EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 127.529/12

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 1.072, de 10 de outubro de 2005, do Município de Cunha, que cria o “Programa emergencial de Auxílio-Desemprego e dá outras providências correlatas”.

 

Ementa:

1)      Lei nº 1.072, de 10 de outubro de 2005, do Município de Cunha, que cria o Programa emergencial de Auxílio-Desemprego e dá outras providências correlatas.

2)      Programa social para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, destinada a absorver mão de obra desempregada, com contratação de pessoal por tempo determinado. Concessão de bolsa auxílio desemprego vinculada a contraprestação de serviços para a municipalidade.

3)      Inconstitucionalidade por excepcionar a regra do concurso público. Previsões que não se ajustam à regra do artigo 115, inc. X, da Constituição do Estado.

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 1.072, de 10 de outubro de 2005, do Município de Cunha, que cria o “Programa emergencial de Auxílio-Desemprego e dá outras providências correlatas”.

 

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação da Promotoria de Justiça de Cunha, fls. 02/05 .

A Lei nº 1.072, de 10 de outubro de 2005, do Município de Cunha, que cria o “Programa emergencial de Auxílio-Desemprego e dá outras providências correlatas” prevê o seguinte:

(...)

ARTIGO 1º - Fica criado o “programa emergencial de Auxílio-Desemprego” de caráter assistencial, visando proporcionar ocupação, qualificação profissional e renda para até 100 (cem) trabalhadores, integrantes de parte da população desempregada residente no município.

PARÁGRAFO ÚNICO: O Programa de que trata esta Lei será coordenado pela Coordenadoria Municipal de Assistência Social e com a participação dos outros órgãos da Administração Municipal.

ARTIGO 2º - O Programa referido no artigo 1º consiste na concessão de bolsa auxílio-desemprego e na realização de curso de qualificação profissional, em contrapartida os beneficiários do programa prestarão serviços para a municipalidade.

PARÁGRAFO 1º O Valor constante do caput deste artigo será até de R$ 300,00 (trezentos reais), para os beneficiados que cumpram 40 horas semanais de trabalho.

PARÁGRAFO 2º O Valor constante do parágrafo 1º, poderá ser reajustada na mesma data, forma e proporção dos servidores municipais.

PARÁGRAFO 3º No caso de prestação de serviços inferior à carga prevista no parágrafo anterior o benefício será proporcional ao período de trabalho prestado.

PARÁGRAFO 4º Os benefícios de que trata o “caput” serão concedidos pelo prazo de 6 (seis) meses, prorrogáveis por 6 (seis) meses.

ARTIGO 3º - As condições para o alistamento no programa, mediante seleção simples, serão definidas em regulamento, observados os seguintes requisitos:

         I – situação de desemprego igual ou superior a 1 (um) ano, desde que não seja beneficiário de seguro-desemprego;

         II – residência, no mínimo, pelo período de 2 (dois) anos, em local próximo ao da colaboração prevista no artigo 4º;

         III – apenas 1 (um) beneficiário por núcleo familiar;

PARÁGRAFO ÚNICO – No caso do número de alistamentos superar o de vagas, a preferência para participação no programa será definida mediante aplicação, pela ordem, dos seguintes critérios:

         1 – maiores encargos familiares;

         2 – maior tempo de desemprego;

         3 – candidato arrimo de família.

ARTIGO 4º - A participação no programa implica a colaboração, em caráter eventual, com a prestação de serviços de interesse da comunidade local, do município, através dos setores da Administração Pública direta ou indireta, sem vínculo de subordinação e sem comprometimento das atividades já desenvolvidas por esses órgãos.

PARÁGRAFO 1º: A jornada de atividade do programa será de no mínimo 20 e no máximo 40 horas semanais.

PARÁGRAFO 2º: Os beneficiados com o Programa emergencial de Auxílio Desemprego deverão participar dos cursos de qualificação profissional instituídas pela Prefeitura Municipal, ou indicados por ela, objetivando facilitar sua reintegração ao mercado de trabalho.

ARTIGO 5º - Os órgãos da Administração direta e indireta, somente poderão utilizar o “Programa emergencial de Auxílio-Desemprego” se não promoverem a substituição de seus servidores ou empregados, nem rotatividade de mão-de-obra, em decorrência dos serviços prestados pelos trabalhadores desempregados participantes do referido programa.

ARTIGO 6º - Fica do Poder Executivo autorizado a criar condições para o deslocamento de trabalhadores desempregados participantes do programa de que trata esta lei, bem como locar máquinas e equipamentos necessários para a sua execução.

ARTIGO 7º - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da publicação.

ARTIGO 8º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições contrárias.

(...)

 

2 – DA FUNDAMENTAÇÃO - DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

A Lei nº 1.072, de 10 de outubro de 2005, do Município de Cunha, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus artigos 111; 115, incisos II e X; e 144, verbis:

“Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)    

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)    

X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal.

Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

De outra parte, a Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.

Destarte, não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público –, mas, tão somente, aquela que veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal.

Embora tenha motivos nobres, por ser voltada ao amparo do trabalhador desempregado, a lei impugnada é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com o seu art. 115, II e X.

A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não servindo ao combate ao desemprego. E, ademais, não se admite dissimulação na investidura em cargo ou emprego públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais.

Neste sentido:

“A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: CF, art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. Lei 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade” (STF, ADI 2.229, Rel. Min. Carlos Velloso, 09-06-2004, DJ 25-06-2004).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Artigo 2º., inciso V, da Lei n° 1.423, de 08 de outubro de 2002, que dispõe sobre a contratação temporária de excepcional interesse público e considera como tal a contratação de pessoal para ministrar cursos profissionalizantes, de natureza não permanente - Dispositivo que institui hipótese de contratação de servidor que não se enquadra em situação emergencial e de excepcional interesse público, de modo a dispensar a regra geral que é a da contratação mediante concurso público Inadmissibilidade - Violação dos artigos 111,115, Il e X e 144 da Constituição do Estado de São Paulo – Ação procedente” (TJSP, ADI 161.768-0/0-00, Rel. Des. Debatin Cardoso, 22-10-2008).

Aliás, o art. 2º e 4º da Lei nº 1.072/05 ao definir o conteúdo do programa de emergencial de Auxílio-Desemprego, subordina o recebimento da bolsa auxílio-desemprego  à prestação de serviços ao município de forma genérica.

No caso em exame, revestido de auxílio-desemprego, a lei disciplinou verdadeira contratação de pessoas desempregadas para prestação de serviços para a municipalidade, prevendo jornada de trabalho, valor da bolsa auxílio-desemprego e respectivos reajustes. Não define a lei situação excepcional que poderia justificar a contratação, o que evidencia a inconstitucionalidade dos referidos preceitos legais.

Por todas essas razões, inconstitucionais são as hipóteses de contratação temporária, uma vez que a absorção de mão de obra desempregada, com contratação de pessoal por tempo determinado, para prestar serviços à Municipalidade de Cunha contraria a Constituição do Estado de São Paulo por falta de excepcional interesse público. Note-se que o objetivo da legislação questionada é a contratação temporária de pessoas para executar tarefas genéricas que não revelam a excepcionalidade.

Destarte, é possível afirmar que a Lei impugnada ofende frontalmente os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 111; art. 115, incisos II e X;  e art. 144.

3 – DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do diploma normativo impugnado.

Está claramente demonstrada a violação às normas constitucionais e, portanto, a presença de motivos consistentes para reconhecimento de sua inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia da norma questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas (e impostas obrigações à Municipalidade) que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados pelo Poder Público em função da ocupação dos cargos certamente não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia da norma impugnada evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do diploma legal impugnado.

4. DA CONCLUSÃO E PEDIDO PRINCIPAL

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Direta, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 1.072, de 10 de outubro de 2005, do município de Cunha, que cria o “Programa emergencial de Auxílio-Desemprego e dá outras providências correlatas”.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo,  02 de abril de 2013.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 127.529/12

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 1.072, de 10 de outubro de 2005, do Município de Cunha, que cria o “Programa emergencial de Auxílio-Desemprego e dá outras providências correlatas”.

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 02 de abril de 2013.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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