Excelentíssimo Senhor Desembargador
Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no exercício da atribuição prevista no
artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar n. 734, de 26 de novembro de 1993, e
em conformidade com o disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, IV, da
Constituição Federal e artigo 74, VI, e 90, III, da Constituição Estadual, vem,
respeitosamente, promover perante esse Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com
pedido liminar, em face da Lei n. 3.723, de 28 de abril de 2008, do
Município de Pirassununga, por contraste
aos artigos 1º, 5º, 24, § 2º, 2, 47, II e XIX, a,
111, 144, 219, parágrafo único e 233, V, da Constituição do Estado de São Paulo, pelos motivos de fato
e de direito a seguir expostos:
1. A
Lei n. 3.723, de 28 de abril de 2008,
do Município de Pirassununga, de iniciativa parlamentar e após a
rejeição do veto, tem a seguinte redação:
“Art. 1º. Fica proibido no âmbito do
Município, através da Rede Municipal de Saúde ou Secretaria Municipal da Saúde,
a distribuição da ‘pílula do dia seguinte’.
Art. 2º. Fica proibido, igualmente, a distribuição e
implantação do DIU Dispositivo Intra Uterino pela Rede Municipal de Saúde ou
Secretaria Municipal da Saúde.
Art. 3º. O
descumprimento da presente lei, gerará ao infrator multa de 30.000 UFM
(Unidades Fiscais do Município).
Art. 4º. O
Executivo Municipal poderá por Decreto, regulamentar a presente lei, no tocante
ao seu cumprimento.
Art. 5º. Esta
Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário”.
2. O dispositivo legal, de iniciativa
parlamentar, contrasta vários princípios constitucionais porque, em síntese:
a)
disciplinou assunto que se insere na competência legislativa (concorrente) da
União e dos Estados Federados, (art. 24, XII - proteção e defesa da saúde), bem assim na competência material da
União e dos Estados para a formulação e execução de políticas globais de
atendimento e procedimentos referentes à Saúde (art. 200, I, da Constituição da
República, arts. 219, parágrafo único e art. 223, V, da Constituição do Estado
de São Paulo), desrespeitando os artigos 1º, 24, 111 e 144, 219, parágrafo único, e 223,
V, da Constituição do Estado;
b) por ser de
iniciativa parlamentar, violou o princípio da separação de poderes (arts. 5º,
24, § 2º, 2, e 47, II e XIX, a, da
Constituição do Estado), dado que se trata de matéria administrativa,
concernente à organização e ao funcionamento de serviço público, da competência
do Poder Executivo.
3. Com efeito, assim dispõem as referidas
normas constitucionais:
“Art. 1º. O Estado de São Paulo,
integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não
lhe são vedadas pela Constituição Federal.
(...)
Art. 5º. São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art.
(...)
§ 2º. Compete, exclusivamente, ao
Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
2 - criação das Secretarias de
Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;
(...)
Art. 47. Compete privativamente ao
Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos
Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIX – dispor, mediante decreto,
sobre:
a) organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos;
(...)
Art.
(...)
Art. 144. Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto
organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Art.
Parágrafo único - Os Poderes
Públicos Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante:
1 - políticas sociais, econômicas
e ambientais que visem ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da
coletividade e à redução do risco de doenças e outros agravos;
Art. 223. Compete ao sistema único
de saúde, nos termos da lei, além de outras atribuições:
(...)
V - a organização, fiscalização e
controle da produção e distribuição dos componentes farmacêuticos básicos,
medicamentos, produtos químicos, biotecnológicos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros de interesse para a saúde, facilitando à população o
acesso a eles (...)''.
4. Os parâmetros da Constituição da
República referidos pela Constituição do Estado (art. 1º e 144) são:
“Art. 1º. A República Federativa
do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como
fundamentos
(...)
Art. 24. Compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
XII - previdência social, proteção
e defesa da saúde;
(...)
Art. 200. Ao sistema único de
saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar
procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da
produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros
insumos (...)''.
5. A lei local impugnada invadiu,
inconstitucionalmente, área de competência legislativa da União e dos Estados (legislar sobre políticas
públicas de saúde) e da competência material dos mesmos, ou seja, a de formular
e executar as políticas públicas globais
em termos de Saúde Pública. Tratou de assunto que, sequer de longe, pode-se
afirmar como de interesse local. A Constituição da República é clara, ao prever
que aos Municípios somente:
“Art. 30 - Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber (...)”.
6. A distribuição de pílulas chamadas de anticoncepção
de emergência ou de dispositivos intra-uterinos são temas que não se inserem na
cláusula do interesse local para legitimar a intervenção normativa municipal,
sendo, obviamente, assunto de interesse geral ou nacional. Tampouco anima
competência suplementar, pois, como explica Fernanda Dias Menezes de Almeida,
''só cabe a suplementação em assuntos que digam respeito ao interesse local.
Nenhum sentido haveria, por exemplo,
7. Ademais, não se pode olvidar que o
Município somente pode suplementar a competência privativa de outros entes
federados, quando necessário ao exercício de sua competência material
privativa, o que não é o caso, obviamente. Neste sentido, a preclara
doutrinadora explica que “terá cabimento a legislação municipal suplementar
quando o exercício da competência material privativa do Município depender da
observância de normação heterônoma. Isto poderá ocorrer em relação à legislação
federal e à legislação estadual. Quanto à legislação federal, o Município
complementará ou suprirá normas gerais da União ao exercer, por exemplo, a
competência privativa de instituir os próprios tributos. De fato, a instituição
de tributos, por qualquer das esferas, se deve pautar pelas normas gerais de
Direito Tributário postas pela União. Nesse caso, o Município estabelecerá as
normas tributárias específicas (competência complementar) e poderá até mesmo
editar normas gerais, admitindo-se, em tese, que à União se omita em expedi-las
(competência supletiva). É possível ainda a legislação suplementar do Município
nas hipóteses em que, para o atendimento de competência material privativa, o
Município tenha que observar lei federal que à União caiba editar no exercício
de sua competência legislativa plena”.
8. E tanto a União quanto o Estado de São
Paulo exerceram sua competência legislativa na matéria. Na esfera federal,
existe a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de
9. Não há registro de que os medicamentos
e produtos vedados no âmbito municipal por força da lei local tenham sido
proibidos pelo legislador federal nem pelos órgãos e entidades administrativos
habilitados nessa esfera. Pelo contrário, são admitidos.
10. Se os motivos da proibição estão ligados
a credo religioso, com a indicação de que tais medicamentos e produtos seriam
abortivos, obtempere-se que não há qualquer fundamentação científica mais séria
para tal afirmação; e a convicção religiosa, por mais respeitável que seja, não
pode se transmudar em dever (norma jurídica); o Estado brasileiro é laico e
garante aos nacionais os seus direitos independentemente de convicção
religiosa (art. 5º,
VIII, Constituição da República).
11. Ademais, a Constituição da República
incentiva a paternidade responsável, estando claro que compete ''ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito'' (art.
226, § 7º, da Constituição da República).
12. O
Município invadiu tema sobre o qual não
dispõe de competência consittucional. Reinhold Zippelius aponta que: "O
Estado Federal, é, pois também uma reunião de Estados, mas organizada de tal
maneira que o seu conjunto constitui igualmente um Estado em si mesmo. Esse
conjunto das respectivas competências estatais no Estado Federal acha-se de tal
modo distribuído entre os órgãos do Estado Federal e os dos diferentes países
que o constituem, que o problema da hierarquia dessas competências fica sempre
como que suspenso e
13. Para HELY LOPES MEIRELLES, “estabelecida essa premissa é que se deve partir em busca dos assuntos da
competência municipal, a fim de selecionar os que são e os que não são de seu
interesse local, isto é, aqueles que predominantemente
interessam à atividade local. Seria
fastidiosa - e inútil, por incompleta - a apresentação de um elenco casuístico de
assuntos de interesse local do Município, porque a atividade municipal, embora
restrita ao território da Comuna, é multifária nos seus aspectos e variável na
sua apresentação, em cada
localidade. Acresce, ainda, notar a existência de matérias que se
sujeitam simultaneamente à regulamentação pelas três ordens estatais, dada sua
repercussão no âmbito federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais: Código Nacional de
Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário
Estadual) e o Município (serviços
locais: estacionamento, circulação, sinalização etc; regulamentos
sanitários municipais). Isso porque sobre cada faceta do assunto há um
interesse predominante de uma
das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município
a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local. Dentre os assuntos vedados ao Município, por
não se enquadrarem no conceito de interesse
local, é de se assinalar, a
título exemplificativo, a atividade jurídica, a segurança nacional, o serviço
postal, a energia em geral, a informática, o sistema monetário, a
telecomunicação e outros mais, que, por sua própria natureza e fins,
transcendem o âmbito local" (Direito
Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 12ª. ed., p. 135).
14. Por
outro lado, poderiam os autores da
Constituição do Estado, no exercício
do Poder Constituinte Decorrente, repetir, enfadonhamente, as normas de reprodução
obrigatória da Constituição da República, mas preferiram eles,
acertadamente diga-se, fórmula
sintética do art. 144, determinando, como não poderia deixar de ser, que
os princípios estabelecidos na Constituição Federal (somente princípios, não
regras) devessem ser observados obrigatoriamente pelos Municípios. Não foi outra a saída encontrada pelos
Constituintes nacionais, por exemplo, com o art. 25 da Constituição da
República, a determinar que os Estados se organizem segundo os princípios da
Constituição da República, sem explicitá-los, também enfadonhamente. Tal
dispositivo guarda correspondência com o art. 144 da Constituição do
Estado de São Paulo.
15. O princípio federativo adotado no art.
1.º da Constituição do Estado de São Paulo é ''a rigor, um grande sistema de
repartição de competências', sendo
esta 'a chave da estrutura do poder
federal' ou 'a grande questão do federalismo', e ainda
'um problema tipicamente do estado federal''' (Raul Machado Horta e Durand,
citados por Fernanda Dias Menezes de Almeida). E com KLAUS STERN nota-se
que ‘
16. A doutrina já resolveu a questão dos
princípios que devem os Estados observar (o que, obviamente, aplica-se aos
Municípios, já agora por força do art. 144 da Constituição
do Estado). Ao comentar sobre o conteúdo do art. 25 da Constituição da
República, a direcionar as competências dos Estados (como o art. 144 da
Constituição do Estado condiciona as competências dos Municípios), Manoel Gonçalves
Ferreira Filho refere-se à existência
das “regras de preordenação institucional”, “regras de extensão
normativa” e “regras de subordinação normativa”, inseridas na Constituição da
República, vinculantes para os demais entes políticos, pronunciando que “ainda cerceiam
a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa. São
estas as que, presentes na própria
Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes federativos
(União, Estados, Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que será
editada por eles. E isto, ou orientando positivamente tal conteúdo (mandando
que siga determinada linha), ou negativamente (proibindo que adote certas
normas ou soluções). Exemplo de tais regras
de subordinação normativa é o que decorre do art. 37 da
Constituição brasileira, que preside à atuação da administração pública direta
ou indireta. Da mesma forma, o art. 39 da
Constituição direciona diretamente a legislação dos Estados (bem como do
Distrito Federal e dos Municípios) quanto aos servidores públicos. Observe-se que esta subordinação
normativa pode ser direta ou indireta. Ela é direta (e imediata) quando deflui,
sem intermediário, da Constituição Federal e obriga desde logo o legislador. É
indireta (e mediata) quando se faz por meio da legislação federal obrigatória
para os Estados. Esta ‘subordinação normativa indireta’ ocorre no campo da
competência legislativa concorrente da União e dos Estados (bem como do
Distrito Federal), que enuncia o art. 24 da Constituição brasileira. Com
efeito, este artigo confere à União a competência de ‘estabelecer normas gerais’
(art. 24, § 1.°). Conseqüentemente, a estas normas gerais se subordinam as que
os Estados editarem em vista de suas peculiaridades (art. 24, §§ 2.°, 3.° e
4.°)” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo: Saraiva,
1997, v. I, p. 197).
17. A norma da Constituição da República já
predefiniu a legislação municipal negativamente
proibindo que adote certas normas ou soluções. Claro que,
apenas por não repetir explicitamente os princípios da Constituição da
República, não significa que os Municípios fiquem livres para (em uma curiosa
situação então) dispor de mais poderes constituintes que o Estado (já que não se discute que, quando a
este, seu Poder Constituinte Decorrente
é limitado). Trata-se do artigo 144 da Constituição do Estado de norma de
repetição obrigatória. Neste sentido, coleta-se que “as normas centrais da
Constituição Federal, tenham elas natureza de princípios constitucionais, de
princípios estabelecidos ou de normas de preordenação, afetam a liberdade
criadora do Poder Constituinte Estadual e acentuam o caráter derivado desse
poder. Como consequência da subordinação à Constituição Federal, que é a matriz
do ordenamento jurídico parcial dos Estados-membros, a atividade do
constituinte estadual se exaure, em grande parte, na elaboração de normas de reprodução,
mediante as quais faz o transporte da Constituição Federal para a Constituição
do Estado das normas centrais, especialmente as situadas no campo das normas de
preordenação A tarefa do constituinte
limita-se a inserir aquelas normas no ordenamento constitucional do estado, por
um processo de transplantação. A norma de reprodução não é, para os fins da
autonomia do Estado-membro, simples
norma de imitação, frequentemente
encontrada na elaboração constitucional. As normas de imitação exprimem a cópia
de técnicas ou de institutos, por influência da sugestão exercida pelo modelo
superior. As normas de reprodução decorrem do caráter compulsório da norma
constitucional superior, enquanto a norma de imitação traduz a adesão
voluntária do constituinte a uma determinada disposição constitucional. (Raul
Machado Horta. Poder constituinte do estado-membro, RDP, 88/5).
18. A repartição
de competências é a “chave de abóbada” do sistema federal; conspurcada
aquela conspurca-se este. É o que ocorre no caso dos autos, com a
violação, pelo Município, de princípios constitucionais sensíveis.
19. Curial ponderar, a propósito, que a
invasão da competência normativa alheia é tão óbvia como revela o confronto da
lei local com a lei federal. Com efeito, a Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de
1996, dispondo sobre o planejamento familiar indica como uma das ações estatais
a assistência à contracepção (enquanto a lei local transita na contramão de
direção), in verbis:
“Art. 3º. O planejamento familiar é parte integrante
do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma
visão de atendimento global e integral à saúde.
Parágrafo único - As instâncias
gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das
ações previstas no caput,
obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a
atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde,
em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre
outras:
I - a assistência à concepção e
contracepção;
(...)
Art. 5º - É dever do Estado,
através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias
componentes do sistema educacional, promover condições e recursos informativos,
educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do
planejamento familiar”.
20. Neste sentido, este egrégio Tribunal de
Justiça concluiu em ação direta de inconstitucionalidade patrocinada pela
Procuradoria-Geral de Justiça:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei que dispõe sobre
a proibição de distribuir os medicamentos de anticoncepção de emergência pela
Rede Pública de Saúde Municipal. Inconstitucionalidade configurada tanto frente
à Constituição Federal quanto frente à Constituição Estadual. Ação procedente”
(TJSP, ADI 122.675-0/0-00, Órgão Especial, São Paulo, Rel. Des. Vallim
Bellocchi, m.v., 31-05-2006).
21. Por outro lado, a lei local impugnada é
de iniciativa parlamentar, violando, igualmente, o princípio da separação de
poderes, eis que disciplina atribuições a órgãos do serviço público - aqueles
integrantes da Rede Pública de Saúde -, integrantes do Poder Executivo. Ora,
tal matéria é da alçada privativa do Poder Executivo por dizer respeito à
organização e funcionamento de seus órgãos encarregados da prestação de serviço
público (arts. 24, § 2º, 2, e 47, II e XIX, a,
da Constituição do Estado de São Paulo). Ou seja, ou a matéria é da iniciativa
legislativa reservada ou é da competência privativa do Poder Executivo. Neste
sentido, colhe-se da jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA
PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art.
61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157,
de 2002, do Espírito Santo.
I. - É
de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação,
estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art.
61, § 1°, II, e, art. 84, II e
VI.
II. -
As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito
à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos
Estados-membros.
III. -
Precedentes do STF.
IV - Ação direta
de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
22. Aliás, sobre o específico tema referente
a leis municipais de igual jaez, dos Municípios de Jacareí e Cachoeira
Paulista, este egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a
inconstitucionalidade por violação ao princípio da separação dos poderes (ADI
124.920-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Reis Kuntz, m.v., 24-05-2006; ADI
126.502-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Canguçu de Almeida, m.v.,
24-05-2006).
23. A administração da cidade incumbe ao que,
modernamente, chama-se de Governo, e que tem na lei seu mais
relevante instrumento,
participando, sempre, o Poder Legislativo na
função de aprovar-desaprovar os atos. Neste sentido,
não se deve olvidar que “O poder governante é
que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade garantida,
necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral, delegatária,
também, de importantes porções da função legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar solenemente o 'indirizzo
politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o
admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante
também com outros meios (investigações,
comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das escolhas feitas no
'indirizzo governativo'." (Giovanni Bognetti.
In Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET).
24. A proibição da distribuição de um
determinado medicamento ou produto ou de uma atividade prestada por serviço de
relevância pública não é matéria do domínio da Câmara Municipal, que sempre
legisla in genere. O Poder Legislativo
não emite ordens ao Poder Executivo, no seu campo específico de atuação (princípio
da reserva de administração). Ao que
pretende chegar a Câmara Municipal citada, melhor se denominaria como um sistema diretorial, não
presidencial de governo, que se
caracteriza, aquele, essencialmente,
''pelo fato de que o órgão político e
governamental é a Assembléia
(Parlamento, Corpo Legislativo).
Esta, na verdade, é quem toma
as decisões de política geral, sob a forma de diretrizes (além de votar as
leis), como é quem elege uma Comissão (Diretório), a qual desempenha as tarefas
do Executivo, juridicamente preso às diretivas emanadas da
Câmara. Esse 'Legislativo' é,
assim, e mais que tudo, um Poder 'Deliberativo'. O Diretório, ou seja, o
conjunto de ministros fica incumbido de executar as decisões desse Poder, cada
um no campo de sua competência. Não tem ele, consequentemente, política
própria. Seus membros são, como elegantemente se diz, comissários da
Assembléia, obrigados a fazer o que esta determinar” (Manoel
Gonçalves Ferreira Filho. A democracia no
limiar do Séc. XXI, São Paulo: Saraiva, p. 203).
25. Há competências claras do Poder
Executivo; o princípio da legalidade deve ser, ultrapassado de há muito o
liberalismo, bem compreendido. Ademais, a falta de razoabilidade da medida
prevista na lei é clara. Ora, proibir a distribuição de medicamento em município,
sendo que o mesmo produto está à venda livremente nas farmácias do mesmo município,
não é, sequer minimamente, razoável. O excesso, portanto, contamina
materialmente a lei local, sem olvidar os vícios de finalidade da lei local
que, simplesmente, exonera o poder público do cumprimento de suas obrigações
positivas (direitos de segunda geração) ligados à satisfação dos direitos de
igualdade dos cidadãos.
26. Tendo em vista a imediata vigência da
lei, autêntica superfetação de legislação já existente, a impedir a
distribuição de medicamentos e produtos contraceptivos, torna-se necessária a
liminar. Quando se trata do controle normativo abstrato e desde que haja a
cumulativa satisfação dos requisitos concernentes ao fumus boni juris e ao periculum
in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão de eficácia de dispositivos
legais impugnados, até o advento da decisão final.
27. Neste caso, tais requisitos se fazem
presentes, de modo que está translúcida a conveniência de sustar,
provisoriamente, a eficácia dos dispositivos questionados. De resto, ainda que não houvesse essa
singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da
medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos
cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um
critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do
Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU 04-05-1990, p.
3.693, Rel. Min. Celso de Mello; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ
142/52; ADI-MC 540, DJU 25-09-1992, p. 16.182).
28. Face ao exposto,
requer-se:
a) a
concessão de liminar suspendendo a eficácia da lei impugnada até final
julgamento da lide e o processamento do feito observando as prescrições legais
e regulamentares;
b) a
colheita das informações necessárias dos Excelentíssimos Senhores Prefeito e
Presidente da Câmara Municipal de Pirassununga, sobre as quais protesta por
manifestação oportuna;
c) a oitiva do
douto Procurador-Geral do Estado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição
Estadual;
d) ao final,
seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade da
Lei n. 3.723, de 28 de abril de 2008, do Município de Pirassununga.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 17 de julho de 2008.
Fernando
Grella Vieira
Procurador-Geral de
Justiça