Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº 99.580/2008

Objeto: Lei Municipal nº 2.051, de 24 de novembro de 1997, de Salto.

 

 

 

 

 

 

Ementa:

1)Lei Municipal. Concessão de uso de imóvel. Especificação do destinatário na lei. Ausência de licitação ou justificativa de dispensa ou inexigibilidade, em procedimento próprio.

2)Violação do princípio da separação de poderes (art.5º e §§ c.c. o art.144 da Constituição do Estado). Ato normativo de iniciativa do Executivo, que implica delegação inversa de poder. Autorização legislativa que significa verdadeiro ato de administração.

3)Violação do princípio da impessoalidade (art.111 c.c. o art.144 da Constituição do Estado).

4)Violação do princípio da licitação (art.117 c.c. o art.144 da Constituição do Estado)

5)Isenção fiscal de tributos municipais para a concessionária.

6)Necessidade de lei específica (art.163 § 6º c.c. o art.144 da Constituição Paulista).

7)Vedação expressa à cessão de uso de próprios públicos para instituições de ensino de qualquer natureza (art.246 c.c. o art.144 da Constituição do Estado).

8)Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (art.116 VI da Lei Complementar Estadual nº 734/93 - Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo -; art.125 §2º e 129 IV da Constituição Federal; art.74 VI e art.90 III da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ 99.580/2008), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Municipal nº 2.051, de 24 de novembro de 1997, de Salto, pelos fundamentos expostos a seguir.

 

1)Do ato normativo impugnado.

 

         A Lei nº 2.051, de 24 de novembro de 1997, de Salto, “Dispõe sobre concessão de uso de prédio de propriedade municipal para fins educacionais”, tendo a seguinte redação:

 

“Art.1º Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a conceder o uso, para fins educacionais, através de contrato administrativo, parte do imóvel de propriedade do Município, que será desmembrada de área maior, localizada com frente para a Avenida Tranqüilo Giannini, neste Município e Comarca de Salto, consoante escritura pública lavrada no Livro nº20, fls.31 vº, do 1º Cartório de Ofício e Justiça de nossa Comarca, em 15.03.74, ao INSTITUTO SANTANENSE DE ENSINO SUPERIOR, com sede na cidade de São Paulo, à r. Voluntários da Pátria, nº257, inscrita no CGC sob nº62.881.099/0001-35 ou quaisquer de suas conveniadas, mantenedoras das Faculdades Sant’Anna.

 

Art.2º. O imóvel referido no art.1º desta possui a seguinte área:

 

‘O imóvel mede 207,50 metros, com rumo de 43º20’NW/SE, com frente para a Avenida Tranqüilo Giannini, nos fundos mede 182,17 metros, com rumo de 26º50’NW/SE, confrontando com terras de propriedade de Cláudio Ricieri Britta; do lado direito de quem olha o imóvel de frente, mede 173,00 metros, com rumo de 38º55’SW/NE e confronta com terras da Novik Auto Falante Ltda; no lado esquerdo, confrontando com o remanescente da área, mede 138,99 metros, com rumo de 42º48’NE/SW; mais 86,50 metros, com rumo de 59º09’NE/SW; encerrando-se área com 39,203,30 metros quadrados.’

 

Art.3º. O imóvel descrito no item anterior, deverá ser utilizado pela concessionária para fins educacionais, notadamente para ministração (sic) de Cursos de Nível Superior, podendo, entretanto, ser utilizado para cursos de pós-graduação e demais níveis, desde que devidamente autorizados pelos órgãos governamentais competentes.

 

Art.4º. A concessionária receberá o prédio na forma como se encontra e deverá promover as reformas e adaptações necessárias às suas expensas, devendo, previamente, a qualquer modificação no imóvel, conseguir a devida autorização da Secretaria de Obras e Serviços do Município.

 

Art.5º. O prazo da concessão aludida nesta lei será de 20 (vinte) anos, contados da assinatura do contrato, podendo ser renovado, se houver conveniência mútua entre as partes, por igual período.

 

Art.6º. A Prefeitura Municipal fica autorizada a qualquer momento, a proceder à inspeção da manutenção do imóvel, e na regularidade dos cursos ministrados.

 

Art.7º. O Poder Executivo, tendo-se em vista o interesse público, concederá à cessionária isenção de impostos e taxas, pelo prazo de cinco (05) anos, contados a partir da formalização da presente concessão administrativa.

 

Art.8º. No contrato, deverão ficar constando obrigatoriamente, sob pena de nulidade do ato, as seguintes condições:

 

a)cláusula de revogação da concessão, caso, venha a ocorrer descumprimento de quaisquer condições desta lei;

 

b)cláusula de que, ocorrendo a anulação ou revogação desta concessão, a qualquer tempo, a devolução do imóvel será feita ao patrimônio público, sem qualquer indenização pelas benfeitorias feitas no imóvel pela concessionária;

 

c)cláusula de que, não sendo cumprida a finalidade e as condições desta concessão, a mesma será nula de pleno direito;

 

d)cláusula de que, vencido o prazo da concessão, o imóvel será reintegrado ao patrimônio público, com todas as benfeitorias realizadas, sem qualquer indenização, exceção feita à hipótese de prorrogação contratual;

 

e)cláusula de que, se a qualquer momento e forma o Instituto Santanense de Ensino Superior, vier a se extinguir ou mudar de finalidade, o contrato se extinguirá de imediato, ficando a cessionária obrigada a restituir o imóvel, com as benfeitorias nele feitas, independentemente de qualquer indenização;

 

f)cláusula de que, a concessionária se obriga a manter os cursos de nível superior devidamente autorizado (sic) pelos órgãos governamentais competentes, podendo, entretanto, a qualquer momento, implantar cursos de outros níveis, consoante compromissado no art.3º;

 

g)cláusula de que, a concessionária se obriga a oferecer toda a gama de cursos disponíveis; com mensalidades compatíveis aos valores da cidade e da região;

 

h)cláusula de que, a concessionária concederá a (sic) Prefeitura Municipal bolsa de estudo para alunos carentes, na ordem de 5% (cinco por cento) dos alunos matriculados em cada curso de cada ano letivo;

 

Art.9º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

  

         Entretanto, referido ato normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.

 

2)Violação da separação de poderes.

 

         A Lei nº 2.051/97, de Salto, viola a regra da separação de poderes, prevista no art.5º e §§, e art.47 II e XIV da Constituição do Estado.

 

         A concessão de uso, como anota Hely Lopes Meirelles é “contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio particular, para que o explore segundo sua destinação específica. O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos demais institutos assemelhados – autorização e permissão de uso – é o caráter contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o utilize com exclusividade e nas condições convencionadas com a Administração” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.529).

 

         A doutrina, de outro lado, indica a necessidade de autorização legislativa como um dos pré-requisitos para a concessão (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, cit., p.529; Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ªed., São Paulo, Saraiva, 1993, p.531; Odewte Medauar, Direito Administrativo Moderno, 5ªed., São Paulo, RT, 2001, p.294; entre outros), exigência essa que se faz presente também no art.19 V da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art.144 da mesma Carta.

 

         Entretanto, no caso em exame, a lei foi além de simplesmente autorizar a concessão do uso do imóvel, indicando o respectivo destinatário.

 

         Ainda que tenha a iniciativa legislativa tenha partido do Chefe do Executivo, quando da apresentação do projeto de lei que culminou sendo convertido na Lei nº 2.051/97 de Salto, o fato é que o ato normativo significa, na prática, violação da regra da separação de poderes, por delegação de atribuições do Executivo ao Legislativo, expressamente proibida no §1º do art.5º da Constituição Paulista.

 

         Escolher o destinatário da concessão, previamente autorizada por ato legislativo, é decisão que cabe exclusivamente ao Poder Executivo. Ao indicá-lo, a lei assume feição de ato administrativo concreto, embora se trate do ponto de vista meramente formal, de ato normativo. Daí a quebra da regra da separação de poderes.

 

         É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

 

         O legislador municipal, na hipótese analisada, praticou verdadeiro ato materialmente administrativo, ao escolher o destinatário da concessão de uso do imóvel público. E o fato de se tratar de projeto de lei de iniciativa do Executivo não altera tal quadro, dada a vedação à delegação de poder do Executivo ao Legislativo.

 

         Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

 

         Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

         Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

 

         Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes. Confira-se os seguintes julgados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 142.496-0/9-00, rel. Junqueira Sangirardi, j. 07.05.08, v.u.; ADI ° 154.411-0/5-00, rel. Walter Swensson, j.02.04.08, v.u..

 

 

 

 

3)Violação do princípio da impessoalidade.

 

         Não bastasse isso, foi violado o princípio da impessoalidade, previsto no art.111 da Constituição do Estado, aplicável ao Município por força do art.144 da mesma Carta.

 

         Note-se que ao indicar o beneficiário da concessão, o ato normativo não deixou qualquer espaço para decisão por parte da Administração, violando a impessoalidade que deve imperar na esfera da atividade legislativa.

 

         A respeito do princípio da impessoalidade, anota Edmir Netto de Araújo que seu sentido é o da “imparcialidade, significando que a Administração não pode agir motivada por interesses particulares, interesses políticos, de grupos, por animosidades ou simpatias pessoais, políticas, ideológicas, etc., implicando sempre em regra de agir objetiva para o administrador” (Curso de direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p.56).

 

         Ou então, como pontua Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento” (Direito administrativo, 19ªed., São Paulo, Atlas, 2006, p.85).

 

         É assente no E. STF, ser imperativo o respeito aos princípios constitucionais da Administração, tendo ficado assentado que:

 

"A Administração Pública é norteada por princípios conducentes à segurança jurídica — da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A variação de enfoques, seja qual for a justificativa, não se coaduna com os citados princípios, sob pena de grassar a insegurança." (MS 24.872, voto do Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-6-05, DJ de 30-9-05).

 

         E mutatis mutandis, os princípios constitucionais da Administração Pública são aplicáveis ao Poder Legislativo quando da elaboração de leis. Não é aceitável que determinado diploma legal estabeleça cláusula que crie favorecimento a particular determinado.

 

         Daí a inconstitucionalidade da regra, tomando como parâmetro o art.111 da Constituição do Estado.

 

4)Violação do princípio da licitação.      

 

         Houve também violação ao princípio constitucional da licitação, que decorre do art.117 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art.144 da mesma Carta.

 

         O art.117 da Constituição Paulista, que reproduz o art.37 XXI da Constituição da República, é bem verdade, faz ressalva quanto à possibilidade de não realização de licitação, “nos casos especificados na legislação”.

 

         Entretanto, cabendo à União legislar a respeito de regras gerais sobre licitação e contratos da Administração Pública direta e indireta (art.22 XXVII da CR/88), regula a matéria a Lei nº 8.666/93.

 

         As hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, como é cediço, estão previstas no art.24 e no art.25 da Lei nº 8.666/93, e, quando presentes, exigem a justificação formal, em processo administrativo, nos termos do art.26 da referida lei.

 

         Ao simplesmente determinar a realização de contrato de concessão com determinada beneficiária, criando uma hipótese sui generis de dispensa não prevista no ordenamento, o legislador fere diretamente o próprio princípio da licitação, assente no ordenamento constitucional.

 

         É o que anota José Afonso da Silva, ao afirmar que “o princípio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regra, ao procedimento de seleção de propostas para vantajosas para a Administração Pública. Constitui um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.672).

 

         Anote-se que o E. STF tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis que ferem o princípio da impessoalidade, que deve imperar na atividade estatal. Confiram-se os seguintes precedentes: ADI 3.853, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 12-9-07, DJ de 26-10-07; ADI 1267/AP, Rel. Min. Eros Grau, j. 30/09/2004, DJ 10-08-2006; ADI 100/MG, Rel. Min. Ellen Graice, j. 09/09/2004, DJ 01-10-2004;

 

5)Concessão de isenção fiscal sem lei específica.

 

         Não bastasse isso, como se verifica no art.7º da Lei Municipal nº2.051/97, de Salto, foi determinada a isenção de impostos e taxas pelo prazo de cinco anos para a concessionária, contados da formalização da concessão administrativa.

 

         Há exigência constitucional expressa no sentido de que a lei que concede o benefício fiscal seja específica, nos termos do art.163 §6º da Constituição Estadual, red. da EC 21/2006 (que reproduz o art.150 §6º da CF/88, red. EC 03/93).

 

         A exigência de “lei específica” significa, em outras palavras, que o diploma deve tratar exclusivamente daquela matéria, definindo, além disso, elementos concretos objetivos e subjetivos, que permitam identificar as hipóteses em que o benefício será aplicável, bem como seus beneficiários.

 

         A exigência de lei específica demonstra que o estabelecimento de qualquer benefício fiscal encontra-se inserido no âmbito das matérias constitucionalmente atribuídas ao Poder Legislativo. A lei que concede o benefício fiscal deve conter conteúdos mínimos que indiquem os grupos ou classes de pessoas beneficiadas, as hipóteses abrangidas, bem como os pressupostos ou requisitos para a obtenção do favor fiscal.

 

         Trata-se de reserva de lei formal, pois aludida matéria não pode ser objeto pura e simplesmente de ato regulamentar.

 

         Em outras palavras, não é possível que a autorização seja concedida pela lei de forma “genérica”. A não observância de indicadores concretos e mínimos, delimitando a abrangência do benefício fiscal, configura verdadeiro “cheque em branco” para o administrador público, que poderá outorgar favores fiscais a quem bem entender, ainda que a pretexto de aplicar a lei.

 

         Tratando do tema da anistia tributária, em raciocínio aplicável ao caso, anota Ricardo Lobo Torres que se veda “a autorização em branco” (Curso de direito financeiro e tributário, 14ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p.316).

 

         No dizer de Hely Lopes Meirelles, referindo-se à isenção tributária, “prática inteiramente ilegal é a concessão de isenções por ato administrativo do prefeito. O Chefe do Executivo só pode deferir as isenções nos termos da lei isentadora. Seu ato será meramente declaratório do benefício legal, desde que o contribuinte comprove a satisfação de todos os requisitos exigidos pela norma disciplinadora da isenção (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.188, g.n.).

 

         De outro lado, Leandro Paulsen, invocando excerto doutrinário da lavra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior a respeito do sentido da expressão “lei específica” contida no art.150 §6º da CF/88, averba que “esta lei deve ser específica. Específica opõe-se a genérico (...)  diz-se que o preceito é genérico ou porque se dirige a todos os destinatários (generalidade pelo sujeito) ou porque sua matéria consiste num tipo abstrato (generalidade pelo objeto). Em contraposição, o específico o será também pelo sujeito (individuação do destinatário) ou pelo objeto (singularização da matéria). A exigência de lei específica significa, nesse sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição da facti species normativa, i. é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto. (...) a lei específica, segundo o §6º do art.150 da Constituição, deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente os correspondentes tributo ou contribuição. (‘A noção de lei específica no art.150 §6º, a CF, e a recepção dos Decretos-leis 2163/84 e 1184/71’, em RDT 70, p.181-188)”, apud Leandro Paulsen, Direito Tributário, 9ªed., 2ª tir., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007, p.267, g.n.).

 

         No E. STF, confira-se: ADI 155, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 3-8-98, DJ de 8-9-00.

 

         Em síntese, se a lei não trata apenas da isenção fiscal, mas de outros temas, mostra-se incompatível com a exigência contida no art.163 §6º da Constituição Estadual, red. da EC 21/2006 (que reproduz o art.150 §6º da CF/88, red. EC 03/93).

 

6)Vedação expressa na Constituição Estadual.

 

         Além do que foi exposto, a Constituição Estadual (em dispositivo aplicável aos Municípios por força do art.144 da mesma Carta) prevê, no seu art.246, que “é vedada a cessão de uso de próprios públicos estaduais, para o funcionamento de estabelecimentos de ensino privado de qualquer natureza.”

 

         É viável intuir o porquê dessa vedação.

 

         Embora o ensino seja atividade a respeito da qual se pode extrair a existência de interesse público, não há como negar que, quando exercida através da iniciativa privada, acaba adquirindo certa conotação empresarial.

 

         A opção do constituinte estadual, consideradas as peculiaridades das atividades de ensino privado, foi excluir a possibilidade de utilização de próprios públicos para sua realização.

 

         A interpretação finalista da norma, bem como sua leitura sistemática, em conjunto com o art.144 da Carta Estadual levará à conclusão de que a vedação também se aplica no plano municipal.

 

         Por mais esse fundamento se mostra necessário o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei impugnada.

 

7)Conclusão e pedido.

 

         Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº2.051, de 24 de novembro de 1997, de Salto.

 

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Salto, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

 

         Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 13 de outubro de 2008.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça