EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 89.045/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto.

 

Ementa:

1. Ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre autorização, em caráter excepcional e por tempo determinado, de construção de unidades habitacionais.

2. Alteração do zoneamento urbano. Violação da separação entre os Poderes, sendo matéria de iniciativa do Poder Executivo (art. 5º, e art. 47, II e XIV, da CE). Violação das exigências de planejamento em matéria urbanística (arts. 180 e 181 da CE).

3. Inconstitucionalidade constatada.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto , de iniciativa parlamentar, dispõe sobre autorização, em caráter excepcional e por tempo determinado, de construção de unidades habitacionais.

Contudo, é possível afirmar que essa lei, ora impugnada, ofende frontalmente os seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 5º, e art. 47, II e XIV, 144, 180 e 181.

É o que será demonstrado a seguir.

 

FUNDAMENTAÇÃO

Com base nos elementos colhidos, é possível concluir que a Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto , de iniciativa parlamentar  é, de fato, inconstitucional, à luz dos dispositivos da Constituição do Estado acima destacados.

Dito ato normativo cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao estabelecer, em seus arts. 1º e 3º, que “fica autorizado, em caráter excepcional e por tempo determinado, de construção de unidades habitacionais no Conjunto Habitacional Adelino Simioni” e que “não será permitida nenhuma outra destinação de uso a não ser a construção de unidades habitacionais, no período excepcional constante da presente lei” .

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em análise, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Como ensinou Hely Lopes Meirelles:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 708, 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro lado, o ato legislativo impugnado também revela a inexistência de adequado planejamento para a elaboração do ato normativo.

A matéria atinente à gestão da cidade decorre, essencialmente, da administração realizada pelo Chefe do Executivo, o que leva à conclusão de que, na hipótese em exame, foi violado o princípio da separação de poderes (arts. 5º e 47, II e XIV, Constituição Paulista; art. 2º, Constituição Federal).

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto. Limita-se ao âmbito pré-fixado pelo ente estrutural e hierarquicamente superior, isto é, a Constituição Federal (José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.459). E deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ªed., São Paulo, Saraiva, 285) para a consecução de suas quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de auto-administração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local); que refletem, respectivamente, a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências), administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas).

A autonomia do Município, entretanto, deve respeitar o princípio da separação dos Poderes, contando o art. 5º da Constituição do Estado com a expressa previsão de que eles atuam de forma independentemente e harmônica, regra, aliás, que também consta do art. 2º da Constituição Federal, igualmente aplicável no âmbito estadual por força do art. 144 da Constituição Bandeirante.

Recorde-se, com Hely Lopes Meirelles, que as atribuições do Prefeito são de natureza governamental e administrativa, sendo certo que atua sempre “por meio de atos concretos e específicos, de governo (atos políticos) ou de administração (atos administrativos), ao passo que a Câmara desempenha suas atribuições típicas editando normas abstratas e gerais de conduta (leis). Nisso se distinguem fundamentalmente suas atividades. O ato executivo do Prefeito é dirigido a um objetivo imediato, concreto e especial; o ato legislativo da Câmara é mediato, abstrato e genérico(...) O prefeito provê in concreto, em razão do seu poder de administrar; a Câmara provê in abstracto em virtude de seu poder de regular. Todo ato do prefeito que infringir a prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c.c. o art.31), podendo ser invalidado pelo Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, 6ªed., 3ª tir., atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro e Yara Darcy Police Monteiro,
São Paulo, Malheiros, 1993, p. 523).

A lei em exame ofendeu a separação que deve ocorrer no exercício das funções estatais, por ingressar na esfera de competência do Poder Executivo.

É bem verdade, a propósito, que não há previsão de iniciativa legislativa reservada na matéria.

Entretanto, pela natureza da matéria e pelos requisitos que nosso sistema constitucional estabelece para a elaboração da legislação urbanística, é lícito afirmar que ela demanda planejamento administrativo. E o planejamento na ocupação e uso do solo urbano das cidades é algo que só o Poder Executivo é habilitado, estrutural e tecnicamente, a fazer.

Considerando que ao Poder Legislativo cabe legislar, e ao Poder Executivo cabe administrar, é lícito concluir que o ato legislativo que invade a esfera da gestão administrativa - que envolve atos de planejamento, estabelecimento de diretrizes e a realização propriamente dita do que foi estabelecido na fase do planejamento (realização de atos administrativos concretos) – é inconstitucional, por violar a regra da separação de Poderes.

No caso ora examinado, como a iniciativa legislativa partiu de Vereador, chega-se à conclusão de que o Legislativo Municipal violou a regra que exige independência e harmonia entre os Poderes, invadindo a esfera das atribuições do Executivo Municipal.

Por igualdade de razões é que a Constituição Estadual, em dispositivo aplicável aos Municípios em função do seu art. 144, prevê, nos incisos II e XIV do seu art. 47 as atribuições privativas do Chefe do Executivo para “exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual”, bem como “praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo”.

Vale, a propósito, colacionar precedentes desse egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acolhendo, em hipóteses análogas, a tese da inconstitucionalidade por violação da separação de Poderes, e por isso aplicáveis ao caso mutatis mutandis:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei 3.801, de 01 de julho de 2004, do Município de Valinhos, que ‘cria zona corredor 1 – ZC1, nas ruas Martinho Leardine e Pedro Leardine e altera o zoneamento de Z2A para Z3B no JD. Paiquerê e no Condomínio residencial Millenium’. Lei apenas em sentido formal. Incompetência do Poder Legislativo Municipal. Matéria afeta ao Poder Executivo. Violação dos princípios da independência e harmonia dos poderes. Ação procedente” (TJSP, ADIN 119.158-0/3, Comarca de Valinhos, rel. Des. Denser de Sá, j. 02.02.2006).

“Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei Complementar Municipal 1.482/03. ‘Autoriza, em caráter excepcional, atividades de prestação de serviços (clínicas de acupuntura, terapias e meditações) em trecho da Avenida Sumaré...’.Lei de iniciativa exclusiva do Prefeito. Ofensa à Constituição Estadual. Vício de iniciativa. Ação procedente. Inconstitucionalidade declarada”(TJSP, ADIN 115.322-0/3-00, Ribeirão Preto, rel. Des. Barbosa Pereira, j.27.07.2005).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

Anote-se também que em iniciativa desta Procuradoria-Geral de Justiça, esse egrégio Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade de lei de iniciativa parlamentar que alterou o zoneamento urbano, como se infere da ementa a seguir transcrita:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Complementar n° 294/05 do Município de Catanduva - Alteração de Zoneamento Urbano - Identificação de lotes que passam a ter característica comercial, em zona estritamente residencial – Inadmissibilidade - Vício de inconstitucionalidade, por motivo de vedada delegação de poder em matéria de reserva legal. Ação julgada procedente.” (ADI 148.671-0/1-00, rel. des. Walter Swensson, j. 23.01.2008, v.u.).

Há inúmeros outros precedentes desse egrégio Tribunal de Justiça apontando, do mesmo modo, no sentido do reconhecimento da inconstitucionalidade, por quebra da regra da separação de poderes, em casos de leis que alteram o zoneamento ou uso do solo urbano: ADI 118.767-0/5-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.07.04.06; ADI 125.012-0/7-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.02.08.06; ADI 130.137-0/9-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. 25.10.06; ADI 125.642-0/1-00, rel. des. Walter de Almeida Guilherme, j. 07.04.06.

Em síntese: (a) partindo de parlamentar a iniciativa do processo legislativo que culminou com a edição da lei impugnada; e (b) interferindo esta no planejamento urbanístico, que se enquadra no conceito de gestão administrativa, reservada esta ao Poder Executivo; evidencia-se a inconstitucionalidade da lei local impugnada, por violação ao disposto nos arts. 5º, 47, II e XIV, e 144 caput, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

É fato inegável que, no caso em exame, não ocorreu o indispensável planejamento urbanístico. A Constituição do Estado de São Paulo prevê objetivamente a necessidade de planejamento em matéria urbanística.

O art. 180 caput da Carta Bandeirante, ao tratar do tema, indica os critérios a serem observados, pelo Estado e pelos Municípios, no “estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano”. Entre eles, de conformidade com o inciso I do referido artigo, encontra-se a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução de problemas, “plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes”.

O art.181 da Constituição Estadual, por sua vez, prescreve que a “lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes”; enquanto o respectivo §1º estabelece que “os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade do território Municipal”.

Cumpre recordar que a exigência do plano diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, está assentada no § 1º do art. 182 da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre da regra contida no art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Anote-se, finalmente, que esse art. 182 caput disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Recorde-se também que o inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

É possível extrair dos dispositivos acima apontados que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano em zona residencial e o acesso a vias e logradouros públicos, sem realização de qualquer planejamento ou estudo, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Entendimento diverso tornará sem valor algum todo o trabalho previamente realizado para fins de elaboração e aprovação da Lei do Plano Diretor e de Uso e Ocupação do Solo Urbano. Qualquer iniciativa parlamentar poderá – como se verificou no caso em exame – levar à alteração legislativa casuísta.

Tratando da elaboração do plano diretor do ordenamento urbano, anota Hely Lopes Meirelles que “a elaboração do plano diretor é tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento do Município e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e utilidade para a população” (Direito Municipal Brasileiro, op. cit., pp. 393-395).

Cumpre finalmente destacar a importância do planejamento urbanístico e da necessária razoabilidade de que se deve revestir a legislação elaborada nesta matéria, recordando Toshio Mukai, que “a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte, Editora Fórum, 2004, p.29).

Deste modo, padece de inconstitucionalidade o ato normativo oriundo do Legislativo municipal que, sem qualquer estudo prévio consistente ou participação popular, e de forma casuística, altera o modo de acesso a vias e logradouros públicos resultantes de parcelamento do solo ou não, ferindo frontalmente o disposto nos art. 180 caput e inciso II, art. 181 caput e § 1º, ambos da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182 caput e §1º, e 30, VIII, da Constituição Federal.

 

DA LIMINAR

Presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos atos normativos impugnados. A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que as leis impugnadas na presente ação padecem de vício de inconstitucionalidade. O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos atos normativos impugnados, instalar-se-á, provavelmente, situação consumada, decorrente da restrição ilegítima de livre, amplo e incondicionado acesso a bens públicos de uso comum do povo.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal, tanto no aspecto administrativo, como do ponto de vista urbanístico.

 

DOS PEDIDOS

Posto isso, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da lei impugnada.

Além disso, evidenciada a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da lei aqui examinada, requer-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 16 de junho de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

md

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 89.045/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto.

 

 

 

1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face Lei Complementar Municipal n. 2.342, de 15 de abril de 2009, do Município de Ribeirão Preto, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 16 de junho de 2008

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça