EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 051.033/2013

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.448, de 06 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que “Institui a Carteira de Transportes para Professores”.

2)     Lei autorizativa que prevê desconto de 50% do valor da tarifa nas linhas de transporte coletivo municipal aos professores das redes pública e privada.

3)     A concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo (art. 120, Constituição Estadual).

4)     A competência do órgão executivo para fixação da tarifa abrange alterações, isenções etc., e, portanto, a outorga de isenção por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes, apresenta vício de iniciativa, estando, ainda, maculada pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos. (arts. 5º, 24, § 2, 25, 47, II, XIV, XIX, 120 e 144, da Constituição do Estado)

5)     Ofensa ao princípio da razoabilidade e impessoalidade. Privilégio instituído em benefício exclusivo de determinada de categoria profissional não informada pelo interesse público (arts. 111 da Constituição Estadual).

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 82.878/2012), que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE  em face da Lei nº 5,448, de 06 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré, pelos seguintes fundamentos:

1.     ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação do Dr. Eduardo Foffano Neto, DD Procurador Municipal de Sumaré (fl. 2).

A Lei nº 5.448, de 06 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que “Institui a Carteira de Transportes para Professores” tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º Autoriza o Poder Executivo a instituir a Carteira de Transportes para todos os Professores das Redes Públicas e Privadas da cidade de Sumaré.

Parágrafo único:- A abrangência desse benefício será assegurado para todas as linhas de transporte coletivo municipal e terá caráter pessoal e intransferível.

Art. 2°. A Carteira de Transporte para Professores dará direito a todos os professores referidos no artigo 1º, a adquirir bilhetes, passes, cartões magnéticos ou assemelhados com valor reduzido de 50% (cinquenta por cento) em relação à tarifa oficial.

Art. 3°. O presente benefício não terá natureza de salário, nem será fornecido em pecúlio, sendo vedado qualquer tipo de descontos em folha de pagamento pela municipalidade.

Art. 4°. O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, no que lhe couber, no prazo de 90 (noventa) dias.

Art. 5º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessária.

Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

A lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     FUNDAMENTAÇÃO

a.     Da violação do princípio da separação de poderes

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio da separação de poderes e o da reserva da Administração, previstos nos arst. 5º e 47, II, XIV, e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“ (...)

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

A matéria disciplinada pela lei encontra-se no âmbito da atividade administrativa do município, cuja organização, funcionamento e direção superior cabe ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.

A instituição da Carteira de Transporte em benefício dos professores das redes públicas e privadas da cidade de Sumaré consiste em matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

A Carteira de Transporte consiste na emissão de documento que habilita o seu detentor a obter desconto de 50% no valor da tarifa de todas as linhas de transporte coletivo municipal. Trata-se, portanto, de instituição de isenção tarifária parcial aos professores do município, atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da Administração.

A concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo, nos termos do que dispõe o art. 120 da Constituição Estadual.

Com efeito, ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da tarifa, tal inclui alterações, isenções etc., e, portanto, a outorga de isenção por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

O Poder Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da Administração).

Assim, quando o Poder Legislativo edita lei estabelecendo hipóteses de isenção tarifária no transporte urbano coletivo, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, no caso em análise representados pela concessão de isenção tarifária parcial nos serviços de transporte urbano coletivo. A atuação legislativa impugnada, equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a garantia constitucional da separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX, da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

A importância da reserva da Administração é bem aquilatada pelo Supremo Tribunal Federal:

 “RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

Em caso similar, esse egrégio Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade de lei de iniciativa parlamentar:

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do Município de Andradina, de iniciativa parlamentar, que concedeu isenção de tarifa de água e esgoto a aposentados - Violação à separação de Poderes - Matéria referente à tarifa e preço público pela remuneração dos serviços que é de competência do Executivo (art. 120, da CE) - Vício de iniciativa caracterizado - Ação procedente, para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei 2.733, de 19 de setembro de 2011, do Município de Andradina. (TJSP, ADI 0256692-55.2011.8.26.0000, Rel. Des. Enio Zuliani, v.u., 23-05-2012).

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade da instituição de isenção tarifária em benefício dos munícipes ou de determinada categoria profissional. Trata-se de atuação administrativa fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos municípios (arts. 5º, 47, II, XIV, 120 e 144).

Nem se chegaria à conclusão diversa a partir da afirmação de que a lei ora questionada é simples lei autorizativa, da qual não resta nenhuma imposição para o administrador público.

Cabe ressaltar, ainda, que não é necessário que a lei autorize ou determine ao Poder Executivo fazer aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de decisão e ação.

Em outras palavras, se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Poder Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.

E mais: ainda que fosse o ato normativo oriundo de iniciativa do Chefe do Executivo, seria inconstitucional.

A propósito do tema o Supremo Tribunal Federal ao julgar representação (nº 993-9) por inconstitucionalidade de uma lei estadual (Lei nº 174, de 8/12/77, do Estado do Rio de Janeiro) que autorizava o Chefe do Poder Executivo a praticar ato que já era de sua competência constitucional privativa, decidiu que:

“O só fato de ser autorizativa a lei não modifica o juízo de sua invalidade por falta de legítima iniciativa. Não obstante a clareza do acórdão” (Diário da Justiça de 8/10/82, p. 10187, Ementário nº 1.270-1, RTJ 104/46)

A jurisprudência desse E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem corroborado o entendimento aqui sustentado. Confiram-se, a título de exemplificação, as seguintes ementas de recentes julgamentos desse C. Órgão Especial:

“EMENTA: Ação Direta de lnconstitucionalidade. Lei Municipal n° 4.934, de 28 de dezembro de 2009', do Município de Americana. Norma que "autoriza o Poder Executivo a celebrar convênio com o Governo do Estado de São Paulo para aceitar créditos do Tesouro do Estado oriundos do Programa de Estimulo ã Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, para pagamento de créditos municipais tributários e não tributários, e dá outras providências'". Projeto de lei de autoria de Vereador. Ocorrência de vício de iniciativa. Competência privativa do chefe do Executivo para a iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da Administração, inclusive as que importem indevido aumento de despesa pública sem a indicação dos recursos disponíveis. Inconstitucionalidade por violação ao princípio da separação, independência e harmonia entre os Poderes. Procedência da ação. É inconstitucional lei, de iniciativa parlamentar, que "autoriza o Poder Executivo a celebrar convênio com o Governo do Estado de São Paulo para aceitar créditos do Tesouro do Estado oriundos do Programa de Estimulo à Cidadania Piscai do Estado de São Paulo, para pagamento de créditos municipais tributários e não tributários", por tratar de matéria tipicamente administrativa, cuja competência exclusiva é do chefe do Poder Executivo, responsável para a iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da Administração, configurando violação ao  princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.” (Adin nº 0179988-64.2012.8.26.0000, Rel. Des.  Kioitsi Chicuta, j. 12.12.2012)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei do Município de Americana nº 4.972/2010, a qual cria o Programa de Internet Banda Larga Gratuita no Município Inadmissibilidade Tema relativo a atos de gestão Ingerência do Legislativo em matéria de competência privativa do Executivo Vedação Arts. 37, X, e 169, § 1º, I e II, da CF/88 e arts. 5º, § 2º, 47, II, XIV, 25 e 144, todos da Constituição Paulista Ação julgada procedente. Deve ser julgada procedente ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal que abriga matéria de competência privativa do Executivo, pelo vício de iniciativa e por afrontar o princípio da separação e harmonia entre os Poderes.” (Adin nº 0180003-33.2012.8.26.0000, Rel. Des.  Luis Ganzerla, j. 05.12.2012)d

A razão é simples: o Chefe do Poder Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º da Constituição Paulista.

         Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

A utilização recorrente de leis autorizativas tem objetivos de cunho nitidamente político, transmitindo aos cidadãos uma falsa ideia de direito subjetivo e de negligência do Poder Executivo.

b.     Do vício de iniciativa

Ainda que se considere que isenção tarifária deva ser instituída por lei, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, em decorrência da atribuição que lhe foi conferida pelo art. 120 da Constituição Estadual.

Assim, a Lei, ao instituir programa municipal de desconto em passagens do transporte coletivo municipal aos professores, de um lado, viola os arts. 47, II e XIV e 120, da Constituição Paulista, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da Administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

Nem se alegue que o vício de iniciativa foi sanado pela sanção do Prefeito, haja vista cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

c.      Da violação ao Princípio da Impessoalidade e da Razoabilidade.

O fundamento da instituição de isenções tarifárias e a criação de benefícios aos munícipes há de ser sempre o de atender às necessidades prioritárias da comunidade, por este motivo, não deverá nem poderá ser político, isto è, visando à satisfação política dos membros do Poder Legislativo ou do Poder Executivo.

Desta forma, o ato normativo impugnado acabou violando o princípio da impessoalidade, adotado expressamente no art. 111, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37, caput, da Constituição Federal, aplicável aos municípios por força do art.144 da Carta Bandeirante.

O princípio da impessoalidade, não é senão manifestação típica do princípio da igualdade (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, "O conteúdo Jurídico  do  Princípio da Igualdade",  p. 68).  Olvidou-se o legislador que a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, Malheiros, São Paulo, 1995, 3.ª ed., p. 10).

Em artigo sobre o princípio da igualdade, Fábio Konder Comparato anota que “a força desse princípio impõe-se não só ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou judiciária, mas também ao próprio  legislador. Em outras palavras, quando a Constituição consagra a igualdade, ela está proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária das normas legais, quer a edição de leis que consagrem, de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado, pois, de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria lei, o que é muito mais grave.” (Cf. “Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica”, Editora Revista dos Tribunais, ano 87, v. 750, abril de 1998, pp. 11/19).

Esclarece o indigitado jurista que esse vício de inconstitucional desigualdade da própria lei pode ocorrer de duas formas. Haverá, de modo absoluto, uma infração ao princípio de igualdade, quando a lei for editada, explícita ou implicitamente, para regular um só caso individual. Diversamente, a desigualdade será relativa, quando a lei determinar, de modo arbitrário, a diferenciação ou a identificação de situações jurídicas, vale dizer, quando tratar desigualmente os iguais ou igualmente os desiguais (ob. e loc. cits.).

A propósito, recorda Celso Antônio Bandeira de Mello, que “a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis (...) O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia” (Curso de direito administrativo, 12ªed., 2ªtir., São Paulo, Malheiros, 2000, p.84).

Na hipótese em análise não há qualquer motivo ponderável que justifique privilegiar a categoria profissional dos professores com a isenção parcial instituída.

Da violação do princípio da impessoalidade também advém o vício do ato normativo impugnado.

Ademais, o ato normativo impugnado que o instituiu contraria o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem também assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

A isenção tarifária parcial prevista no ato normativo impugnado não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivo dos professores municipais da rede pública e privada pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse E. Tribunal de Justiça, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público. Senão vejamos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEIS DO MUNICÍPIO DE BARRA BONITA QUE INSTITUEM "ABONO ANIVERSÁRIO" E "AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO" ESTENDIDO AOS SERVIDORES INATIVOS - ALEGADA INFRINGÊNCIA AO ART. 128 DA CONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE ADMISSIBILIDADE - NORMAS QUE, DEMAIS, VULNERAM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.” (ADI n° 0136976-34.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 16 de novembro de 2011)

Confira-se: ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.

d.     Da criação de despesas sem a respectiva fonte de custeio

De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada cria, evidentemente, novas despesas por parte da municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.

A norma combatida ao instituir desconto no transporte coletivo municipal de 50%, não indicou os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto importa em alteração nas condições do contrato de concessão do transporte público, que demandará da Administração Municipal meios financeiros para subsidiar o valor dos descontos, não servindo a tanto a genérica menção a dotações orçamentárias próprias.

Isso implica contrariedade ao disposto nos arts. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.

A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com os preceitos mencionados da Constituição Estadual.

3.     DOS PEDIDOS

a.     Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do ato normativo do Município de Sumaré apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se dispêndio indevido de recursos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação da Lei nº 5,448, de 06 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré.

b.     Do pedido principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.448, de 06 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sumaré, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 15 de julho de 2013.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca


Protocolado nº 051.033/2013

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 5.448, de 06 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré.

                          

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 5.448, de 06 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

 

 

São Paulo, 15 de julho de 2013.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca