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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 99.622/2008

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2898, de 28 de dezembro de 2006, do Município de Ubatuba.

 

Ementa: Lei municipal que institui taxa de serviços de bombeiros, devida pela utilização, efetiva ou potencial, dos serviços de busca e salvamento aquáticos e terrestres e serviços de proteção e combate a incêndio, e de resgate prestados pelo Corpo de Bombeiros. Serviço universal e indivisível, que não pode ser custeado por meio de taxa. Serviço, ademais, prestado pelo Estado, do que decorre a impossibilidade de sua tributação pelo Município. Ofensa aos artigos 1º; 139, §§ 1º. a 3º; 142; 144 e 160, II, da Constituição do Estado de São Paulo. Inconstitucionalidade reconhecida.

 

           

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 2898, de 28 de dezembro de 2006, do Município de Ubatuba, que instituiu a “taxa de serviço de bombeiros”, pelos fundamentos a seguir expostos.

A Lei nº 2898, de 28 de dezembro de 2006, instituiu no Município de Ubatuba a “taxa de serviço de bombeiros”, fazendo-o nos seguintes termos:

LEI NÚMERO 2898 DE 28 DE DEZEMBRO DE 2006

(Autógrafo n.º 153/06, Projeto de Lei n.º 177/06 – Mensagem 69/06).

Cria a Taxa de Serviço de Bombeiros e dá providências correlatas.

EDUARDO DE SOUZA CESAR, Prefeito Municipal da Estância Balneária de Ubatuba, Estado de São Paulo, usando das atribuições que lhe são conferidas por Lei,

FAÇO SABER que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono e promulgo a seguinte Lei:

Art. 1º -  Nos termos da Lei Municipal Nº 2736/05 fica instituída a Taxa de Serviços de Bombeiros, devida pela utilização, efetiva ou potencial, dos serviços de busca e salvamento aquáticos ou terrestres e serviços de proteção e combate a incêndio, e de resgate, prestados pelo Corpo de Bombeiros ao Município através do convênio, e cobrada levando em consideração o potencial calorífico dos imóveis, urbanos e rurais.

Art. 2º - São Contribuintes da Taxa os proprietários, o titular de domínio e o possuidor a qualquer título, de imóvel situado no território do Município de Ubatuba.

Art. 3º - O custo do serviço será o previsto no orçamento do município para o custeio e os investimentos necessários à atividade.

§ 1º - Considera-se custo do serviço:

a)                Combustíveis, peças e lubrificantes consumidos pelos veículos e equipamentos utilizados na execução dos serviços;

b)                Equipamentos, veículos e materiais permanentes necessários à execução do serviço;

c)                Despesa com aquisição de imóveis, construção, reforma e/ou ampliação de prédio para abrigar o serviço;

d)                Educação e treinamento de bombeiros e da comunidade, quanto à prevenção e atendimento emergências de Bombeiros;

e)                Despesa com contratação, fardamento e pagamento de pessoal civil;

f)                  Despesas com serviços de terceiros; e

g)                Demais materiais de consumo necessários à execução do serviço.

Art. 4º - A base de Cálculo da Taxa é o custo de serviço, rateado entre os contribuintes, em razão da carga de incêndio de cada um dos imóveis situados no Município.

§ 1º - O valor anual da Taxa de serviço de bombeiros será obtido pela multiplicação do potencial calorífico específico de cada imóvel, pela sua área a ser considerada e pelo seu fator de cobrança, discriminado conforme segue:

a)   0,00050 Real por MJ para imóveis de risco baixo;

b)   0,00051 Real por MJ para imóveis de risco médio;

c)    0,00052 Real por MJ para imóveis de risco alto.       

§ 2º - Para os efeitos da aplicação desta lei, os imóveis são classificados quanto à sua carga de incêndio específica em:

I -      de risco baixo: aqueles com carga de incêndio de até 300 MJ/m2;

II -     de risco médio: aqueles com carga de incêndio acima de 300MJ/m2 e de até 1.200 MJ/m2;

III -    de risco alto: aqueles com carga de incêndio acima de 1.200 MJ/m2.

§ 3º - A Carga Incêndio terá por base a tabela de Carga Incêndio Específica da Instrução Técnica (IT-14/04) do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que será anexada à presente lei.

§ 4º - A Carga de Incêndio que expressa o potencial calorífico de cada imóvel será medida em megajoule (MJ).

Art. 5° - A área a ser considerada, para efeito do cálculo desta Taxa, será a área construída do imóvel, desde que esta seja maior ou igual a 10% da área do terreno em que se localiza, caso contrário, considerar-se-á, para esse fim, a área total do terreno que será considerada como imóvel sem edificação.

Art. 6º - Os tipos de imóveis que não constarem da tabela anexa terão sua carga de incêndio específica determinada por similaridade.

Parágrafo Único - Quando se tratar de imóvel sem edificação terá como carga de incêndio 80 (oitenta) megajoule (MJ).

Art. 7º - A taxa de serviço de bombeiros poderá ser lançada isoladamente ou em conjunto com outros tributos municipais, devendo, neste caso, constarem obrigatoriamente os elementos distintivos de cada um.

Art. 8º - O pagamento da Taxa poderá ser feito de uma só vez ou parceladamente, conforme previsto em regulamento, nos respectivos vencimentos e locais indicados nos avisos-recibos, indexando-se as prestações na forma cabível nos termos da legislação e normas pertinentes.

Art. 9º - O contribuinte que deixar de recolher a taxa ficará sujeito a:

a) atualização pelo indexador estabelecido na legislação e normas municipais pertinentes;

b) multa de 2% (dois por cento) sobre o valor do débito;

c) juros monetários à razão de 1% (um por cento) ao mês, incidente sobre o valor do débito devidamente indexado.

Art. 10 – Em havendo ação fiscal, o contribuinte inadimplente ficará sujeito a multa de 20% (vinte por cento) sobre o valor do débito devidamente inscrito na dívida ativa, além dos juros legais, na forma cabível em substituição à multa estabelecida no artigo anterior.

Art. 11 - Os recursos arrecadados com a taxa serão contabilizados em crédito orçamentário próprio e em conta bancária específica do Fundo Municipal de Manutenção do Corpo de Bombeiro de Ubatuba (FEBOM), que será gerenciado por um conselho gestor do próprio FEBOM, que encaminhará à Câmara Municipal relatórios discriminando o valor do repasse recebido e as despesas realizadas, bem como cópia dos respectivos documentos fiscais e contábeis, obrigatoriamente até o dia 10 (dez) de cada mês, referente ao mês anterior, ficando expressamente vedadas despesas com publicidade.

Art. 12 - A Taxa de Serviço de Bombeiros não incidirá sobre as contas de contribuintes dos imóveis de propriedade da União, Estados, Municípios e suas entidades diretas, indiretas e fundacionais, bem como das entidades filantrópicas inscritas na Secretaria do Bem-Estar Social do Município, e dos templos de cultos.

Art. 13 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PAÇO ANCHIETA – Ubatuba, 28 de dezembro de 2006.

EDUARDO DE SOUZA CESAR - Prefeito Municipal

Dita lei afronta diversos dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo. Podem ser destacados os seguintes:

“Art. 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

 

Art. 139 - A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio.

§ 1º - O Estado manterá a Segurança Pública por meio de sua polícia, subordinada ao Governador do Estado.

§ 2º - A polícia do Estado será integrada pela Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.

§ 3º - A Polícia Militar, integrada pelo Corpo de Bombeiros, é força auxiliar, reserva do Exército.      

 

Art. 142 - Ao Corpo de Bombeiros, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil, tendo seu quadro próprio e funcionamento definidos na legislação prevista no § 2.º do artigo anterior.

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

 

Art. 160 - Compete ao Estado instituir:     

(....)

II - taxas em razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos de sua atribuição, específicos ou divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”.

Na ordem constitucional vigente, os Municípios integram a federação e têm assegurada sua autonomia, atendidos os princípios estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado (CF, art. 29). Essa autonomia se revela pela competência outorgada a essas entidades estatais para legislarem sobre assuntos de interesse local; suplementarem a legislação federal e a estadual no que couber; instituírem e arrecadarem os tributos que lhes são próprios (CF, art. 30, inciso III), ao lado de outras.

Entretanto, a competência tributária dos Municípios - e que é consubstanciada na capacidade de instituir e arrecadar tributos - encontra limites nas normas da Constituição da República atinentes ao Sistema Tributário Nacional (CF., art. 145 e seguintes), que envolvem princípios incontornáveis, dentre os quais as regras matrizes dos tributos.

De fato, mesmo reconhecendo-se que a Constituição da República não criou tributos, é certo que, além de discriminar as competências tributárias de cada pessoa política (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), ela traçou a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem ser instituídos por essas entidades estatais.

Ou seja, a Constituição Federal, no seu art. 145, ao conferir às pessoas políticas competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições de melhoria, classifica juridicamente os tributos, traçando o modelo de cada um deles e vinculando ao legislador ordinário.

Examinando o tema, Roque Antonio Carrazza deixou anotado que “a Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional[1]”.

No seu art. 145, a Constituição Federal estabelece que:

“Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(....)

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”

Essa norma constitucional (que foi reproduzida no art. 160, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo) autoriza a cobrança de taxas e é de observância obrigatória pelos Municípios, por força do estabelecido no art. 144 desta mesma Carta, que impõe limites à autonomia municipal nos princípios estabelecidos na Constituição Republicana e nela própria.

A taxa é um tributo comum, podendo ser instituída e arrecadada por qualquer das entidades federativas, para a remuneração de seus serviços ou custeio de suas obras[2]. Para cobrá-la, porém, “a pessoa política (União, Estado, Distrito Federal e Município) precisa possuir competência político-administrativa para prestar o serviço público ou praticar o ato do poder de polícia, que são os suportes fáticos das taxas (atuações do Estado relacionadas ao contribuinte)[3]”.  

Nessa mesma linha de raciocínio, Geraldo Ataliba observa que “a pessoa pública competente para desempenhar a atuação, e só ela, é competente para legislar sobre sua atividade e colocar essa atuação no núcleo da hipótese de incidência de taxa sua[4]”.

Assim, por força da autonomia financeira de que foram dotados, “os Municípios estão autorizados a criar as taxas que forem necessárias ao policiamento administrativo originário de sua competência ou à manutenção dos serviços específicos e divisíveis prestados aos munícipes ou postos à sua disposição[5]”.

E, de outro lado, a regra matriz constitucional das taxas fixa como hipótese de incidência uma atuação estatal (poder de polícia ou serviço específico e divisível) direta e imediatamente referida ao obrigado[6].

Para José Afonso da Silva, “o fato gerador da taxa é uma situação dependente de atividade estatal: o exercício do poder de polícia ou a oferta de serviço público ao contribuinte[7]”.

Daí que a atuação estatal, hipótese de incidência das taxas, pode consistir tanto num serviço público como num ato de polícia, donde se é possível inferir que o nosso sistema constitucional prevê a cobrança tanto de taxas de serviço como de taxas de polícia.

As taxas de serviço, por expressa definição constitucional, são aquelas cobradas pelo Poder Público, “pela utilização, efetiva ou potencial de serviços públicos de sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.

Serviço público, na ilustrada dicção de Celso Antonio Bandeira de Mello, “é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público[8]”.

É bem de ver que nem todo serviço público pode ser remunerado com a cobrança de taxa de serviço, mas apenas e tão-somente o serviço público específico e divisível, como definido constitucionalmente, em contraste com o serviço público geral e indivisível, este passível de manutenção apenas pela receita resultante da arrecadação de impostos em geral.

Para Roque Antonio Carrazza “os serviços públicos gerais, ditos também universais, são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável) de pessoas. É o caso dos serviços de iluminação pública, de segurança pública, de diplomacia, de defesa externa do País, etc. Todos eles não podem ser custeados, no Brasil, por meio de taxas, mas, sim, das receitas gerais do Estado, representadas basicamente pelos impostos. Já os serviços públicos específicos, também chamados de singulares, são os prestados uti singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos, determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é de dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de água potável, de gás, de energia elétrica, etc. Estes, sim, podem ser custeados por meio de taxas de serviço[9]”.

Assim sendo, para instituir a cobrança de taxa de serviço público, há necessidade do preenchimento das seguintes condições: (a) a entidade tributante deve ser competente para a prestação do serviço público, (b) que esse serviço seja efetivamente prestado ou posto à disposição do contribuinte e, finalmente, (c) que o serviço seja específico e divisível.

No presente caso, a Câmara Municipal de Ubatuba editou a lei impugnada para custear os serviços de busca e salvamento aquáticos ou terrestres e serviços de proteção e combate a incêndio e de resgate prestados, efetiva ou potencialmente, pelo Corpo de Bombeiros instalado no Município, através de convênio com a Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública. Fez isso com a declarada finalidade de cobrir as despesas com “combustíveis, peças e lubrificantes consumidos pelos veículos e equipamentos utilizados na execução dos serviços; equipamentos, veículos e materiais permanentes necessários à execução do serviço; aquisição de imóveis, construção, reforma e/ou ampliação de prédio para abrigar o serviço; educação e treinamento de bombeiros e da comunidade, quanto à prevenção e atendimento emergências de Bombeiros; contratação, fardamento e pagamento de pessoal civil; serviços de terceiros; e demais materiais de consumo necessários à execução do serviço”.

Data venia”, essa taxa é manifestamente inconstitucional, pois o Município de Ubatuba não pode remunerar-se por serviço ao qual não concorre para a sua prestação e que é da competência do Estado de São Paulo, nos termos do art. 139, “caput”, da Carta Paulista, que dispõe ser a Segurança Pública dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, a ser mantida, dentre outros órgãos, pelo Corpo de Bombeiros, que integra a estrutura da Polícia Militar (CE., art. 139, §§ 1.º, 2.º e 3.º), a quem incumbe, além das atribuições definidas em lei, a execução de atividades de defesa civil (CE., art. 142).

Pouco importa que essa cobrança decorra de um convênio celebrado entre o Estado de São Paulo e o Município de Ubatuba, no qual este último se comprometeu a custear parte das despesas com a manutenção do Corpo de Bombeiros, como assinala o ilustre Prefeito, em sua manifestação de fls. 12.

Como visto linhas atrás, somente a pessoa política que presta o serviço público é que possui competência para tributá-lo.

E, de mais a mais, em se tratando a Segurança Pública de serviço público “geral” ou “universal”, que é prestado indistintamente à coletividade, sem que sejam identificáveis os seus beneficiários, ele é insuscetível de ser remunerado por taxa, pois, como já teve a oportunidade de assentar o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, “sendo a Segurança Pública dever do Estado e direito de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através entre outras da polícia militar, só pode ser sustentada por impostos e não por taxa” (ADInMC 1.942-DF, rel. Min. Moreira Alves, j. em 5 de maio de 1999, Informativo n.º 148 do STF, de 7 de maio de 1999).

Resta dizer que o Prefeito de Ubatuba defendeu a constitucionalidade da norma questionada, citando os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal, que consideraram viável a cobrança de taxa de incêndio: AgReg no RE n.º 508.931-2-SP, RE 206.777-6-SP; AgReg no RE 406.978-0-SP. Tais julgados, como se sabe, veiculam a tese de que o serviço de prevenção e extinção de incêndios é divisível e suscetível de referência individual.

Não obstante o peso dessas decisões, é forçoso reconhecer que elas dizem respeito tão-somente às atividades de prevenção e combate a incêndios. Não versam sobre os demais serviços pelos quais o Município de Ubatuba se dispõe a cobrar.

Não há, pois, como confundir prevenção e combate a incêndio com salvamentos aquáticos e terrestres e o atendimento do resgate. São situações bem diversas que não permitem a conclusão de que possam ser custeadas através de taxa. Salvamentos e resgates hão de ser prestados indistintamente a qualquer pessoa, quer resida ou não na cidade de Ubatuba, pois, como assentado, estão abrangidos no conceito de segurança pública.

É impensável, desse modo, cobrar pelo salvamento ou resgate, efetivo ou potencial, pela “multiplicação do potencial calorífico específico de cada imóvel, pela sua área a ser considerada e pelo seu fator de cobrança”, tal como dispõe o artigo 4º. da lei vergastada.

Cuida-se de base de cálculo completamente divorciada dos ditos serviços e que, por isso mesmo, não se coaduna com a previsão do artigo 160, II, da Constituição Bandeirante. Como ensina Hugo de Brito Machado “a especificidade da taxa reside em que seu fato gerador é uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Essa idéia de vinculação do fato gerador da taxa a uma atividade estatal específica restaria inteiramente inútil se pudesse o legislador estabelecer critério para a determinação do valor da taxa desvinculado totalmente do custo da atividade estatal à qual diz respeito. A diferença entre taxa e imposto seria simples questão de palavras”.

E, nesse caso, o serviço de salvamento aquático e terrestre e o resgate em nada se relacionam com o potencial calorífico de imóveis ou com a área dos prédios localizados em Ubatuba. Nem se destinam exclusivamente a tais contribuintes que, pela lei, estão sendo obrigados a suportar carga tributária por serviço que não se subsume à base de cálculo. A bem da verdade, esses contribuintes pagam duas vezes, pois o Estado já lhes cobra o imposto para a manutenção de sua Polícia.

É de rigor, portanto, que esse Sodalício analise a lei por essa ótica e se pronuncie expressamente sobre esse ponto. A taxa em exame não se reveste dos requisitos da especificidade ou singularidade e da divisibilidade; ela não é específica porque os serviços de busca e salvamentos aquáticos e terrestres e o resgate são destinados a toda comunidade e não somente os proprietários ou possuidores dos imóveis situados nos limites do município de Ubatuba, que são os contribuintes indicados pelo artigo 2º.

Em suma, a Lei nº 2898, de 28 de dezembro de 2006, do Município de Ubatuba é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, em especial com os seus arts. 1.º, 139, §§ 1.º a 3.º, 142, 144, e 160, inciso II.

Remanesce, no caso, a necessidade da concessão de MEDIDA LIMINAR. A plausibilidade do direito invocado (“fumus boni iuris”) decorre dos fundamentos jurídicos acima relacionados, ou seja, essa taxa refere-se a serviços gerais ou universais e da competência do Estado de São Paulo.

Registre-se que, em condições semelhantes, esse Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça decidiu, por maioria de votos, que:

“É o Estado quem continua a prestar os serviços, ficando a cargo do Município tão-somente o apoio material, num quadro que jamais autoriza a instituição da taxa de sinistro pelo Município, que unicamente pode postular ser remunerado pelo Estado. De toda forma, somente este último – na qualidade de prestador dos serviços – tem capacidade para figurar no pólo ativo da relação tributária.” (ADIn n.º 082.021.0/6-00, Rel. Des. NIGRO CONCEIÇÃO, j. em 20 de novembro de 2002).

Mais recentemente, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 137.157-0/0-00[10], em acórdão da lavra do Desembargador ROBERTO VALLIM BELLOCCHI, esse Órgão Especial voltou a decidir:

 “Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei municipal denominada "taxa de Serviços de bombeiros" - Matéria afeta à competência do Estado, por força dos artigos 139 e 142, da Carta Estadual - Inconstitucionalidade decretada”.

Em outubro do ano passado, v. Acórdão da lavra do Des. SIDNEI BENETI apontou a inconstitucionalidade de lei do município de Bertioga análoga à norma impugnada. A ementa ficou assim redigida:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei que cria no âmbito Municipal a taxa de fiscalização da proteção e combate a incêndios, pânico e salvamentos, fixando critérios de cálculo e cobrança. Serviço prestado ‘uti universi’, cujo custeio deve provir da arrecadação dos impostos. Inconstitucionalidade configurada. Ação procedente[11].

Além disso, tal exigência continuará sendo indevidamente cobrada dos contribuintes, ensejando o enriquecimento sem causa da Administração e gerando dificuldades de toda ordem na restituição dos valores pagos indevidamente.

E, é bom acrescentar, a manutenção dessa norma no ordenamento vigente irá tumultuar ainda mais os trabalhos do Poder Judiciário, submetendo os credores do Poder Público a longo e penoso processo judicial, com desdobramentos inesperados e indesejáveis, ante a resistência oposta por grande parte dos Municípios paulistas ao cumprimento dos precatórios judiciais.

Todas essas conseqüências indesejáveis evidenciam o “periculum in mora” e poderão ser evitadas com a concessão da liminar que ora se pleiteia, suspendendo-se de imediato a cobrança dessa malfadada taxa.

Posto isso, requeiro seja concedida liminarmente a suspensão dos efeitos da legislação impugnada, e aguardo seja autorizado o processamento da presente ação, colhendo-se as informações pertinentes do Prefeito e da Câmara Municipal de Ubatuba, sobre as quais me manifestarei oportunamente, vindo, no final, a ser declarada a inconstitucionalidade material da Lei nº 2898, de 28 de dezembro de 2006, do Município de Ubatuba, devendo, após, ser oficiado aos membros daquela Comuna solicitando a adoção das providências necessárias à suspensão definitiva dos efeitos de suas execuções.

São Paulo, 1º. de outubro de 2008.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

jesp

 

 

 

 

Protocolado PGJ nº 99.622/2008

Interessado: Dr. Daniel Toscano

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.898, de 28 de dezembro de 2006, do Município de Ubatuba.

 

 

 

 

1.                         Distribua-se a petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade, em face da Lei nº 2.898, de 28 de dezembro de 2006,  do Município de Ubatuba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                         Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                São Paulo, 8 de junho de 2009

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

 

 

(2)

Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 170.412-0/7

Requerente: Procurador-Geral de Justiça

Objeto: Lei nº 2.898, de 28 de dezembro de 2006, do Município de Ubatuba

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta por esta Procuradoria-Geral de Justiça, tendo como alvo a Lei nº 2.898, de 28 de dezembro de 2006, do Município de Ubatuba, que “instituiu a taxa de serviço de bombeiros”.

O pedido liminar foi deferido (fls. 23/24).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 37/39).

O Prefeito Municipal, regularmente notificado, pediu a extinção do processo, sem julgamento de mérito, afirmando que houve perda do objeto. Noticiou o encaminhamento à Câmara Municipal de projeto de lei que revoga a lei impugnada por considerá-la inconstitucional (fls. 41/44).

Depois disso, informou sobre a promulgação da Lei nº 3139, de 12 de dezembro de 2008, reproduzida a fls. 53, que revogou o ato normativo desafiado pela presente demanda.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Estamos diante da hipótese de perda superveniente do objeto, eis que, no curso da ação, a lei impugnada foi revogada.

Diante do exposto, opino pela extinção do processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC.

São Paulo, 19 de maio de 2009.

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

jesp

 

 

 



[1] Curso de direito constitucional tributário, 4.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 257.

[2] José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Revista dos Tribunais, São Paulo, 6.ª ed., p. 604; Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 1996, 8.ª ed., p. 197.

[3] Cf. Sacha Calmon Navarro Coêlho, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro, 3.ª ed., p. 148.

[4] Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, São Paulo, 5.ª ed., p. 137.

[5] Hely Lopes Meirelles, ob. cit., p. 198.

[6]  Geraldo Ataliba, em “Hipótese de Incidência Tributária”, 2.ª ed., pág. 164.

[7]  “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 11.ª edição, pág. 645.

[8] "Curso de Direito Administrativo", Malheiros, São Paulo, 7.ª ed., p. 399.

[9] “Curso de Direito Constitucional Tributário”, RT, 4.ª ed., p. 271/272.

[10] Data do julgamento: 05/09/2007. Data de registro: 17/04/2008.

[11] ADIn nº 145.688-0/7-00.