EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 85.473/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo PGJ, da expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis.  Norma que determina a atribuição de pontos em concurso público para o provimento de cargos da Administração em função do tempo de efetivo serviço no município ou do tempo de efetivo exercício do magistério municipal. Ofensa aos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, previstos no art. 111 da Constituição do Estado. Precedentes. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade do ato normativo.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis, que “institui plano de carreira, vencimentos e salários para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria Municipal da Educação e Cultura, revoga a Lei nº 1.299, de 6 de julho de 1999, e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

Art. 33 – Para efeito de concurso público de provas e títulos, remoção e de classificação para atribuição de classes, a contagem de tempo por dia de exercício seguirá os índices abaixo relacionados:

I – O tempo de serviço no município de Salesópolis – 0,02 por dia até o limite de 25 pontos.

II – O tempo de efetivo exercício no magistério municipal após concurso público de provas e títulos – 0,03 por dia.

Contudo, é possível afirmar que a expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no referido dispositivo, ofende frontalmente o art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.

É o que será demonstrado a seguir.

2. DA FUNDAMENTAÇÃO

A propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade decorre do acolhimento de representação subscrita pelo Dr. FÁBIO ANTONIO XAVIER DE MORAES, DD Promotor de Justiça de Salesópolis.

Deflui do expediente por ele remetido e que ora integra a presente inicial que o art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis, ao atribuir pontos ao candidato pelo tempo de efetivo serviço no município ou pelo tempo de efetivo exercício do magistério municipal, acabou ferindo os princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, todos previstos no art. 111 da Constituição do Estado.

Cuida-se de regra não razoável, que prejudica, injustificadamente, candidatos que, embora bem avaliados nas provas, não exerceram função pública na Prefeitura.

Ora, na ordem constitucional em vigor, os Municípios integram a Federação e são dotados de “autonomia administrativa (cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional, 8ª. ed., São Paulo, Malheiros, p. 544), que vem a ser a capacidade de organizar e dirigir os seus próprios serviços.

Como consectário da “autonomia administrativa”, os Municípios brasileiros dispõem de competência para organizar o seu próprio funcionalismo, de acordo com as conveniências locais, e, para tanto, “a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo, Malheiros, p. 420), mas é obrigada a observar as normas constitucionais aplicáveis aos servidores públicos em geral (CF, arts. 37 a 41) e, de idêntico modo, ‘os preceitos das normas de caráter complementar’ (ob. cit., p. 424).       

A Constituição Paulista, a seu turno, consagra a regra segundo a qual “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.” (art. 115, II).

Esse preceito, que encontra fundamento de validade nos postulados básicos da isonomia e moralidade (cf. Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 9ª. ed., São Paulo, Atlas, p. 318-319), reproduz norma constitucional federal (CF, art. 37, II), cuja observância é obrigatória por todas as entidades de direito público, de conformidade com o disposto no art. 144 dessa mesma Carta Política.

É certo que, quando a Constituição impõe a obrigatoriedade do concurso público para o preenchimento dos cargos e empregos públicos, faculta a avaliação dos candidatos por provas ou por provas e títulos.

Não admite, entretanto, que, elegendo-se o certame de provas e títulos, atribuam-se pontos aos candidatos por certos fatores que, na prática, desequilibram o concurso público, ou seja, favorecem uns em detrimento de outros.

Note-se que, nos termos do ato normativo impugnado, o candidato que tenha sido funcionário público do Município de Salesópolis ou tenha exercido o magistério municipal será agraciado com até 25 (vinte e cinco) pontos para efeito de classificação no concurso público.

O discrímen é abusivo, como acabou por demonstrar o Edital nº 002/2010, relativo às normas para Concurso Público de Provas e Títulos para provimento de cargos de Diretor de Ensino e Professor, que reservou meros 3 pontos ao título de Doutorado, 2 ao de Mestrado e 1 à Especialização, redundando em palpável favorecimento aos candidatos enquadrados nas situações previstas no art. 33  da Lei nº 1.592.

O tema não é novo para esse E. Tribunal de Justiça.

Confira-se:

FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL – Concurso público – Anulação – Prova de títulos que considera apenas o tempo de serviço público prestado no município – Inadmissibilidade – Concurso que teve por finalidade efetivar em cargos públicos superiores os funcionários do município – Inobservância dos princípios da impessoalidade, da moralidade administrativa, da igualdade e da legalidade. Recurso provido (TJSP – Apelação Cível nº 177.932-1 – Bragança Paulista – Rel. Alfredo Migliore – 7 Dez. 1992).

Não é outro o entendimento do STF, como demonstram os seguintes julgados:

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 17, I e II, da Lei n° 12.919, de 29 de junho de 1998, do Estado de Minas Gerais. 2. Concurso Público de Ingresso e Remoção nos Serviços Notarias e de Registro. 3. Apresentação dos seguintes títulos: a) "tempo de serviço prestado como titular, interino, substituto ou escrevente em serviço notarial e de registro" (art. 17, I); b) "apresentação de temas em congressos relacionados com os serviços notariais e registrais" (art. 17, II). 4. Violação ao princípio constitucional da isonomia. 5. Precedentes: ADI n° 3.522/RS; ADI 3.443/MA; ADI n° 2.210/AL. 6. Medida cautelar julgada procedente.
(ADI 3580 MC, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2006, DJ 10-03-2006 PP-00006 EMENT VOL-02224-01 PP-00121 LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 71-76)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. REGULAMENTO nº 7/2004, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, INCISOS I E II DO ART. 31. PROVA DE TÍTULOS: EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS. I. - Viola o princípio constitucional da isonomia norma que estabelece como título o mero exercício de função pública. II. - ADI julgada procedente, em parte (ADI 3443, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2005, DJ 23-09-2005 PP-00006 EMENT VOL-02206-1 PP-00200 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 75-81).

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. PREVISÃO DE PONTUAÇÃO AOS SERVIDORES NÃO ESTÁVEIS, BEM COMO A APROVAÇÃO EM QUALQUER CONCURSO PÚBLICO, SEM DIFERENCIAÇÃO DE NÍVEL DE GRADUAÇÃO, DESIGUALA OS CONCORRENTES, EM OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE, AO NÃO TRAZER O NOME DOS CANDIDATOS E OS RESPECTIVOS NÚMEROS DE INSCRIÇÃO. "FUMUS BONI IURIS" E "PERICULUM IN MORA" CONFIGURADOS. SUSPENSÃO DE ITENS DO EDITAL. LIMINAR DEFERIDA (ADI 2206 MC, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 08/11/2000, DJ 01-08-2003 PP-00100 EMENT VOL-02117-33 PP-06964).

EMENTA: I. Concurso para a magistratura: argüição de inconstitucionalidade da resolução que o dispensa - aprovado pelo Tribunal de Justiça - e do edital - baixado por seu Presidente, por não ter participado a Ordem dos Advogados do Brasil da elaboração de tais atos normativos: ação direta inadmissível no ponto, porque, outorgadas as competências do Tribunal e de seu Presidente pela lei, a existir, a inconstitucionalidade direta seria desta, a lei, e não, dos atos normativos que, com base na competência legal, foram baixados. II. Concurso para a magistratura: exigência constitucional de participação da OAB "em todas as suas fases": conseqüente plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade das normas regulamentares do certame que: (a) confiaram exclusivamente ao Presidente do Tribunal de Justiça, com recurso para o plenário deste, decidir sobre os requerimentos de inscrição; (b) predeterminaram as notas a conferir a cada categoria de títulos: usurpação de atribuições da comissão, da qual há de participar a Ordem. III. Concurso público para a magistratura: títulos: plausível a invocação do princípio constitucional da isonomia contra a validade de normas que consideram título o mero exercício de cargos públicos, efetivos ou comissionados, privativos ou não de graduados em Direito
(ADI 2210 MC, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 28/09/2000, DJ 24-05-2002 PP-00053 EMENT VOL-02070-02 PP-00284).

Em conclusão, não há o que justifique, para fins de concurso público, a benesse do art. 33 da Lei nº 1.592/09, que, à vista desarmada, opõe-se aos princípios da impessoalidade, da igualdade e da moralidade administrativas, traduzindo-se em verdadeiro artifício para acomodar nos cargos postos em concurso os próprios servidores do Município.

3. PEDIDO DE LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo impugnado, instalar-se-á, provavelmente, a situação consumada decorrente da nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos com regras viciadas.

A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal no aspecto administrativo.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, ou seja, da expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis, durante o trâmite da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

4. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 15 de dezembro de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

jesp

 

 

Protocolado nº 85.473/2010

Interessado:  Promotoria de Justiça de Salesópolis

Assunto: Inconstitucionalidade da expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da expressão “concurso público de provas e títulos”, contida no art. 33 da Lei nº 1.592, de 28 de novembro de 2009, do Município de Salesópolis, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 15 de dezembro de 2010

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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