Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA, no exercício da
atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar n.º 734, de
26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da
Constituição Federal e artigo 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição
Estadual, com base nos elementos de
convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n.º 68.264/07), em, respeitosamente, promover perante esse
Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, postulando a inconstitucionalidade da Lei
Municipal n.º 2.976, de 7 de janeiro de 2005, art. 49 e 50, no tocante
à criação de 03 (três) cargos de Assessor Técnico, cargo de provimento em comissão –
Anexo I, Lei Municipal n. 2.996, de 25 de maio de 2005, art. 1º , art. 2º e 12,
no tocante à criação dos cargos de provimento de comissão de Assessoria Técnica
e Condutor e da Lei Municipal n. 3.087, de 24 de maio de 2006, art. 2º quanto à
modificação do inciso IX do art. 21, da Lei Municipal n. 2.976, de 17 de
janeiro de 2005, bem assim de todos os anteriores atos
normativos que contenham
previsão dos cargos ora impugnados, sempre de provimento em comissão (para se evitar o efeito repristinatório), da Câmara
Municipal de Cubatão.
A
primeira lei municipal criou os 03 (três) cargos de Assessor Técnico ( do
Prefeito). A segunda, a Assessoria
Técnica e Condutor, (do Prefeitos) como unidade administrativa integrante da
estrutura do Gabinete do Prefeito (art.13, VI, da Lei n. 2.976 de 17 de janeiro
de 2005), ao passo que a última lei,
regulamentou a atuação do Assessor Técnico (do Prefeito), no âmbito da Secretaria
dos Negócios Jurídicos.
A
Assessoria Técnica do Prefeito, foi criada pela Lei n. 1.986/91, sendo que a
tabela VII, consta como atribuições do assessor técnico:
I-
realizar estudos para a formulação da política e das diretrizes a serem fixadas
pelo Poder Executivo;
II-
analisar processos de interesse do Legislativo e encaminhá-los às Unidades
competentes;
III-
assessorar o Prefeito no controle da Execução de planos e programas;
IV-
preparar despachos e atos normativos do Prefeito, em matéria técnica
administrativa;
Como se vê, os
dispositivos legais criaram, respectivamente, 03 (três) cargos de Assessor
Técnico do Prefeito de provimento em comissão, a Assessoria Técnica do Prefeito
e Condutor como unidade administrativa integrante da estrutura do Gabinete do
Prefeito (art.13, VI, da Lei n. 2.976 de 17 de janeiro de 2005), ao passo que a
última lei, regulamentou a atuação do
Assessor Técnico do Prefeito, no âmbito da Secretaria dos Negócios Jurídicos.
Contudo,
houve afronta aos artigos 111 e
115, II e V e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. De fato,
assim dispõem as referidas normas
constitucionais:
'Art.
111 - A administração pública
direta, indireta ou funcional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá os princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade,
finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
Art. 115
- Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
II
- a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em
concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de
livre nomeação e exoneração (...)
V – As funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção,
chefia e assessoramento (...)’
Art. 144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.”
A Constituição em vigor consagrou
o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo,
integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise
dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (Cf. Alexandre de Moraes, in
“Direito Constitucional”, Atlas, 7.ª ed., p. 261).
Essa autonomia
consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano, muito pelo
contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos
pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (Cf. De Plácido e
Silva, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Rio de Janeiro, Volume I, 1984, p.
251), sendo definida por José Afonso da
Silva como “a capacidade ou poder de gerir os
próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que
no caso é a Constituição (Cf. “Curso de Direito Constitucional Positivo”,
Malheiros Editores, São Paulo, 8.ª ed., 1992, p. 545).
A
autonomia municipal se assenta em
quatro capacidades básicas: (a)
auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do
Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência
de elaboração de leis municipais sobre
áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) auto-administração ou administração
própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (Cf. José Afonso
da Silva, ob. cit., p. 546).
Nessas
quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política
(capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa
(administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade
de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma
característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).
Assim,
por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades
municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas
conveniências locais. E, na
organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz
provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os
deveres e direitos de seus servidores (Cf. Hely Lopes Meirelles, in “Direito
Municipal Brasileiro”, Malheiros Editores, São Paulo, 1996, 8.ª edição, p. 420).
Contudo, a liberdade conferida aos
Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada;
ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se
faça por lei; (b) a que prevê a
competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância
das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e
loc. cits.)
Feitas essas observações iniciais,
verifica-se neste caso que a Câmara Municipal de Cubatão, ao criar os cargos de
Assessor Técnico do Prefeito, de provimento em comissão e a Assessoria Técnica
e Condutor Jurídico, como unidade administrativa integrante da estrutura do
Gabinete do Prefeito (art.13, VI, da Lei n. 2.976 de 17 de janeiro de 2005), os
fez, para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais,
próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza
profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por
essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.
Segundo
RUY CIRNE LIMA (“Princípios de
Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público
profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a)
natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho
profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter
permanente dessa vinculação.
Desse modo, nitidamente
diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções
profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro
estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o
disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só
podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.
Na
verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção,
chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC
n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes
políticas traçadas.
Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à
orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de
provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha
fixada pelo agente político superior.
Daí
por que a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da
Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas
as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da
Constituição da República, tem alcance limitado à situações excepcionais,
relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso
público.
Nesse
sentido, também, não se pode olvidar, quanto ao fato de que a criação de todo e
qualquer cargo público deve se pautar no atendimento de uma necessidade
efetiva, real, da Administração. No que concerne aos cargos em comissão, é vedado o
artificialismo da motivação para sua
criação, pois, não raro, tais cargos somente se prestam a atender
interesses menores, com
total afastamento do dever de acatamento aos princípios constitucionais
da eficiência e da impessoalidade. Necessidade, na sua acepção jurídica, revela
a natureza daquilo que se mostra indispensável, imprescindível. Todavia, analisando-se que atuam na
Municipalidade de Cubatão, 21 (vinte e um) Procuradores do Município, aprovados
mediante regular concurso público, vê-se que não
buscaram eles atentarem para o
que estabelece a Constituição da República, ao prever as hipóteses restritas e excepcionais do
comissionamento de um cargo público: atribuições de direção, chefia e
assessoramento (art. 37, inciso V).
Torna-se
evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal,
de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão,
que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.
Bem
a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, o jurista MARCIO CAMMAROSANO deixou anotado que o
princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o
que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Cf. “Provimento de Cargos Públicos no
Direito Brasileiro”, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.ª ed., p. 45).
Assim,
para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em
burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo
37, incisos I e II, da Constituição
da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem
desempenhadas, pois, no dizer de CELSO
ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade,
Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado
construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.
Afinado
a esse mesmo entendimento, HELY LOPES
MEIRELLES (“Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, 18.ª ed., p.
378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que
“a criação de cargo em comissão em
moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento
jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento
da exigência constitucional de concurso”.
E, da mesma forma, já
decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público
não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o
exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o
regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)
Nesse
contexto, não existe qualquer necessidade do estabelecimento de vínculo de
confiança para o exercício do cargo de Assessor Técnico, constante da Lei n.
2.976, de 17 de janeiro de 2005, Anexo I, bem como, para a criação da
mencionada Assessoria Técnica e Condutor.
Na
esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art.
115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a
situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao
exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso
público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse
público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e
assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de
confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses
parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa
natureza.
Os
cargos, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam
como cargos ou funções de administração superior, ou mesmo de “direção, chefia
e assessoramento”, que exija relação de confiança ou especial fidelidade às
diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargo comum, de
natureza profissional, que deve ser assumido em caráter permanente por
servidores aprovados em concurso.
Bem a propósito, ao
examinar iniciativa semelhante, o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de
Justiça (ADIn. n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA) entendeu por bem
declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora de
cargos em comissão, cuja natureza não correspondia às características próprias
dessas funções.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI n. 3706/MS[1], e
apreciar caso semelhante, declarou a inconstitucionalidade de Lei Estadual que
criou cargo em comissão que tem atribuição meramente técnica:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA CARGOS
Conclui-se, portanto, que as leis municipais impugnadas no
ponto em que criou os cargos de Assessor Técnico de provimento em comissão e a
Assessoria Técnica, que não dependem para o seu exercício do estabelecimento de
qualquer vínculo de confiança com a autoridade nomeante, são verticalmente
incompatíveis com os arts. 111 e 115, incisos II e V, da Constituição do Estado de São Paulo, cuja
observância é obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144 dessa mesma
Carta, impondo-se, por conseguinte, a sua exclusão da ordem constitucional em
vigor.
DA SUSPENSÃO LIMINAR
Quando se
trata do controle normativo
abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos requisitos
concernentes ao fumus
boni juris e ao periculum in mora,
o poder geral de cautela autoriza a suspensão de eficácia no tocante à criação dos cargos de Assessor Técnico de provimento em
comissão, constante do Anexo I, da Lei
Municipal n.º 2.976, de 17 de janeiro de 2005, art. 49 e 50, da Lei Municipal n. 2.996, de 25 de maio de
2005, art. 1º , art. 2º e 12, no tocante à criação da Assessoria Técnica e
Condutor, e da Lei Municipal n. 3.087,
de 24 de maio de 2006, art. 2º quanto à modificação do inciso IX do art. 21, da
Lei Municipal n. 2.976, de 17 de janeiro de 2005. Os mencionados cargos de provimento em comissão estão lotados, gerando despesas para
o Erário e causando, diariamente,
situações de instabilidade jurídica, tendo em vista a
eiva na criação dos mesmos.
Neste
caso, tais requisitos se fazem presentes, de modo que está translúcida a
conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia dos dispositivos
questionados. E não é difícil demonstrá-la eis que delineada a situação de risco.
Com efeito,
no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para
defesa da Constituição, o juízo de
conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal,
preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente
inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel.
Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC
540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Necessária, pois, a Medida
Cautelar, que se requer.
Ante o exposto, é a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
para, com a juntada das informações
pertinentes do senhor Prefeito e da Câmara
de Vereadores de Cubatão, seja declarada a inconstitucionalidade no
tocante à criação dos cargos de Assessor Técnico de provimento em comissão,
constante do Anexo I, da Lei Municipal
n.º 2.976, de 17 de janeiro de 2005, art. 49 e 50, da Lei Municipal n. 2.996, de 25 de maio de
2005, art. 1º , art. 2º e 12, no tocante à criação da Assessoria Técnica e
Condutor, e da Lei Municipal n. 3.087,
de 24 de maio de 2006, art. 2º quanto à modificação do inciso IX do art. 21, da
Lei Municipal n. 2.976, de 17 de janeiro de 2005, bem assim de
todos os anteriores atos normativos que contenham previsão do cargo ora impugnado, sempre de provimento
em comissão (para se evitar o efeito
repristinatório), da Câmara
Municipal de Cubatão.
São
Paulo, 19 de maio de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de
Justiça