EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 127.782/12

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Civil. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.598, de 16 de dezembro de 2004, do Município de Santana do Parnaíba. Conceito e definição de estabelecimento e de local do domicílio do prestador de serviço. Invasão da competência normativa federal e da respectiva reserva de lei complementar. 1. É inconstitucional por violar a competência normativa federal e a respectiva reserva de lei complementar, lei municipal cujo escopo é atrair contribuintes do ISS e aparelhar o Município para a “guerra fiscal” e que define estabelecimento e local do domicílio do prestador de serviços. 2. O legislador municipal, diante do pacto federativo e do princípio da repartição constitucional das competências, está impedido de inovar na matéria. 3. Violação do art. 144, CE/89.

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 1.216, de 16 de dezembro de 2004, do Município de Santana do Parnaíba, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

1.                A edição n. 1938 da revista VEJA, de 11 de janeiro de 2006, trouxe curiosa reportagem sobre a “guerra fiscal” travada pelos municípios em busca de maior arrecadação do ISS. A matéria dá conta de que determinadas cidades oferecem alíquotas reduzidas desse tributo e, com isso, atraem inúmeras empresas prestadoras de serviço, que neles se instalam “só no papel”. De acordo com o informativo, determinado município deste Estado conseguiu atrair cerca de 2.400 empresas prestadoras de serviço (número expressivo para uma comuna com 6.000 habitantes), que foram cadastradas pela Prefeitura como contribuintes nos endereços do ginásio de esportes, do edifício-sede da Prefeitura, de um lago e até do cemitério da cidade. De acordo a revista:

“A guerra dos municípios beneficia principalmente profissionais liberais e grandes empresas de prestação de serviços, que embolsam o imposto que deveria abastecer os caixas das prefeituras. E obtêm essa vantagem de uma forma muito mais segura do que as empresas que se envolveram na guerra dos estados. (...) No caso do ISS, a mudança ocorre, na maioria das vezes, apenas no papel. Arranja-se um endereço na cidade que dá desconto de ISS e transfere-se a sede para lá. Em geral, a alteração é só de fachada e não implica nenhum custo administrativo permanente, como aluguéis e funcionários. Não raro, a nova sede resume-se a uma caixa postal. Os prestadores de serviços transferem sua sede, fazem jus ao benefício fiscal, mas continuam atuando e obtendo a maior parte de seu faturamento nas capitais e grandes cidades” (cf. em http://veja.abril.com.br/110106/p_094.html. Acesso em 24 abr. 2009).

2.                O Município de Santana do Parnaíba não escapa dessa contextura. Editou a Lei n. 2.598, de 16 de dezembro de 2004, que dispõe sobre o funcionamento e a atividade dos centros de negócios, dos escritórios virtuais e dos centros de apoio, com o seguinte teor:

“Art. 1º. Fica autorizada a instalação e o funcionamento de Centro de Negócios, Escritórios Virtuais e Centro de Apoio no Município de Santana de Parnaíba.

Parágrafo único. Para a classificação dos estabelecimentos em Centro de Negócios, Escritórios Virtuais ou Centro de Apoio, serão observados os seguintes critérios e definições:

I - CENTRO DE NEGÓCIOS: estabelecimento que ofereça, no mínimo, 4 (quatro) salas executivas e 1 (uma) sala de reunião;

II - ESCRITÓRIO VIRTUAL: estabelecimento que ofereça 2 (duas) salas executivas e 1 (uma) sala de reunião;

III - CENTRO DE APOIO: estabelecimento que preste, apenas, suporte administrativo, com estrutura mínima para recepção de pessoas, documentos, mensagens e encomendas, bem como atendimento telefônico.

Art. 2º. Considera-se usuário, para os efeitos desta lei, a pessoa física ou jurídica com domicilio em um dos estabelecimentos descritos no artigo anterior e que se utilize dos seus serviços, os escritórios de vendas, as unidades administrativas de empresas e os escritórios de instituições sem fins lucrativos.

§ 1º. As empresas que, além de outras atividades, também prestarem serviços, poderão ser usuárias dos estabelecimentos citados no artigo 1º.

§ 2º. Em qualquer caso, nesses estabelecimentos é vedado aos usuários o desenvolvimento de atividades poluentes ou que excedam a capacidade de suas próprias dependências.

Art. 3º. Os estabelecimentos definidos no artigo 1º. são obrigados a:

I - inscrever-se e manter-se cadastrados regularmente junto aos órgãos municipais competentes;

II - permanecer em funcionamento, no mínimo, em horário comercial de segunda a sexta-feira;

III - manter, no horário acima, funcionários para atendimento;

IV - prover o local com, pelo menos, uma linha telefônica e mobiliário próprio para escritório;

V - manter no local cópias de inscrição municipal, de Taxa de Licença e Funcionamento, devidamente pagas, dos usuários, inclusive com indicação do CNPJ e do Contrato Social ou equivalente;

VI - manter procuração com poderes para receber, em nome dos usuários, autos de infração, notificações, citações e intimações, judiciais ou extrajudiciais, e outros documentos dos órgãos públicos;

VII - apresentar a documentação fiscal dos usuários, sempre que solicitada e nos prazos assinalados pelos agentes fiscais do Município;

VIII - disponibilizar, no estabelecimento, local e demais condições ao trabalho dos agentes fiscais;

IX - comunicar, no máximo, em 30 (trinta) dias, qualquer alteração nos dados dos usuários que possa influir na arrecadação ou na fiscalização de suas atividades;

X - não manter, no estabelecimento, produtos, maquinários ou equipamentos não relacionados às suas atividades.

Art. 4º. A não observância, pelos estabelecimentos, de quaisquer das obrigações constantes do artigo 3º e §2º do artigo 2º, serão punidos com:

I - multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), para os estabelecimentos que tenham até 50 (cinquenta) usuários;

II - multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), para os estabelecimentos que tenham de 51 (cinquenta e um) até 100 (cem) usuários;

III - multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), para os estabelecimentos que tenham acima de 100 (cem) usuários.

§ 1º. Na reincidência a multa será aplicada em dobro, respeitados os critérios dos incisos deste artigo.

§ 2º. Será cassada a licença do estabelecimento, quando este reincidir por 5 (cinco) vezes no mesmo dispositivo legal.

Art. 5º. A não observância pelos usuários de quaisquer das obrigações constantes do artigo 3º e §2º do artigo 2º será punida com multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

Parágrafo único. Na reincidência, será cassada a licença do usuário, quando não cumprir o disposto neste artigo.

Art. 6º. Os estabelecimentos definidos no artigo 1º. poderão, antes de constatada a infração pela autoridade tributária, denunciar os usuários que não cumprirem com as obrigações definidas no artigo 3º, isentando-se, dessa forma, da punição correspondente à infração.

Art. 7º. O disposto nesta lei não dispensa o cumprimento, pelos estabelecimentos e usuários, das obrigações preceituadas na legislação municipal.

Art. 8º. Os procedimentos voltados ao fiel cumprimento desta Lei, serão implantados pelo Executivo Municipal através de Decreto.

Art. 9º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

3.                O desiderato está implícito no processo legislativo com menções ao “incentivo à instalação de novas empresas com todos os benefícios tributários e sociais decorrentes” (fl. 161), proporcionando “uma maior arrecadação tributária para a Municipalidade” (fl. 166).

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

4.                A lei municipal impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

5.                Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

6.                O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

7.               Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seus arts. 22, I, 146, III e 156, III, § 3º, I a III, que expressam, respectivamente, a competência normativa exclusiva da União para legislar sobre direito civil e, mediante lei complementar, editar normas gerais de direito tributário e disciplinar o ISS, como técnica elementar de repartição de competências no plano do pacto federativo inerente ao federalismo.

8.                A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado. Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.

9.                O princípio federativo, estruturante da organização política e administrativa brasileira (arts. 1º e 18, Constituição Federal), albergado como cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, Constituição Federal), assenta-se na repartição de competências, tendo a Constituição Federal de 1988 arrolado na esfera de competência normativa exclusiva federal.

10.              Com efeito, a União exercendo sua competência prevista no art. 22, I, da Constituição de 1988, estabeleceu no Código Civil:

“Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:

I - da União, o Distrito Federal;

II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;

III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;

IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

§ 1º. Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.

§ 2º. Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder”.

11.              E exercendo sua competência prevista no art. 146, III, da Constituição Federal, cunhou no Código Tributário Nacional:

“Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:

I - quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade;

II - quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento;

III - quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade tributante.

§ 1º. Quando não couber a aplicação das regras fixadas em qualquer dos incisos deste artigo, considerar-se-á como domicílio tributário do contribuinte ou responsável o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos que deram origem à obrigação.

§ 2º. A autoridade administrativa pode recusar o domicílio eleito, quando impossibilite ou dificulte a arrecadação ou a fiscalização do tributo, aplicando-se então a regra do parágrafo anterior”.

12.              Se a Constituição da República concedeu aos Municípios a possibilidade de instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, eles devem observância aos contornos que se definem em lei complementar, conforme o art. 156, III, § 3º. Nesse domínio, a União editou a Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, da qual se destacam as seguintes regras:

“Art. 1º. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

(...)

Art. 3º. O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:

(...)

Art. 4º. Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

Art. 5º. Contribuinte é o prestador do serviço”.

13.              A Constituição da República não permite que o legislador local discipline matéria reservada à legislação federal ou a estadual. A suplementação legislativa deve se efetivar de modo que as regras não contrariem a regulamentação da União e do Estado-membro.

14.              No caso em análise, a lei local acabou burlou os conceitos legais de domicílio e local de estabelecimento que são reservados à esfera normativa federal, violando, em suma, o princípio da repartição constitucional de competências que é albergado no art. 144 da Constituição Estadual, e que decorre do pacto federativo.

15.             A lei local autorizando a instalação e funcionamento de centros de negócios, escritórios virtuais e centros de apoio, e os classificando e atribuindo como seu domicílio o de outrem, invadiu esfera normativa alheia, sem que houvesse qualquer indício de predominância de interesse local ou de espaço à suplementação da legislação federal.

16.              Neste sentido já decidiu o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça:

“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei nº 1.216/20.09.2012, do Município de Monteiro Lobato, que dispõe sobre a autorização para instalação de escritório virtual e consequentes aberturas de firmas prestadoras de serviços no mesmo endereço – viola o princípio insculpido no art. 30, II, da CF, e, por conseguinte, o art. 144 da CE, a lei municipal que cria modalidade de domicílio ou estabelecimento de pessoa jurídica não consagrada pelo Código Civil, pelo Código Tributário Nacional e pela Lei Complementar nº 116/2003 – flagrante inconstitucionalidade, por patente incompatibilidade vertical, que se resolve em favor das normas de grau mais elevado – ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.222522-2, Rel. Des. Palma Bisson, m.v., 10-03-2010).

III – Pedido liminar

17.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a continuidade de suas nocivas consequências.

18.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei n. 1.216, de 16 de dezembro de 2004, do Município de Santana do Parnaíba.

IV – Pedido

19.              Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 1.216, de 16 de dezembro de 2004, do Município de Santana do Parnaíba.

20.              Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Santana do Parnaíba, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 08 de março de 2013.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 127.782/12

Interessado:  Promotoria de Justiça de Barueri

Assunto: Inconstitucionalidade da lei nº 2.598, de 16 de dezembro de 2004, do Município de Santana do Parnaíba

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da lei nº 2.598, de 16 de dezembro de 2004, do Município de Santana do Parnaíba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 08 de março de 2013.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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