EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 0078.839/2011
Assunto: Inconstitucionalidade
de cargos em comissão criados pela Lei Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de
2009, de Araras.
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão e funções de confiança, criados pela Lei Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de 2009, de Araras.
2) Não observância da necessidade de previsão legal das atribuições dos cargos e funções criados pela lei. Lei que cria, modifica ou concede denominação aos cargos ou funções, mas não contêm descrição, nem mesmo sumária, das suas atribuições.
3) Cargos e funções de provimento em comissão. Cargos e funções meramente técnicas ou burocráticas. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).
4)
Lei
que remete à atividade regulamentar a definição das funções dos cargos, bem
como dos requisitos de investidura. Contrariedade ao disposto no art. 5º, § 1º,
c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.
5) Inconstitucionalidade reconhecida.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de
novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art.
129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no
art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 78.839/2011, que segue como
anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de
dispositivos da Lei nº 4.231, de 7 de
janeiro de 2009, do Município de Araras, que cria, modifica ou concede nova
denominação a cargos ou funções de provimento em comissão, pelos
fundamentos expostos a seguir.
1) DISPOSITIVOS IMPUGNADOS.
A
propositura desta ação direta de inconstitucionalidade decorre de representação
formulada por digníssima Procuradora de Justiça integrante do egrégio Conselho
Superior do Ministério Público, que enviou à Procuradoria-Geral de Justiça
cópia do ato normativo impugnado, sustentando a inconstitucionalidade da
criação, modificação ou nova denominação de cargos ou funções em comissão no
Município de Araras.
A
referida lei trata de inúmeros cargos e funções que não preenchem as
características de especial relação de confiança, nos termos das disposições
constitucionais aplicáveis ao tema.
Além
disso, não foram fixadas as atribuições dos referidos cargos e funções, o que
sinaliza para sua inconstitucionalidade.
A
lei impugnada dispõe sobre o quadro de cargos e funções da Prefeitura Municipal
de Araras; do Serviço de Água, Esgoto e Meio Ambiente (SAEMA); do Serviço
Municipal de Transportes Coletivos (SMTCA); do quadro operacional da Prefeitura
Municipal de Araras e, por fim, do quadro operacional do SAEMA.
Vale
frisar que a Lei Municipal nº 4.230, de
7 de janeiro de 2009, de Araras, dispõe sobre a reorganização
administrativa da administração direta e indireta do município de Araras, oportunidade em que se estipula a
estrutura básica de departamentos, coordenadorias, divisões e serviços (fls. 200/219),
remetendo-se (art. 69) a regulamentação das atribuições de cada uma das
unidades funcionais referidas a Decreto do Executivo a ser elaborado. Por fim,
a lei mantém o atual Regimento Interno (Decreto nº 3.329, de 22 de maio de
1989), até a edição do novo.
Neste
contexto, ainda, urge destacar que Lei que remete à atividade regulamentar a
definição das funções dos cargos, bem como dos requisitos de investidura contraria
ao disposto no art. 5º, § 1º, c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.
A
seguir, segue a discriminação dos cargos
impugnados:
1) Do anexo I, quadro geral de cargos da Prefeitura
Municipal de Araras (fls. 54/82) os seguintes cargos de provimento em
comissão: assessor de chefia, assessor de ações estratégicas e resultados de
gestão, assessor de diretoria, diretor de coordenadoria de relações
institucionais, diretor de divisão de
cerimonial, diretor do departamento de
comunicações, diretor do departamento de
Procuradoria Geral, diretor da
coordenadoria de processos e sindicâncias, diretor da coordenadoria de
consultoria jurídica, diretor de coordenadoria de proteção e defesa do
consumidor, diretor do departamento de imprensa, diretor da divisão de mídia
falada, escrita e televisiva, diretor de mídia informatizada, diretor de som, diretor de imagem, diretor de coordenadoria de
departamento de gestão e orçamento, diretor de departamento de mobilidade, diretor de modernização da gestão e novos
projetos, diretor do departamento de
contabilidade e orçamento, diretor da coordenadoria de fiscalização tributária,
diretor da coordenadoria de dívida ativa, diretor de transportes internos e
manutenção, diretor de coordenadoria de
compras, diretor de cadastro de
fornecedores, editais e contratos, assessor
de relações corporativas, diretor de divisão de controle administrativo e
contratos, diretor de divisão de geração de emprego e renda, assessor de qualificação e profissionalização,
assessor de intermedição de mão-de-obra, reingresso e primeiro emprego, assessor de desenvolvimento de arranjos
produtivos locais e renda, diretor do posto de atendimento do trabalhador, diretor do Banco do Povo, diretor do departamento de serviços público
urbanos, diretor de divisão de canil,
alojamento e apreensão de animais, diretor
de divisão de cemitério e velório, diretor de divisão de limpeza pública,
diretor de serviço de coleta de resíduos sólidos, diretor de serviço da Usina
de Reciclagem e Destinação de Resíduos Sólidos, diretor de serviço de limpeza e
manutenção de terrenos públicos e privados, diretor de departamento de
administração de praças, parques e jardins, diretor da divisão de manutenção e
limpeza de praças, parques e jardins, diretor da divisão de assistência e
fiscalização veterinária, diretor da coordenadoria de serviços rurais, diretor
de departamento de urbanismo e posturas, diretor da divisão de fiscalização
urbana, diretor do departamento de obras
públicas, diretor da divisão de reforma
e manutenção de prédios e logradouros, diretor de divisão de manutenção
elétrica, diretor de divisão de pavimentação e manutenção de vias públicas,
diretor de divisão de implantação e manutenção de sinalização de trânsito,
diretor de coordenadoria de administrativo e contábil, diretor de coordenadoria
de suprimentos e almoxarifado, diretor de divisão de transportes internos e
distribuição, diretor de divisão da central de alimentação escolar, diretor da
divisão de conservação de próprios públicos escolares, diretor da coordenadoria
de educação infantil, diretor da coordenadoria de ensino fundamental, diretor
da coordenadoria de educação especial, diretor da divisão de educação de jovens
e adultos, diretor da coordenadoria de formação continuada e aperfeiçoamento
técnico, diretor da divisão de atividades complementares e reforço escolar,
diretor de departamento de promoção e inclusão social, diretor de divisão de
orientação social ao cidadão, diretor de divisão de atendimento e
encaminhamento de casos, diretor de divisão de implantação e gestão de projetos
sociais, diretor de serviço de qualificação sócio-profissional, diretor de
serviço de apoio operacional a entidades sociais, diretor de divisão de
aviamento de medicamentos de uso contínuo, assessor de CRAS, diretor de
departamento administrativo contábil, diretor de coordenadoria de suprimentos,
medicamentos e exames, diretor da coordenadoria do Fundo Municipal de Saúde,
assessor de chefia, diretor de departamento clínico, diretor da coordenação
geral de enfermagem, diretor da coordenadoria de PSF, UBS e PAM, diretor de
coordenadoria de especialistas médicos, exames complementares e métodos diagnósticos,
diretor de coordenadoria de urgência e emergência, diretor da coordenadoria de
odontologia, diretor da coordenadoria de vigilância em saúde, diretor da
coordenadoria de assistência domiciliar, diretor do departamento de esportes, lazer
e atividades motoras, diretor de serviço de esporte amador, esporte base e
competição, assessor de projetos esportivos, assessor de projetos do esporte
amador e de base, assessor de projetos de esporte de competição, diretor de
serviço de lazer, assessor de projetos de lazer e atividades motoras, diretor
de projetos e eventos culturais, assessor de projetos culturais, assessor de
ação comunitária sócio-cultural, diretor de serviço de bibliotecas, diretor de
divisão de defesa civil, diretor de coordenadoria de corregedoria disciplinar,
diretor de departamento da guarda municipal, diretor de departamento de
vigilância patrimonial, diretor de departamento municipal de trânsito, diretor
do departamento de habitação de interesse social, diretor de divisão de
assuntos jurídicos e contratos habitacionais.
2) Do anexo II,
quadro geral de cargos do SAEMA (fls. 83/86) os seguintes cargos de
provimento em comissão e funções de confiança: diretor de coordenadoria administrativa, assessor de diretor, diretor
de divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor de coordenadoria de
finanças, diretor de divisão de dívida ativa e atendimento ao público, diretor
do departamento de água e esgoto, diretor da coordenadoria de projetos e
cadastro de rendas, diretor da coordenadoria de captação, tratamento e
distribuição de água, diretor da divisão de produção de água, assessor de
projetos de análises de tratamento,
chefe de divisão de hidrometria, chefe de serviço de águas pluviais e
recuperação de vias, diretor da coordenadoria operacional de coleta e
tratamento de esgoto, chefe da divisão de rede de esgoto, chefe de divisão de
coleta e tratamento de esgoto, assessor de projetos e análises de tratamento,
diretor do departamento de meio ambiente, diretor de divisão de saneamento
ambiental, chefe de serviço de viveiro de mudas e reflorestamento, diretor de
serviço de educação ecológica, assessor de projetos educacionais ambientais.
3)
Do anexo III, quadro geral de cargos do S.M.T.C.A (fls. 87/90) os
seguintes cargos de provimento em comissão e funções de confiança: diretor da coordenadoria administrativa e
financeira, assessor de diretoria, diretor da divisão de recursos humanos, diretor da divisão de compras, licitações
e almoxarifado, diretor da divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor
da divisão de contabilidade e finanças, diretor da divisão de tesouraria,
diretor da coordenadoria de tráfego e operações, diretor do departamento de
oficinas e manutenção de veículos.
A
inconstitucionalidade evidenciada na lei que cria ou transforma os mencionados
cargos e funções de provimento em comissão, assenta-se em dois aspectos: (a)
por terem natureza técnica, não se exige especial relação de confiança quanto
aos seus ocupantes; (b) não foram fixadas as atribuições relativamente a eles.
Do exame da lei impugnada, observa-se que ela apenas cria ou transforma cargos e funções de confiança, sem indicação das respectivas atribuições.
Examinemos, pois, tais aspectos da lei questionada nesta inicial.
2) AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS
E FUNÇÕES – PREVISÃO EXCLUSIVAMENTE EM ATO REGULAMENTAR. ADEMAIS, DAS
ATRIBUIÇÕES DAS UNIDADES FUNCIONAIS E NÃO DOS CARGOS.
Como acentua a doutrina, cargos públicos, no Direito Administrativo, “são a mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei (...)” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 250).
Nesse mesmo sentido Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19. Ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 506; Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 254; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 9. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 598.
A criação de cargo, emprego ou função de provimento em comissão, ou mesmo de cargos de provimento efetivo, sem a fixação na própria lei, ainda que sumária, de atribuições específicas, revela-se inconstitucional.
No caso dos cargos, empregos ou funções de provimento em comissão, essa situação é ainda mais grave, pois é indispensável que a lei contenha a indicação mínima das atribuições que demonstrem que se referem a situações de direção, chefia ou assessoramento superior, a exigir especial relação de confiança entre o seu ocupante e o agente político ao qual está vinculado. A omissão legislativa quanto a essa indicação revela, na prática, burla à sistemática constitucional relativamente a esse tema.
Isso decorre do fato de que a regra é o acesso ao serviço
público mediante concurso, sendo absolutamente excepcional o provimento de cargos
empregos e funções sem o certame, admissível unicamente nos casos em que seja exigível especial
relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente
sejam desempenhadas funções inerentes à atividade administrativa e política.
A criação
de postos comissionados só se mostra legítima quando for indispensável, por
parte do seu ocupante, verdadeiro comprometimento e fidelidade com relação às
diretrizes estabelecidas pelos seus superiores, que vão bem além do dever comum
de lealdade às instituições públicas, necessário a todo e qualquer servidor
comum (cf. Diógenes Gasparini, Direito
administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208; Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed.,
São Paulo, RT, p. 317; Márcio Cammarosano, Provimento
de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96;
Hely Lopes Meirelles, Direito
Administrativo Brasileiro, cit., p. 440).
Isso
não ocorre com relação a funções meramente “técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu
Dallari, Regime constitucional dos
servidores públicos, 2. ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41).
Essa também é a posição do Colendo STF (ADI-MC
1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994,
PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169), e vem sendo acolhida em inúmeros
julgados desse Colendo Órgão Especial (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz
Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa
Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot
Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).
Em
síntese, a não indicação na lei, ainda que de forma sumária, das atribuições
dos cargos, empregos ou funções de provimento em comissão, revela delegação
legislativa ao Poder Executivo, o que é vedado pelo princípio da separação e
harmonia entre os Poderes, bem como por regra expressa prevista no art. 5º, §
1º, da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da Carta
Estadual.
A
ausência de indicação, ainda que sumária, das respectivas atribuições, acarreta
também contrariedade ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual,
bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja
aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
3) NATUREZA TÉCNICA OU
BUROCRÁTICA DAS ATRIBUIÇÕES DOS OCUPANTES DOS CARGOS E FUNÇÕES EM COMISSÃO
PREVISTOS NA LEI IMPUGNADA.
Não
bastasse o vício antes apontado – ausência de fixação ao menos sumária
(resumida) das atribuições dos cargos e funções na própria lei -, suficiente
por si só para o reconhecimento da inconstitucionalidade, até mesmo suas
denominações revelam o exercício de atividades são meramente técnicas ou
burocráticas.
Daí
a afirmação de que os cargos e funções postos em destaque anteriormente são
verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 115, incisos I, II e V, e art. 144,
todos da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa
incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela
Constituição quanto à criação de posições na administração pública para
provimento sem concurso público.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta
autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela
Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
A
autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de
auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno
(eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais);
(c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para
elaboração de leis municipais); (d) capacidade de autoadministração
(administração própria para manter e prestar serviços de interesse local) (Cf.
José Afonso da Silva, ob. cit., p. 591).
Nas
quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política
(capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c)
autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços
locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e
aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de
José Afonso da Silva (ob. cit., p. 591).
Para
que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos,
empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras,
vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos
cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim
se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica
ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente
política.
Há
implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão,
visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência
constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes
artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e
administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência
constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33.
ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria
natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança
e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que:
“os cargos em comissão são próprios
para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um
agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir
sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por
essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A
autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de
tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o
nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito
administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p.
É a
natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o
imprescindível “vínculo de confiança” (cf.
Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação
de cargos em comissão pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão
para criação de tais cargos:
“propiciar ao Chefe de Governo o seu
real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de
pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que
devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo
unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela
pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade
superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem
exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever
elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que
servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos
públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No
caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos e funções comissionadas,
impugnados nesta ação direta, destinam-se ao desempenho de atividades meramente
burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação
de especial confiança.
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados
desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des.
Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des.
Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel.
des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008,
v.u.).
Cabe
também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na
prática, negativa de vigência ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição
Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja
aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
4)DA LIMINAR.
Estão
presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum
in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos dispositivos
que criaram os cargos e funções comissionadas destacadas anteriormente.
A
razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de
forma clara, que os dispositivos impugnados nesta ação padecem de
inconstitucionalidade.
O
perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão
da vigência e eficácia dos atos normativos questionados, subsistirá a sua
aplicação, com realização de despesas (e imposição de obrigações à
Municipalidade), que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos,
na hipótese provável de procedência da ação direta. Basta lembrar que os
pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocupar tais cargos
certamente não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos
desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação, e da efetiva
realização dos serviços.
A
ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a
apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de
inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões
declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim,
a imediata suspensão da eficácia da norma impugnada evitará a ocorrência de
maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De resto,
ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a
excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e
da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de
conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos
do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p.
3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ
142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante
do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos dispositivos que prevêem os cargos e
funções comissionadas indicados nesta inicial.
Alternativamente,
a liminar poderá ser concedida em menor extensão - caso esse E. Tribunal
entenda que essa solução é mais apropriada - para o fim de impedir novas nomeações, na pendência da presente ação direta, para os
cargos e funções comissionadas descritos na inicial desta ação direta.
Registre-se que há licitação
em andamento na Prefeitura de Araras (fls. 300/319), cujo objeto é a
contratação de empresa para prestação de consultoria, a subsidiar os estudos
visando à reforma do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais e criação de
Plano de Cargos, Salários e Carreiras.
5)CONCLUSÃO E PEDIDO.
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade da Lei
Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de 2009, de Araras que criou, modificou, ou deu nova denominação
aos cargos comissionados e funções de confiança, já descritos, e reproduzidos a
seguir: assessor de chefia, assessor
de ações estratégicas e resultados de gestão, assessor de diretoria, diretor de
coordenadoria de relações institucionais, diretor de divisão de cerimonial,
diretor do departamento de comunicações, diretor do departamento de
Procuradoria Geral, diretor da coordenadoria de processos e sindicâncias,
diretor da coordenadoria de consultoria jurídica, diretor de coordenadoria de
proteção e defesa do consumidor, diretor do departamento de imprensa, diretor
da divisão de mídia falada, escrita e televisiva, diretor de mídia
informatizada, diretor de som, diretor de imagem, diretor de coordenadoria de
departamento de gestão e orçamento, diretor de departamento de mobilidade,
diretor de modernização da gestão e novos projetos, diretor do departamento de
contabilidade e orçamento, diretor da coordenadoria de fiscalização tributária,
diretor da coordenadoria de dívida ativa, diretor de transportes internos e
manutenção, diretor de coordenadoria de compras, diretor de cadastro de
fornecedores, editais e contratos, assessor de relações corporativas, diretor
de divisão de controle administrativo e contratos, diretor de divisão de
geração de emprego e renda, assessor de qualificação e profissionalização,
assessor de intermedição de mão-de-obra, reingresso e primeiro emprego,
assessor de desenvolvimento de arranjos produtivos locais e renda, diretor do
posto de atendimento do trabalhador, diretor do Banco do Povo, diretor do
departamento de serviços público urbanos, diretor de divisão de canil,
alojamento e apreensão de animais, diretor de divisão de cemitério e velório,
diretor de divisão de limpeza pública, diretor de serviço de coleta de resíduos
sólidos, diretor de serviço da Usina de Reciclagem e Destinação de Resíduos
Sólidos, diretor de serviço de limpeza e manutenção de terrenos públicos e
privados, diretor de departamento de administração de praças, parques e
jardins, diretor da divisão de manutenção e limpeza de praças, parques e
jardins, diretor da divisão de assistência e fiscalização veterinária, diretor
da coordenadoria de serviços rurais, diretor de departamento de urbanismo e
posturas, diretor da divisão de fiscalização urbana, diretor do departamento de
obras públicas, diretor da divisão de reforma e manutenção de prédios e
logradouros, diretor de divisão de manutenção elétrica, diretor de divisão de
pavimentação e manutenção de vias públicas, diretor de divisão de implantação e
manutenção de sinalização de trânsito, diretor de coordenadoria de
administrativo e contábil, diretor de coordenadoria de suprimentos e
almoxarifado, diretor de divisão de transportes internos e distribuição,
diretor de divisão da central de alimentação escolar, diretor da divisão de
conservação de próprios públicos escolares, diretor da coordenadoria de
educação infantil, diretor da coordenadoria de ensino fundamental, diretor da
coordenadoria de educação especial, diretor da divisão de educação de jovens e
adultos, diretor da coordenadoria de formação continuada e aperfeiçoamento
técnico, diretor da divisão de atividades complementares e reforço escolar,
diretor de departamento de promoção e inclusão social, diretor de divisão de
orientação social ao cidadão, diretor de divisão de atendimento e
encaminhamento de casos, diretor de divisão de implantação e gestão de projetos
sociais, diretor de serviço de qualificação sócio-profissional, diretor de
serviço de apoio operacional a entidades sociais, diretor de divisão de
aviamento de medicamentos de uso contínuo, assessor de CRAS, diretor de
departamento administrativo contábil, diretor de coordenadoria de suprimentos,
medicamentos e exames, diretor da coordenadoria do Fundo Municipal de Saúde,
assessor de chefia, diretor de departamento clínico, diretor da coordenação
geral de enfermagem, diretor da coordenadoria de PSF, UBS e PAM, diretor de
coordenadoria de especialistas médicos, exames complementares e métodos
diagnósticos, diretor de coordenadoria de urgência e emergência, diretor da
coordenadoria de odontologia, diretor da coordenadoria de vigilância em saúde,
diretor da coordenadoria de assistência domiciliar, diretor do departamento de
esportes,lazer e atividades motoras, diretor de serviço de esporte amador,
esporte base e competição, assessor de projetos esportivos, assessor de
projetos do esporte amador e de base, assessor de projetos de esporte de
competição, diretor de serviço de lazer, assessor de projetos de lazer e
atividades motoras, diretor de projetos e eventos culturais, assessor de
projetos culturais, assessor de ação comunitária sócio-cultural, diretor de
serviço de bibliotecas, diretor de divisão de defesa civil, diretor de
coordenadoria de corregedoria disciplinar, diretor de departamento da guarda
municipal, diretor de departamento de vigilância patrimonial, diretor de
departamento municipal de trânsito, diretor do departamento de habitação de
interesse social, diretor de divisão de assuntos jurídicos e contratos
habitacionais, diretor de coordenadoria administrativa, assessor de diretor,
diretor de divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor de
coordenadoria de finanças, diretor de divisão de dívida ativa e atendimento ao
público, diretor do departamento de água e esgoto, diretor da coordenadoria de
projetos e cadastro de rendas, diretor da coordenadoria de captação,tratamento
e distribuição de água, diretor da divisão de produção de água, assessor de
projetos de análises de tratamento,
chefe de divisão de hidrometria, chefe de serviço de águas pluviais e
recuperação de vias, diretor da coordenadoria operacional de coleta e tratamento
de esgoto, chefe da divisão de rede de esgoto, chefe de divisão de coleta e
tratamento de esgoto, assessor de projetos e análises de tratamento, diretor do
departamento de meio ambiente, diretor de divisão de saneamento ambiental,
chefe de serviço de viveiro de mudas e reflorestamento, diretor de serviço de
educação ecológica, assessor de projetos educacionais ambientais, diretor da
coordenadoria administrativa e financeira, assessor de diretoria, diretor da
divisão de recursos humanos, diretor da divisão de compras, licitações e almoxarifado,
diretor da divisão de comunicação e assuntos jurídicos, diretor da divisão de
contabilidade e finanças, diretor da divisão de tesouraria, diretor da
coordenadoria de tráfego e operações, diretor do departamento de oficinas e
manutenção de veículos.
Requer-se,
ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor
Prefeito Municipal de Araras, bem como que seja citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 23 de abril de
2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
arsm
Protocolado nº 78.839/2011
Assunto: Inconstitucionalidade
de cargos em comissão criados pela Lei Municipal nº 4.231, de 07 de janeiro de
2009, de Araras.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.
3. Cumpra-se.
São Paulo, 23 de abril de
2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
arsm