Excelentíssimo Senhor Desembargador
Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art.116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e ainda em
conformidade com o disposto no art.125, §2º, e 129, inciso IV da Constituição
Federal, e ainda art.74, inciso VI e art.90, inciso III da Constituição do Estado
de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ
nº 90. 386/08), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
da Emenda n. 35, de 29 de junho de 2005 e da Lei Complementar n. 134, de 29 de
novembro de 2006, ambas do Município de Itaquaquecetuba, COM PEDIDO LIMINAR pelos fundamentos a seguir expostos:
1. DA EMENDA E DA LEI COMPLEMENTAR IMPUGNADAS
E DOS FUNDAMENTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE.
A emenda e a lei impugnadas tem por
escopo disciplinar o provimento de cargos em comissão em relação ao grau de
parentesco ou convívio de agentes políticos municipais. Em suma, permitem o nepotismo. Estão vazadas nos seguintes termos:
EMENDA
N. 35, de 29 de JUNHO DE 2005
“Dispõe sobre a revogação do art. 42 da Lei
Orgânica do Município”
“Artigo 1º - Fica revogado o art. 42 da
Lei Orgânica do Município.
Artigo 2º - Esta Emenda entrará em vigor
na data de sua publicação”
O
art. 42, da Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba, assim dispunha:
“Art. 42- Ficam impedidos do exercício
do cargo de secretário municipal, os parentes até o 2º grau do prefeito,
vice-prefeito e vereadores (alterado pela emenda 20/93)”.
LEI COMPLEMENTAR N. 134, DE 29 DE NOVEMBRO
DE 2006
“Dispõe sobre a revogação do inciso
VIII, do artigo 153, da Lei Complementar n. 64/2002”
Artigo 1º - Fica revogado o inciso VIII
do art. 153, da Lei Complementar n. 64/2002, de 26 de dezembro de 2002.
Artigo 2º - As despesas decorrentes com a
execução da presente Lei Complementar, correrão por conta das dotações
próprias, suplementadas se necessário.
Artigo 3º - Esta Lei Complementar
entrará em vigor na data de sua publicação.
O
inciso VIII do art. 153, da Lei
Complementar n. 64/2002, possuía a seguinte redação:
Art. 153- São proibidas ao servidor toda
ação ou omissão capaz de comprometer a dignidade e o decoro da função pública,
ferindo a disciplina e a hierarquia, prejudicando a eficiência do serviço ou
casando dano à Administração Pública, especialmente:
(...)
VIII- manter sob sua chefia imediata
cônjuges companheiro ou parente até segundo grau.
Como se pode observar, a emenda e a lei
que estão sendo impugnadas revogaram dispositivos legais que combatiam o
nepotismo na Administração Pública de Itaquaquecetuba, na medida em que
impediam o exercício do cargo de secretário municipal, os parentes até o 2º
grau de prefeito, vice-prefeito e vereadores bem como, a manutenção sob sua
chefia imediata cônjuges companheiro ou parente até o segundo grau. Daí porque,
ofendem os princípios consagrados pelos arts.111 e 144, da Constituição
Paulista.
O nepotismo é mal que assola o Brasil
desde a administração colonial portuguesa e deve ser banido, urgentemente. Não
se coloca a questão da competência ou não do parente do agente público: o
contribuinte não aceita e não quer custear a nomeação de privilegiados
aparentados ou cônjuges de uma cara burocracia eleita, e para tanto inseriu na
Constituição os princípios da moralidade e impessoalidade.
O
nepotismo é uma das formas de corrupção e
assim considera Norberto Bobbio em seu 'Dicionário de Política' (UnB, v. 1, p.
291). Etimologicamente, nepotismo deriva
do latim nepos, nepotis, significando, respectivamente, neto,
sobrinho. Nepos também indica os descendentes, a posteridade, podendo
ser igualmente utilizado no sentido de dissipador, pródigo, perdulário e
devasso. A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo),
no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da
Igreja Católica. Alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e
favores aos seus parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos
intrínsecos ao nepotismo, que, nos dias atuais, passou a ser associado à
conduta dos agentes públicos que abusivamente fazem tais concessões aos seus
familiares.
Analisando
a questão sob o signo da imparcialidade,
(termo preferido no ordenamento italiano), observam Mazziotti di Celso e
Salermo (Manuale di Diritto Costituzionale, Padova: CEDAM, 2002, p. 373)
que referido cânone é correlato ao princípio da igualdade, indicando a
necessidade de ser perseguida, unicamente, a finalidade pública objetivada no
ordenamento, sendo inadmissível que a atividade administrativa esteja associada
a preferências, privilégios ou favoritismos, que procure injustiças ou que se
funde em juízos arbitrários, não sustentados por parâmetros técnicos e neutros,
mas, sim, destinada à obtenção de vantagens de qualquer natureza. Giuseppe de
Vergottini (Diritto Costituzionale, Padova: CEDAM, 2003, p. 556)
acrescenta que a imparcialidade da ação administrativa pressupõe, salvo
exceções (art. 97 da Constituição italiana), o acesso aos cargos públicos por
meio de concurso de igual natureza, garantindo, segundo regras predeterminadas,
a seleção dos mais meritórios, o que assegura a imparcialidade desses
funcionários na medida em que não permanecerão vinculados aos interesses de seu
benfeitor, mas "al servizio esclusivo della nazione".
O
nepotismo é, portanto, prática condenável e perseguida, pois que compromete a
máquina administrativa. Nesse sentido, a lei em tela representaria a repulsa a
tal prática e a tentativa de moralização. Todavia, fácil perceber que ela trai
sua finalidade, na medida em que encapsula a vedação de nomeação de cônjuge,
convivente e parentes dos chefes ou agentes políticos de cada um dos Poderes,
sem observar que a vedação deve dar-se de forma ampla e recíproca, para que
efetivamente não ocorra o condenável apadrinhamento. Da maneira como foi
aprovada, ensejará certamente a reciprocidade de nomeações de parentes junto ao
Executivo e ao Legislativo.
Nem sequer se questiona aqui a questão da competência do
Executivo para a iniciativa do projeto de lei que resultou no ato normativo impugnado. Com efeito, a questão vem sendo enfrentada
por este Egrégio Órgão Especial, que em mais de uma oportunidade se manifestou
no seguinte sentido:
“A
lei em tela, ao contrário do que diz a inicial, não cria cargos, nem trata de
remuneração, visando apenas conciliar a questão do provimento dos cargos em
comissão com os princípios constitucionais, que, obrigatoriamente, devem
nortear a atividade administrativa, o que não pode ser entendido como
interferência na atuação do Chefe do Executivo, que continua detendo a iniciativa
para a criação de cargos. Não há, portanto, inconstitucionalidade no referido
diploma legal, e a matéria regrada pela lei impugnada objetiva impedir, na
prática, a ação do nepotismo nos Poderes Executivo e Legislativo e está, assim,
em consonância com os princípios constitucionais, sendo que o seu exame não
evidencia qualquer usurpação, exclusividade de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo, não interferindo para atuação própria do Prefeito Municipal das leis
que criam cargos públicos, inclusive os de comissão, e também não há ofensa ao
princípio da separação dos poderes de observância obrigatória pelos Municípios,
conforme o art.144, da Constituição Paulista.”(ADIN n.071.670.0/1-00 –
São Paulo, rel. Desembargador Fortes Barbosa, j.17.10.2001). Ainda, os julgados
proferidos nas ADIns 148.788-0/5-00, rel. Des. Ivan Sartori, j.19.09.07;
129.887-0/8-00, rel. Des. Ivan Sartori, j.14.02.07; 63.877.0/2-00, rel. Des.
José Cardinale, j.21.11.01.
Mesmo que a lei tenha sido da
iniciativa do Executivo, o entendimento externado acima, por esta Egrégia
Corte, aplica-se igualmente ao presente caso.
Mas, permanece, contudo, a violação dos
princípios da impessoalidade e da moralidade.
Como se sabe, a Constituição erigiu a moralidade como princípio básico da administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes dos Municípios (CF., art. 37; CE., art. 111).
Na conceituada lição de Lúcia Valle Figueiredo (Cf. “Curso de Direito
Administrativo”, Malheiros, São Paulo, 1995, 2.ª ed., p. 49), o princípio da moralidade corresponde “ao
conjunto de regras de conduta da Administração que, em determinado ordenamento
jurídico, são consideradas os ‘standards’
comportamentais que a sociedade deseja e espera” e os seus efeitos são
extensivos a todos os “poderes ou
funções do Estado” (Cf. Marcelo Figueiredo, “O Controle da Moralidade na
Constituição”, Malheiros, São Paulo, 1999, p. 120). A nomeação de parentes para
o exercício de cargos ou funções de confiança - que constitui prática muito
comum no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário - é vista com
enorme desconfiança pela população de nosso país. Isso porque, as nomeações
desta natureza geralmente são voltadas à satisfação de interesses privados e no
mais das vezes espúrios, pondo em segundo plano o interesse público. Reportagem
publicada em jornal de grande circulação (“O Estado de São Paulo”, Caderno de
Política, 16.9.2000) - cujo trecho é reproduzido a seguir - dá bem a exata
dimensão do problema.
“O custo do nepotismo na Câmara Municipal
de São Paulo desde 1997 foi de pelo menos R$ 7,7 milhões. O levantamento foi
feito pelo Estado a partir de dados do Diário Oficial do Município e do valor
salarial mínimo pago pelos vereadores a 85 parentes que ocuparam ou ocupam
funções nos gabinetes.
Como
não foram computadas as gratificações, que são regra na Casa, o total desse
"empreguismo" pode chegar a R$ 12,24 milhões - quantia mais próxima
da despesa provável.
O
valor das gratificações não foi calculado porque as cifras exatas dos salários
só poderiam ser obtidas com acesso a todos os holerites. Como isso não é
possível, levou-se em conta o "menor salário", na teoria, pago a cada
funcionário, conforme informações oficiais da Câmara.
............................................
Como a escolha dos funcionários beneficiados
é do parlamentar, a tendência é que, no caso de nepotismo, os parentes sejam os
beneficiados com os maiores acréscimos. Com tudo somado, deve-se ainda
acrescentar um terço sobre o total - gratificação obrigatória. Em alguns casos,
após tantas verbas adicionais, o salário chega a aumentar 500% em relação ao
inicial.’
Exemplos como este da Câmara
Municipal de Itaquaquecetuba são freqüentes e justificam a adoção de meios
legais que permitam limitar o direito à livre nomeação para o exercício de
cargos, empregos ou funções de confiança, coibindo-se assim eventuais abusos ou
excessos que possam resultar da interpretação liberal do dispositivo
constitucional que autoriza esse tipo de nomeação, resguardando-se a moralidade
e a probidade administrativas. Demais, se a Constituição proíbe expressamente o
titular de mandato eletivo de manter contrato com entidades ou órgãos da
administração pública direta e indireta (CF., art. 54, I, “a”; CE., art. 15, I,
“a”) o que dirá então a nomeação de parentes para o exercício de cargo de
confiança, ante a identidade de situações.
Como bem observou o Min. Celso de
Mello, em trecho do lapidar voto proferido na ADInMC 1.521, ‘quem tem o poder e
a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio
benefício, a autoridade que lhe é conferida. O nepotismo, além de refletir um
gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados
republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa’.
A lei e a emenda em tela, além de
afrontarem o princípio da moralidade, denota, sem dúvida, a má-fé do Chefe do
Executivo e dos Vereadores, na tentativa de se furtar ao império do referido
princípio. Assim, mostra-se inadiável o afastamento das mesmas do ordenamento
jurídico do Município de Itaquaquecetuba.
2.
DO PEDIDO LIMINAR
Remanesce,
no presente caso, a necessidade de concessão de “MEDIDA CAUTELAR”. Isto porque, quando se trata do controle
normativo abstrato, e uma vez verificada a cumulativa satisfação dos pressupostos
legais concernentes ao “fumus boni júris”
e ao “periculum in mora”, o poder
geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia dos atos normativos
impugnados, até o final julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.
A
plausibilidade jurídica da tese exposta na inicial é evidente, não admitindo
maiores questionamentos, ante a evidente ofensa ao princípio da moralidade, bem
como a má fé que permeia a sua finalidade.
De outra parte, continuando em vigor, a mencionada emenda e a referida lei
propiciarão a nomeação irregular de parentes dos citados agentes políticos.
E, por
outro lado, também está delineada a situação
de risco, caracterizadora do ‘periculum
in mora’, tanto mais porque está em questão a preservação da moralidade
pública e da boa fé.
No
contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa
da Constituição, o juízo de conveniência
é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais
recentes do STF, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente
inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.15.2.90, rel. Min. CELSO DE MELLO; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52).
À vista do exposto, e após a concessão da liminar, requer seja autorizado o processamento da presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
colhendo-se as informações pertinentes do Prefeito Municipal e da Câmara de
Vereadores de Itaquaquecetuba, vindo, a final, a ser declarada a
inconstitucionalidade da Emenda n. 35, de 29 de junho de 2005 e da Lei
Complementar n. 134, de 29
de novembro de 2006, por afrontar os artigos 111, 144,
ambos da Constituição do Estado de São Paulo.
São Paulo, 08 de agosto de 2008.
FERNANDO
GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA