Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

             O Procurador-Geral de Justiça, com fundamento nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição Estadual, no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734/93, e nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e com base nos elementos de convicção constantes do expediente anexo (Protocolado n. 75.231/08), vem, respeitosamente, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, em face do número 2 da alínea b e da alínea e do inciso II do art. 3º, da alínea c do art. 5º, do inciso I do § 1º do art. 40, do art. 41, da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997, do inciso III do art. 8º da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997 (na redação dada pela Lei Complementar n. 252, de 16 de novembro de 1999), da alínea f do inciso II do art. 3º da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997 (na redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000), da alínea b do inciso I do art. 3º e do art. 5º, da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000, do art. 1º da Lei Complementar n. 420, de 12 de dezembro de 2003, do art. 4º da Lei Complementar n. 268, de 28 de dezembro de 1999, do art. 2º da Lei Complementar n. 374, de 11 de junho de 2002 e do Decreto n. 1.070-A, de 30 de novembro de 1999, do Município de São Vicente, por violação aos arts. 111, 115, II e V, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo e ao art. 18 do Ato de suas Disposições Transitórias, consoante os motivos seguir expostos:

 

1.           A Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997, dispõe sobre a organização administrativa da Prefeitura de São Vicente e prevê que:

“Art. 3º. O Gabinete do Prefeito é integrado pelas seguintes unidades administrativas:

(...)

II – Chefia de Gabinete, considerada Secretaria para efeito hierárquico, constituídas das seguintes unidades administrativas:

(...)

b – Assessoria Técnica Legislativa, considerada Secretaria para efeitos hierárquicos, compostas das seguintes unidades de serviço:

(...)

2 – Redação-Revisão, considerada Departamento para efeito hierárquico;

(...)

e – Oficiais de Gabinete, com 6 (seis) cargos, considerados Departamento para efeito hierárquico.

(...)

Art. 5º. O Gabinete do Vice-Prefeito constitui-se da Chefia de Gabinete do Vice-Prefeito, considerada Diretoria para efeito hierárquico, estando a ela subordinados:

c – Oficiais de Gabinete, com 2 (dois) cargos considerados Departamento para efeito hierárquico.

(...)

Art. 40. O Regimento Interno da Prefeitura será baixado por Decreto do Prefeito, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da vigência desta Lei Complementar.

§ 1º. O Regimento Interno explicitará:

I – as atribuições específicas e comuns dos cargos de direção, chefia e serviço;

(...)

Art. 41. Ficam criados os cargos de provimento em comissão previstos nesta Lei Complementar, com as referências e valores a seguir indicados, e extintos os cargos da mesma natureza não constantes desta Lei Complementar.

Cargo               Referência         Valor – Grau “A”

Secretário                  13                    R$ 1.490.87

Diretoria                   12                    R$ 1.242,35

Departamento            11                    R$ 1.035,29

Serviço                     6                      R$    416,05

Art. 42. Os cargos em comissão são de livre indicação e provimento pelo Prefeito, atendidas as exigências legais e serão exercidos, preferencialmente, por servidores municipais ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional” (fls. 81/108).

 

2.           A Lei Complementar n. 147/97 também previa que:

“Art. 8º. A Secretaria dos Negócios Jurídicos constitui-se da Chefia de Gabinete do Secretário, considerada Diretoria para efeito hierárquico, estando a ela subordinadas as seguintes unidades administrativas:

(...)

III – Auxiliar de Serviços Forenses, com 2 (dois) cargos, de livre provimento entre estudantes do último ano de Direito, considerada Diretoria para efeito hierárquico” (fls. 84/85).

3.           Entretanto, a Lei Complementar n. 252, de 16 de novembro de 1999, alterou o inciso III que passou a ter a seguinte redação:

III – Assessoria de Serviços Forenses, com 2 (dois) cargos, de livre provimento entre bacharéis de Direito, considerada Diretoria para efeito hierárquico” (fl. 110).

 

4.           A Lei Complementar n. 268, de 28 de dezembro de 1999, assim prevê:

“Art. 1º. O Quadro Geral de Cargos da Prefeitura passa a constituir-se na forma dos Anexos I e II à presente Lei Complementar, e compreende:

I – Quadro Permanente:

(...)

c) cargos de provimento em comissão, disciplinados em legislação específica (...)

(...)

Art. 4º. Os servidores estáveis, admitidos mediante concurso público, e os estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, serão enquadrados nos cargos constantes do Anexo I, ficando automaticamente extintos os cargos indicados na coluna ‘situação anterior’.

§ 1º. O enquadramento observará a equivalência entre as funções do novo cargo e as daquele de que o servidor é titular, satisfeitos os requisitos para provimento estabelecidos no Anexo III desta Lei Complementar.

§ 2º. A falta dos requisitos para provimento será suprida pela comprovação de, pelo menos, 3 (três) anos de efetivo exercício no cargo atual” (fls. 111/116).

 

5.           A Lei Complementar n. 333, de 28 dezembro de 2000, estabelece que:

“Art. 1º. A Lei Complementar nº 147, de 02 de janeiro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(...)

V – Art. 3º, inciso II, acrescido da alínea ‘f’:

‘f – Secretária, considerada Departamento para efeito hierárquico’.

(...)

Art. 3º. O Distrito da Área Continental, criado através da Lei Complementar nº 231, de 19 de abril de 1999, passa a funcionar com a seguinte estrutura administrativa:

I – Subprefeitura da Área Continental, considerada Secretaria para efeito hierárquico, integrada pela Chefia de Gabinete do Subprefeito, considerada Diretoria para efeito hierárquico, e constituída pelas seguintes unidades:

(...)

b – Oficiais de Gabinete, com 2 (dois) cargos, considerados Departamentos para efeito hierárquico.

(...)

Art. 5º. Ficam criados na Secretaria das Administrações Regionais 30 (trinta) cargos de Mestre de Manutenção, Referência G, de livre provimento do Prefeito dentre os servidores da Prefeitura” (fls. 182/197).

 

6.           A Lei Complementar n. 374, de 11 de junho de 2002, preceitua que:

Art. 2º. Os servidores estáveis, admitidos mediante concurso público, e os estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, ocupantes dos cargos de Operador de Computador constantes do Anexo I da Lei Complementar nº 267/99, Quadro Permanente – Cargos Destinados à Extinção na Vacância, serão enquadrados nos cargos de Operador de Sistemas, constantes do referido Anexo I, ficando automaticamente extintos os respectivos cargos de Operador de Computador” (fls. 207/209).

 

7.           A Lei Complementar n. 420, de 12 de dezembro de 2003, assim dispõe no art. 1º:

Art. 1º. Ficam criados em cada Departamento da Supervisão das Administrações Regionais, vinculado a bairros ou áreas de risco, previsto no art. 25 da Lei Complementar nº 147, de 2 de janeiro de 1997, alterada pela Lei Complementar nº 333, de 28 de dezembro de 2000, 7 (sete) cargos de Encarregado de Serviços Comunitários, providos conforme o estabelecido na alínea ‘c’ do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 268, de 28 de dezembro de 1999 (fls. 1590/1610).

 

8.           O Decreto n. 1.070-A, de 30 de novembro de 1999, regulamenta a Lei Complementar n. 147/97, fixando atribuições e organizando competências, nos seguintes termos:

“Art. 1º. O presente Decreto dispõe sobre:

I – a organização e atribuições dos órgãos administrativos;

II – as atribuições específicas e comuns aos cargos de provimento em comissão;

(...)

Art. 3º. Os cargos de provimento em comissão, cuja investidura importa em atribuições e exercício de autoridades, são:

(...)

IV – Chefes de Departamento, Assessores e Oficiais de Gabinete” (fls. 277/280).

 

9.           Esse decreto descreve as atribuições de Secretarias (art. 4º), Diretorias, Assistências e Coordenadorias de Áreas (art. 5º), e de Chefias de Departamento e Assessorias (art. 6º), sendo completamente omisso em relação aos demais cargos de provimento em comissão como os Oficiais de Gabinete e a Secretária.

 

10.         Com efeito, apenas no art. 7º estabelece que “independentemente das atribuições próprias, todo servidor ocupante de cargo em comissão deverá prestar colaboração, por determinação superior, em qualquer atividade da Administração que seja de interesse para a plena execução das metas de governo, visando à total eficiência do serviço público e ao atendimento aos munícipes”.

 

11.         Segundo as informações prestadas pela Prefeitura Municipal de São Vicente, a organização administrativa conta com 7.403 cargos e empregos no quadro permanente, sendo 4.289 providos. Dentre os cargos ou empregos de provimento efetivo, dos 6.817 criados 3.711 estão providos. Por sua vez, dos 586 cargos de provimento em comissão criados 578 estão providos (fls. 1612/1613). Além disso, informou os servidores estabilizados com lastro no art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal que foram investidos em cargos de provimento efetivo (fl. 1590).

 

12.         Desse grande número de cargos de provimento em comissão criados na estrutura administrativa da Prefeitura de São Vicente e que, abaixo dos Secretários, compreendem Diretores, Assistentes e Coordenadores de Área, Chefes de Departamentos, Assessores e Oficiais de Gabinete, Redator-Revisor, Secretaria, Mestres de Manutenção e Encarregados de Serviços Comunitários.

 

13.         Segundo as informações prestadas a Prefeitura Municipal de São Vicente tem 15 (quinze) Oficiais de Gabinete, 01 (uma) Secretaria, 01 (um) Assessor de Serviços Forenses, 30 (trinta) Mestres de Manutenção, 42 (quarenta e dois) Encarregados de Serviços Comunitários e 01 (um) Redator-Revisor, cargos esses de provimento em comissão, como acima historiado.

 

14.         Além desses cargos não refletirem nem traduzirem atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se permite a liberdade de provimento em virtude da relação de confiança e da execução de diretrizes no nível político-governamental, suas funções sequer são definidas na lei ou em outro ato normativo.

 

15.         Com relação aos demais cargos de provimento em comissão, como Secretárias, Chefias de Departamentos, Assistências, Coordenações de Área, Diretorias e Assessorias têm suas atribuições estabelecidas em decreto – o Decreto n. 1.070-A/99.

 

16.         As leis locais impugnadas revelam incompatibilidade vertical com os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

17.         E também com o art. 18 de suas Disposições Transitórias:

Artigo 18 - Os servidores civis da administração direta, autárquica e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público em exercício na data da promulgação desta Constituição, que não tenham sido admitidos na forma regulada pelo art. 37 da Constituição Federal, são considerados estáveis no serviço público, desde que contassem, em 5 de outubro de 1988, cinco anos continuados, em serviço.

§ 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título, quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do ‘caput’ deste artigo, exceto se tratar de servidor.

§ 3º - O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.

§ 4º - Para os integrantes das carreiras docentes do magistério público estadual não se considera, para os fins previstos no ‘caput’, a interrupção ou descontinuidade de exercício por prazo igual ou inferior a noventa dias, exceto nos casos de dispensa ou exoneração solicitadas pelo servidor”.

 

18.         A criação de cargos de provimento em comissão exige: a) a observância do princípio da legalidade estrita (legalidade absoluta; reserva de lei); b) a precisa descrição de suas atribuições na lei, sendo inadmissível a transmissão dessa exigência a norma sublegal ou regulamentar; c) o exercício de funções de assessoramento, chefia e direção, razão pela qual não se acomoda com a execução de atribuições técnicas, profissionais, burocráticas e permanentes para as quais não se exige relação de confiança.

19.          A ordem constitucional estadual, seguindo a diretriz constitucional federal, prestigia a autonomia municipal da qual decorre a capacidade de o ente local adotar normas próprias, respeitando as constituições federal e estadual em seus preceitos nucleares de observância compulsória, como expressão de sua autonomia legislativa e administrativa para disciplina dos cargos, funções e empregos públicos e seu respectivo regime jurídico, incluindo formas de provimento, requisitos, definição de atribuições, direitos, deveres e responsabilidades etc. As previsões dos arts. 111 e 115, II e V, da Constituição do Estado de São Paulo, de observância obrigatória pelos Municípios, nada mais fazem senão a reprodução do caput e o inciso II do art. 37 da Constituição Federal.

 

20.         É ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos a imperiosa necessidade de a lei específica respectiva descrever as correlatas atribuições. Não há dúvida que compete à lei - como expressão invulgar do princípio da legalidade administrativa em sua acepção mais estrita de reserva de lei, lei em sentido formal ou legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo oriundo do Poder Legislativo produzido mediante o competente e regular processo legislativo – ao criar o cargo público fixar suas atribuições - pois, todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287), à luz do art. 37, II, da Constituição Federal e do art. 115, II, da Constituição Estadual.

 

21.         A exigência desse conteúdo em lei não é burocrática nem formalista, é substancial ao Estado de Direito, pois, “todo cargo público só pode ser criado e modificado por norma legal aprovada pelo Legislativo” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 395-396). A criação e a modificação concernem não apenas à sua nomenclatura, senão também ao plexo de suas atribuições, valendo observar sua importância na medida em que “se a transformação ‘implicar em alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento’, que exige o concurso público” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 399), como julgado no Supremo Tribunal Federal (RTJ 150/26).

 

22.         Com efeito, “somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

 

23.         Nem se argumente com o art. 84, VI, a, da Constituição Federal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. Não bastasse, a alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal.

 

24.         O regulamento administrativo ou de organização é o que contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). E bem se explica que o regulamento previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, é “mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei”, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

 

25.         Com efeito, somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Vale dizer, quando se exige a descrição das atribuições a preocupação manifestada é relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados.

 

26.         De outra parte, a exigência igualmente se prende à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

 

27.         Como a regra na investidura em cargo ou emprego público é a prévia aprovação em concurso público, a exceção consistente na liberdade de provimento e exoneração impõe a observância de limites. Tais limites têm o escopo de impedir a transformação da exceção em regra e vice-versa e evitar a criação artificial, abusiva e indiscriminada de cargos de provimento em comissão de maneira a ruir o sistema do mérito – cujos baldrames são a igualdade e a moralidade de modo a viabilizar a escolha isenta e objetiva sem protecionismos, favorecimentos ou perseguições.

 

28.         Ofende tais princípios, assim como o de razoabilidade, a lei criar cargos de provimento em comissão à míngua do delineamento de suas atribuições ou com atribuições que nenhuma relação de confiança reclama. Com efeito, os cargos de provimento em comissão não são instituídos com ampla liberdade pelo legislador na medida em que são restritos àqueles cujas funções consistam nas atribuições de assessoramento, chefia e direção. Não há dado algum evidenciando que desempenharão funções de natureza política no seio administrativo em que o requisito da confiança justifique a liberdade de provimento. Ou melhor, como carecem da definição de suas atribuições a revelar alguma dessas hipóteses, não se revela razoável sua instituição pela impossibilidade de aferição do exercício de funções políticas ou de funções técnicas, burocráticas, permanentes, profissionais (estas, reservadas ontologicamente a cargos de provimento efetivo).

 

29.          Nem se argumente que esta exegese é restrita a funções de confiança. Em ambas situações (cargos de provimento em comissão e funções de confiança) há várias semelhanças: o requisito da confiança elementar (desenvolvimento das opções e diretrizes políticas governamentais), a limitação objetiva e formal (se destinam às funções lato sensu de direção, chefia e assessoramento, previstas em lei) e a instabilidade ou precariedade do vínculo (liberdade de provimento e exoneração). A distinção reside na limitação subjetiva do universo de seus ocupantes, afetando negativamente a discricionariedade administrativa.

 

30.         Isso se infere da leitura dos incisos II e V do art. 37 da Constituição Federal e dos incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, de maneira que a função de confiança (função pública stricto sensu) é reservada exclusivamente aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo - com o intuito de valorização profissional do servidor público (e de profissionalização do serviço público) e de restrição objetiva dos cargos de provimento em comissão aos níveis superiores de direção, chefia e assessoramento – enquanto os cargos de provimento em comissão podem ser exercidos por servidor público ou não.

 

31.         Considerando a intenção da norma em foco, resulta absolutamente correta a premissa de que a lei deve descrever as funções (competência) do cargo público para permitir a legalidade (lato sensu) da investidura, bem como seu controle e fiscalização, pela avaliação da subsunção da norma local às balizas da norma constitucional e, principalmente, para garantia da redução do nível de discricionariedade, sem embargo da precisão completa de sua competência.

 

32.         Soa absolutamente impossível a criação artificial e desarrazoada de cargos de provimento em comissão para o desempenho de funções (competências) de natureza técnica, profissional, burocrática, definitivas – reservadas aos cargos de provimento efetivo – em que não é imprescindível o vínculo de confiança, sob pena de ofensa aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, segurança jurídica e razoabilidade.

 

33.         Não bastasse a ausência de qualquer elemento que viabilizasse a definição ou especificação das atribuições dos cargos de Oficial de Gabinete, Secretaria, Assessor de Serviços Forenses, Mestre de Manutenção, Encarregado de Serviços Comunitários e Redator-Revisor, verifica-se, em concurso, que caracterizam simples funções técnicas, permanentes, profissionais e burocráticas que denotam da denominação desses cargos não comportam seu livre provimento, uma vez que não concentram atribuições de assessoramento, chefia e direção em que seja imprescindível o vínculo de confiança para o desenvolvimento de diretrizes políticas. Neste sentido, firme é a jurisprudência cerceando a abusiva, artificial e indiscriminada criação de cargos de provimento em comissão:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL Nº 099, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, DO MUNICÍPIO DE ILHA SOLTEIRA – CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO, DE LIVRE PROVIMENTO E EXONERAÇÃO – NATUREZA SOMENTE TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DOS CARGOS CRIADOS, MUITOS DE CARÁTER PERMANENTE, NÃO EXIGINDO DE SEUS OCUPANTES NENHUM VÍNCULO ESPECIAL DE CONFIANÇA OU FIDELIDADE COM O PREFEITO MUNICIPAL – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 111 E NO ART. 115, INCISOS I, II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO – AÇÃO DIRETA IMPROCEDENTE” (TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

 

"Lei estadual que cria cargos em comissão. Violação ao art. 37, incisos II e V, da Constituição. Os cargos em comissão criados pela Lei n. 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada procedente" (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007).

 

“Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local” (STF, RE-AgR 365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ 29-06-2007, p. 49).

 

“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30).

 

“Os dispositivos em questão, ao criarem cargos em comissão para oficial de justiça e possibilitarem a substituição provisória de um oficial de justiça por outro servidor escolhido pelo diretor do foro ou um particular credenciado pelo Presidente do Tribunal, afrontaram diretamente o art. 37, II da Constituição, na medida em que se buscava contornar a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, princípio previsto expressamente nesta norma constitucional” (STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16).

 

34.         Portanto, ao promover a criação de cargos de provimento em comissão que não refletem atribuições de assessoramento, chefia e direção e caracterizem funções típicas, rotineiras, permanentes, burocráticas, técnicas ou profissionais, próprias de cargos de provimento efetivo, as leis locais nos dispositivos impugnados (arts. 3º, II, b, 2, e, 5º, c, 41, da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997; art. 8º, III, da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997 na redação dada pela Lei Complementar n. 252, de 16 de novembro de 1999; art. 3º, II, f, da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997, na redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000; arts. 3º, I, b, e 5º, da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000; art. 1º da Lei Complementar n. 420, de 12 de dezembro de 2003), ofendem os arts. 111, 115, II e V, e 144, da Constituição Estadual que prestigiam os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público e segurança jurídica, e restringem os cargos de provimento em comissão às atribuições de assessoramento, chefia e direção.

 

35.         Ainda padece de inconstitucionalidade a Lei Complementar n. 147/97 no inciso I do § 1º do art. 40 quando delega a decreto do Poder Executivo a definição das atribuições desses cargos de provimento em comissão assim como dos demais, inconstitucionalidade que se notabiliza pela violação aos preceitos acima referidos e pela ofensa ao princípio da legalidade administrativa que reclama lei em sentido formal. Não é dado à lei transferir a exigência de descrição de suas atribuições a ato normativo subalterno. Neste sentido:

“O Tribunal julgou procedentes pedidos formulados em três ações diretas de inconstitucionalidade conexas, ajuizadas pelo Procurador-Geral da República e pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidade dos artigos 5º, I, II, e III, e 7º, I e III, todos da Lei 1.124/2000, do Estado do Tocantins, bem assim, por derivação, de todos os decretos do Governador do referido Estado-membro que, com o propósito de regulamentar aquela norma, criaram milhares de cargos públicos, fixando-lhes atribuições e remunerações. Preliminarmente, o Tribunal acolheu a questão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de afastar a prejudicialidade da ação, ao fundamento de que a revogação da lei impugnada pela Lei estadual 1.950/2008, quando já em pauta as ações diretas, não subtrairia à Corte a competência para examinar a constitucionalidade da norma até então vigente e as suas conseqüências. No mérito, entendeu-se que a autorização conferida pelo art. 5º da lei em questão ao Chefe do Poder Executivo de criar, mediante decreto, os cargos, afronta a norma constitucional emergente da conjugação dos artigos 61, § 1º, II, a, e 84, VI, a, da CF. Asseverou-se que, nos termos do art. 61, § 1º, II, a, da CF, a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração constituem objeto próprio de lei de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Ressaltou-se, também, que a regra constitucional superveniente inscrita no art. 84, VI, a, da CF, acrescida pela EC 32/2001, a qual autoriza o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal, não retroagiria para convalidar inconstitucionalidade, estando, ademais, sua incidência subordinada, de forma expressa, à condição de não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. Por fim, aduziu-se que, sendo inconstitucional a norma de lei que lhes daria fundamento de validez, inconstitucionais também seriam todos os decretos. Alguns precedentes citados: RE 446076 AgR/MG (DJU de 24.3.2006); ADI 1590 MC/SP (DJU de 15.8.97); ADI 2155 MC/PR (DJU de 1º.6.2001); ADI 2950 AgR/RJ (DJU de 9.2.2007); ADI 3614/PR (DJE de 23.11.2007)” (STF, ADI 3.232-TO, ADI 3.983-TO, ADI 3.990-TO, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, Informativo STF n. 515).

 

36.         Por conseguinte, invadindo a esfera do princípio da legalidade, o Decreto n. 1.070-A/99, também padece de inconstitucionalidade por violação aos arts. 111, 115, II e V, e 144, da Constituição do Estado.

 

37.         Por fim, tanto a Lei Complementar n. 268, de 28 de dezembro de 1999 em seu art. 4º, quanto a Lei Complementar n. 374, de 11 de junho de 2002, em seu art. 2º, ao permitirem o enquadramento em cargos de provimento efetivo de servidores públicos, admitidos à míngua de aprovação em concurso público e ainda que estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, são inconstitucionais.

 

38.         Ora, esses dispositivos legais extravasaram o âmbito da estabilidade anômala ou excepcional que não se conforma com a atribuição de cargo de provimento efetivo, restrita à dotação de estabilidade no serviço público, consoante enuncia a jurisprudência:

“SERVIDOR PÚBLICO – Estabilidade anômala – Art. 19 das ‘Disposições transitórias’ da CF – Norma que assegura tão-somente o vínculo empregatício – Impossibilidade de invocação para garantir isonomia entre profissional admitido em função-atividade e outros efetivos no cargo – Voto vencido.

A estabilidade anômala consagrada no art. 19 das ‘Disposições transitórias’ da CF pode ser invocada apenas para assegurar o vínculo empregatício, jamais para assegurar isonomia entre profissional admitido em função-atividade e outros servidores efetivos no cargo” (TJSP, AC 127.451-1, Registro, 3ª Câmara Civil, Rel. Des. Yussef Cahali, m.v., 13-11-1990, RT 669:78).

 

“Funcionário: estabilidade constitucional extraordinária (‘Ato das disposições constitucionais transitórias’, art. 19). Restrição ou ampliação de seus pressupostos e de seus efeitos por norma transitória de Constituição de Estado-membro (Constituição estadual do Ceará, arts. 25, 26 e 29): suspensão cautelar deferida, conforme precedentes.

Concurso público: rigor da jurisprudência do STF na salvaguarda do princípio. Suspensão cautelar de preceitos constitucionais que possam ofendê-lo” (STF, ADI-MC 289-9-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 07-06-1990, v.u., RT 669:209).

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INVESTIDURA EM CARGO OU EMPREGO PÚBLICO. NECESSIDADE DE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. ARTIGO 37 – II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DO STF.

I – O ingresso em cargo isolado ou cargo inicial de carreira deve dar-se obrigatoriamente por concurso público à vista do que dispõe o artigo 37 – II da Constituição Federal, com a ressalva dos cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. O Supremo já proclamou, em mais de um juízo plenário, a inconstitucionalidade da ascensão funcional enquanto forma de ingresso em carreira diversa daquela que o servidor público começou por concurso.

II – Quanto à estabilidade outorgada pelo artigo 19 do ADCT, não constitui ela título para provimento de cargo diverso daquele ocupado pelo beneficiário. Precedente do STF.

Ação direta julgada procedente com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 54 e §§ da Constituição do Estado do Paraná” (STF, ADI 186-8-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Francisco Rezek, v.u., 11-05-1195).


“Estado do Piauí. Lei n. 4546/92, art. 5º, inc. IV, que enquadra no regime único, de natureza estatutária, servidores admitidos sem concurso público após o advento da Constituição de 1988. Alegada incompatibilidade com as normas dos arts. 37, II, e 39 do texto permanente da referida carta e com o art. 19 do ADCT. Plausibilidade da tese. O provimento de cargos públicos tem sua disciplina trancada, com rigor vinculante, pelo constituinte originário, não havendo que se falar, nesse âmbito, em autonomia organizacional dos entes federados. Dispositivo destoante dessa orientação” (STF, ADI-MC 982-PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 24-03-1994, v.u., DJ 06-05-1994, p. 10.485).

 

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ARTIGO DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL QUE ASSEGURA AOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTABILIZADOS NOS TERMOS DO ART. 19 DO ADCT/CF, A ORGANIZAÇÃO EM QUADRO ESPECIAL EM EXTINÇÃO. EQUIPARAÇÃO DE VANTAGENS DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUÁRIOS AOS ENTÃO CELETISTAS QUE ADQUIRIRAM ESTABILIDADE FOR FORÇA DA CF. OFENSA AO ART. 37, II, DA CF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (STF, ADI 180-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, 03-04-2003, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).

 

39.         Segundo a jurisprudência da Suprema Corte a estabilidade excepcionalmente conferida não implica atribuição de cargo de provimento efetivo ao servidor público, cuja investidura depende de aprovação em concurso público (RE-AgR 223.426, Rel. Min. Carlos Velloso, 17-02-2002, DJ 21-03-2003; RE 181.883, Rel. Min. Maurício Corrêa, 25-11-1997, DJ 27-02-1998). Neste sentido convém invocar preciso aresto:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO ESTADUAL ADMITIDO SEM CONCURSO PÚBLICO E REDISTRIBUÍDO PARA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO. EFETIVAÇÃO POR RESOLUÇÃO DA MESA. FORMA DERIVADA DE INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO. DESFAZIMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO PELA MESA DIRETORA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. ILEGALIDADE DO ATO QUE DECLAROU A NULIDADE DA INVESTIDURA DO SERVIDOR. IMPROCEDÊNCIA. EFETIVIDADE E ESTABILIDADE. 1. Servidor contratado para o cargo de carreira integrante do Poder Executivo estadual e redistribuído para a Assembléia Legislativa do Estado. Efetivação por ato da Mesa Legislativa. Forma derivada de investidura em cargo público. Inobservância ao artigo 37, II, da Constituição Federal. 1.1. O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, indispensável para o cargo ou emprego isolado ou de carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o de carreira, só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até seu final, pois, para estes, a investidura se dará pela forma de provimento que é a ‘promoção’. 1.2. Estão banidas, pois, as formas de investidura antes admitidas - ascensão e transferência -, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso. 1.3. O preceito constitucional inserto no art. 37, II, não permite o ‘aproveitamento’, uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira, sem o concurso público exigido. Precedente. 2.Efetividade e estabilidade. Não há que confundir efetividade com estabilidade. Aquela é atributo do cargo, designando o funcionário desde o instante da nomeação; a estabilidade é aderência, é integração no serviço público, depois de preenchidas determinadas condições fixadas em lei, e adquirida pelo decurso de tempo. 3. Estabilidade: artigos 41 da Constituição Federal e 19 do ADCT. A vigente Constituição estipulou duas modalidades de estabilidade no serviço público: a primeira, prevista no art. 41, é pressuposto inarredável à efetividade. A nomeação em caráter efetivo constitui-se em condição primordial para a aquisição da estabilidade, que é conferida ao funcionário público investido em cargo, para o qual foi nomeado em virtude de concurso público. A segunda, prevista no art. 19 do ADCT, é um favor constitucional conferido àquele servidor admitido sem concurso público há pelo menos cinco anos antes da promulgação da Constituição. Preenchidas as condições insertas no preceito transitório, o servidor é estável, mas não é efetivo, e possui somente o direito de permanência no serviço público no cargo em que fora admitido, todavia sem incorporação na carreira, não tendo direito a progressão funcional nela, ou a desfrutar de benefícios que sejam privativos de seus integrantes. 3.1. O servidor que preenchera as condições exigidas pelo art. 19 do ADCT-CF/88 é estável no cargo para o qual fora contratado pela Administração Pública, mas não é efetivo. Não é titular do cargo que ocupa, não integra a carreira e goza apenas de uma estabilidade especial no serviço público, que não se confunde com aquela estabilidade regular disciplinada pelo art. 41 da Constituição Federal. Não tem direito a efetivação, a não ser que se submeta a concurso público, quando, aprovado e nomeado, fará jus à contagem do tempo de serviço prestado no período de estabilidade excepcional, como título. 4. Servidor estável ‘ex vi’ do art. 19 do ADCT, redistribuído para Assembléia Legislativa e efetivado na carreira por ato da Mesa Legislativa. Anulação. Ilegalidade e existência de direito adquirido. Alegação improcedente. Súmula 473/STF. 4.1. O ato de ‘redistribuição’ ou ‘enquadramento’, assim como o de ‘transferência’ ou ‘aproveitamento’, que propiciou o ingresso do servidor na carreira, sem concurso público, quando esse era excepcionalmente estável no cargo para o qual fora contratado inicialmente (art. 19, ADCT), é nulo, por inobservância ao art. 37, II, da Constituição Federal. Legítimo é o ato administrativo que declarou a nulidade da Resolução da Mesa da Assembléia Legislativa, que efetivou o agente público, pois a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos (Súmula 473). A Constituição Federal não permite o ingresso em cargo público - sem concurso. Recurso extraordinário conhecido e provido, para cassar a segurança concedida” (STF, RE 167.635-PA, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, 17-09-1996, v.u., DJ 07-02-1997, p. 1.355).

 

40.         Em síntese, as normas locais contrastam com o teor da Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal e violam frontalmente o art. 115, II, da Constituição Estadual e o art. 18 de suas Disposições Transitórias, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Constitucional Bandeirante, razão pela qual deve ser extraídos dos textos do art. 4º da Lei Complementar n. 268, de 28 de dezembro de 1999, e do art. 2º da Lei Complementar n. 374, de 11 de junho de 2002, as expressões “e os estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal” neles consignada.

 

41.         Demonstrada quantum satis a inconstitucionalidade dos dispositivos acima citados das leis enfocadas do Município de Campos do Jordão, por ofensa aos arts. 111, 115, II e V, e 144, da Constituição Estadual, e ao art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição Estadual, é promovida a presente ação, requerendo a concessão de medida liminar. Pois, em se tratando do controle normativo abstrato, uma vez verificada a cumulativa satisfação dos requisitos legais concernentes ao fumus boni juris e ao periculum in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia da normas impugnadas, até o final julgamento da respectiva ação direta de inconstitucionalidade, diante da plausibilidade jurídica da tese exposta na inicial e do delineamento da situação do risco consistente no provimento ilícito de cargo público com reflexos orçamentário-financeiros.

 

42.         Face ao exposto, requer:

 

I - a concessão de liminar suspendendo a eficácia, até final julgamento da lide e o processamento do feito observando as prescrições legais e regulamentares:

A) do número 2 da alínea b e da alínea e do inciso II do art. 3º, da alínea c do art. 5º, do inciso I do § 1º do art. 40, do art. 41, da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997;

B) do inciso III do art. 8º da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997 (na redação dada pela Lei Complementar n. 252, de 16 de novembro de 1999);

C) da alínea f do inciso II do art. 3º da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997 (na redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000);

D) da alínea b do inciso I do art. 3º e do art. 5º, da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000;

E) do art. 1º da Lei Complementar n. 420, de 12 de dezembro de 2003;

F) da expressão “e os estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal” do art. 4º da Lei Complementar n. 268, de 28 de dezembro de 1999;

G) da expressão “e os estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal” do art. 2º da Lei Complementar n. 374, de 11 de junho de 2002;

H) do Decreto n. 1.070-A, de 30 de novembro de 1999.

 

II - a colheita das informações necessárias dos Excelentíssimos Senhores Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de São Vicente, sobre as quais protesta por manifestação oportuna;

 

III - a oitiva do douto Procurador-Geral do Estado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual;

 

IV - ao final, seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade dos seguintes atos normativos do Município de São Vicente, por violação aos arts. 111, 115, II e V, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo e ao art. 18 do Ato de suas Disposições Transitórias:

A) do número 2 da alínea b, e da alínea e do inciso II do art. 3º, da alínea c do art. 5º, do inciso I do § 1º do art. 40, do art. 41, da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997;

B) do inciso III do art. 8º da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997 (na redação dada pela Lei Complementar n. 252, de 16 de novembro de 1999);

C) da alínea f do inciso II do art. 3º da Lei Complementar n. 147, de 02 de janeiro de 1997 (na redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000);

D) da alínea b do inciso I do art. 3º e do art. 5º, da Lei Complementar n. 333, de 28 de dezembro de 2000;

E) do art. 1º da Lei Complementar n. 420, de 12 de dezembro de 2003;

F) da expressão “e os estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal” do art. 4º da Lei Complementar n. 268, de 28 de dezembro de 1999;

G) da expressão “e os estabilizados por força do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal” do art. 2º da Lei Complementar n. 374, de 11 de junho de 2002;

H) do Decreto n. 1.070-A, de 30 de novembro de 1999.

 

             Termos em que, pede deferimento.

 

             São Paulo, 23 de setembro de 2008.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça