Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 99.802/10
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 6.274, de 29 de julho de 2009, do Município de Mogi das Cruzes.
Ementa: Constitucional. Lei nº 6.274/09 (Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo), do Município de Mogi das Cruzes. Processo legislativo. Inconstitucionalidade. 1. A Lei de ordenamento do uso e ocupação do solo tem como elementos formais obrigatórios, para atribuição de legitimidade substancial ao uso do poder, a participação popular em todas as suas fases, bem como o planejamento técnico. 2. Violação dos arts. 180, I , II e V, 181 e 191, Constituição Estadual.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda no art. 74, VI, e no art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 6.274, de 29 de julho de 2009, do Município de Mogi das Cruzes, pelos fundamentos a seguir expostos:
I
– O Ato Normativo Impugnado
1. A Lei nº 6.274, de 29 de julho
de 2009 (fls. 99/102), que resultou do Projeto de Lei nº 61/09 (fls. 150/154),
de autoria do Legislativo Municipal, modifica parcialmente a Lei Municipal nº
2.683, de 16 de agosto de 1982, que dispõe sobre o ordenamento do uso e
ocupação do solo no Município de Mogi das Cruzes.
2. O mencionado projeto não foi
precedido dos estudos técnicos obrigatórios nem do indispensável planejamento,
conforme foi informado pela Câmara Municipal (fls. 146/147), bem como não foi
submetido à participação da comunidade em seu trâmite, constando apenas sua
apreciação pelo Conselho Municipal da Cidade antes de sua apresentação no Poder
Legislativo e, mesmo assim, com proposta contrária ao parecer do referido
órgão.
3. Assim, a Lei nº 6.274/09 foi
editada padecendo de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de
São Paulo, como adiante será demonstrado, na medida em que não foi antecedida
por estudos técnicos e tampouco houve satisfatória oitiva da comunidade.
II
– O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
4. A lei local contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a
produção normativa municipal por força do seguinte preceito, ante a previsão
dos artigos 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:
“Art. 144. Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
5. A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:
“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao
desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios
assegurarão:
I
- o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do
bem-estar de seus habitantes;
II
- a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo,
encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes
sejam concernentes;
(...)
V - a observância
das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Art. 181. Lei
municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor,
normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo,
índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas
pertinentes.
(...)
Art.
191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da
coletividade, a preservação,
conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural,
artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em
harmonia com o desenvolvimento social e econômico.
6. Tais dispositivos resultaram violados. A
Constituição Paulista exige que a disciplina urbanística da propriedade –
inclusive o uso e ocupação do solo do Município – tenha compatibilidade com o
plano diretor, assim como sua elaboração e modificação seja precedida de
estudos técnicos e da oitiva da comunidade, de maneira a impedir revisões
pontuais que molestam o desenvolvimento sustentável, a função social da cidade,
o interesse público, o planejamento urbano, o bem-estar dos habitantes e a qualidade
de vida nas comunas.
7. Verte dos autos que instruem a presente ação que a
aprovação do projeto de lei, datado de 26/06/09 (fls. 150/154), não foi
submetido à oitiva da comunidade, apenas ocorrendo reuniões do CONCIDADE ao
ensejo do anteprojeto, em 08/12/08 e 23/06/09 (fls. 21/25 e 78/74).
8. A ausência de participação comunitária não configura
apenas um desprezo aos ditames da Constituição do Estado de São Paulo e do
Plano Diretor do Município, mas, antes de tudo, fere princípio fundamental do
Estado Democrático de Direito, expresso na Constituição Federal:
“Art. 1º. (...)
Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
9. Não é ocioso obtemperar que a própria Constituição
Federal, entre as normas de observância obrigatória dos municípios, destaca a
“cooperação das associações representativas no planejamento municipal”, em seu
art. 29, XII.
10. O uso e ocupação do solo também tem como elemento
formal obrigatório o planejamento prévio, em conformidade com o instrumento de
maior importância urbanística, que é o Plano Diretor, não bastando o
planejamento executado na elaboração deste.
11. Não fosse assim, o Plano Diretor, que contém apenas
princípios e disposições genéricas, seria verdadeiro “cheque em branco” em
favor da administração pública e do legislador local. E essa interpretação
colocaria por terra os princípios do planejamento e da participação, que
inspiram as diretrizes constitucionais para a edição legislativa nessa matéria.
12. Essa premissa foi louvada pelo eminente Desembargador
Samuel Junior em julgamento proferido por esse colendo Órgão Especial, cuja
ementa assim está redigida:
“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).
13. Se assim é em face da oferta de substitutivo, idêntico
tratamento deve ser dispensado ao projeto de lei em face de seu anteprojeto,
porque a democracia participativa assegurada no inciso II do art. 180 e no art.
191 da Constituição Estadual, assim como no inciso XII do art. 29 da Constituição
Federal, alcança a elaboração da lei de uso e ocupação do solo antes e durante
seu processo legislativo, até o estágio final de produção da lei.
14. A lei local impugnada é incompatível com as normas dos
arts. 180 I, II e V, 181 e 191 da Constituição Estadual, exigentes de
participação comunitária em quaisquer planos, programas ou projetos e adversas
a atividades que não resguardam o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
para além de proporcionar ofensa direta aos incisos I, III e V do art. 180 da
Constituição Estadual por exonerar a tutela dos bens jurídicos ambientais ali
consignados (garantia do bem-estar, preservação do meio ambiente urbano,
observância de normas de qualidade de vida).
15. Por estas razões, deve ser declarada a inconstitucionalidade
da Lei nº 6.274, de 29 de julho de 2009, do Município de Mogi das Cruzes.
III – Pedido
liminar
16. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual
tessitura da norma impugnada, apontada como violadora de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação evitando, assim, danos ambientais e
urbanísticos e insegurança jurídica.
17. À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar
para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei
nº 6.274, de 29 de julho de 2009, do Município de Mogi das Cruzes.
IV - Pedido
18. Face ao exposto, requer o recebimento e processamento
da presente ação que deverá ser julgada procedente para declaração da
inconstitucionalidade da Lei nº 6.274, de 29 de julho de 2009, do Município de
Mogi das Cruzes.
19. Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Mogi das Cruzes, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 21 de outubro de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
wpmj/lgl
Protocolado nº 99.802/10
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 6.274, de 29 de julho de 2009, do Município de Mogi das Cruzes.
1. Distribua-se a petição inicial da
ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 6.274, de 29 de julho
de 2009, do Município de Mogi das Cruzes, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da
ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 21 de
outubro de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral
de Justiça