EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 86.723/09

Assunto: Inconstitucionalidade do parágrafo 5º do art.31 e dos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do ANEXO III, cujas atribuições estão previstas no ANEXO IX, da Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e funcional da Autarquia Municipal SANEBAVI -  Saneamento Básico Vinhedo e dá outras providências”.

 

Ementa: Parágrafo 5º do art. 31  e dos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do ANEXO III, cujas atribuições estão previstas no ANEXO IX, da Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e funcional da Autarquia Municipal SANEBAVI-Saneamento Básico de Vinhedo e dá outras providências”. Criação de adicional de função na ordem de 40% (quarenta por cento) aos ocupantes dos cargos de provimento em comissão concedida pelo Superintendente da Autarquia, através de Portaria. Violação da reserva legal, da moralidade administrativa, da impessoalidade, e da razoabilidade (art.24 §2º n.1, art.111, art.128 e art.144 da Constituição do Estado).  Criação dos cargos de provimento de comissão impugnados, aos quais não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento, mas funções próprias dos cargos de provimento efetivo, que denota subordinação a cargo de terceiro ou quarto escalão. Violação do art. 115, inc. II e V, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade do parágrafo 5º do art.31  e dos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do ANEXO III, cujas atribuições estão previstas no ANEXO IX, da Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE  do parágrafo 5º do art.31 e dos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do ANEXO III, cujas atribuições estão previstas no ANEXO IX, da Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo, bem assim de todos os anteriores atos normativos que contenham as mesmas previsões, para se evitar o efeito repristinatório, pelos fundamentos a seguir expostos.

I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

1. A Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo,  que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e funcional da Autarquia Municipal SANEBAVI- Saneamento Básico Vinhedo e dá outras providências , instituiu em seu ANEXO III os seguintes cargos de provimento em comissão, tidos como inconstitucionais:

        I- SUPERINTENDÊNCIA:

        01 Chefe de Seção de Gabinete e Expediente;  

        01 Assessor de Imprensa;

        01 Assessor de Comunicação;

       

II- DEPARTAMENTO JURÍDICO:

01 Chefe de Seção Jurídica;

01 Assessor Jurídico;

 

III- DEPARTAMENTO CONTÁBIL, FINANCEIRO E COMERCIAL:

01-   Chefe de Seção Contábil, Financeiro e Comercial;

01-   Chefe de Faturamento, Arrecadação e Fiscalização;

02-   Assessor de Diretoria;

 

III- DEPARTAMENTO CONTÁBIL, FINANCEIRO E COMERCIAL:

 

01-   Chefe de Seção Administrativa e Pessoal;

02-   Assessor de Diretoria;

 

IV-        DEPARTAMENTO DE PLANEJAMENTO E PROJETOS:

01-   Chefe de Seção de Planejamento e Projetos;

02-   Assessor de Diretoria;

 

V-         DEPARTAMENTO DE PLANEJAMENTO E PROJETOS:

01-   Chefe de Seção de Planejamento e Projetos;

02-   Assessor de Diretoria;

 

VI-        DEPARTAMENTO DE OBRAS, MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO:

03-   Chefe de Seção Técnico Operacional;

01-   Assessor Técnico em Saneamento;

01-   Assessor de Diretoria;

 

Ocorre que aos cargos em questão, instituídos pela lei impugnada, não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento. São lotações que não se situam na administração superior, nem demandam a estrita confiança, cujas missões devem ser realizas por servidores de carreira, até mesmo para não haver solução de continuidade por sucessão de administradores.

A previsão normativa desses cargos de provimento em comissão não condiz com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal ou com o artigo 115, incisos II e V, da Constituição Estadual.

Por outro lado, o parágrafo 5º do art. 31 da mesma lei, apresenta a seguinte redação:

Art. 31- Os vencimentos dos empregados de confiança são os constantes do ANEXO III, desta Lei Complementar.

(...)

§5º - Fica criada vantagem pecuniária denominada “adicional de função” na ordem de 40% (quarenta por cento) sobre os valores de referências salariais mencionados no ANEXO III, que poderão ser concedidos pelo Superintendente através de Portaria, aplicáveis aos detentores de empregos de confiança constante da Estrutura Administrativa para o segundo, terceiro e quarto escalões, bem como as assessorias”.

Referido dispositivo legal, por desrespeitar o princípio da separação dos poderes e da indelegabilidade de atribuições, ofende o art. 5º, “caput”, e seu § 1º; art.19, inciso III; art.24, § 2º, nº 1; art.111; art.128; art.144 e art.297, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

É o que será demonstrado a seguir.

II – DO DIREITO

A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261).

A autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).

A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).

Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

No caso em exame, o Legislador Municipal criou cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa vinculação.

Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).

Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. ed, São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

É incontestável que os cargos relacionados, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exijam relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargos comuns, de natureza profissional, que devem ser assumidos em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

Para tanto, basta observar as atribuições dos mesmos (fls. 118/127).  

Por outro lado, o parágrafo 5º , do art. 72/2007, ao prever a possibilidade de concessão de vantagem pecuniária na ordem de 40% (quarenta por cento) pelo Superintendente da Autarquia através de Portaria, aos detentores de cargos de provimento em comissão, que, por desrespeitar o princípio da separação dos poderes e da indelegabilidade de atribuições, ofende o art. 5º, “caput”, e seu § 1º; art.19, inciso III; art.24, § 2º, nº 1; art.111; art.128; art.144 e art.297, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

          Com efeito, assim prescrevem esses dispositivos constitucionais estaduais:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

 

Art. 19 – Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no artigo 20, e especialmente sobre:

(...)

III – criação e extinção de cargos públicos e fixação de vencimentos e vantagens.

 

Art. 24 - .........

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

1- criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração.

 

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.                    

Art. 297 – São também aplicáveis no Estado, no que  couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado” (artigo introduzido pela EC n. 21, de 14.02.2006).

          Com efeito,  os vencimentos dos servidores públicos devem ser fixados em lei específica, assim como as vantagens pecuniárias, até porque accessorium sequitur principale. De qualquer modo, nessa compreensão incluem-se as vantagens pecuniárias e seus respectivos valores porque a dimensão da reserva de lei - da tradição jurídico-constitucional brasileira (art. 15, n. 17, Constituição de 1824; art. 34, n. 24, art. 72, n. 32, Constituição de 1891; art. 65, IV, Constituição de 1946; arts. 43, V, e 57, II, Constituição de 1967; art. 37, X, Constituição de 1988) - abrange quaisquer espécies remuneratórias e, aliás, quaisquer estipêndios pagos pelo poder público sob qualquer rubrica, alcançando acréscimos e vantagens pecuniários, indenizações, auxílios, abonos que só podem ser concedidos por ato normativo da exclusiva alçada do Poder Legislativo, pois, a ele compete a integralidade da disciplina da matéria.

          Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: se à lei é reservada, com exclusividade, a função de fixação da remuneração do servidor público, inclusiva de seu valor, pela mesma razão, pertence-lhe fixar adicional ou da gratificação e seu valor (ainda que fracionário ou percentual e até com diferenciações em razão do cargo situar-se em maior ou menor grau de hierarquia, de complexidade etc.), sob pena de inviabilidade do planejamento e da execução orçamentária (art. 169, Constituição Estadual).

          Houve, portanto, ofensa aos princípios da separação dos poderes e da legalidade descritos nos arts. 5º, e § 1º, 24, § 2º, 1, 111, 115, XI, e 128, da Constituição do Estado. Mas, não bastasse houve transgressão aos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, cunhados nos arts. 111 e 128 da Constituição Paulista.     

          O esquema normativo impugnado fornece ao Superintendente da Autarquia ampla e excessiva discricionariedade, permitindo-lhe aquinhoar, por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse público primário, servidores credores das gratificações com valores variáveis, pessoais e individualizados que não se amoldam às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que é permeável a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade. Na compreensão do princípio da impessoalidade está, entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.

          A previsão legal impugnada possibilita ao Superintendente da Autarquia atribuir valores (referentes à gratificação) sem qualquer critério objetivo ou por critérios sigilosos ou subjetivos, expondo a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário.

           Em torno do tema, o Supremo Tribunal Federal prestigia a prevalência da reserva legal na remuneração dos servidores públicos e sua indelegabilidade:

“O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional,       podem    ser     legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).

“Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções n.ºs 26, de 22/12/94; 15, de 23/10/97, e 16, de 30/10/97, todas do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, havendo a primeira criado a gratificação de representação, correspondente a 40% do valor global atribuído a diversos cargos, estendendo-a,    inclusive,    aos     inativos   que   se aposentaram em cargos de igual denominação ou equivalente. 2. Alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo. 3. Medida cautelar deferida e suspensa, com eficácia ex nunc, a eficácia das Resoluções impugnadas. 4. Procedência da alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo, eis que há necessidade de lei em sentido formal para a criação de vantagens pecuniárias a servidores do Poder Judiciário. 5. A Lei Magna não assegura aos Tribunais fixar, sem lei, vencimentos ou vantagens a seus membros ou servidores. 6. Jurisprudência do STF no sentido de que ‘não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob o fundamento da isonomia’ (Súmula 339 e ADINs n.º 1776, 1777 e 1782). 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente”(STF, ADI 1.732-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17-04-2002, v.u., DJ 07-06-2002, p. 81).

          Perfilhando esta orientação, merece destaque recente julgamento deste egrégio Tribunal de Justiça cuja ementa é a seguinte:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Ato normativo municipal que confere ao Chefe do Poder Executivo a possibilidade de, mediante portaria e a seu alvedrio, conceder gratificações de 20 e até 100% sobre os vencimentos dos servidores – Violação da cláusula da reserva legal, visto que somente por lei, em sentido formal, podem ser fixadas gratificações e vantagens –

 

Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal – Preceito normativo que, ademais, vulnera a moralidade, o princípio da impessoalidade e da razoabilidade – Ofensa aos artigos 5º, 24, § 2º, nº 1, 111, 115, XI, todos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios ex vi o artigo 144 da mesma Carta – Inconstitucionalidade do § 1º do artigo 5º da Lei nº 3.122 do Município de Cruzeiro reconhecida – Inconstitucionalidade também do § 2º do mesmo preceito por arrastamento – Ação procedente” (TJSP, ADI 169.057-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, 28-01-2009, v.u.).

          Verifica-se, ademais, que não há razoabilidade alguma em delegar ao Superintendente da Autarquia a fixação do valor dessa gratificação. 

III – CONCLUSÃO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do parágrafo 5º do art.31 e dos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do ANEXO III, cujas atribuições estão previstas no ANEXO IX, da Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo, bem assim de todos os anteriores atos normativos que contenham as mesmas previsões, para se evitar o efeito repristinatório.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo,  17 de novembro de 2009.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 86.723/09

Interessado: José Luiz Gugelmin

Assunto: Inconstitucionalidade do parágrafo 5º do art.31 e dos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do ANEXO III, cujas atribuições estão previstas no ANEXO IX, da Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e funcional da Autarquia Municipal SANEBAVI -  Saneamento Básico Vinhedo e dá outras providências”.

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do parágrafo 5º do art.31 e dos cargos de provimento em comissão impugnados, constantes do ANEXO III, cujas atribuições estão previstas no ANEXO IX, da Lei nº 72, de 16 de agosto de 2007, do Município de Vinhedo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo,  17 de novembro de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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