EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 98.640/08

Assunto: Inconstitucionalidade do artigo 181, § 3º, da Lei Orgânica do Município de Birigui, com a redação dada pela Emenda nº 12/04, e da Lei nº 5.059/08, de 16 de junho de 2008, do Município de Birigui.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade do artigo 181, § 3º, da Lei Orgânica do Município de Birigui (com a redação dada pela Emenda nº 12/04) e da Lei nº 5.059/08, de 16 de junho de 2008, do Município de Birigui, que dispõem sobre a gratuidade dos transportes coletivos urbano e rural para os maiores de sessenta anos. Projetos nascidos no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Criação de despesa, que decorre da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de transporte público, sem indicação do recurso (art. 25, CE). Pedido para que se declare a inconstitucionalidade dessas normas.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do artigo 181, § 3º, da Lei Orgânica do Município de Birigui, com a redação dada pela Emenda nº 12/04, e da Lei nº 5.059/08, de 16 de junho de 2008, do Município de Birigui , pelos fundamentos a seguir expostos.

A Promotoria de Justiça de Birigui instaurou inquérito civil para apurar denúncia subscrita por Vereador de que a EMPRESA CIRCULAR BIRIGUI LTDA estava descumprindo a legislação municipal que a obrigava a transportar gratuitamente pessoas maiores de 60 anos.

A legislação supostamente violada constitui-se do artigo 181, § 3º, da Lei Orgânica do Município de Birigui, com a redação dada pela Emenda nº 12/04, e da Lei nº 5.059/08, a seguir reproduzidas:

Emenda nº 12 à Lei Orgânica do Município

DISPÕE SOBRE ALTERAÇÃO DO § 3º DO ARTIGO 181 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BIRIGUI

A Mesa da Câmara Municipal de Birigui, nos termos do § 2º do artigo 34 da Lei Orgânica do Município, promulga a seguinte emenda ao texto organizacional:

Art. 1º - O § 3º do artigo 181 da Lei Orgânica do Município passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 181 - ...

§ 3º - Aos maiores de sessenta anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbano e rural, bastando para usufruir desse direito a apresentação de qualquer documento oficial de identidade”.

Art. 2º - Esta Emenda entrará em vigor na data de sua publicação.

Câmara Municipal de Birigui, aos nove de junho de dois mil e quatro.

 

Lei nº 5.059, de 16 de junho de 2008.

DISPÕE SOBRE A GRATUIDADE DOS TRANSPORTES COLETIVOS PÚBLICOS URBANOS ÀS PESSOAS MAIORES DE 60 ANOS

Eu, WILSON CARLOS RODRIGUES BORINI, Prefeito Municipal de Birigui, do Estado de São Paulo, usando das atribuições que me são conferidas por Lei,

FAÇO SABER que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - Fica assegurada a gratuidade do transporte coletivo no Município de Birigui às pessoas maiores de 60 (sessenta) anos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares.

Art. 2º - Para usufruir da gratuidade dos transportes coletivos urbano e rural, basta a apresentação de qualquer documento oficial de identidade.

Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Prefeitura Municipal de Birigui, aos dezesseis de junho de dois mil e oito.

WILSON CARLOS RODRIGUES BORINI

Prefeito Municipal

No curso do procedimento, detectou-se a incompatibilidade dessas normas com a Constituição do Estado, em especial diante do que dispõem seus artigos 5º, 25, 47, XI, XVIII, 111, 117, 144, 176, I.

É o que será demonstrado a seguir.

Os atos normativos objeto desta ação direta criam obrigações e fixam condutas para a Administração Municipal, ao assegurar gratuidade no transporte coletivo urbano aos idosos maiores de sessenta anos nas condições que especifica.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição dos atos normativos em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação do transporte gratuito, nos termos contidos nos dispositivos impugnados, trazem ônus ao Erário. A conseqüência das isenções para o uso do transporte público criadas pelas leis é o aumento dos encargos do orçamento (art. 176, I, CE), resultante da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

 Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Sobre o tema, confiram-se, ainda, os seguintes julgados:

ADI - Lei nº 1.716, de 01/06/20O7, do Município de Taboão da Serra. - Fixa a gratuidade nos transportes coletivos (transporte coletivo municipal e transporte coletivo municipal complementar ou alternativo) aos idosos, de forma gradual, nos termos que especifica, determina os critérios de acesso aos meios de transporte por parte dos mesmos, e impõe penalidades em caso de descumprimento. - A matéria relativa à fixação da tarifa ou preço público é de competência exclusiva do Poder Executivo.- Violação ao disposto nos artigos 5", 119, parágrafo único, 120, e 144, 159, parágrafo único, da Constituição do Estado.- Pedido julgado procedente (ADIN 152.218-0/0, j. 12.11.2008, rel. Luiz Tambara).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR, VETADA PELO PREFEITO E COM VETO REJEITADO PELA CÂMARA, QUE A PROMULGA. INVASÃO DA ESFERA DE ATRIBUIÇÕES DO CHEFE DO EXECUTIVO. VULNERAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA.

LEI MUNICIPAL QUE ASSEGURA GRATUIDADE NO TRANSPORTE COLETIVO URBANO PARA MAIORES DE 60 ANOS. INVASÃO DE ATRIBUIÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO. PREVISÃO DE DESPESA SEM PROVISÃO E SEM INDICAÇÃO DOS RECURSOS VULNERAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, CAPUT, 25, 47, II, XIV, 144, 174, II E III E 176, I, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA

Ação direta de inconstitucionalidade de lei por vício formal - iniciativa reservada ao Chefe do Executivo — e material Diploma que assegura gratuidade no transporte coletivo urbano para maiores de 60 anos, em nítida invasão da esfera de atribuições do Chefe do Executivo e com evidente previsão de encargos financeiros sem indicação de recursos Norma irrita a Constituição do Estado de São Paulo e que se impõe seja extirpada do ordenamento (ADIN 165.775-0/0-00, j. 8/10/2008, rel. Renato Nalini).

 

Constitucional - Ação direta de inconstitucionalidade - Lei 6.180/06, do Município de Guarulhos a reduzir para 60 anos a idade para gratuidade no Sistema Municipal de Transporte - Projeto de ordem parlamentar - Ingerência na Administração local - Vício de iniciativa - Maltrato ao princípio da independência dos Poderes - Ausência de indicação dos recursos disponíveis - Ofensa aos arts. 5o "caput; 25 "caput"; 47, U e XVTH; 111; 144 e 176, I, da Constituição do Estado. Inconstitucionalidade declarada. (ADIN nº 148.052-0/7-00, j. 19.12.2007, rel. desig. Ivan Sartori. M.V.)

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade das normas aqui apontadas.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do artigo 181, § 3º, da Lei Orgânica do Município de Birigui, com a redação dada pela Emenda nº 12/04, e da Lei nº 5.059/08, de 16 de junho de 2008, do Município de Birigui.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 3 de março de 2009.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº  98.640/08 - MP

Interessado:  Promotoria de Justiça de Birigui

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do artigo 181, § 3º, da Lei Orgânica do Município de Birigui, com a redação dada pela Emenda nº 12/04, e da Lei nº 5.059/08, de 16 de junho de 2008, do Município de Birigui, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                   São Paulo, 3 de março de 2009.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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