Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo

 

 

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Possibilidade de servidores de autarquia extinta serem transferidos para diversos órgãos da Prefeitura Municipal de Cotia. Violação dos art.111,  115 II e 144 da ConstituiçãoPaulista.Inconstitucionalidade Reconhecida.

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n.º 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n.º 67.389/2008), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE dos arts. 3º  e seu parágrafo 1º , da Lei n. 1.325 de 25 de abril de 2005, do Município de Cotia, que “ dispõe sobre a extinção da empresa PROCOTIA – Progresso de Cotia e dá outras providências”, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:

 

1.-               As disposições normativas ora impugnadas apresentam-se assim redigidas:

 

         “Art. 3º  Os atuais servidores da PROCOTIA – Progresso de Cotia  serão transferidos para Quadro Especial, mantidos o regime jurídico e o sistema remuneratório vigentes de seus integrantes, a ser criado junto ao Quadro de Cargos da Prefeitura.

 

§ 1º - Os integrantes do Quadro especial a que se refere o caput deste artigo serão distribuídos entre os diversos órgãos e entidades da Prefeitura, de acordo com suas qualificações necessidades e serviços.”

 

2.-               As normas acima reproduzidas - como será visto a seguir - são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 111, 115, inciso II, e 144, os quais estabelecem o seguinte:             

 

         “Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

 

         Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

 

         II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;  

 

         Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

 

3.-               Com o advento da Constituição de 1988, o Município brasileiro passou a integrar a Federação e, como entidade político-administrativa, é dotado de autonomia administrativa (Cf. JOSE AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional”, Malheiros, 1992, 8.ª ed., p. 544).

 

4.-               Como consectário dessa autonomia administrativa, o Município é livre ‘para organizar o seu pessoal para o melhor atendimento dos serviços a seu cargo, mas há três regras fundamentais que não podem postergar: a que exige que essa organização se faça por lei; a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público.’ (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, 8.ª ed., p. 420)        

 

5.-               Dentre as normas constitucionais federais que o Município deve observar na organização dos seus serviços destacam-se as seguintes: (a) a que consagra a igual acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas a todos os brasileiros (e estrangeiros) que preencham os requisitos estabelecidos em lei, (b) a que condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com o art. 115, inciso II, da Carta Paulista.

 

6.-               Na definição de ADILSON ABREU DALLARI, concurso público é “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição do conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados.” (Cf. “Regime Constitucional dos Servidores Públicos”, RT, 2.ª ed., p. 36)

 

7.-               Por meio do concurso, resguarda-se a aplicação do princípio da igualdade de todos (CF., art. 37, I) e, ao mesmo tempo, o interesse da Administração em admitir somente os melhores (Cf. CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, 3.º Vol., T. III, Saraiva, 1992, p. 66), afastando-se ‘os ineptos e apaniguados, que costumam abarrotar as repartições públicas, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos’ (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, RT, 16.ª ed., p. 370).

 

8.-               Vistos esses aspectos, tem-se no caso em exame que, a pretexto de atuar nos limites de sua autonomia administrativa, a Câmara Municipal de Cotia editou dentre outros os dispositivos legais impugnados.

 

9.-               Ao cuidar da extinção da PROCOTIA – Progresso de Cotia, o art. 3º e o §1º, da Lei n. 1.325, de 25 de abril de 2005, previu a possibilidade dos servidores da PROCOTIA, serem transferidos para o Quadro Especial da Prefeitura Municipal de Cotia,  distribuindo-os em diversos órgãos e entidades da mesma, de acordo com suas qualificações e necessidades de serviços, ocasionando desvio de atividade ou de função, não medida em que houve enquadramento em funções diversas daquelas para os quais foram originalmente admitidos.

 

 10.-            Sucede que esse modo de proceder autorizado pelos dispositivos legais anteriormente mencionados, que permite a investidura de servidor em cargo ou função diverso daquele para o qual foi admitido por concurso, não é compatível com as normas constitucionais federais e estaduais (CF., art. 37, I e II; CE., art. 115, II) que consagram a igual acessibilidade aos cargos e empregos públicos e condicionam o ingresso no serviço público à submissão prévia a concurso público de provas ou de provas e títulos, sendo, portanto, inconstitucional.

 

11.-             Ao examinar iniciativa semelhante, o Colendo Supremo Tribunal Federal proclamou “a inconstitucionalidade do art. 12 do ADCT da Constituição da Bahia, ao assegurar aos servidores estaduais estáveis, em desvio de função, enquadramento no cargo correspondente a atividade que de fato venham desempenhando, há mais de dois anos, desde que tenham qualificação, inclusive diploma, quando necessário, para o exercício”. (ADIn n.º 112/BA, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, j. em 24/08/1994) Na oportunidade, aquela Excelsa Corte entendeu configurada a ofensa ao art. 37, inciso II, da Carta Política Federal.

 

12.-             Também o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça já declarou a inconstitucionalidade de lei municipal com conteúdo análogo ao da norma ora tratada. Na Sessão de julgamento, essa Augusta Corte decidiu que é “indiscutível (...) a ofensa ao postulado constitucional do concurso público a autorização de enquadramento de servidores em ‘desvio de função’” (ADIn n.º 62.912.0/6-00, Rel. Des. ANDRADE CAVALCANTI, j. em 20/09/2000, v.u.)   

 

13.-             Assim sendo, no presente caso, demonstrada a contrariedade aos arts. 111, 115, inciso II, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, impõe-se o reconhecimento e a declaração de inconstitucionalidade material do art. 3º e seu §1º, da Lei n. 1.325, de 25 de abril de 2005, do Município de Cotia.

 

 14.-            Remanesce, no presente caso, a necessidade da concessão de medida liminar. A plausibilidade jurídica da tese ora exposta decorre da inconstitucionalidade material do ato legislativo que autorizou o enquadramento de servidores em funções diversas daquelas correspondentes aos cargos de que são titulares, em desacordo com as normas constitucionais federais e estaduais que asseguram a igual acessibilidade dos cargos, empregos e funções públicas e condicionam a investidura em cargo público à aprovação prévia em concurso público, donde bem configurado o “fumus boni iuris”.              

 

15.-             E, por outro lado, com a entrada em vigor da presente lei, do que resulta próxima a possibilidade de dano irreversível ou de difícil reparação, torna-se necessário impedir o enquadramento dos servidores em desvio de função (“periculum in mora”).

 

16.-             Em situações como esta, “o Colendo Supremo Tribunal Federal - atento ao pressuposto de relevante conveniência pública - tem atendido ao requerimento de provimento cautelar, quando a alegação, revestida de razoabilidade, recaia sobre pontos particularmente sensíveis dos princípios que norteiam a Administração do Estado” (RTJ 132/38-39), entre os quais se destacam o da legalidade, impessoalidade, razoabilidade, moralidade, finalidade, interesse público, igualdade e o concurso público.   

                                     

                   Destarte, requeiro seja autorizado o processamento da presente ação, colhendo-se as informações da Câmara Municipal e do Prefeito do Município de Cotia, sobre as quais me manifestarei oportunamente, vindo, no final, a ser declarada a inconstitucionalidade do art. 3º e seu §1º, da Lei n. 1.325, de 25 de abril de 2005, do Município de Cotia.

 

 

                                      São Paulo, 29 de setembro de 2008.

 

 

                                         FERNANDO GRELLA VIEIRA

                                      PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA