Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

Protocolado nº 96.628/07

Assunto: Inconstitucionalidade do art.60 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Manduri.

 

Ementa: 1)Regimento Interno da Câmara Municipal. Autonomia normativa – ato editado no exercício de competência exclusiva da Câmara Municipal. 2)Fixação do quorum de maioria absoluta para instalação de comissões especiais de inquérito. 3)Desrespeito ao art.13 §2º da Constituição Paulista (reprodução do art.58 § 3º da CR). Princípio da simetria. Preservação do direito das minorias parlamentares. Essencialidade ao próprio regime democrático. Princípios estabelecidos. Aplicação aos Municípios por força do art.144 da Constituição Paulista. 4)Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (art.116 VI da Lei Complementar Estadual nº 734/93 - Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo -; art.125 §2º e 129 IV da Constituição Federal; art.74 VI e art.90 III da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 96.628/07) vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art.60 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Manduri (red. Resolução 003/2004), pelos fundamentos a seguir expostos.

 

1)Do ato normativo impugnado.

 

         O art.60 caput do Regimento Interno da Câmara Municipal, com a redação que lhe foi dada pela Resolução nº 003/2004, passou a dispor como segue:

 

Art.60. A Câmara Municipal criará Comissão Especial de Inquérito mediante requerimento fundamentado e assinado pela maioria absoluta de seus membros, independente de decisão plenária, para a apuração de fato determinado que se incluam na competência municipal, por prazo de noventa dias, que poderá, se aprovado pelo plenário ser prorrogado por mais trinta dias, a qual terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos em lei e neste Regimento.” (cf. fls.18 e 37).

 

                Entretanto, as expressões colocadas em negrito no dispositivo, que fixam o quorum de “maioria absoluta” para a instalação das comissões especiais de inquérito, são verticalmente incompatíveis com a Constituição Estadual, como será demonstrado a seguir.

 

2)Violação de princípios estabelecidos.

 

         A exigência de quorum de maioria absoluta para fins de instauração de comissão especial de inquérito, por força dos dispositivos acima invocados, mostra-se incompatível com o disposto no art.144 da Constituição Bandeirante, pelo qual “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição (g.n.).

 

         Isso decorre do fato de que as comissões especiais de inquérito, instrumentos de investigação legislativa no âmbito do Município, são essencialmente análogas às comissões parlamentares de inquérito, instrumentos de investigação à disposição do Poder Legislativo Federal e Estadual, com previsão na Constituição da República e na Constituição Bandeirante.

 

         O art.58 §3º da Constituição Federal prevê o quorum de um terço dos parlamentares para a instalação de comissões parlamentares de inquérito. Eis sua redação:

 

“Art.58 (...)

§3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”. (g.n.)

 

 

 

                Idêntica previsão contém a Constituição Paulista ao tratar, no art.13 §2º, do quorum para instalação de comissões parlamentares de inquérito:

 

“Art.13 (...)

§2º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno, serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros da Assembléia Legislativa, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, quando for o caso, encaminhadas aos órgãos competentes do Estado para que promovam a responsabilidade civil e criminal de quem de direito”. (g.n.)

 

         A propósito da fixação de quorum mínimo de um terço dos membros do parlamento para a instalação das comissões de inquérito, é necessário estabelecer duas premissas de raciocínio: (a) que o quorum estabelecido na Constituição Federal para a instalação de comissões parlamentares de inquérito não é simples regra procedimental, mas sim princípio constitucional estabelecido; e (b) o parâmetro estabelecido na Constituição Federal, por força do princípio da simetria, deve ser obrigatoriamente observado nos Estados e Municípios.

 

         É assente o pensamento de que uma das funções mais importantes do Poder Legislativo é a de fiscalizar os atos do Executivo. E um dos importantes instrumentos através dos quais tal fiscalização se opera são as comissões parlamentares (ou especiais, no âmbito dos Municípios) de inquérito. O estabelecimento de limitações ou obstáculos à instauração das comissões de inquérito, minando a função de fiscalização do Legislativo, gera desequilíbrio no sistema de freios e contrapesos, afetando, portanto, a sistemática da separação de poderes.

 

         E, como recorda José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, p.94), encontram-se entre os princípios constitucionais fundamentais, dentre outros, os que se relacionam tanto à organização dos poderes, como os relativos ao regime político (em especial o princípio da representação política, assentado no art.1º parágrafo único da CR).

 

         Partindo dessa premissa é que a doutrina indica v.g., que quando o E. STF afirmou a existência de direito público subjetivo à instauração do inquérito parlamentar, desde que alcançado o quorum de 1/3, previsto no art.58 §3º da CR, assentou mais uma vez a necessidade de preservação do “direito das minorias parlamentares”, pois a atividade realizada pela “oposição” ao grupo político dominante é “legítimo consectário do princípio democrático” (cf. Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19ªed., São Paulo, Atlas, 2006, p.387, citando, em abono de suas afirmações, os seguintes precedentes: STF, Pleno, MS 24831/DF; MS 24845/DF; MS 24846/DF; MS 24847/DF; MS 24848/DF; MS 24849/DF, rel. Min. Celso de Mello, decisão: 22-6-2005, Informativo STF 393).

 

         Oportuno, aliás, transcrever trecho da decisão referente ao MS 24831/DF, rel. Min. Celso de Mello, inteiramente aplicável à hipótese:

 

"Comissão Parlamentar de Inquérito — Direito de oposição — Prerrogativa das minorias parlamentares — Expressão do postulado democrático — Direito impregnado de estatura constitucional — Instauração de inquérito parlamentar e composição da respectiva CPI — Tema que extravasa os limites interna corporis das casas legislativas — Viabilidade do controle jurisdicional — Impossibilidade de a maioria parlamentar frustrar, no âmbito do Congresso Nacional, o exercício, pelas minorias legislativas, do direito constitucional à investigação parlamentar (CF, art. 58, § 3º) — Mandado de segurança concedido. Criação de Comissão Parlamentar de Inquérito: requisitos constitucionais. O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal. O direito de investigar — que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) — tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar. A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/229 — RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais. O estatuto constitucional das minorias parlamentares: a participação ativa, no Congresso Nacional, dos grupos minoritários, a quem assiste o direito de fiscalizar o exercício do poder. A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. (...) Legitimidade passiva ad causam do Presidente do Senado Federal — autoridade dotada de poderes para viabilizar a composição das comissões parlamentares de inquérito." (MS 24.831, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-05, DJ de 4-8-06).

 

                A necessidade do respeito ao direito de fiscalização exercido pelas minorias políticas no âmbito dos demais entes federativos, em função de sua essencialidade para o regime democrático e pelo princípio da simetria, também foi afirmada em outro julgado do E. STF. Trata-se de caso em que se examinava, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, dispositivo do Regimento Interno da Assembléia Legislativa de São Paulo que estabelecia obstáculo concreto à instauração de comissões parlamentares de inquérito:

 

"Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 34, § 1º, e 170, inciso I, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Comissão Parlamentar de Inquérito. Criação. Deliberação do Plenário da assembléia legislativa. Requisito que não encontra respaldo no texto da Constituição do Brasil. Simetria. Observância compulsória pelos estados-membros. Violação do artigo 58, § 3º, da Constituição do Brasil. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando porém ao próprio parlamento o seu destino. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais — garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembléia Legislativa. Precedentes. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho ‘só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e’, constante do § 1º do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ." (ADI 3.619, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 1º-8-06, DJ de 20-4-07)

 

         Importante ressaltar, ademais, que o posicionamento do E. STF encontra lastro na doutrina constitucional, que assim se posicionou inclusive na vigência de Constituições anteriores, que, prevendo a possibilidade de investigações parlamentares, estabeleciam o quorum de um terço para a instalação das comissões investigantes.

 

         Carlos Maximiliano, por exemplo, anotava a propósito do art.53 da Constituição de 1946 que “o modelo originário das Comissões de Inquérito constituídas pelo parlamento encontra-se nas instituições inglesas; adotaram-nas a Prússia, a princípio; depois a Alemanha e Áustria; desta passou ao Brasil (Lei 1579, de 18 de março de 1952 – Dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito). Não se exige o voto da maioria; ao contrário, se impõe como prerrogativa da minoria: na Alemanha republicana bastava à idéia o apoio de um quinto dos membros da câmara respectiva; no Brasil se reclama o pronunciamento favorável de um terço, não dos presentes, mas do conjunto” (Comentários à Constituição Brasileira, 4ªed., São Paulo, Livraria Freitas Bastos S/A, 1954, p.79).

 

         Do mesmo sentir o posicionamento de Cláudio Pacheco, no seu Tratado das Constituições Brasileiras, ao referir-se ao quorum de um terço para a criação de comissões parlamentares de investigação, anotando que “a criação de comissões de inquérito é mais um direito da minoria da câmara, desde que esta minoria tenha a envergadura numérica do terço dos seus membros” (op. cit., vol. V, Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos S/A, 1965, p.355).

 

         Diverso não é o pensamento do Ministro José Celso de Mello Filho, também em sede doutrinária, averbando que “não se pode ignorar que as comissões de inquérito são emanações da própria instituição parlamentar” (Constituição Federal Anotada, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1986, p.171/172, em comentários ao art.37 da Constituição de 1967, red. EC. 01/69).

 

         Possível ainda invocar o pensamento de José Nilo de Castro, para quem a instalação automática das comissões de inquérito, com o preenchimento do quorum mínimo já reiteradamente mencionado ”é, na verdade, o exercício de uma franquia democrática, assegurada à minoria nos parlamentos. (...) seria desastroso para a democracia subordinar a criação de CPI à deliberação da maioria, pois, o mais das vezes, tal fato tornaria impraticável a instituição desse instrumento de controle eficientíssimo. Subordiná-la ao voto da maioria é o mesmo que negá-la, como prerrogativa da minoria” (Direito Municipal Positivo, 6ªed., Belo Horizonte, Del Rey, 2006, p.154).

 

         Anote-se, finalmente, que esse E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em situação análoga, nos autos da ação direta de inconstitucionalidade nº55.218.0/2 (j. 27.12.2000, v.u., rel. des. Denser de Sá), declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Orgânica do Município de São Paulo (art.33) que exigia maioria absoluta para aprovação de requerimentos de instalação de comissões parlamentares de investigação.

 

         Cumpre observar, por último e não menos importante, que recentemente foi alterada a redação do §4º do art.25 da Lei Orgânica do Município de Manduri, para dele expurgar a exigência de maioria absoluta para instalação de comissões parlamentares de investigação (v. fls.37, redação decorrente da Emenda nº41/08 à Lei Orgânica Municipal).

 

         E a correta solução conferida ao mencionado dispositivo da Lei Orgânica não afasta a necessidade e viabilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo do Regimento Interno da Câmara Municipal.

 

         Isso, na medida em que os atos editados pelo Poder Legislativo no exercício de suas competências exclusivas não são meros regulamentos (como o são os Decretos Regulamentares do Executivo em relação às Leis). Ao contrário, são atos normativos autônomos, como se verifica quando, v.g. a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal exercem as competências exclusivas que lhes são atribuídas pelos art.51 e 52 da CR, entre elas elaborar seu regimento interno, dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção de cargos (art.51 III e IV, e 52 XII e XIII da CR). O mesmo ocorre com a Assembléia Legislativa, quando exerce similar competência exclusiva, por meio de resolução ou decreto legislativo (art.20 II e III da Constituição Paulista).

 

         Dada a autonomia normativa do Regimento Interno da Câmara Municipal, torna-se perfeitamente possível seu confronto direto com a Constituição Estadual.

 

         Basta recordar, por exemplo, que o E. STF já reconheceu a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade de resoluções editadas por tribunais, que tratam de aumento de remuneração (ADI 2104/DF, T. Pleno, rel. Min. Eros Grau, j. 21.11.2007, DJE-031, 22-02-2008,EMENT VOL-02308-01, PP-00122), de eleições internas no tribunal estadual (ADI-MC 3976/SP, T. Pleno, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 14/11/2007, DJE-026, 15-02-2008, DJ 15-02-2008,  EMENT VOL-02307-03,  PP-00420), ou por Secretaria Estadual, que regula o horário de funcionamento de comercio (ADI-MC 3731/PI, T. Pleno, rel. Min. CEZAR PELUSO, j. 29/08/2007, DJE-121, 11-10-2007, DJ 11-10-2007,  PP-00038,  EMENT VOL-02293-01,  PP-00043). O que esses casos, aqui indicados a título de simples exemplificação, têm em comum, é o caráter autônomo dos referidos atos normativos, que os habilita a figurar como objeto do controle concentrado de normas, tal como ocorre com atos normativos editados pelo Poder Legislativo, no exercício de competências que lhes são exclusivas.

 

3)Da Liminar.

 

         Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

 

         A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, a existência do vício de inconstitucionalidade.

 

         O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do dispositivo do Regimento Interno da Câmara Municipal de Manduri, instalar-se-á, provavelmente, situação de dificuldade concreta para eventual instalação de Comissões Especiais de Inquérito no aludido Município.

 

         Ademais, poderão surgir dúvidas relacionadas à interpretação sistemática dos dispositivos aplicáveis à hipótese, no Município (art.25 §4º da Lei Orgânica; e art.60 caput do Regimento Interno da Câmara), provocando desdobramentos e litígios concretos em torno da possibilidade ou não de instalação de comissões parlamentares de investigação. Tais situações serão aptas a causar prejuízos com relação a fatos determinados que exijam investigações parlamentares.

 

         A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública, bem como para apurações parlamentares em casos específicos.

 

         Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto.

 

         De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

 

         Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do art.60 caput do Regimento Interno da Câmara Municipal de Manduri.

 

 

 

6)Conclusão e pedido.

 

         Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma apontada.

 

         Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do art.60 caput, do Regimento Interno da Câmara de Manduri.

 

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Manduri, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

 

         Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 24 de abril de 2008.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça