EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 68.180/2010

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Resolução n. 745, de 15 de dezembro de 2005, da Câmara Municipal de Ribeirão Pires.

 

Ementa: Resolução n. 745, de 15 de dezembro de 2005 que cria cargos de provimento em comissão, aos quais não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento, mas funções próprias dos cargos de provimento efetivo.  Violação do art. 115, inc. II e V, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade parcial da referida lei, especificamente com relação aos cargos de provimento em comissão relacionados.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE parcial da Resolução n. 745, de 15 de dezembro de 2005, do Município de Ribeirão Pires, especificamente em relação aos cargos de provimento em comissão a seguir impugnados, constantes de seu Anexo II,  bem assim de todos os anteriores atos normativos que contenham as mesmas previsões, para se evitar o efeito repristinatório, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

I – DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

 

A Resolução n. 745, de 15 de dezembro de 2005, do Município de Ribeirão Pires, que "Dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal da Estância Turística de Ribeirão Pires e dá outras providências” (fls. 79 e segs.), criou, dentre outros, os seguintes cargos de provimento em comissão:

I- Assessor Legislativo,15 cargos;

II- Assessor Legislativo B, 6 cargos;

Ocorre que, aos cargos relacionados, ora impugnados, não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento. São lotações que não se situam na administração superior, nem demandam a estrita confiança, cujas missões devem ser realizas por servidores de carreira, até mesmo para não haver solução de continuidade por sucessão de administradores.

A previsão normativa desses cargos de provimento em comissão não condiz com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal ou com o artigo 115, incisos II e V, da Constituição Estadual.

Por outro lado, a criação indiscriminada, abusiva e artificial destes cargos ofende os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público, inscritos no art. 111, que orientam o dispositivo constitucional supra mencionado.

É o que será demonstrado a seguir.

II – DO DIREITO

A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261).

A autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).

A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).

Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

No caso em exame, o Legislador Municipal criou cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa vinculação.

Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e não-criteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).

Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. ed, São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

É incontestável que os cargos anteriormente relacionados, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exijam relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargos comuns, de natureza profissional, que devem ser assumidos em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

No caso dos autos, as tarefas atribuídas as cargos  de Assessor Legislativo e Assessor Legislativo B, encontram-se assim definidas:

a)   Assessor Legislativo, no Gabinete da Presidência:

I-    Colaborar na recepção de pessoas que procuram  contatar o Presidente, inteirando-se dos assuntos a serem tratados, objetivando prestar-lhes as informações desejadas;

II-  Receber sugestões da população acerca do funcionamento dos serviços prestados pela Câmara e comunicá-las ao Presidente;

III-  Atender e/ou efetuar ligações telefônicas, anotando recados ou prestando informações relativas aos serviços do Gabinete da Presidência;

IV- Controlar o recebimento e expedição de correspondência, tendo como finalidade o encaminhamento ou despacho de pessoas interessadas;

V-    Executar serviços externos na entrega ou retirada de documentos e/ou pequenas compras, para atender o expediente do Gabinete;

VI-     Providenciar a reprodução e encadernação de documentos, observando a ordem solicitada, assegurando seu pronto atendimento;

VII -    Executar outras tarefas correlatas que lhe forem determinadas pelo Presidente;

b) Assessor Legislativo, nos Gabinetes dos Vereadores (art. 15):

I-            Recepcionar pessoas que procuram contatar o vereador, , inteirando-se dos assuntos a serem tratados, objetivando prestar-lhes as informações desejadas;

II-           Receber sugestões da população acerca do funcionamento dos serviços prestados pela Câmara e comunicá-las ao Vereador;

III-         Atender e/ou efetuar ligações telefônicas, anotando recados ou prestando informações relativas aos serviços executados;

IV-          Providenciar a reprodução e encadernação de documentos, observando a ordem solicitada, assegurando seu pronto atendimento;

V-          Providenciar ou executar serviços externos na entrega ou retirada de documentos e outros serviços, para atender as necessidades do vereador;

VI-        Executar outras tarefas correlatas que lhe foram determinadas pelo Vereador;

c) Assessor Legislativo B (art.9º):

I-         Exercer atividades de assistência direta aos membros da Mesa Diretora nos compromissos de sua agenda;

II-    Auxiliar na organização da agenda de compromissos dos membros da Mesa Diretora;

III-        Tomar as devidas providências para que os membros da Mesa Diretora cumpram a programação de sua agenda;

IV-     Auxiliar no atendimento de munícipes que procuram a programação de sua agenda;

V-       Anotar recados e telefonemas destinados aos membros da Mesa Diretora;

VI -      Realizar pesquisas sobre a administração e demais assuntos para subsidiar os estudos e ações da Mesa Diretora;

VII -     Alertar o superior sobre os prazos de processos em tramitação pelos diversos órgãos municipais;

VIII-   Prestar assistência, quando solicitado, na preparação de trabalhos solicitados pelos membros da Mesa Diretora;

IX -      Executar outras tarefas correlatas que lhe forem determinadas pelos membros da Mesa Diretora;

  

          Tais atividades, como se pode observar, são nitidamente técnicas, burocráticas ou operacionais, subalternas que não exigem qualquer vínculo de confiança com o administrador público, revelando, desta forma, a criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão, que ofende os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público, inscritos no art. 111, que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

 

III – CONCLUSÃO E PEDIDO

 

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade parcial  da Resolução n. 745, de 15 de dezembro de 2005, do Município de Ribeirão Pires, especificamente em relação aos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do Anexo II,  bem assim de todos os anteriores atos normativos que contenham as mesmas previsões, para se evitar o efeito repristinatório .

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 13 de julho de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 68.180/2010

Interessado:  Promotor de Justiça de Ribeirão Pires

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Resolução n. 745, de 15 de dezembro de 2005, da Câmara Municipal de Ribeirão Pires.

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face, parcialmente, da Resolução n. 745, de 15 de dezembro de 2005, da Câmara Municipal de Ribeirão Pires, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                    São Paulo, 13 de julho de 2010.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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