurídico – fls.

 

 

2235), art. 5º da Lei n. 1.087, de 22 de dezembro de 2000  (Consultor Jurídico – fls. 2147),   não exigindo dos agentes que  as  vocacionem qualquer vínculo de  confiança  com os administradores.

 

                                     Observe-se que,  a própria denominação dos cargos ora glosados, já indica que se destinam ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, de caráter subalterno na estrutura da Administração Municipal.

 

                                     Além disso, é nitidamente perceptível que se trata de hipótese em que, de forma casuísta e pormenorizada, foram criados cargos em comissão em profusão.

 

                                     Admitir como válida, do ponto de vista constitucional, a criação de cargos em comissão para “chefia administrativa” e outros (assistentes, assessores, encarregados, etc.), para setores criados em profusão, com casuísmo e de forma aleatória no quadro organizacional do Município, é dar aos dispositivos constitucionais que envolvem a regra do concurso, e à sua exceção, interpretação equivocada, meramente literal.

 

 

 

                                      Cumpre recordar que as exceções devem ser interpretadas restritivamente (Carlos Maximiliano, Aplicação do direito, 18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.225).

                        

                                      Note-se que os cargos em comissão criados pelos dispositivos legais aqui impugnados revelam postos na administração, como visto, de caráter subalterno, em que predominará sempre o conhecimento e aptidão técnica do servidor. Não se vislumbra, em tais casos, qualquer exigência de especial relação de confiança entre o seu ocupante e o Chefe do Executivo.

 

                                       Justifica-se, deste modo, a afirmação de que tais cargos não são de natureza tal que se justifique, sob o perfil dos limites constitucionais existentes na matéria em exame, o provimento em comissão.

 

                                       É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça.

 

 

 

                                       No julgamento da ADI 111.387-0/0-00, em 11.05.2005, o relator, Sr. Desembargador Munhoz Soares, destacou que:

 

                        “Os cargos criados, contudo, pela legislação sub judice, têm natureza técnica ou prática, ou seja, de seus titulares, nada mais se lhes podendo exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições,

em caráter estritamente profissional, técnico, diferenciando-se, por conseguinte, daqueles que admitem provimento em comissão, limitados a situações excepcionais, de natureza especial, justificantes da dispensa concursal pública. Aqueles cargos, especificamente impugnados, exigem que seus titulares exerçam suas funções profissionais em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos, que, pelos textos constitucionais, só podem ser providos por concurso. Não há, assim, razão lógica justificante para que sejam declarados de livre provimento e exoneração”.

 

 

 

 

                                      Também quando do julgamento da ADI 112.403-0/1-00, em 12 de janeiro de 2005, o relator, Sr. Desembargador Barbosa Pereira destacou, em seu voto, que:

 

                       “As leis municipais ora questionadas, ao criarem cargos de provimento em comissão, sem a presença de características excepcionais hábeis a qualificá-los como sendo daqueles que exigem de seus ocupantes o requisito da confiabilidade afrontam princípios constitucionais”.

 

                                      A dispensa de concurso não pode ficar apenas condicionada ao aspecto formal, de simples indicação em lei, eis que isso importaria em deixar ao legislador ordinário um poder discricionário  absoluto, inclusive o de afastar a exigência do concurso para todos os cargos do serviço público, bastando, para tanto, declará-los “em comissão” e de “livre nomeação”. Restaria, assim, neutralizada toda a eficácia do princípio constitucional que impõe a aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público. Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente nos incisos I,  II e V,  do artigo 115 da Constituição Paulista, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas.

 

 

                                      Ante o exposto, é a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, para,  com a juntada das informações pertinentes do senhor Prefeito e da Câmara de Vereadores de Cotia, declare-se a   inconstitucionalidade   do art. 1º da Lei n. 1093, de 22 de fevereiro de 2001, art. 1º da Lei n. 1.259, de 18 de março de 2004, art. 6º, I, II,§1º, I e II, §2º, I, II e III, da Lei n. 1.327, de 26 de abril de 2005, art. 2º , I,II, III, IV e parágrafo único, I, II,III,IV, V, VI, VII, da Lei n. 1.343, de 29 de junho de 2005, art. 2º da Lei n. 1.367, de 17 de fevereiro de 2006,         Lei n. 1.378,       de 29 de junho de 2006, art. 2º ,§1º , I,II,III,IV,V,VI,VII,§2º , da Lei n. 1.384 de 11 de setembro de 2006 e da  Lei n. 1.408, de 27 de fevereiro de 2007, todos do Município de Cotia, bem assim de todos os anteriores atos normativos que contenham previsão  dos cargos ora impugnados, sempre de provimento em comissão  (para se evitar o efeito repristinatório).

 

                                             São Paulo, 10 de dezembro de 2008.

 

 

 

                                              FERNANDO GRELLA VIEIRA

                                                Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

Protocolado PGJ nº 62.891/07

Interessado: Promotoria de Justiça de Cotia

 

 

 

                                                1.Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 1º da Lei n. 1093, de 22 de fevereiro de 2001, art. 1º da Lei n. 1.259, de 18 de março de 2004, art. 6º, I, II,§1º, I e II, §2º, I, II e III, da Lei n. 1.327, de 26 de abril de 2005, art. 2º , I,II, III, IV e parágrafo único, I, II,III,IV, V, VI, VII, da Lei n. 1.343, de 29 de junho de 2005, art. 2º da Lei n. 1.367, de 17 de fevereiro de 2006, Lei n. 1.378, de 29 de junho de 2006, art. 2º ,§1º , I,II,III,IV,V,VI,VII,§2º , da Lei n. 1.384 de 11 de setembro de 2006 e da Lei n. 1.408, de 27 de fevereiro de 2007, todos do Município de Cotia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

                                                 2.Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                São Paulo, 10 de dezembro de 2008

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça