EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 91.667/2009

Assunto: Inconstitucionalidade de dispositivos do Código Tributário Municipal de Paranapanema (Lei Municipal nº 385/97) que disciplinam Taxas.

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos do Código Tributário Municipal de Paranapanema (Lei Municipal nº 385/97) que disciplinam Taxas (art. 146, IV e V; art. 231 a 240). Referência legal à “Taxa de conservação de vias”; “taxa de conservação e limpeza”; “taxa de licença para serviços urbanos”; e “taxa de licença para conservação e melhoramento de estradas e rodagem”.

2)      Taxas que tem como hipótese de incidência serviço não específico e indivisível. Afronta ao art. 160, II da Constituição do Estado, que reproduz o art. 145, II da CR/88.

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 91.667/2009, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de dispositivos do Código Tributário Municipal de Paranapanema (Lei Municipal nº 385/97) que disciplinam Taxas (art. 146, IV e V; art. 231 a 240), pelos fundamentos expostos a seguir.

1)Dispositivos impugnados.

O Código Tributário do Município de Paranapanema (Lei Municipal nº 385/97), nos dispositivos impugnados, instituiu taxas que são mencionadas em conformidade com as locuções transcritas a seguir: “Taxa de conservação de vias”; “taxa de conservação e limpeza”; “taxa de licença para serviços urbanos”; e “taxa de licença para conservação e melhoramento de estradas e rodagem”.

Para melhor compreensão, segue transcrição dos dispositivos do CTM de Paranapanema glosados nesta inicial, colocando-se em destaque (negrito) aqueles apontados como inconstitucionais:

“(...)

Art. 146. O imposto predial e territorial urbano, será cobrado na base de:

I – 1% (hum por cento) sobre o valor venal do imóvel quando edificado;

II – 2% (dois por cento) sobre o valor venal do imóvel quando não edificado;

III – para a zona especial, os terrenos não edificados, serão tributados pela alíquota de 5% (cinco por cento) sobre o valor venal;

IV – 12,5% (doze e meio por cento) sobre o valor do imposto, para taxas de conservação de vias, para imóveis localizados na área urbana;

V – 12,5% (doze e meio por cento) sobre o valor do imposto, para taxas de conservação e limpeza, para imóveis localizados na área urbana.

(...)

CAPÍTULO III – DA TAXA DE LICENÇA PARA SERVIÇOS URBANOS

Art. 231.  A taxa de serviços urbanos tem como fato gerador a prestação, pela Prefeitura, de serviços de limpeza pública, conservação de pavimentação e remoção de lixo, de imóveis edificados ou não, localizados em logradouros beneficiados por esses serviços.

Parágrafo único. A taxa de serviços urbanos sofrerá o mesmo desconto constante no parágrafo 2º do art. 151.

Art. 232. A taxa definida no artigo anterior incidirá sobre cada uma das economias beneficiadas pelos referidos serviços.

Art. 233. A base de cálculo da taxa de serviços urbanos é a testada do imóvel para a via pública beneficiada com o serviço;

I – limpeza pública;

II – conservação de pavimentação.

Parágrafo único. A taxa referente a remoção de lixo terá valor fixo anual para cada imóvel edificado ou não, beneficiado com o referido serviço, e corresponderá a divisão das despesas efetivamente realizadas no exercício anterior pelo número dos imóveis cadastrados, convertidas em Unidades Fiscais do Município.

Art. 234. A alíquota da taxa de serviços urbanos é a divisão da somatória das testadas dos imóveis beneficiados em cada serviço, pelas despesas efetivamente realizadas no exercício anterior ao lançamento.

CAPÍTULO IV – DA TAXA DE LICENÇA PARA CONSERVAÇÃO E MELHORAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM

Art. 235.  A taxa de conservação e melhoramento de estradas de rodagem tem como fato gerador a utilização efetiva ou potencial dos serviços de manutenção de estradas ou caminhos municipais.

Art. 236.  O contribuinte da taxa é o proprietário, o titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título, de imóveis situados na área servida, direta ou indiretamente, pelas estradas ou caminhos municipais.

Art. 237.  A base de cálculo da taxa é o custo do serviço de conservação e melhoramento das estradas e caminhos municipais.

Art. 238. Calcular-se-á o custo dos serviços, considerando-se o total anual dos dispêndios contabilizados e apurados em balanço das despesas, relativas a prestação dos serviços devidamente corrigidos, nos termos da legislação federal.

Art. 239. Como critério de rateio o custo dos serviços assim obtido será dividido pela área dos imóveis beneficiados, e desse procedimento, obter-se-á um coeficiente que multiplicado pela área de cada propriedade, propiciará a fixação da importância a ser lançada a cada contribuinte.

Art. 240. O lançamento da taxa será feito anualmente e arrecadada na forma e prazos dispostos em regulamento.

(...)”

Foram colhidas informações da Presidência da Câmara Municipal, bem como do Senhor Prefeito Municipal de Paranapanema, que não chegaram a enfrentar, especificamente, a arguição de inconstitucionalidade dos mencionados tributos municipais (fls. 112 e 116).

Entretanto, como demonstrado a seguir, as taxas instituídas pelos dispositivos acima transcritos apresentam vertical incompatibilidade com nossa sistemática constitucional.

2)Fundamentação.

As taxas instituídas pelo Código Tributário Municipal de Paranapanema (referidas como “taxa de conservação de vias”; “taxa de conservação e limpeza”; “taxa de licença para serviços urbanos”; “taxa de licença para conservação e melhoramento de estradas e rodagem” - art. 146, IV e V; art. 231 a 240 da Lei Municipal nº 385/97, de Paranapanema) são inconstitucionais, pois afrontam o art. 160, II da Constituição Estadual (que reproduz o disposto no art. 145, II da CR/88), e tem a seguinte redação:

“Art.160. Compete ao Estado instituir:

(...)

II – taxas em razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos de sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte, ou postos a sua disposição;”

Os dispositivos impugnados, da Lei Municipal nº 385/97 de Paranapanema, instituíram tributos cujo fato gerador é a prestação de serviços gerais e indivisíveis, o que os torna incompatíveis com a sistemática constitucional tributária.

Não se nega que foi outorgada autonomia aos Municípios, inclusive para fins de instituição e arrecadação de tributos, desde que atendidos os princípios constitucionais estabelecidos, que fixam limites ao exercício dessa competência constitucional (art. 29, caput e art. 30, III da CR/88).

A Constituição da República, ao regular o sistema constitucional tributário, estabeleceu a denominada “regra matriz de incidência”. Embora não tenha ela própria criado tributos, indicou, de forma genérica, a norma padrão de incidência, ou seja, as hipóteses genericamente consideradas, das quais o legislador infraconstitucional de todas as esferas da Federação pode se valer para criar tributos.

A competência das pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), para instituir e arrecadar tributos, deve se desenvolver dentro desses limites, sob pena de mostrar-se inconstitucional.

É indispensável invocar, nesse passo, as considerações formuladas por Roque Antônio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário, 4ª ed., Malheiros, 1993, p. 257): “A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional”.

Além disso, a respeito da hipótese de incidência das taxas anota Roque Antônio Carrazza que deve ser “uma prestação de serviço público diretamente referida a alguém”. São os serviços específicos, prestados uti singuli. “Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de água potável, de gás, de energia elétrica, etc. Estes sim podem ser custeados por meio de taxas de serviço” (op. cit., p. 271/272).

No mesmo sentido, anotou oportunamente Geraldo Ataliba (Hipótese de Incidência Tributária, 4ªed., São Paulo, RT, 1991, p. 128 e ss.) que a taxa é espécie de tributo vinculado, tendo em vista o critério jurídico do aspecto material do fato gerador, ou seja, a “hipótese de incidência”, devendo assim ser serviço especificamente ligado ao contribuinte.

Nessa mesma linha de raciocínio, aduz Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., 3ª tir., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 141), que “quanto à divisibilidade, o conceito do Código Tributário Nacional está correto, pois caracteriza como divisíveis os serviços uti singuli, i. é, os de utilização individual e mensurável, que se contrapõem aos serviços uti universi, prestados indistintamente a todos os usuários, sem possibilidade de individualização e medição, muito embora possam beneficiar mais determinadas categorias do que outras. (...) Somente a conjugação desses dois requisitos – especificidade e divisibilidade – aliada à compulsoriedade do serviço, pode autorizar a imposição de taxa”.

        É pacífico, na doutrina, o entendimento de que só serviços específicos e divisíveis podem render ensejo à tributação por meio de taxas. Confira-se, entre outros: Luciano Amaro Neto, Direito Tributário Brasileiro, 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 33 e ss; Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 14ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p. 403; Leandro Paulsen, Direito Tributário, 9ª ed., Porto Alegre, 2007, p. 48.

Essa posição também é assente junto ao E. STF, no sentido de não se admitir a tributação, por meio de taxas, de serviços que não sejam específicos e divisíveis.

Confiram-se os seguintes precedentes: RE 367.004-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 31-5-07, DJ de 22-6-07; ADI 2.424, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 1º-4-04, DJ de 18-6-04; ADI 948, Rel. Min. Francisco Rezek, julgamento em 9-11-95, DJ de 17-3-00; AI 245.539-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-12-99, DJ de 3-3-00; RE 249.070, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 19-10-99, DJ de 17-12-99; ADI 447, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-91, DJ de 5-3-93.

Apenas a título de exemplificação, confira-se a ementa transcrita a seguir, pela qual o E. STF reconheceu a inconstitucionalidade da “Taxa de Limpeza Pública”, por vício similar ao verificado nas taxas impugnadas nesta ação direta:

“EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA: MUNICÍPIO DE IPATINGA/MG. C.F., art. 145, II. CTN, art. 79, II e III. I. - As taxas de serviço devem ter como fato gerador serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Serviços específicos são aqueles que podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas; e divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos usuários. CTN, art. 79, II e III. II. - Taxa de Limpeza Pública: Município de Ipatinga/MG: o seu fato gerador apresenta conteúdo inespecífico e indivisível. III. - Agravo não provido.” (RE-AgR 366086/MG, REL. Min. CARLOS VELLOSO, j. 10/06/2003, 2ª T., DJ 01-08-2003 PP-00137, EMENT VOL-02117-45 PP-09708).

Diversa não é a posição que vem sendo adotada por esse C. Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça de São Paulo.

Quando do julgamento da ADI 151.685-0/2-00, rel. des. Damião Cogan, em 13.08.2008, por unanimidade foi reconhecida a inconstitucionalidade da taxa de conservação de vias e logradouros públicos instituída no Município de Tatuí, tendo o i. relator consignado em trecho de seu voto que:

“As atividades indicadas de conservação das vias e logradouros públicos devem ser realizadas através da receita pública obtida com os impostos, já que a Constituição da República não autoriza a instituição de taxa para o custeio de serviço público de utilização coletiva.”

No mesmo sentido, a ementa transcrita a seguir:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 165 a 169, da Lei 803/03, do Município de Poloni. Institui taxa de conservação de vias e logradouros públicos- Remuneração de serviço público geral e indivisível voltados a toda a coletividade. Inadmissibilidade. Precedentes. Ofensa aos artigos da CE. Ação procedente.” (ADI 151.688-0/6, rel. des. Passos de Freitas, j. 11.06.2008, v.u.).

No mesmo sentido, recentemente foi acolhida ação direta proposta por esta Procuradoria-Geral de Justiça com relação à taxa de conservação de vias e logradouros públicos instituída pelo Código Tributário Municipal de Tupã. Trata-se da ADI 173.309-0/9-00, rel. des. Ademir Benedito, v.u., julgada na sessão realizada em 17.06.2009. Eis a ementa do referido julgado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Código Tributário de Tupã – Art. 297, com a redação alterada pela Lei Complementar nº 66, de 23.12.2004 – Taxa de Conservação de Vias e Logradouros Públicos – Hipótese de incidência – serviço não específico e indivisível – Afronta reconhecida aos termos do artigo 160, II, da Constituição do Estado de São Paulo, que reproduz o artigo 145, II, da Constituição da República de 1988 – Entendimentos doutrinários e jurisprudenciais – Inconstitucionalidade da norma reconhecida – dispositivo repristinado padecendo do vício inquinado à norma principal – Inconstitucionalidade por arrastamento da norma em sua redação originária reconhecida.”

Deste modo, suficientes são os fundamentos para o reconhecimento da inconstitucionalidade dos tributos impugnados nesta inicial.

3)Conclusão e pedido.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos dispositivos do Código Tributário Municipal de Paranapanema (Lei Municipal nº 385/97) que disciplinam Taxas (art. 146, IV e V; art. 231 a 240), especificamente: Taxa de conservação de vias; taxa de conservação e limpeza; taxa de licença para serviços urbanos; e taxa de licença para conservação e melhoramento de estradas e rodagem.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Paranapanema, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 22 de setembro de 2009.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 91.667/2009

Assunto: Inconstitucionalidade de dispositivos do Código Tributário Municipal de Paranapanema (Lei nº 385/97) que disciplinam Taxas.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 22 de setembro de 2009.

 

 

 

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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