EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 81.296/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da expressão “designação” contida nos §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 1, de 4 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre o Código de Administração do Município de Taubaté”, com a redação da Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo PGJ, em face da expressão “designação” contida nos §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 1, de 4 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre o Código de Administração do Município de Taubaté”, com a redação da Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007. Regra que determina a incorporação da diferença de remuneração pelo exercício de cargo diferente e com referência mais elevada. Hipótese de “designação” que não se afigura legítima à luz do art. 115, inc. II, da Constituição Paulista.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

em face da expressão “designação” contida nos §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 1, de 4 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre o Código de Administração do Município de Taubaté”, com a redação da Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Complementar nº 1, de 4 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté, “dispõe sobre o Código de Administração do Município de Taubaté”.

O Capítulo II do Título V do referido ato normativo trata “Do vencimento e da remuneração” do servidor público. Ali se encontra o art. 169, cuja redação é dada pela Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007, nos seguintes termos:

Art. 169 – Remuneração é o vencimento do cargo ou emprego, acrescido das vantagens pecuniárias, permanentes ou temporárias, estabelecidas em lei.

§ 1º - O vencimento dos cargos públicos é irredutível.

§ 2º - A irredutibilidade de que trata o § 1º do caput atinge, também, a remuneração do servidor que há mais de quatro anos tenha, de forma ininterrupta ou não, exercido cargo diferente do seu e com referência mais elevada, quando continuará recebendo o valor da referência maior, por ocasião da cessação da designação ou nomeação (redação dada pela Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007).

§ 3º - Tendo ocorrido designação ou nomeação por período superior a um ano e de forma ininterrupta, a diferença incorpora-se à remuneração do servidor, passando a integrá-la na proporção de um quarto por ano de efetivo exercício na função, até o limite de quatro quartos, a título de vantagem pessoal (redação dada pela Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007).

Compreende-se, entretanto, que a expressão “designação” encontrada nos §§ 2º e 3º do art. 169 não se compatibiliza com a regra do art. 115, inc. II, da Constituição do Estado de São Paulo, estabelecida nos seguintes termos:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissões, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

A expressão impugnada, como se verá, também contraria o princípio da moralidade, acolhido pelo art. 111 da Constituição Paulista e inteiramente aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta:

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência. 

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O dispositivo questionado trata da incorporação da remuneração do servidor público que exerceu cargo estranho ao seu.

Ocorre que, abarcando as hipóteses de “designação” para cargo diferente, os §§ 2º e 3º do art. 169 contemplam o servidor em desvio de função, contrariando o art. 115, inc. II da Constituição Paulista e o art. 37, inc. II, da Constituição Federal, que exigem prévia aprovação em concurso público para a investidura em cargo público.

O tema já foi enfrentado pelo STF, em análise do art. 133 da Constituição Paulista:

“CONCURSO PÚBLICO. RESSALVA. NOMEAÇÃO PARA CARGO EM COMISSÃO. DÉCIMOS DA DIFERENÇA ENTRE REMUNERAÇÃO DO CARGO DE QUE SEJA TITULAR O SERVIDOR E DO CARGO EM FUNÇÃO OCUPADO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 37, II, in fine, a ressalva à possibilidade de ‘nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação’, como exceção à exigência de concurso público. Inconstitucional o permissivo constitucional estadual apenas na parte em que permite a incorporação ‘a qualquer título’ de décimos da diferença entre a remuneração do cargo de que seja titular e a do cargo ou função que venha a exercer. A generalização ofende o princípio democrático que rege o acesso aos cargos públicos. 2. Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião maior da Constituição, incumbe declarar a inconstitucionalidade de lei, sempre que esta se verificar, ainda que ex officio, em razão do controle difuso, independente de pedido expresso da parte. 3. O Ministério Público atuou, no caso concreto. Não há vício de procedimento sustentado. 4. Embargos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e do Estado de São Paulo acolhidos em parte, para limitar a declaração de inconstitucionalidade dos art. 133 da Constituição e 19 do se ADCT, tão só, à expressão, ‘a qualquer título’, constante do primeiro dispositivo. Rejeitados, os do servidor, por não demonstrada a existência da alegada omissão e por seu manifesto propósito infringente” (STF, RE-ED 219.934-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 13-10-2004, v.u., DJ 26-11-2004, p. 06, RTJ 192/722, RT 835/151).

No v. Acórdão se encontra preciosa lição, que serve de fundamento à presente demanda, in verbis:

“A questão fundamental posta é, entretanto, a compatibilização do instituto da estabilidade financeira, em decorrência da nomeação para cargo em comissão com a norma contida no artigo 37, II, da Constituição Federal.

Penso, não haver dúvida quanto ao fato de o instituto da estabilidade financeira ser compatível com o sistema constitucional em vigor.

O Ministro relator também assim entendeu, quando afirmou em seu voto (fls. 201):

‘Quanto ao mais, o eminente Ministro Marco Aurélio bem considerou esse caso como sendo de estabilidade financeira, e realmente assim pode ser tachado. Não é, porém, aquela estabilidade financeira usual, que decorre da situação perfeitamente regular de um funcionário efetivo exercer um cargo em comissão e dar-se a estabilidade financeira em virtude dessa legítima razão. Mas, no caso, trata-se de um funcionário efetivo, desviado de função para o exercício de outro cargo efetivo mais elevado e, incorporados os vencimentos desse segundo cargo, concedeu-se a ele, não nominalmente, um outro cargo, mas aquilo que constitui um dos mais importantes atributos da conceituação do cargo público, que são os vencimentos a este atribuídos’ (grifei)

O que deve ser analisado, nestes embargos, porém, é se a situação ilegal do servidor, desviado de sua função, que recebia vencimentos de cargo, não comissionado, diferente daquele para o qual tinha prestado concurso, justifica ou não, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 133 da Constituição do Estado de São Paulo e do artigo 19 do seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em face do artigo 37, II, da Constituição Federal.

(...)

A propósito, assim dirimiu a questão, no seu voto vencedor, o Ministro Gallotti:

‘A situação concreta em exame não se traduz formalmente – é certo – na investidura em novo cargo, mas significa o reconhecimento de atributo essencial a ele inerente, qual seja o da sua remuneração.

Permitir a sua percepção, apenas por não se fazer acompanhar de mudança na denominação do cargo, seria, segundo penso, esvaziar o mandamento do art. 37, II, da Constituição, comprometendo-lhe, desenganadamente, a substância.’ (fl. 194)

(...)

Inconstitucional, seria o permissivo constitucional estadual apenas na parte em que permite a incorporação ‘a qualquer título’ porque este ‘a qualquer título’ é que abrangeria situações como a dos autos, em que o servidor, que tenha prestado concurso para um cargo venha a receber proventos próprios ou até mesmo a denominação de cargo diferente, para o qual se exija outro concurso”.

Tal como naquela sede, merece prestígio, sob o pálio do art. 115, II, da Constituição do Estado de São Paulo, entendimento que reconheça a inconstitucionalidade da expressão “designação”, pois esta difere da hipótese de nomeação do servidor para os cargos em comissão, para a qual existe autorização constitucional.

A “designação” de servidor para cargo diverso daquele para o qual foi investido mediante concurso público não tem amparo constitucional e, por isso, equivale à expressão “a qualquer título”, que foi rechaçada pelo STF na Decisão destacada.

Da forma como os §§ 2º e 3º do art. 169 estão redigidos, estimulam-se práticas administrativas como a do desvio de função, que não se compatibiliza com a ética e a probidade nas relações do poder público, favorecendo apaniguados na obtenção de remuneração maior a que fazem jus pelo exercício de seus cargos, fomentando, destarte, escolhas por critérios subjetivos para o desempenho de funções estranhas àquelas relativas aos cargos para os quais os funcionários foram concursados.

Com a previsão de incorporação de fração da diferença de vencimentos, abre-se a oportunidade da instauração de relações distanciadas do interesse público criando situações absolutamente imorais de favorecimento, abrigadas pela expressão impugnada. Em suma, o ato normativo proporciona o uso da necessidade do serviço público e dos recursos do Erário para melhorias estipendiais oblíquas.

Nem se alegue que a expressão “designação” contida na lei foi reservada para a hipótese da primeira parte do art. 37, inc. V, da Constituição Federal (exercício de funções de confiança por servidores de carreira). O § 2º é explícito: refere-se, inequivocamente, a “cargo diferente do seu”, cujo exercício, como se pontuou, seria possível, somente, se este fosse reservado para o provimento em comissão e, sempre, mediante regular nomeação.

Por tais razões, denota-se a clara incompatibilidade da expressão “designação”, contida nos §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 01/90, com a redação da Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007, com o art. 111, caput, da Constituição do Estado de São Paulo (aplicável aos Municípios por força de seu art. 144 e reproduzindo o art. 37, caput, da Constituição Federal), que inscreve a moralidade como princípio constitucional da Administração Pública, e, especialmente, com o art. 115, inc. II, da Constituição do Estado de São Paulo.

3. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da expressão “designação”, contida nos §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 01/90, com a redação da Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007, do Município de Taubaté.

Como pedido subsidiário fica requerida a aplicação do princípio da interpretação conforme a Constituição, para se declarar que os §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 01/90, com a redação da Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007, do Município de Taubaté, não se aplicam para os casos de desvio de função.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 18 de agosto de 2010.

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 81.296/2010

Interessado: Promotoria de Justiça de Taubaté

Assunto: Inconstitucionalidade da expressão “designação” contida nos §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 1, de 4 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre o Código de Administração do Município de Taubaté”, com a redação da Lei Complementar nº 179, de 19 de dezembro de 2007.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da expressão “designação” contida nos §§ 2º e 3º do art. 169 da Lei Complementar nº 1, de 4 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 18 de agosto de 2010.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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