EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado n.º 23.969/11

Assunto: inconstitucionalidade de empregos de confiança criados pela Lei Municipal 2.751, de 19 de novembro de 2010, de Guararema.

 

 

 

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Empregos de confiança criados pela Lei Municipal 2.751, de 19 de novembro de 2010, de Guararema. Postos de trabalho, que, porém, correspondem a funções meramente técnicas ou burocráticas. Inexigibilidade de especial relação de fidúcia. Violação de dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo (art. 115, incisos I, II e V, e art. 144). Inconstitucionalidade reconhecida.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n.º 734 de 26 de novembro de 1993 (LOMPSP), e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2.º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com respaldo nas informações colhidas no anexo protocolado (PGJ n.º 23.969/2011), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de dispositivos da Lei Municipal 2.751, de 19 de novembro de 2010, de Guararema, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)  DISPOSITIVOS IMPUGNADOS.

A propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade decorre do acolhimento de representação formulada pelo DD. Promotor de Justiça de Guararema, que remeteu à Procuradoria-Geral de Justiça cópia do ato normativo impugnado, na qual sustenta a inconstitucionalidade da criação de empregos de confiança no Município de Guararema.

A Lei Municipal 2.751, de 19 de novembro de 2010, de Guararema, conforme respectiva rubrica, “Dispõe sobre a estrutura de empregos, salários e carreiras da Prefeitura Municipal de Guararema e dá outras providências”.

Esse diploma legal (cuja cópia integral se encontra juntada às fls. 77/102) previu a criação de empregos de confiança no seu art. 8.º, o qual assim dispõe:

“(...)

Art. 8.º Serão providos em comissão os empregos discriminados no anexo II desta Lei.

(...)”

2) NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS EMPREGOS DE CONFIANÇA.

Pois bem, a análise do Anexo II – Quadro de Empregos em Comissão revela que as atribuições de parte dos empregos de confiança previstos na Lei 2.751/2010, de Guararema, abaixo reproduzidos, são meramente técnicas ou burocráticas.

De fato, as atribuições concernentes a tais empregos não discriminam situações que – em relação aos seus ocupantes – exijam vínculo de confiança superior ao que se espera de todo e qualquer servidor ocupante de cargo de provimento efetivo.

A par disso, existem outras impropriedades nessa lei que serão mais bem detalhadas nos tópicos subsequentes.

A discriminação abaixo formulada segue a sequência em que os empregos de confiança estão dispostos no Anexo II da Lei Municipal 2.751/2010, de Guararema:

·       Procurador Geral (nível superior): “Atuar junto ao Chefe do Executivo e aos demais órgãos na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas e programas de ação do Governo Municipal; representar, em juízo ou fora dele, os direitos e interesses do Município, superintender, coordenar as atividades jurídicas e administrativas, adequando-as; elaborar e orientar pareceres emitidos pela Procuradoria e ainda anteprojetos de Leis, Decretos, Portarias e outros atos jurídicos e administrativos.

·       Procurador Adjunto (nível superior): “Organizar, supervisionar, elaborar, acompanhar e diligenciar nos processos encaminhados ao Procurador Geral, inclusive o expediente, atos e documentos a ser assinado pelo Procurador Geral, atender e orientar pessoas interessadas quanto às atividades da Procuradoria Geral, supervisionar e acompanhar prazo e andamento dos processos de interesse do Município.

·       Diretor Técnico (nível médio):Cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas pelo Gabinete do Prefeito e/ou pelo Assessor Técnico, executando os programas de governo e as atividades de apoio a esses programas”;

·       Encarregado Técnico (nível médio): “Cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas pelo Gabinete do Prefeito e/ou pelo Assessor Técnico, executando os programas de governo e as atividades de apoio a esses programas”;

·       Procurador Municipal I (nível superior): “Atuar, ativa e passivamente, junto aos tribunais e juízos, em qualquer instância na defesa de direitos e interesses do Município; exercer funções de consultoria jurídica, observada orientação do Procurador Geral necessárias à uniformização da jurisprudência administrativa, elaborar minutas de anteprojetos de Leis e demais atos jurídico ou administrativos relacionados com atividades municipais, examinar e emitir pareceres sobre normas jurídicas e à técnica legislativa as proposituras elaboradas por órgãos da Administração Municipal, elaborar, examinar, coordenar e supervisionar a organização de arquivos de Leis e demais atos jurídicos ou administrativos, praticar atos judiciais e extrajudicial, promover cobrança judicial extrajudicial da dívida e créditos do Município”;

·       Diretor da Divisão de Alimentação Escolar (nível superior): “Cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas do superior imediato na Divisão, supervisionando e coordenando as unidades subordinadas e/ou a execução dos programas de governo e de atividades de apoio a esses programas.

·       Diretor de Divisão (nível médio):Cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas do superior imediato na Divisão, supervisionando e coordenando as unidades subordinadas e/ou a execução dos programas de governo e de atividades de apoio a esses programas.”;

·       Supervisor de Ensino (nível superior): “Exercer a supervisão e a fiscalização das unidades escolares, incluídas no setor de trabalho que lhe for atribuído, de acordo com as orientações emanadas da Secretaria de Educação e Cultura, de forma a garantir o cumprimento integral das atribuições da supervisão de ensino.”;

·       Coordenador Pedagógico (nível superior):Colaborar para a elaboração, bem como implementar, avaliar e coordenar a proposta pedagógica das escolas municipais de acordo com as orientações emanadas da Secretaria de Educação.”;

·       Chefe de Setor da Estação Literária (nível superior): Cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas do superior imediato no Setor, supervisionando e coordenando as equipes de trabalho e/ou a execução dos programas de governo e de atividades de apoio a esses programas.

·       Chefe de Setor (nível médio): Cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas do superior imediato no Setor, supervisionando e coordenando as equipes de trabalho e/ou a execução dos programas de governo e de atividades de apoio a esses programas”.

Os empregos postos em destaque anteriormente são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto à criação de cargos de provimento em comissão.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito prefixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

A autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de autoadministração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 591).

Nessas quatro capacidades estão configuradas: (a) a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c) autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de José Afonso da Silva (ob. cit., p. 591).

Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional e é necessário que o faça mediante lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

No âmbito de todos os Poderes Públicos, a regra deve ser o preenchimento dos cargos por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, porquanto assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; e também no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza profissional, técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão, visto que – se assim não fosse – na prática resultaria aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.

Bem a propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33.ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Assim, são de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3.ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2.ª ed., 2.ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

É a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158) e que justificam a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5.ª ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do egrégio STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável à espécie, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos:

“propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os empregos de confiança acima destacados, com a expressa menção de suas funções, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, subalternas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

Veja-se, a propósito, que o emprego de confiança de ‘Procurador Municipal I’ possui atribuições análogas às do emprego permanente de ‘Procurador Municipal’, a quem compete “prestar assistência jurídica às diversas unidades administrativas da Prefeitura, representar judicial e extrajudicialmente o Município, realizar outras tarefas e atribuições formuladas pelo Procurador-Geral, sob orientação desse e do Procurador Municipal I”.

A ressalva final contida na descrição normativa das atribuições do emprego permanente de Procurador Municipal (Anexo I da Lei n.º 2.751) sugere a subordinação deste ao Procurador Municipal I, mas essa impressão é rapidamente desfeita com a análise da estrutura organizacional da Procuradoria-Geral do Município, que é composta, hierarquicamente, pelo Procurador-Geral do Município, Procurador Municipal Adjunto e Procurador Municipal I (Anexo I da Lei n.º 2.750/2010 – fl. 164 do expediente que acompanha a inicial).

Ora, não é possível que uma carreira jurídica (procurador municipal) seja composta majoritariamente de empregos de confiança, de livre nomeação e exoneração pelo Prefeito, que, inclusive, já possui Assessor Jurídico lotado na estrutura de seu Gabinete, conforme fl. 161 do expediente anexo, nada justificando, portanto, que os empregos da Procuradoria-Geral do Município, em sua maioria, sejam ocupados por servidores livremente nomeados pelo Prefeito.

Como visto, na estrutura organizacional da Prefeitura Municipal de Guararema, a Procuradoria Geral do Município é composta dos seguintes empregos: Procurador Geral (1 emprego), Procurador Adjunto (1 emprego), Procurador Municipal I (2 empregos) e Procurador Municipal (1 emprego), afora os 2 empregos de Assessor Jurídico, subordinados ao Gabinete do Prefeito.

Ou seja, na Prefeitura Municipal de Guararema existem mais empregos de confiança do que empregos permanentes na estrutura da Procuradoria, pois, dos 7 (sete) empregos relacionados à área jurídica, apenas 1 (um) deles (Procurador Municipal) é de provimento por concurso, os outros 6 (seis) são de livre nomeação e exoneração, pelo Prefeito, o que serve para caracterizar o abuso na criação de empregos de confiança, em desacordo com a moralidade e a proporcionalidade, máxime considerando-se que a regra é a aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos e a exceção é a nomeação para cargos de livre provimento.

Com efeito, o art. 115, inciso II, da Carta Política Estadual, norma repetida da Constituição Federal (CF, art. 37, II), reza que ‘a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração’.

Deduz-se, daí, que a Lei n.º 2.751/2010, de Guararema, converteu a exceção em regra, iniciativa que, porém, merece ser reprovada, sob pena de subversão da ordem constitucional.                     

Ao examinar propositura semelhante, o colendo STF decidiu que:

‘EMENTA: AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO.

I – Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Pode Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam.

II – Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local.

III – Agravo improvido. ’

(RE 365368 AgR/SC Santa Catarina, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 22/05/2009)

Outro efeito colateral da edição dessa norma é a afronta à violação funcional e à regra da carreira (CE, art. 124), visto que, no caso em análise, empregos estruturados em carreira são ocupados, nos diversos níveis, não por servidores da própria carreira, mas sim por pessoas estranhas a ela, afora a impossibilidade permanente de o ocupante de emprego inicial da carreira jurídica (Procurador Municipal) ascender aos postos de trabalho mais elevados dentro de sua própria carreira.

Segundo o abalizado magistério de ADILSON ABREU DALLARI (‘Regime Constitucional dos Servidores Públicos’. São Paulo: RT, 1992, 2.ª ed., pp. 51/53),

‘Todos os funcionários públicos têm, constitucionalmente assegurado, o direito à evolução funcional. As consequências da afirmação desse direito são infinitamente maiores do que aquilo que, à primeira vista, se pode supor. Realmente, trata-se de algo capaz de mudar totalmente o quadro desolador da administração pública no Brasil.

Inicialmente cabe salientar que quando o texto fala em plano de carreiras ele, na verdade, está dizendo que é obrigatória a previsão de carreiras, de meios pelos quais o funcionário possa progredir, à medida que vai acumulando conhecimentos e experiências, de maneira a atingir postos de maior complexidade e maior responsabilidade (...).

A previsão de planos de carreira, significando um direito à evolução funcional, enseja a verdadeira profissionalização do funcionário público, cujos objetivos são: a) criação de um corpo permanente de pessoal altamente capacitado e imune às alterações dos quadros políticos que são inerentes, inevitáveis e até mesmo salutares no regime democrático; b) assegurar a continuidade das ações administrativas, dando a cada cidadão a certeza do regular funcionamento dos serviços públicos, a despeito das mudanças políticas; c) melhorar a qualidade dos serviços públicos, como decorrência da capacitação e da permanente evolução técnica dos servidores públicos; e, d) garantir a moralidade das ações, em face das responsabilidades e das garantias conferidas aos servidores.

Nada disso será possível se o servidor público for um exercente ocasional da função, à qual chegou graças ao seu relacionamento com pessoas influentes, sendo o seu futuro incerto. É preciso a adoção de uma série de medidas para a implantação da verdadeira profissionalização do funcionário público.

A primeira dessas medidas é exatamente a exigência do concurso público de ingresso (...).

 O plano de carreira não pode ser entendido como um benefício ao servidor, mas sim como um instrumento de melhoria do serviço público (...), enfim, como forma de satisfazer o interesse público.

 Dentro da carreira, com efeito, é sempre essencialmente igual o tipo de atividade que se espera do funcionário, podendo embora, às vezes, variar acidentalmente de classe para classe, ou de categoria para categoria.

Por esses motivos, (os cargos em comissão) são em menor número. O Supremo Tribunal Federal, com acerto, tem repelido não somente a criação de cargos comissionados com atribuições meramente técnicas (...), mas também a criação deles em número superior ao de cargos efetivos existentes no órgão ou entidade

Em verdade, é de livre nomeação e exoneração apenas o emprego de Procurador-Geral, que, necessariamente, deveria ser escolhido dentre os integrantes da carreira jurídica (Procurador do Município), por se tratar de função a ser exercida por ocupante da própria carreira.

Nesse sentido, a Constituição em vigor prevê que ‘os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público terão regime jurídico único e planos de carreira’ e, outrossim, que ‘as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo’ (art. 37, V), elidindo, desse modo, a possibilidade de o Executivo nomear para a chefia da Procuradoria-Geral do Município pessoa estranha aos quadros dessa carreira.

Assim, com relação à Procuradoria do Município, está bem caracterizado o abuso na criação de empregos de confiança.             

Igualmente, verifica-se que os empregos de ‘Diretor Técnico’ e ‘Encarregado Técnico’ possuem atribuições idênticas, e mesmo nível de escolaridade (requisito para provimento = nível médio), mas sua remuneração é bem diversa.

Enquanto o emprego de ‘Diretor Técnico’ remunera o seu ocupante com o valor básico de R$ 3.127,52, o ‘Encarregado Técnico’ percebe remuneração de R$ 1.795,55, conforme o Anexo III – Tabelas Salariais da Lei n.º 2.770/2011, mas nada justifica essa disparidade remuneratória, claramente ofensiva ao disposto no art. 124, § 1.º, da Carta Paulista (‘A lei assegurará aos servidores da administração direta isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder, ou entre servidores dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho’), máxime em se tratando de empregos com funções idênticas a serem providos por servidores com nível médio de escolaridade.

         Na espécie, o nível de escolaridade exigido para os ocupantes desses cargos bem revela a sua natureza subalterna, incompatível com a natureza dos cargos e funções de confiança, que se destinam apenas às atribuições de ‘direção, chefia e assessoramento’ e, portanto, deveriam ser ocupados exclusivamente por aqueles encarregados de promover a direção superior da Administração municipal.

Assim, nada obstante a terminologia legalmente empregada, é fácil identificar a burla ao postulado constitucional do concurso público, pela lei em exame, que criou empregos comuns, a serem providos por servidores sem formação específica, e que se limitam ao cumprimento de ordens superiores, sem participar do planejamento, organização, desenvolvimento e gestão de políticas públicas nas diversas áreas em que se desdobra a atuação estatal.

Nessa mesma situação encontram-se os empregos de ‘Diretor da Divisão de Alimentação Escolar’ (nível superior - Nutricionista) e ‘Diretor de Divisão’ (nível médio), a quem compete o cumprimento de determinações superiores, evidenciando, assim, o seu caráter subalterno, pois o primeiro diz respeito a atribuições de natureza técnica ou profissional (nutricionista) e o segundo não exige de seus ocupantes nenhuma formação específica nas diversas áreas de conhecimento humano.

Assim, ao contrário do que sugere a pomposa terminologia, não se referem os empregos de ‘Diretor da Divisão de Alimentação Escolar’ e ‘Diretor de Divisão’ a funções de direção superior, responsáveis pelo desenvolvimento e implantação de políticas públicas, ou pela execução das diretrizes e programas governamentais, mas sim a funções subalternas, que prescindem para o seu exercício do predicado da confiança.

No Dicionário Houaiss da língua portuguesa, a expressão ‘diretor’ apresenta os seguintes significados: ‘que ou aquele que dirige; dirigente, chefe’; ‘que ou aquele que ocupa o cargo mais alto na administração de escolas, hospitais, empresas etc.’, donde se nota a absoluta impropriedade da lei na criação de cargo de diretor que corresponde à função subordinada.

De igual modo censurável é a criação, por lei, dos empregos de confiança de ‘Supervisor de Ensino’ e ‘Coordenador Pedagógico’, que correspondem a atribuições de natureza técnica ou burocrática e que independem, para o seu exercício, do estabelecimento de vínculo de especial confiança com a autoridade nomeante.

Por fim, os empregos de “Chefe do Setor da Estação Literária’ (nível superior: formação em Biblioteconomia) e ‘Chefe de Setor’ (nível médio) também não devem subsistir sob a forma de emprego de confiança, visto que, na realidade, correspondem a verdadeira função de chefia, que, nos termos do art. 115, inciso V, da Carta Paulista, deveria ser ocupada exclusivamente por servidor titular de cargo efetivo.

A correta exegese do art. 115, inciso V, da Constituição Paulista, sinaliza que as atribuições de chefia devam ser exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, não dando margem à livre atuação do legislador, a quem é defeso criar cargo ou emprego público que corresponda a uma função e não a um plexo de atribuições.

É pertinente, neste ponto, estabelecer a diferenciação ontológica entre cargo em comissão e função de confiança.

De fato, como a Constituição em vigor estabelece a regra da acessibilidade via concurso público, qualquer hipótese que excepcione essa regra, segundo ADILSON ABREU DALLARI, deve ser interpretada restritivamente:

“Os incisos I a V do art. 37 da Constituição Federal cuidam da acessibilidade a cargos, funções e empregos públicos “aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”, estabelecendo como regra geral o concurso público e dispondo sobre exceções a essa regra (...) Advirta-se, porém que as exceções devem sempre ter interpretação restritiva”. (ob. cit., pp. 28/29)

A literalidade do inciso V do art. 37 da CF faz parecer que qualquer atribuição de direção/chefia/assessoramento poderia ser exercida indiscriminadamente tanto via função de confiança quanto via cargo em comissão. Fato é que essa falta de diferenciação ontológica entre os dois institutos acabaria por ampliar a exceção de ingresso no serviço público sem concurso – uma vez que a função de confiança só é atribuível a cargo de provimento efetivo, cuja investidura é precedia pelo concurso, enquanto o cargo em comissão não encontra essa restrição. Ou seja, uma interpretação literal do dispositivo acabaria, em última análise, por permitir, na prática, que qualquer direção/chefia/assessoramento fosse destinada à criação de cargo em comissão (o qual não é necessariamente exercido por alguém investido por prévio concurso). Assim, justifica-se a necessidade de uma interpretação restritiva do dispositivo, uma vez que constitui exceção à regra do concurso, no ensinamento de ADILSON ABREU DALLARI:

“Em resumo, o concurso público é um instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade. Por isso, qualquer dúvida a respeito da realização de um concurso público deve ser resolvida à luz desses princípios, desprezando-se preciosismos inúteis, literalidades exacerbadas, e questiúnculas de somenos, bem como proscrevendo-se as meras encenações levadas a efeitos para mascarar escolhas subjetivas”. (ob. cit., p. 37)

Assim, ainda que uma interpretação literal do inc. V do art. 37 CF possibilite a destinação indiscriminada das atribuições de chefia/direção/assessoramento a cargos em comissão e funções de confiança, fato é que não pode ser ignorado que a própria CF distinguiu os dois institutos nesse dispositivo – o que deve repercutir na prática da atividade legislativa de criação de cargos e funções que excepcionam a regra do concurso, nas palavras de MARCIO CAMMAROSANO:

“Vale dizer, a Constituição, possibilitando que o legislador ordinário excepcione a regra por ela mesma estabelecida quanto à exigência de concurso público para a primeira investidura, de sorte a garantir o acatamento ao princípio da igual acessibilidade aos cargos públicos, não está possibilitando ao legislador ordinário ir a ponto de esvaziar, de anular, de tornar letra morta, de destruir a própria regra”. (‘Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro’. São Paulo: RT, 1984, p. 89)

Coube à doutrina, então, desenvolver o sentido mais restrito do dispositivo, por meio da diferenciação ontológica entre os dois institutos. Segundo os trechos a seguir colacionados, a diferença estaria na natureza, no tipo da chefia/direção/assessoramento a ser exercida: mormente no tocante às direções/chefias, algumas têm natureza correspondente a cargo em comissão, outras à função de confiança.

Conforme se verá nos trechos a seguir, conclui-se que ambos os institutos fundamentam-se na fidúcia, mas, em síntese: as direções/chefias com natureza de administração superior (superior no sentido de a complexidade de sua natureza exigir a afinidade política entre o servidor e o respectivo agente político) são condizentes com a criação de cargo em comissão; as direções/chefias ordinárias cuja complexidade/volume de atribuições não justifiquem a criação de um novo cargo (porque simplesmente somar-se-iam a atribuições similares às de um cargo de provimento efetivo já instituído) são condizentes com a mera criação de função de confiança.

A seguir, trechos doutrinários que explicam e justificam a diferenciação acima resumida:

“É inconstitucional a lei que criar cargo em comissão (...) de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior”. (ADILSON A. DALLARI, ob. cit., p. 41)

Superiores são a direção, chefia, assessoramento que exigem “um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior” (MARCIO CAMMAROSANO, ob. cit., p. 95). São aquelas atribuições só passíveis de serem exercidas por pessoas “afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental” (idem).

“Feitas estas considerações preliminares cabe agora enfrentar a questão de fundo, qual seja, a dos limites à criação de cargos em comissão. É evidente que se a administração puder criar todos os cargos com provimento em comissão, estará aniquilada a regra do concurso público. Da mesma forma, a simples criação de um único cargo em comissão, sem que isso se justifique, significa uma burla à regra do concurso público”.(ADILSON A. DALLARI, ob. cit., p. 41)

“Cargo em comissão, ou de provimento em comissão, é aquele predisposto, ou vocacionado, a ser preenchido por um ocupante transitório, da confiança da autoridade que o nomeou e que nele permanecerá enquanto dela gozar” (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO; ‘Apontamentos sobre os Agentes e Órgãos Públicos’, SP: RT, 1975, p. 21). “São cargos que implicam o exercício de atribuições a serem confiadas a pessoas de absoluta confiança de autoridades superiores, especialmente dos agentes políticos, pois constituem os canais de transmissão das diretrizes políticas, para a execução administrativa”. (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, ‘Comentários à Constituição Brasileira’, volume II. SP: RT, 1977, p. 168) “Conforme é de bom senso, essas funções não serão bem exercidas por quem não estiver convencido do seu acerto, não partilhar da mesma visão política” (fl. 95).

“Também a indiscriminada criação de cargos em comissão, por definição de livre provimento e exoneração, prestou-se a contornar a regra do concurso público. Com efeito, está implícito no sistema constitucional que não são quaisquer cargos que podem ser declarados de livre provimento e exoneração, mas apenas aqueles que a natureza das atribuições cometidas a seus titulares justifica sejam ocupados por pessoas de absoluta confiança das autoridades superiores, como os de assessoria e algumas chefias” (MARCIO CAMMAROSANO, ‘Servidores Públicos’ em Direito Administrativo na Constituição de 1988. Coordenador Celso Antonio Bandeira de Mello, SP: RT, 1991, p. 173 p. 173).

Já quanto à “função de confiança”, ADILSON ABREU DALLARI, ao classificar o gênero “função” em duas espécies, define a função de confiança como a segunda espécie:

 “Fica também perfeitamente claro que não mais é possível a criação de funções não correspondentes a cargos ou empregos ou, pelo menos, não relacionados a cargos e empregos existentes. Ou seja, a função somente pode compreender dois significados: a) conjunto de atribuições inerentes a um determinado cargo ou emprego; b) conjunto de atribuições especiais, extraordinárias, cujo volume não justifica a criação de cargo ou emprego e que, por isso mesmo, pode ser conferido a quem seja funcionário ou empregado, mediante uma retribuição adicional. Isto é o que se denomina função gratificada”. (ob. cit., p. 39)

Assim, por exemplo, chefe de setor literário é cargo cujas atribuições não se subsumem à hipótese de direção e chefia superior – uma vez que prescindem do requisito de “afinidade com as diretrizes políticas” ou de “fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agente políticos” do órgão, mas tão-somente relacionam-se ao dever de lealdade com o plus de uma chefia ordinária de outros servidores. Para o eficiente exercício dessa função de chefia descabe afirmar que é imprescindível confiá-la a pessoa de “absoluta confiança de autoridades superiores, especialmente dos agentes políticos”, não sendo constitucionalmente adequada a criação de cargo em comissão para tanto.

Pela mesma ratio são impugnáveis os empregos de Diretor Técnico, Encarregado Técnico, Diretor da Divisão de Alimentação Escolar, Diretor de Divisão, Supervisor de Ensino, Coordenador Pedagógico, Chefe da Estação Literária e Chefe de Setor.

Ratifica a diferenciação entre os dois institutos Diógenes Gasparini:

“Os cargos de provimento em comissão são próprios para direção, comando ou chefia de certos órgãos, para os quais se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da administração. Também destinam-se ao assessoramento (...). Por certo, não se pode criar somente cargos em comissão, pois outras razões existem contra essa possibilidade. Tal criação, desmedida e descabida, deve ser obstada, a todo custo, quando a intenção evidente é burlar a obrigatoriedade do concurso público (...). De sorte que os cargos que não apresentam aquelas características ou alguma particularidade entre seu rol de atribuições, como seu titular privar da intimidade administrativa da autoridade nomeante (motorista, copeiro), devem ser de provimento efetivo, pois de outro modo cremos que haverá desvio de finalidade na sua criação e, portanto, possibilidade de sua anulação. Por esses motivos são em menor número. O Supremo Tribunal Federal, com acerto, tem repelido não somente a criação de cargos comissionados com atribuições meramente técnicas (...), mas também a criação deles em número superior ao de cargos efetivos existentes no órgão ou entidade”. (‘Direito Administrativo’. SP: Saraiva, 2010, pp. 325/326)

Já as funções de confiança, para o indigitado autor, são “centros unitários com atribuições de direção, chefia, assessoramento, criados por lei e titularizáveis por servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e da confiança da autoridade com poderes de nomeação. Embora semelhantes aos cargos em comissão, com estes não se confundem”. (ob. cit., p. 317)

E mais, segundo o magistério de IVAN BARBOSA RIGOLIM:

“Evidenciou com isso o dispositivo que cargos em comissão são uma coisa, e funções de confiança outra, o que de resto a legislação estatutária já previa, no sentido de que cargos em comissão são postos de trabalho autônomos, a serem preenchidos pelo critério da confiança pessoal da autoridade nomeadora, sem concurso, enquanto que funções de confiança são modalidades de trabalho, competências ou atribuições adicionais a um cargo efetivo, que por sua singeleza não justifica a criação de um cargo autônomo, e que são remuneradas por uma parcela acessória, em geral denominada adicional de função, ou gratificação de função.

Se o cargo inclui atribuição de assessoramento, então pode ser em comissão, e o mesmo se diga se contiver atribuições de chefia (...), desde que se o possa demonstrar razoavelmente, ou seja, não é porque um motorista trabalha intimamente vinculado à direção de seu veículo que poderá ocupar cargo em comissão, como não será porque um jardineiro assessora o Prefeito sobre que fertilizante (...) poderá utilizar (...) que merecerá.

Afora a pilhéria, resta clara, para a viabilidade formal de existir cargo em comissão ou função de confiança, a necessária e razoável demonstrabilidade da natureza da chefia ou direção (...) ou ainda de alguma forma ou espécie de assessoramento profissional é nitidamente caracterizado. Sem tais demonstráveis requisitos, inconstitucional será a criação de cargos em comissão.”. (‘O servidor público nas reformas constitucionais’. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 32)

Por fim, JOSE AFONSO DA SILVA complementa a discriminação entre cargos em comissão e função de confiança, especialmente no tocante à implicação dessa diferença na remuneração:

“Ambos se destinam, como vimos, às atribuições de direção, chefia e assessoramento. O tratamento diferenciado, no entanto, tem sua razão de ser porque os cargos em comissão, como qualquer outro cargo, têm previsão de remuneração própria, o que comporta exercício por especialistas e técnicos alheios aos quadros administrativos (...). As funções de confiança (...) existem onde há necessidade de direção, chefia, assessoramento (...), mas não há os cargos correspondentes, então é preciso designar alguém para seu exercício, e, como elas não dispõem de remuneração própria, decidiu-se que o designado seja ocupante de cargos. A razão disso é: a) o designado leva seus vencimentos do cargo, que são acrescidos de gratificação ou pro labore, pelo exercício de função; b) por não terem previsão remuneratória própria, não comportam designação de pessoa alheia à administração.” (‘Curso de Direito Constitucional Positivo. SP: Malheiros, 2010, pp. 680/681’)

Neste caso, a chefia corresponde verdadeiramente a uma função. Logo, ela deve ser exercida exclusivamente por servidor efetivo com capacidade de liderança, nada justificando, por conseguinte, que os diversos setores da Prefeitura sejam chefiados por pessoas estranhas ao seu quadro funcional.

Assim, o chefe de cada setor deverá ser o servidor mais bem preparado ou qualificado, isto é, com o conhecimento necessário da sua área de atuação específica e capacidade de liderar os seus colegas de trabalho, além de, é claro, gozar de confiança da autoridade nomeante.

Não se concebe, por isso, a existência de cargo ou emprego de chefia, mas sim de função de chefia, porquanto esta nada mais é do que um ‘plus’ em relação às atribuições ordinárias do cargo ou emprego ocupado.

Diferentemente das atribuições de direção e assessoramento, que são próprias dos cargos ou empregos de confiança, e podem ser desempenhadas por pessoas estranhas aos quadros funcionais, as funções de chefia devem ser exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, nos termos do art. 115, inciso V, da Carta Paulista.

A distinção é pertinente porque a Constituição reza que as funções de confiança e os cargos em comissão destinam-se apenas às atribuições de ‘direção, chefia e assessoramento’ e, ‘prima facie’, parece sinalizar a total liberdade do legislador para optar pela criação de cargos ou funções públicas.

Ocorre que tal entendimento reduz à mais completa inutilidade o comando constitucional segundo o qual as funções de confiança devem ser exercidas exclusivamente por servidores efetivos, visto que, para contorná-lo, bastaria optar pela criação de cargo de confiança de chefia em vez de a função de chefia.       

É necessário ressaltar, por fim, que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência aos arts. 111, 115, incisos I, II e V, 124, e seu § 1.º, da Constituição Estadual, bem como aos arts. 5.º, LIV, 37, ‘caput’, e incisos I, II e V, 39 da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

3)  DA LIMINAR.

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos dispositivos que criaram os cargos destacados anteriormente.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que os dispositivos impugnados nesta ação padecem de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos atos normativos questionados, subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas (e imposição de obrigações à Municipalidade), que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese provável de procedência da ação direta. Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocupar tais cargos certamente não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação, e da efetiva realização dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade de concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos dispositivos que prevêem os empregos de confiança na Lei Municipal 2.751, de 19 de novembro de 2010, de Guararema.

Alternativamente, a liminar poderá ser concedida em menor extensão - caso esse E. Tribunal entenda que essa solução é mais apropriada - para o fim de impedir novas nomeações, na pendência da presente ação direta, para os empregos de confiança criados pela Lei Municipal 2.751, de 2010, de Guararema.

4)  CONCLUSÃO E PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Municipal 2.751, de 19 de novembro de 2010, de Guararema, que criaram empregos de confiança, cujas atribuições demonstram seu perfil técnico ou burocrático (conforme análise feita na fundamentação desta inicial):

Procurador-Geral; Procurador Adjunto; Diretor Técnico; Encarregado Técnico; Procurador Municipal I; Diretor da Divisão de Alimentação Escolar; Diretor de Divisão; Supervisor de Ensino; Coordenador Pedagógico; Chefe do Setor da Estação Literária; Chefe de Setor.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Guararema, e a citação do Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, no que couber.

 

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

                            Termos em que,

                             Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 13 de maio de 2011.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 23.969/2011

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Municipal 2.751, de 19 de novembro de 2010, de Guararema

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 13 de maio de 2011.

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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