Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 67.349/09

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, do Município de Guaratinguetá, referente ao Anexo I do art.6º e ao Anexo VII referido no art. 17.

 

 

Ementa: 1) Lei do Município de Guaratinguetá. 2) Criação artificial e abusiva de cargos ou emprego de provimento em comissão que não expressam atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, mas funções operacionais, profissionais, técnicas, inclusive na área jurídica, com evidente desprestígio aos princípios da moralidade, impessoalidade e da razoabilidade. 3) Constituição Estadual: arts. 5º, 24, § 2º, 1, 90, §§ 1º a 3º, 111, 115, II e V, e 144.  4) Inconsitucionalidade.

         

          O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do Anexo I a que se refere o art.6º e do Anexo VII referido no art. 17, da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, do Município de Guaratinguetá, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os Atos Normativos Impugnados

          A Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, criou, manteve e redenominou os empregos públicos permanentes e em comissão, além de organizar a estrutura administrativa em três níveis: Secretarias, Serviços e Seções e tem a seguinte redação, no que interessa:

“Art. 1º  Os empregos da Prefeitura do Município de Guaratinguetá, obedecerão a classificação estabelecida na presente Lei.

Art. 6º  Ficam criados, mantidos ou redenominados os empregos em comissão constante do Anexo I, que faz parte integrante da presente Lei.

Art. 17  Constituem empregos permanentes e em comissão, criados, mantidos ou redenominados os constantes do Anexo VII da presente Lei.

Art. 20  Ficam extintos os empregos anteriormente criados e que expressamente não constam da presente Lei, resguardados possíveis direitos de seus ocupantes".

 

I – ANEXO I: ‘QUADRO DE PESSOAL - EMPREGOS EM COMISSÃO CRIADOS, MANTIDOS OU REDENOMIADOS, A SEREM REGIDOS PELA CLT;

II – ANEXO VII: ‘QUADRO DE PESSOAL - EMPREGOS PERMANENTES E EM COMISSÃO CRIADOS, MANTIDOS OU REDENOMINADOS DO MAGISTÉRIO;"  (fls.64 e 75)

          O Anexo I previsto no art. 6º dessa lei contém os seguintes cargos ou empregos de confiança, conforme quadro abaixo (fl. 75):

Cargo/Emprego

Quantidade

Assessor Especial de Indústria e Comércio

01

Chefe de Gabinete

01

Diretor de Serviço

24

Chefe de Seção

Diretor de Ouvidoria

Assessor de Gabinete

Assessor Especial de Planejamento Estratégico

Assessor Técnico

Assessor Administrativo

87

01

10

01

13

13

 

          O Anexo VII, previsto no art. 17, dessa lei, arrola os seguintes cargos e empregos de confiança (fl. 75):

Cargo/Emprego

Quantidade

Diretor de Escola

20

Assistente de Diretor

24

Orientador Educacional

04

Monitor de Creche

Coordenador Pedagógico

Professor I - Ensino Infantil

Professor I - Ensino Fundamental

Professor Educação Básica II

 

60

21

127

205

111

 

 

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

          Os dispositivos a seguir indicados da lei do Município de Guaratinguetá contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts.1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 297. São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.

 

          O Anexo I mencionado no art. 6º e o Anexo VII referido no art.17 da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, do Município de Guaratinguetá, são inconstitucionais.    A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento por mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado). É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Portanto, não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais, irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. O essencial é análise do plexo de atribuições da função pública. Neste sentido, a jurisprudência censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão:

“Lei estadual que cria cargos em comissão. Violação ao art. 37, incisos II e V, da Constituição. Os cargos em comissão criados pela Lei n. 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada procedente" (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007).

 

“Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local” (STF, RE-AgR 365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ 29-06-2007, p. 49)

 

“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30).

“Os dispositivos em questão, ao criarem cargos em comissão para oficial de justiça e possibilitarem a substituição provisória de um oficial de justiça por outro servidor escolhido pelo diretor do foro ou um particular credenciado pelo Presidente do Tribunal, afrontaram diretamente o art. 37, II da Constituição, na medida em que se buscava contornar a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, princípio previsto expressamente nesta norma constitucional” (STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16).

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL N. 099, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, DO MUNICÍPIO DE ILHA SOLTEIRA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO, DE LIVRE PROVIMENTO E EXONERAÇÃO – NATUREZA SOMENTE TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DOS CARGOS CRIADOS, MUITOS DE CARÁTER PERMANENTE, NÃO EXIGINDO DE SEUS OCUPANTES NENHUM VÍNCULO ESPECIAL DE CONFIANÇA OU FIDELIDADE COM O PREFEITO MUNICIPAL – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 111 E NO ART. 115, INCISOS I, II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO – AÇÃO DIRETA PROCEDENTE” (TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

 

Ação direta de inconstitucionalidade – art. 1º da Lei Complementar n. 19, de 22 de agosto de 2007, do Município de Salto do Pirapora, que cria cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração – Notícia de exoneração, não confirmada, não exime o Poder Judiciário da análise acerca da inconstitucionalidade, que aliás, mostra-se manifesta – Cargos de provimento em comissão – Excepcionalidade, ante a regra constitucional de provimento por concurso público – Natureza técnica ou burocrática dos cargos criados, apesar de sua denominação – Não se exige de seus ocupantes nenhum vínculo especial com o nomeante – Ação direta julgada procedente” (TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).

 

          As atribuições dos cargos e empregos, cujo provimento previsto nas leis municipais é em comissão, não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, pois, traduzem funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

          Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos de Diretor de Serviço, Chefe de Seção, Diretor de Escola, Assistente de Diretor, Orientador Educacional, Monitor de Creche, Coordenador Pedagógico, Professor I e Professor Educação Básica II, a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas.

          Patenteado o divórcio dos Anexos I, referido no art.6º, e Anexo VII, mencionado no art.17, da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, com os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição do Estado de São Paulo, in verbis:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)”.

 

          O quadro de agressões à Constituição Estadual se verifica, pois, na criação indiscriminada de cargos ou empregos de provimento em comissão, bem como na criação também de cargos que não se restringem às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais

 

III – Pedido liminar

          À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Guaratinguetá apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque permitem a investidura de pessoas em funções públicas de maneira irregular, além de criarem situações absolutamente díspares no funcionalismo público e periclitarem as forças do erário.

          À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento, parcialmente, da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, do Município de Guaratinguetá, no que se refere aos cargos do Anexo I, referido no art.6º, com exceção dos cargos de Assessor Especial de Indústria e Comércio e de Chefe de Gabinete; e todos os cargos do Anexo VII, mencionado no art.17, da referida lei.

 

IV – Pedido

          Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade parcial da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, do Município de Guaratinguetá, no que se refere aos cargos do Anexo I, referido no art.6º, com exceção dos cargos de Assessor Especial de Indústria e Comércio e de Chefe de Gabinete; e todos os cargos do Anexo VII, mencionado no art.17, da referida lei.

          Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guaratinguetá, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

São Paulo, 12 de novembro de 2009.

 

                         Fernando Grella Vieira

                    Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 67.349/09

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, do Município de Guaratinguetá, referente ao Anexo I do art.6º e ao Anexo VII referido no art. 17.

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 4.113, de 22 de dezembro de 2008, do Município de Guaratinguetá, referente ao Anexo I do art.6º e ao Anexo VII referido no art. 17, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 12 de novembro de 2009.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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