Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São
Paulo.
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual n.º 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em
conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da
Constituição Federal, e nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com base nos elementos de informação constantes
do incluso protocolado (PGJ n.º 98.773/07), vem, respeitosamente, perante esse EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE do inciso XIV, do art. 9º , da Lei Orgânica do
Município de Barra do Turvo, pelas
razões e fundamentos a seguir expostos:
A
inciso XIV do art. 9º , da Lei Orgânica do Município de Barra do Turvo,
apresenta a seguinte redação:
“Art.9.º
– Cabe à Câmara Municipal de Barra do Turvo, com a sanção do Prefeito, dispor
sobre as matérias de competência do Município, especialmente:
(...)
XIV-
autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com
outros Municípios.
A Constituição Federal de
1967, no seu art. 16, § 4º, estabelecia que os
Municípios poderão celebrar convênios para a realização de obra ou exploração
de serviços públicos de interesse comum, cuja execução ficará dependendo de
aprovação das respectivas Câmaras Municipais. A partir daí, o instituto dos convênios e
dos consórcios municipais integrou-se definitivamente ao sistema constitucional
e administrativo brasileiro.[1]
Na
Carta de 1969 nada constou a respeito, o que motivou inúmeras discussões sobre
a constitucionalidade ou não de preceitos que impunham a aprovação do
Legislativo para a celebração de acordos ou convênios com outras entidades
federativas, ou de sua ratificação ou referendo, quando negociados sem a
aprovação preliminar, por motivo de urgência.
Como
se sabe, os convênios são atos bilaterais
por meio dos quais as pessoas jurídicas de direito público ajustam a conjugação
de esforços para a consecução de objetivos comuns, facultada a denúncia
unilateral a qualquer tempo (cf. Carlos Ari Sundfeld, Licitação e Contrato Administrativo, 2ª ed., p. 198). Nesse
contexto, os convênios, assim como os contratos administrativos,
caracterizam-se como atos ordinários de
gestão, para a prática dos quais o administrador independe de autorização
legislativa. De fato, por eles a Administração exerce sua função constitucional
típica — o poder-dever de praticar atos administrativos para a realização do
bem comum —, que é de sua competência exclusiva. A ingerência do Legislativo no
exercício dessa competência configuraria subordinação de um Poder ao outro, o que
contraria a idéia da independência e harmonia entre os Poderes. Já os consórcios administrativos “são acordos
firmados entre entidades estatais, autárquicas ou paraestatais, sempre da mesma
espécie, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes. O que
caracteriza o consórcio e o distingue do convênio é que este é celebrado entre
pessoas jurídicas de espécies diferentes e aquele só o é entre entidades da
mesma espécie” (Hely Lopes Meirelles, Direito
Municipal Brasileiro, 9ª ed.,
Malheiros Editores, pp. 295/296).
Descabe ao Legislativo tomar a
iniciativa de, por via de lei, interferir na administração ordinária do
Município, em face do modelo adotado pela Constituição Federal para a relação
entre os Poderes. Não há, nesse modelo,
previsão de autorização legislativa para que o Executivo pratique seus atos
bilaterais de administração ordinária,
que estão submetidos apenas ao controle externo da prestação anual de contas. E
essa regra se aplica tanto aos Estados-membros como aos Municípios, uma vez que
ela se insere nos fundamentos do princípio da separação entre os Poderes, que
são de observância obrigatória por todos os entes federados.
Há
diversas decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido:
“Separação
e independência dos poderes: submissão de convênios firmados pelo Poder
Executivo à prévia aprovação ou, em caso de urgência, ao referendo de
Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade de norma constitucional que a
prescreve; inexistência de solução assimilável no regime de poderes da
Constituição Federal, que substantiva o modelo positivo brasileiro do princípio
da separação e independência dos poderes, que se impõe aos Estados-membros: reexame
da matéria, que leva à reafirmação da jurisprudência do
Tribunal.” (STF, ADIN nº 165-5, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
Informativo nº 85, de 01.10.97).
Se a regra é obrigatória para aos
Estados-membros, com maior razão também o é para os Municípios. De fato, se de
um lado a Constituição reconheceu a autonomia desses entes federados para se
auto-organizarem por leis orgânicas, de outro é inegável que os vinculou aos
princípios constitucionais, dentre os quais se destaca o da separação entre os
Poderes.
Cabe observar que a
Constituição Estadual prevê a necessidade de autorização ou aprovação da
Assembléia no caso de convênios “de que
resultem para o Estado encargos não previstos na lei orçamentária” (art. 20,
inc. XIX). O Supremo Tribunal Federal já
declarou a inconstitucionalidade de artigo de teor semelhante, na Lei Orgânica
do Distrito Federal[2]; no
entanto, no caso presente nem é preciso enfrentar tal questão, uma vez que o
dispositivo aqui impugnado não fez a
mesma ressalva, pretendendo estabelecer a obrigatoriedade de aprovação da
Câmara de Vereadores em todo e qualquer convênio.
Diante desse
quadro, é que se requer a concessão de
medida liminar “inaudita altera pars”,
com vistas a imediatamente estancar a situação de inconstitucionalidade a que
está sujeito o Chefe do Executivo do Município de Barra do Turvo, e, conseqüentemente,
a população local.
Isto posto,
requeiro seja a
presente ação devidamente
processada, requisitando-se informações
ao Presidente da Câmara Municipal de Barra do Turvo e ao Prefeito deste mesmo
Município, bem como citando-se o Procurador-Geral do Estado.
Ainda, requer-se
que ao final
seja a presente ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente,
de sorte a que seja declarado inconstitucional o inc. XIV, do art. 9º , da Lei Orgânica do Município de Barra do Turvo,
por violação aos arts. 5°; 47, inc. II e 144, todos da Constituição do Estado
de São Paulo e art. 2º da Constituição Federal.
São
Paulo, 24 de abril de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
[1] José
Cretella Júnior, Direito Administrativo Municipal, Forense, Rio de Janeiro, 1981,
pp. 87/88
[2] Adi 1.166-9-DF, rel. Min. Ilmar Galvão,
j. em 05/9/02, cuja decisão ficou assim ementada: “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art.
60, XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal. Alegada Incompatibilidade com os
arts. 18, e