EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 47.339/2012

Assunto: Inconstitucionalidade por omissão – carreiras de Ministério Público de Contas e de Auditor Junto ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

 

Ementa:

1)      Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão. Ausência de edição de leis específicas criando as carreiras de Auditor e de Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

2)      Modelo constitucional das Cortes de Contas. Parâmetros fixados na Constituição Federal quanto ao Tribunal de Contas da União, aplicáveis aos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios (art. 75 da CF). Previsão da existência de Ministério Público especial junto ao Tribunal de Contas dos Estados e Municípios (art. 130 da CF). Previsão da participação de Auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em proporção prevista na Constituição Federal, na respectiva composição (art. 73, § 2º, I da CF).

3)      Princípio da simetria. Princípio constitucional estabelecido (art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo). Omissão relevante, dado transcurso de mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição Federal.

 

 

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 47.339/2012, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)  A OMISSÃO INCONSTITUCIONAL

Nos autos do Protocolado MP nº 59.314/05 – RI nº 3649 a Procuradoria-Geral de Justiça apurou, em razão de representação que lhe foi encaminhada, a questão relativa à composição do Col. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e do Col. Tribunal de Contas do Município de São Paulo, notadamente no que se refere à necessidade de observância dos parâmetros constitucionais que exigem a instituição das carreiras de Ministério Público e de Auditor junto às Cortes de Contas.

No plano do Col. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a lacuna normativa foi suprida com a edição da Lei Complementar nº 979, de 08 de dezembro de 2005, que cuidou da criação dos cargos de Auditor do Tribunal de Contas do Estado, bem como por meio da Lei Complementar Estadual nº 1.110, de 14 de maio de 2010, que instituiu o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Contudo, no plano do Col. Tribunal de Contas do Município de São Paulo, a situação de omissão e lacuna normativa persiste.

É possível constatar dos autos do protocolado que acompanha a inicial desta ação, que foram encaminhados à Câmara Municipal de São Paulo, pela Presidência do Col. Tribunal de Contas do Município, o Projeto de Lei nº 622/05, que dispõe sobre a instituição do Ministério Público no Tribunal de Contas do Município, bem ainda o Projeto de Lei nº 684/05, que dispõe sobre a criação de cargos de auditores no Quadro de Pessoal do Tribunal de Contas do Município (fls. 48/58).

Entretanto, a Câmara Municipal de São Paulo acabou por rejeitar ambos os projetos de lei, na sessão realizada em 22/02/2010 (fls. 66/71).

Persiste com relação ao Col. Tribunal de Contas do Município, portanto, omissão inconstitucional, a ser afastada por força da presente ação.

2)  PERFIL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA – SISTEMÁTICA CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIO ESTABELECIDO

Cumpre salientar que a ausência de norma prevendo a existência da carreira de Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo, bem como da carreira de Auditor junto à referida Corte de Contas, configura violação ao princípio da simetria, que figura como princípio estabelecido pela Constituição Federal relativamente à organização das Cortes de Contas. Essa situação implica afronta ao art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, violado por tal omissão normativa, que ostenta a seguinte redação:

“(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)” (g.n.)

A composição do Tribunal de Contas da União, a origem de seus integrantes, a disciplina do Ministério Público junto à Corte e a previsão da carreira dos Auditores de Contas foram disciplinadas pela CF/88 nos seguintes dispositivos:

“(...)

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

(...)

§ 2º. Os Ministros de Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento;

II – dois terços pelo Congresso Nacional.

(...)

Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.

(...)”

A simetria, quanto à organização, funcionamento, composição, e prerrogativas, entre outros aspectos, em relação às Cortes de Contas Municipais e Estaduais, foi fixada pela Constituição Federal como princípio estabelecido, nos seguintes dispositivos:

“(...)

Art. 31.

§ 1º. O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos de Contas dos Municípios, onde houver.

(...)

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.

(...)” (g.n.)

Dessa forma, embora a Constituição Federal tenha fixado em sete, o número de Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais (art. 75, parágrafo único da CF), e silenciado quanto ao número de integrantes dos Tribunais de Contas Municipais, determinou de forma clara e inequívoca que as linhas essenciais relativas à composição, funcionamento, poderes, funções, prerrogativas, e assim sucessivamente, estabelecidas para o Tribunal de Contas da União são aplicáveis, em função do princípio da simetria, aos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios.

Nessa ordem de considerações, é nítida a percepção de que a carreira de Ministério Público junto à Corte de Contas, bem como a carreira de Auditor de Contas, são traços fundamentais relativos à organização e funcionamento das referidas Cortes Estaduais e Municipais.

No mesmo sentido, mostra-se como traço fundamental dessa estrutura organizacional que a composição das Cortes de Contas Estaduais e Municipais, mesmo com número menor de integrantes que os nove Ministros que compõe o Tribunal de Contas da União, deve observar, na sua formação, a proporcionalidade prevista no art. 73, § 2º da CF.

Essa proporcionalidade prevê que os membros das Cortes de Contas da União, e consequentemente dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, tenham, entre seus integrantes: (a) dois terços dos membros indicados pelo Poder Legislativo; (b) e um terço dos membros indicados pelo Poder Executivo, sendo dois escolhidos alternativamente entre Auditores e membros do Ministério Público do Tribunal de Contas (indicados em lista tríplice pelo Tribunal).

A ausência de edição de leis específicas a propósito desses temas gera ineficácia dos aludidos parâmetros constitucionais federais, significando contrariedade à simetria, adotada como princípio estabelecido na Constituição Federal em relação tanto aos Tribunais de Contas dos Estados como aos Tribunais de Contas dos Municípios. Daí a violação ao art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

A propósito, cumpre anotar que quando do julgamento da Medida Cautelar na ADI 374, em 26 de outubro de 1990, na qual se discutiu a inconstitucionalidade do art. 7º e parágrafo único das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de São Paulo, tratando precisamente da proporcionalidade na destinação das vagas do Tribunal de Contas do Estado com observância da classe de origem (auditores e membros do Ministério Público junto à Corte de Contas), o relator, Min. Celso de Mello, pôs em destaque que a regra fixada na Constituição Federal configura princípio estabelecido, a ser respeitado nas unidades federativas. Pedimos vênia para transcrever importante trecho do voto do relator:

“(...)

A Carta Federal, por sua vez, ao delinear o modelo do Tribunal de Contas da União, extensível, de modo cogente e imperativo, à organização dos Tribunais de Contas locais, prescreve, no seu art. 73, § 2º, incisos I e II, que os componentes da Corte de Contas serão escolhidos na proporção de 1/3 pelo Chefe do Executivo e de 2/3 pelo Poder Legislativo.

Se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente de princípios constitucionais sensíveis, a denotar, com isso, a expansão da esfera de poderes das coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode dizer quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios federais estabelecidos – como o que deriva do art. 73, § 2º, da Constituição Federal – os quais, embora disseminados pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local (...)

(...)” (g.n.)

É oportuno destacar, ademais que foi proposta junto ao Col. STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 346, na qual se questiona a validade do art. 151 da Constituição do Estado, que tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 151. O Tribunal de Contas do Município de São Paulo será composto por cinco Conselheiros e obedecerá, no que couber, aos princípios da Constituição Federal e desta Constituição.

Parágrafo único - Aplicam-se aos Conselheiros do Tribunal de Contas do Município de São Paulo as normas pertinentes aos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado.

(...)”

Entretanto, o desfecho da ADI 346 mostra-se irrelevante para a análise da lacuna normativa identificada na presente Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, na medida em que a proporção a ser obedecida na composição do Tribunal de Contas do Município decorre do princípio da simetria, estabelecido por força dos arts. 73, § 2º, I, e 75 da CF/88, princípio esse estabelecido, que deve ser respeitado por força do art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Considerada a impossibilidade, em conformidade com o número atual de membros do Tribunal de Contas do Município (cinco), de resultado não fracionado quanto à proporção estabelecida no art. 73, § 2º, I da CF, chega-se à conclusão de que, afim de que seja respeitada essa diretriz constitucional, um dos membros da Corte deverá ser oriundo da carreira de Auditor, e outro da carreira de Ministério Público junto à Corte Municipal de Contas.

Em outras palavras, seja com o número atual de integrantes (cinco), seja na hipótese de modificação desse número, tanto em razão de acolhimento da ADI 346, como de edição de norma superveniente alterando o número de componentes da Corte Municipal de Contas, na sua formação deverá ser observada a proporcionalidade prevista no art. 73, § 2º, I da CF.

Observe-se que a previsão de proporcionalidade entre os integrantes dos Tribunais de Contas, bem como o fracionamento das indicações, com vagas reservadas ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo, é contemplada em norma constitucional que não possui eficácia imediata.

Lembremos que embora existam outras classificações quanto à eficácia das normas constitucionais, ou seja, sua aptidão para produção de efeitos no mundo jurídico é convincente aquela proposta por José Afonso da Silva, que as separa em: (a) normas de eficácia plena (self-executing ou “autoexecutáveis”); (b) normas de eficácia contida (ou de conteúdo “restringível”); (c) normas de eficácia limitada (not self-executing, ou “não autoexecutáveis”).

Sabe-se que somente as primeiras, nessa classificação (normas de eficácia plena) produzem efeitos imediatos, independentemente de edição de normas infraconstitucionais. As da segunda categoria, por sua vez, são aquelas que produzem efeitos imediatos mesmo sem serem regulamentadas, mas estão sujeitas a delimitação ou restrições por norma infraconstitucional. As da última categoria são esvaziadas de eficácia imediata, só concretizando a promessa constitucional nelas contida com a edição da legislação infraconstitucional pertinente ao tema (autor citado, Aplicabilidade das normas constitucionais, 3. ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 63 e ss).

Naquilo que interessa ao caso específico, não há dúvida de que os dispositivos constitucionais mencionados exigem, na composição dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, a observância da proporcionalidade antes mencionada. Mas a concretização dessa diretriz constitucional está nitidamente vinculada ou condicionada à edição de ato normativo de escalão inferior.

Desse modo, tendo sido provocado o Poder Legislativo Municipal através do encaminhamento, pela Presidência do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, dos Projetos de Lei nº 622/05 e nº 684/05, que acabaram sendo rejeitados, fica absoluta e incontestavelmente configurada a omissão normativa, a exigir a intervenção do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do exercício da jurisdição constitucional.

3)  A OMISSÃO NORMATIVA INFRACONSTITUCIONAL E SUA SOLUÇÃO

A superlativa gravidade da omissão normativa inconstitucional se evidencia, na medida da constatação de que ela perdura por mais de vinte anos, considerada a data da promulgação da Constituição da República.

Note-se que em mais de uma oportunidade, tempo infinitamente inferior foi suficiente para que a mora legislativa fosse reconhecida pelo Col. STF. Roga-se vênia para transcrever trecho relevante da decisão proferida na ADI 3.682, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-5-07, DJ de 6-9-07, que embora tratando de tema distinto, destaca a configuração da omissão e a necessidade de intervenção da Corte Constitucional:

“(...)

A Emenda Constitucional n. 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4º, da Constituição. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. (...). Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.

(...)" (g.n.)

A negativa da Câmara Municipal em normatizar, em conformidade com os parâmetros constitucionais, a composição da Col. Corte de Contas do Município, mesmo diante da apresentação de Projetos de Lei pelo Presidente do Tribunal de Contas local, indica de modo claro a prevalência da omissão do Poder Legislativo, levando-nos a concluir que sem a intervenção jurisdicional, com o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão, a lacuna infraconstitucional não encontrará solução.

A omissão do legislador para tornar efetiva norma constitucional de eficácia limitada encontra reparo através da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. É o que dispõe o art. 90, § 4º da Constituição Paulista (que reproduz, com adaptações, a previsão contida no art. 103, § 2º da CF):

“(...)

Art. 90.

(...)

§ 4º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.

(...)”

O Col. STF tem, há muito, reafirmado a necessidade de firme combate às omissões normativas inconstitucionais, que se revelam tanto na ausência de norma infraconstitucional como na sua insuficiência para dar concretude às diretrizes estabelecidas na Constituição Federal (ADI 1.458-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-5-96, DJ de 29-9-96. No mesmo sentido: ADI 1.439-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-5-96, DJ de 30-5-03).

A doutrina, do mesmo modo, anota que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é instrumento de “defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento apropriado para a declaração da mora do legislador, com o consequente desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed., São Paulo, RT, 2000, p. 339/340).

Confira-se ainda: Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 195/198; Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2. ed., São Paulo, RT, 2001, p. 285/291.

Tendo presente que o processo objetivo de controle de constitucionalidade tem como finalidade assentada na Constituição Federal assegurar sua eficácia normativa, a interpretação finalista e sistemática para tal instituto deve conduzir à conclusão de que a mera determinação de suprimento da omissão legislativa não será suficiente no caso concreto aqui examinado, pois seguramente haverá manutenção da situação de omissão inconstitucional.

Recordemos que os Projetos de Lei nº 622/05 e nº 684/05 foram apresentados pelo Presidente do Tribunal de Contas do Município, e a Câmara Municipal cuidou de rejeitá-los. Esse quadro demonstra o acerto da solução da doutrina e da jurisprudência que vislumbram a possibilidade de suprimento da omissão normativa infraconstitucional pela própria decisão proferida no controle concentrado.

Dirley da Cunha Júnior (Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 547) põe a questão em destaque, observando que:

“(...)

para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso (...)

(...)“ (g.n.)

 No mesmo sentido é o pensamento de Luís Roberto Barroso, formulando críticas à interpretação restritiva do alcance do instituto aqui empregado (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 208/214), bem como a doutrina de Clèmerson Merlin Clève (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 349/350).

Em suma, com o esperado acolhimento desta ação, será pertinente a fixação de prazo para que a lacuna legislativa seja eliminada, bem como a determinação de que, na hipótese de persistência da omissão normativa, como decorrência da eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, obedeçam as próximas indicações para a Corte Municipal de Contas as diretrizes constantes da sistemática constitucional relacionada ao tema.

4)  PRECEDENTES DO STF – MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS – COMPOSIÇÃO DAS CORTES DE CONTAS

Por último e não menos importante, cumpre-nos recordar que o entendimento pacífico no Col. STF é de que: (a) a criação dos Ministérios Públicos junto aos Tribunais de Contas é uma imposição constitucional; (b) a composição dos Tribunais de Contas deve observar a proporcionalidade prevista na Constituição Federal em relação ao Tribunal de Contas da União.

A razão pela qual os precedentes referem-se aos Tribunais de Contas Estaduais, e não aos Municipais, funda-se no fato de que a legislação do Município não pode ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade diretamente perante o Col. STF, mas sim apenas perante os Tribunais de Justiça dos Estados, com eventual recurso extraordinário à Suprema Corte.

Isso não afasta, entretanto, a aplicação do entendimento assentado pelo Col. STF aos Municípios nos quais existam Cortes de Contas.

O Col. STF já decidiu, em mais de uma ocasião, que as funções do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas não podem ser exercidas por membros do Ministério Público Estadual, e tampouco por integrantes da Advocacia-Pública ou Procuradoria Fazendária.

Reconheceu, igualmente, que o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas possui fisionomia institucional própria, inserida no perfil da própria Corte de Contas, a ser observado através da edição de legislação específica. Confira-se:

“(...)

Atuação de Procuradores de Justiça nos Tribunais de Contas. Ofensa à Constituição. Está assente na jurisprudência deste STF que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas possui fisionomia institucional própria, que não se confunde com a do Ministério Público comum, sejam os dos Estados, seja o da União, o que impede a atuação, ainda que transitória, de Procuradores de Justiça nos Tribunais de Contas (...). Escorreita a decisão do CNMP que determinou o imediato retorno de dois Procuradores de Justiça, que oficiavam perante o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, às suas funções próprias no Ministério Público estadual, não sendo oponíveis os princípios da segurança jurídica e da eficiência, a legislação estadual ou as ditas prerrogativas do Procurador-Geral de Justiça ao modelo institucional definido na própria Constituição. (MS 27.339, Rel Min. Menezes Direito, julgamento em 2-2-2009, Plenário, DJE de 6-3-2009.) No mesmo sentido: ADI 3.307, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 2-2-2009, Plenário, DJE de 29-5-2009; ADI 3.160, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de 20-3-2009; ADI 2.068, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 3-4-2003, Plenário, DJ de 16-5-2003.

(...)

Constituição do Estado de Santa Catarina. Dispositivo segundo o qual os Procuradores da Fazenda junto ao Tribunal de Contas exercerão as funções do Ministério Público. Inadmissibilidade. Parquet especial cujos membros integram carreira autônoma (...). O art. 73, § 2º, I, da CF prevê a existência de um Ministério Público junto ao TCU, estendendo, no art. 130 da mesma Carta, aos membros daquele órgão os direitos, vedações e a forma de investidura atinentes ao Parquet comum. Dispositivo impugnado que contraria o disposto nos arts. 37, II; 129, § 3º; e 130 da CF, que configuram ‘cláusula de garantia’ para a atuação independente do Parquet especial junto aos Tribunais de Contas. Trata-se de modelo jurídico heterônomo estabelecido pela própria Carta Federal que possui estrutura própria de maneira a assegurar a mais ampla autonomia a seus integrantes. Inadmissibilidade de transmigração para o Ministério Público especial de membros de outras carreiras. (ADI 328, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2-2-2009, Plenário, DJE de 6-3-2009.)

(...)” (g.n.)

Da mesma forma, o Col. STF já assentou o entendimento de que a composição dos Tribunais de Contas das demais unidades federativas deve obedecer à proporcionalidade estabelecida no art. 73, § 2º da CF, na medida em que a simetria foi assentada relativamente a esse tema pela Constituição Federal, devendo ser observado o modelo federal, relativo ao Tribunal de Contas da União na composição das demais Cortes de Contas, quanto à proporcionalidade e heterogeneidade de sua formação.

Nesse particular, o Verbete nº 653 da Súmula da jurisprudência dominante no Col. STF assenta:

“(...)

No Tribunal de Contas estadual, composto por sete conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembleia Legislativa e três pelo Chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre os auditores e outro entre os membros do Ministério Público, e um terceiro à sua livre escolha.

(...)”

A configuração de omissão por parte do legislador local quanto à regulamentação da matéria, a fim de conferir eficácia às diretrizes fixadas na Constituição Federal, também já foi assinalada em mais de um caso. Pedimos vênia, nesse particular, para indicar o precedente por força do qual o Col. STF reconheceu a mora legislativa em relação à criação de cargos de membros do Ministério Público e Auditores junto ao Tribunal de Contas do Estado do Ceará (ADI 3.727-CE, rel. Min. Eros Grau):

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EC 54 À CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO E TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS. MODELO FEDERAL. ARTIGOS 73, § 2º, INCISOS I E II, E 75 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VAGA DESTINADA AOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E AOS AUDITORES. INEXISTÊNCIA DE LEI QUE IMPLEMENTA AS CARREIRAS. INÉRCIA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA QUANTO À CRIAÇÃO DE CARGOS E CARREIRAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL E DOS AUDITORES. OMISSÃO INCONSTITUCIONAL. 1. A nomeação livre dos membros do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos Municípios pelo Governador dar-se-á nos termos do art. 75 da Constituição do Brasil, não devendo alongar-se de maneira a abranger também as vagas que a Constituição destinou aos membros do Ministério Público e aos auditores. Precedentes. 2. O preceito veiculado pelo artigo 73 da Constituição do Brasil aplica-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Imposição do modelo federal nos termos do artigo 75. 3. A inércia da Assembleia Legislativa cearense relativamente à criação de cargos e carreiras do Ministério Público Especial e de Auditores que devam atuar junto ao Tribunal de Contas estadual consubstancia omissão inconstitucional. 4. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão julgada procedente (STF, ADI 3.726-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 02-06-2005, v.u., DJe 31-01-2008).

(...)”

Relevante notar que esse Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo já reconheceu, em outra ocasião, a inconstitucionalidade por omissão, em Ação Declaratória proposta pelo Procurador-Geral de Justiça. Trata-se da ADI nº 164.152-0/0-00, rel. Paulo Travain, j. 03 de junho de 2009, contendo a ementa da referida decisão a seguinte passagem:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Inexistência de lei que disciplina a reserva de vagas para portadores de deficiência física no âmbito do Tribunal de Contas do Estado. Art. 37, inc. VIII, da CF e art. 115, inc. IX, da CE. Mandamento constitucional cujo atendimento não se submete à discricionariedade da Administração. Regra que há de ser sopesada com os princípios da isonomia, da necessidade de concurso público e da proporcionalidade. Necessidade de regramento específico, em razão da autonomia administrativa e financeira de que goza a Corte de Contas. Fixação de prazo de 12 (doze) meses e estabelecimento da aplicabilidade da LCE n. 683/92, enquanto perdurar a mora legislativa. Omissão reconhecida. Ação procedente.

(...)”

Por todo o exposto, mostra-se inequívoca a necessidade de acolhimento da presente ação, reconhecendo-se a omissão normativa e a imperiosa necessidade de seu suprimento.

5)  LIMINAR

É fundamental a concessão de medida liminar na presente Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão.

É evidente que não seria possível obter provisoriamente o suprimento da omissão normativa, pois isso só será viável com o acolhimento da ação.

Entretanto, é possível que seja concedida medida de urgência, a fim de impedir o provimento de cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo que se encontra vago desde 16 de dezembro de 2011, data em que ocorreu a aposentadoria do Excelentíssimo Conselheiro Antônio Carlos Caruso (cf. Diário Oficial da Cidade de São Paulo de 16 de dezembro de 2011, p. 163, cópia cf. fls. 46).

O fumus boni iuris para a concessão da liminar decorre da inegável situação de omissão normativa inconstitucional, indicada na fundamentação da presente ação.

O periculum in mora decorre da observação de que, estando vago um dos cargos de Conselheiro do Tribunal de Contas do Município, mostra-se iminente o desfecho do procedimento para a nomeação do futuro ocupante do referido cargo.

Caso essa nomeação seja efetivada, restará frustrada a finalidade da presente Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, na medida em que será provido o cargo com direta ofensa à proporcionalidade estipulada na Constituição Federal.

E com o provimento indevido do cargo vago a situação de desrespeito à Constituição prosseguirá por outros longos anos, visto que só no futuro distante, caso seja acolhida a presente ação, com novas vacâncias de cargos de Conselheiros na Corte Municipal de Contas, será viável a adequação de sua composição às diretrizes constitucionais.

De forma simples e nítida, pode-se dizer que no caso em exame a concessão da liminar é indispensável para assegurar o efetivo respeito à Constituição Estadual e à Constituição Federal.

Anote-se que quando do julgamento da Medida Cautelar na ADI 374, relator Min. Celso de Mello, em 26 de outubro de 1990, na qual se discutiu a inconstitucionalidade do art. 7º e parágrafo único das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de São Paulo, tratando precisamente da proporcionalidade na destinação das vagas do Tribunal de Contas do Estado com observância da classe de origem (auditores e membros do Ministério Público junto à Corte de Contas), o Col. STF deferiu a medida de urgência, exatamente a fim de evitar que o provimento de cargos de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado sem a observância da sistemática assentada na Constituição Federal prolongasse, de maneira praticamente indefinida, a situação de inconstitucionalidade.

Tal quadro se reproduz na hipótese em exame.

Diante do exposto, requer-se a concessão de medida liminar, a fim de que não seja realizado o provimento de cargo vago atualmente existente, ou de cargos decorrentes de vacâncias que venham a ocorrer no Tribunal de Contas do Município, durante a pendência desta Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão.

6)  PEDIDO

Diante de todo o exposto, requer-se que, recebida e autuada esta, sejam instadas a se manifestar, mediante requisição de informações, a E. Presidência do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, bem como a E. Presidência da Câmara Municipal de São Paulo.

Prestadas as informações, aguarda-se a procedência desta Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, para:

(a) declaração da existência de mora legislativa, quanto à edição de leis específicas para concretizar a existência das carreiras de Auditor e de Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Município;

(b) declaração da existência de mora legislativa, quanto à edição de lei específica para concretizar a heterogeneidade na composição da Corte de Contas, observando-se, nas vagas existentes ou futuras, quanto aos cargos de Conselheiros, a proporcionalidade constitucional, com a presença de ao menos um Conselheiro oriundo da carreira de Auditor e de ao menos um Conselheiro oriundo da carreira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Município; ou ainda de número maior, na hipótese da ampliação do número de cargos, sempre em conformidade com o art. 73, § 2º da CF;

(c) seja dada ciência à Câmara Municipal e ao Col. Tribunal de Contas do Município, fixando-se prazo sucessivo para o encaminhamento de proposta legislativa (Presidência do Tribunal de Contas) e para a edição dos atos normativos (Câmara Municipal) imprescindíveis à concretização das diretrizes constitucionais já consignadas, e só posteriormente, ser realizado o provimento de cargo vago atualmente existente ou de outro cargo que venha a vagar na Corte de Contas do Município.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 25 de maio de 2012.

 

        Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 47.339/2012

Assunto: Inconstitucionalidade por omissão – carreiras de Ministério Público de Contas e de Auditor Junto ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão.

2.     Providenciem-se as anotações e comunicações de praxe.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 25 de maio de 2012.

 

 

        Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

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