EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 0078.839/2011

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de 2009, de Araras.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão e funções de confiança, criados pela Lei Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de 2009, de Araras.

2)      Não observância da necessidade de previsão legal das atribuições dos cargos e funções criados pela lei. Lei que cria, modifica ou concede denominação aos cargos ou funções, mas não contêm descrição, nem mesmo sumária, das suas atribuições.

3)      Cargos e funções de provimento em comissão. Cargos e funções meramente técnicas ou burocráticas. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).

4)      Lei que remete à atividade regulamentar a definição das funções dos cargos, bem como dos requisitos de investidura. Contrariedade ao disposto no art. 5º, § 1º, c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.

5)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 78.839/2011, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de dispositivos da Lei nº 4.231, de 7 de janeiro de 2009, do Município de Araras, que cria, modifica ou concede nova denominação a cargos ou funções de provimento em comissão, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)  DISPOSITIVOS IMPUGNADOS.

A propositura desta ação direta de inconstitucionalidade decorre de representação formulada por digníssima Procuradora de Justiça integrante do egrégio Conselho Superior do Ministério Público, que enviou à Procuradoria-Geral de Justiça cópia do ato normativo impugnado, sustentando a inconstitucionalidade da criação, modificação ou nova denominação de cargos ou funções em comissão no Município de Araras.

A referida lei trata de inúmeros cargos e funções que não preenchem as características de especial relação de confiança, nos termos das disposições constitucionais aplicáveis ao tema.

Além disso, não foram fixadas as atribuições dos referidos cargos e funções, o que sinaliza para sua inconstitucionalidade.

A lei impugnada dispõe sobre o quadro de cargos e funções da Prefeitura Municipal de Araras; do Serviço de Água, Esgoto e Meio Ambiente (SAEMA); do Serviço Municipal de Transportes Coletivos (SMTCA); do quadro operacional da Prefeitura Municipal de Araras e, por fim, do quadro operacional do SAEMA.

Vale frisar que a Lei Municipal nº 4.230, de 7 de janeiro de 2009, de Araras, dispõe sobre a reorganização administrativa da administração direta e indireta do município de  Araras, oportunidade em que se estipula a estrutura básica de departamentos, coordenadorias, divisões e serviços (fls. 200/219), remetendo-se (art. 69) a regulamentação das atribuições de cada uma das unidades funcionais referidas a Decreto do Executivo a ser elaborado. Por fim, a lei mantém o atual Regimento Interno (Decreto nº 3.329, de 22 de maio de 1989), até a edição do novo.

Neste contexto, ainda, urge destacar que Lei que remete à atividade regulamentar a definição das funções dos cargos, bem como dos requisitos de investidura contraria ao disposto no art. 5º, § 1º, c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.

A seguir, segue a discriminação dos cargos impugnados:

1) Do anexo I, quadro geral de cargos da Prefeitura Municipal de Araras (fls. 54/82) os seguintes cargos de provimento em comissão: assessor de chefia,  assessor de ações estratégicas e resultados de gestão,  assessor de diretoria,  diretor de coordenadoria de relações institucionais,  diretor de divisão de cerimonial,  diretor do departamento de comunicações,  diretor do departamento de Procuradoria Geral,  diretor da coordenadoria de processos e sindicâncias, diretor da coordenadoria de consultoria jurídica, diretor de coordenadoria de proteção e defesa do consumidor, diretor do departamento de imprensa, diretor da divisão de mídia falada,  escrita e televisiva,  diretor de mídia informatizada,  diretor de som,  diretor de imagem, diretor de coordenadoria de departamento de gestão e orçamento, diretor de departamento de mobilidade,  diretor de modernização da gestão e novos projetos,  diretor do departamento de contabilidade e orçamento, diretor da coordenadoria de fiscalização tributária, diretor da coordenadoria de dívida ativa, diretor de transportes internos e manutenção,  diretor de coordenadoria de compras,  diretor de cadastro de fornecedores, editais e contratos,  assessor de relações corporativas, diretor de divisão de controle administrativo e contratos, diretor de divisão de geração de emprego e renda,  assessor de qualificação e profissionalização, assessor de intermedição de mão-de-obra,  reingresso e primeiro emprego,  assessor de desenvolvimento de arranjos produtivos locais e renda, diretor do posto de atendimento do trabalhador,  diretor do Banco do Povo,  diretor do departamento de serviços público urbanos,  diretor de divisão de canil, alojamento e apreensão de animais,  diretor de divisão de cemitério e velório, diretor de divisão de limpeza pública, diretor de serviço de coleta de resíduos sólidos, diretor de serviço da Usina de Reciclagem e Destinação de Resíduos Sólidos, diretor de serviço de limpeza e manutenção de terrenos públicos e privados, diretor de departamento de administração de praças, parques e jardins, diretor da divisão de manutenção e limpeza de praças, parques e jardins, diretor da divisão de assistência e fiscalização veterinária, diretor da coordenadoria de serviços rurais, diretor de departamento de urbanismo e posturas, diretor da divisão de fiscalização urbana,  diretor do departamento de obras públicas,  diretor da divisão de reforma e manutenção de prédios e logradouros, diretor de divisão de manutenção elétrica, diretor de divisão de pavimentação e manutenção de vias públicas, diretor de divisão de implantação e manutenção de sinalização de trânsito, diretor de coordenadoria de administrativo e contábil, diretor de coordenadoria de suprimentos e almoxarifado, diretor de divisão de transportes internos e distribuição, diretor de divisão da central de alimentação escolar, diretor da divisão de conservação de próprios públicos escolares, diretor da coordenadoria de educação infantil, diretor da coordenadoria de ensino fundamental, diretor da coordenadoria de educação especial, diretor da divisão de educação de jovens e adultos, diretor da coordenadoria de formação continuada e aperfeiçoamento técnico, diretor da divisão de atividades complementares e reforço escolar, diretor de departamento de promoção e inclusão social, diretor de divisão de orientação social ao cidadão, diretor de divisão de atendimento e encaminhamento de casos, diretor de divisão de implantação e gestão de projetos sociais, diretor de serviço de qualificação sócio-profissional, diretor de serviço de apoio operacional a entidades sociais, diretor de divisão de aviamento de medicamentos de uso contínuo, assessor de CRAS, diretor de departamento administrativo contábil, diretor de coordenadoria de suprimentos, medicamentos e exames, diretor da coordenadoria do Fundo Municipal de Saúde, assessor de chefia, diretor de departamento clínico, diretor da coordenação geral de enfermagem, diretor da coordenadoria de PSF, UBS e PAM, diretor de coordenadoria de especialistas médicos, exames complementares e métodos diagnósticos, diretor de coordenadoria de urgência e emergência, diretor da coordenadoria de odontologia, diretor da coordenadoria de vigilância em saúde, diretor da coordenadoria de assistência domiciliar, diretor do departamento de esportes, lazer e atividades motoras, diretor de serviço de esporte amador, esporte base e competição, assessor de projetos esportivos, assessor de projetos do esporte amador e de base, assessor de projetos de esporte de competição, diretor de serviço de lazer, assessor de projetos de lazer e atividades motoras, diretor de projetos e eventos culturais, assessor de projetos culturais, assessor de ação comunitária sócio-cultural, diretor de serviço de bibliotecas, diretor de divisão de defesa civil, diretor de coordenadoria de corregedoria disciplinar, diretor de departamento da guarda municipal, diretor de departamento de vigilância patrimonial, diretor de departamento municipal de trânsito, diretor do departamento de habitação de interesse social, diretor de divisão de assuntos jurídicos e contratos habitacionais.

2) Do anexo II, quadro geral de cargos do SAEMA (fls. 83/86) os seguintes cargos de provimento em comissão e funções de confiança: diretor de coordenadoria administrativa, assessor de diretor, diretor de divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor de coordenadoria de finanças, diretor de divisão de dívida ativa e atendimento ao público, diretor do departamento de água e esgoto, diretor da coordenadoria de projetos e cadastro de rendas, diretor da coordenadoria de captação, tratamento e distribuição de água, diretor da divisão de produção de água, assessor de projetos de análises de tratamento,  chefe de divisão de hidrometria, chefe de serviço de águas pluviais e recuperação de vias, diretor da coordenadoria operacional de coleta e tratamento de esgoto, chefe da divisão de rede de esgoto, chefe de divisão de coleta e tratamento de esgoto, assessor de projetos e análises de tratamento, diretor do departamento de meio ambiente, diretor de divisão de saneamento ambiental, chefe de serviço de viveiro de mudas e reflorestamento, diretor de serviço de educação ecológica, assessor de projetos educacionais ambientais.

3) Do anexo III, quadro geral de cargos do S.M.T.C.A (fls. 87/90) os seguintes cargos de provimento em comissão e funções de confiança: diretor da coordenadoria administrativa e financeira, assessor de diretoria, diretor da divisão de recursos  humanos, diretor da divisão de compras, licitações e almoxarifado, diretor da divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor da divisão de contabilidade e finanças, diretor da divisão de tesouraria, diretor da coordenadoria de tráfego e operações, diretor do departamento de oficinas e manutenção de veículos.

A inconstitucionalidade evidenciada na lei que cria ou transforma os mencionados cargos e funções de provimento em comissão, assenta-se em dois aspectos: (a) por terem natureza técnica, não se exige especial relação de confiança quanto aos seus ocupantes; (b) não foram fixadas as atribuições relativamente a eles.

Do exame da lei impugnada, observa-se que ela apenas cria ou transforma cargos e funções de confiança, sem indicação das respectivas atribuições.

Examinemos, pois, tais aspectos da lei questionada nesta inicial.

2)  AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS E FUNÇÕES – PREVISÃO EXCLUSIVAMENTE EM ATO REGULAMENTAR. ADEMAIS, DAS ATRIBUIÇÕES DAS UNIDADES FUNCIONAIS E NÃO DOS CARGOS.

Como acentua a doutrina, cargos públicos, no Direito Administrativo, “são a mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei (...)” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 250).

Nesse mesmo sentido Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19. Ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 506; Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 254; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 9. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 598.

A criação de cargo, emprego ou função de provimento em comissão, ou mesmo de cargos de provimento efetivo, sem a fixação na própria lei, ainda que sumária, de atribuições específicas, revela-se inconstitucional.

No caso dos cargos, empregos ou funções de provimento em comissão, essa situação é ainda mais grave, pois é indispensável que a lei contenha a indicação mínima das atribuições que demonstrem que se referem a situações de direção, chefia ou assessoramento superior, a exigir especial relação de confiança entre o seu ocupante e o agente político ao qual está vinculado. A omissão legislativa quanto a essa indicação revela, na prática, burla à sistemática constitucional relativamente a esse tema.

Isso decorre do fato de que a regra é o acesso ao serviço público mediante concurso, sendo absolutamente excepcional o provimento de cargos empregos e funções sem o certame, admissível unicamente nos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade administrativa e política.

A criação de postos comissionados só se mostra legítima quando for indispensável, por parte do seu ocupante, verdadeiro comprometimento e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos seus superiores, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessário a todo e qualquer servidor comum (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208; Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317; Márcio Cammarosano, Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96; Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 440).

Isso não ocorre com relação a funções meramente “técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41).

 Essa também é a posição do Colendo STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169), e vem sendo acolhida em inúmeros julgados desse Colendo Órgão Especial (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Em síntese, a não indicação na lei, ainda que de forma sumária, das atribuições dos cargos, empregos ou funções de provimento em comissão, revela delegação legislativa ao Poder Executivo, o que é vedado pelo princípio da separação e harmonia entre os Poderes, bem como por regra expressa prevista no art. 5º, § 1º, da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da Carta Estadual.

A ausência de indicação, ainda que sumária, das respectivas atribuições, acarreta também contrariedade ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

3) NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS ATRIBUIÇÕES DOS OCUPANTES DOS CARGOS E FUNÇÕES EM COMISSÃO PREVISTOS NA LEI IMPUGNADA.

Não bastasse o vício antes apontado – ausência de fixação ao menos sumária (resumida) das atribuições dos cargos e funções na própria lei -, suficiente por si só para o reconhecimento da inconstitucionalidade, até mesmo suas denominações revelam o exercício de atividades são meramente técnicas ou burocráticas.

Daí a afirmação de que os cargos e funções postos em destaque anteriormente são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 115, incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto à criação de posições na administração pública para provimento sem concurso público.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

A autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de autoadministração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 591).

Nas quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c) autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de José Afonso da Silva (ob. cit., p. 591).

Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que:

“os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

 

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

É a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos:

“propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos e funções comissionadas, impugnados nesta ação direta, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Cabe também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

4)DA LIMINAR.

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos dispositivos que criaram os cargos e funções comissionadas destacadas anteriormente.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que os dispositivos impugnados nesta ação padecem de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos atos normativos questionados, subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas (e imposição de obrigações à Municipalidade), que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese provável de procedência da ação direta. Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocupar tais cargos certamente não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação, e da efetiva realização dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia da norma impugnada evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos dispositivos que prevêem os cargos e funções comissionadas indicados nesta inicial.

Alternativamente, a liminar poderá ser concedida em menor extensão - caso esse E. Tribunal entenda que essa solução é mais apropriada - para o fim de impedir novas nomeações, na pendência da presente ação direta, para os cargos e funções comissionadas descritos na inicial desta ação direta.

Registre-se que há licitação em andamento na Prefeitura de Araras (fls. 300/319), cujo objeto é a contratação de empresa para prestação de consultoria, a subsidiar os estudos visando à reforma do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais e criação de Plano de Cargos, Salários e Carreiras.

5)CONCLUSÃO E PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de 2009, de Araras  que criou, modificou, ou deu nova denominação aos cargos comissionados e funções de confiança, já descritos, e reproduzidos a seguir: assessor de chefia, assessor de ações estratégicas e resultados de gestão, assessor de diretoria, diretor de coordenadoria de relações institucionais, diretor de divisão de cerimonial, diretor do departamento de comunicações, diretor do departamento de Procuradoria Geral, diretor da coordenadoria de processos e sindicâncias, diretor da coordenadoria de consultoria jurídica, diretor de coordenadoria de proteção e defesa do consumidor, diretor do departamento de imprensa, diretor da divisão de mídia falada, escrita e televisiva, diretor de mídia informatizada, diretor de som, diretor de imagem, diretor de coordenadoria de departamento de gestão e orçamento, diretor de departamento de mobilidade, diretor de modernização da gestão e novos projetos, diretor do departamento de contabilidade e orçamento, diretor da coordenadoria de fiscalização tributária, diretor da coordenadoria de dívida ativa, diretor de transportes internos e manutenção, diretor de coordenadoria de compras, diretor de cadastro de fornecedores, editais e contratos, assessor de relações corporativas, diretor de divisão de controle administrativo e contratos, diretor de divisão de geração de emprego e renda, assessor de qualificação e profissionalização, assessor de intermedição de mão-de-obra, reingresso e primeiro emprego, assessor de desenvolvimento de arranjos produtivos locais e renda, diretor do posto de atendimento do trabalhador, diretor do Banco do Povo, diretor do departamento de serviços público urbanos, diretor de divisão de canil, alojamento e apreensão de animais, diretor de divisão de cemitério e velório, diretor de divisão de limpeza pública, diretor de serviço de coleta de resíduos sólidos, diretor de serviço da Usina de Reciclagem e Destinação de Resíduos Sólidos, diretor de serviço de limpeza e manutenção de terrenos públicos e privados, diretor de departamento de administração de praças, parques e jardins, diretor da divisão de manutenção e limpeza de praças, parques e jardins, diretor da divisão de assistência e fiscalização veterinária, diretor da coordenadoria de serviços rurais, diretor de departamento de urbanismo e posturas, diretor da divisão de fiscalização urbana, diretor do departamento de obras públicas, diretor da divisão de reforma e manutenção de prédios e logradouros, diretor de divisão de manutenção elétrica, diretor de divisão de pavimentação e manutenção de vias públicas, diretor de divisão de implantação e manutenção de sinalização de trânsito, diretor de coordenadoria de administrativo e contábil, diretor de coordenadoria de suprimentos e almoxarifado, diretor de divisão de transportes internos e distribuição, diretor de divisão da central de alimentação escolar, diretor da divisão de conservação de próprios públicos escolares, diretor da coordenadoria de educação infantil, diretor da coordenadoria de ensino fundamental, diretor da coordenadoria de educação especial, diretor da divisão de educação de jovens e adultos, diretor da coordenadoria de formação continuada e aperfeiçoamento técnico, diretor da divisão de atividades complementares e reforço escolar, diretor de departamento de promoção e inclusão social, diretor de divisão de orientação social ao cidadão, diretor de divisão de atendimento e encaminhamento de casos, diretor de divisão de implantação e gestão de projetos sociais, diretor de serviço de qualificação sócio-profissional, diretor de serviço de apoio operacional a entidades sociais, diretor de divisão de aviamento de medicamentos de uso contínuo, assessor de CRAS, diretor de departamento administrativo contábil, diretor de coordenadoria de suprimentos, medicamentos e exames, diretor da coordenadoria do Fundo Municipal de Saúde, assessor de chefia, diretor de departamento clínico, diretor da coordenação geral de enfermagem, diretor da coordenadoria de PSF, UBS e PAM, diretor de coordenadoria de especialistas médicos, exames complementares e métodos diagnósticos, diretor de coordenadoria de urgência e emergência, diretor da coordenadoria de odontologia, diretor da coordenadoria de vigilância em saúde, diretor da coordenadoria de assistência domiciliar, diretor do departamento de esportes,lazer e atividades motoras, diretor de serviço de esporte amador, esporte base e competição, assessor de projetos esportivos, assessor de projetos do esporte amador e de base, assessor de projetos de esporte de competição, diretor de serviço de lazer, assessor de projetos de lazer e atividades motoras, diretor de projetos e eventos culturais, assessor de projetos culturais, assessor de ação comunitária sócio-cultural, diretor de serviço de bibliotecas, diretor de divisão de defesa civil, diretor de coordenadoria de corregedoria disciplinar, diretor de departamento da guarda municipal, diretor de departamento de vigilância patrimonial, diretor de departamento municipal de trânsito, diretor do departamento de habitação de interesse social, diretor de divisão de assuntos jurídicos e contratos habitacionais, diretor de coordenadoria administrativa, assessor de diretor, diretor de divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor de coordenadoria de finanças, diretor de divisão de dívida ativa e atendimento ao público, diretor do departamento de água e esgoto, diretor da coordenadoria de projetos e cadastro de rendas, diretor da coordenadoria de captação,tratamento e distribuição de água, diretor da divisão de produção de água, assessor de projetos de análises de tratamento,  chefe de divisão de hidrometria, chefe de serviço de águas pluviais e recuperação de vias, diretor da coordenadoria operacional de coleta e tratamento de esgoto, chefe da divisão de rede de esgoto, chefe de divisão de coleta e tratamento de esgoto, assessor de projetos e análises de tratamento, diretor do departamento de meio ambiente, diretor de divisão de saneamento ambiental, chefe de serviço de viveiro de mudas e reflorestamento, diretor de serviço de educação ecológica, assessor de projetos educacionais ambientais, diretor da coordenadoria administrativa e financeira, assessor de diretoria, diretor da divisão de recursos humanos, diretor da divisão de compras, licitações e almoxarifado, diretor da divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor da divisão de contabilidade e finanças, diretor da divisão de tesouraria, diretor da coordenadoria de tráfego e operações, diretor do departamento de oficinas e manutenção de veículos.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Araras, bem como que seja citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 23 de abril de 2012.

 

        Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

arsm

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 78.839/2011

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de 2009, de Araras.

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 23 de abril de 2012.

 

 

        Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

arsm