EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 047.752/2013

 

 

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 4.020, de 06 de junho de 2001, de Indaiatuba, fruto de iniciativa parlamentar, que “Autoriza a venda de produtos que especifica, nas farmácias e drogarias do Município de Indaiatuba e dá outras providências”.

2)     Existência de normas gerais editadas pelo legislador federal, com fundamento na competência concorrente prevista no art. 24, XII, da Constituição Federal, apontando quais os produtos que podem ser comercializados em farmácias ou drogarias. Lei local que amplia rol de produtos que podem ser comercializados em farmácias ou drogarias. Produção normativa local não autorizada pela competência suplementar do município, prevista no art. 30, II da Constituição Federal.

3)     Inconstitucionalidade. Violação do princípio federativo (art. 1º e art. 144 da Constituição Paulista) decorrente da repartição constitucional de competências.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 87.235/2012), que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 4.020, de 06 de junho de 2001, de Indaiatuba, pelos seguintes fundamentos:

1)    DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (fls. 02/08).

A Lei nº 4.020, de 06 de junho de 2001, de Indaiatuba, fruto de iniciativa parlamentar, que “Autoriza a venda de produtos que especifica, nas farmácias e drogarias do Município de Indaiatuba e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1° - Ficam as farmácias e drogarias instaladas no Município de Indaiatuba, autorizadas a comercializarem produtos de higiene pessoal e de ambiente, complementos alimentares, produtos dietéticos, mel puro ou com propriedades terapêuticas, produtos naturais em grãos para regimes ou dietas especiais, produtos diet ou lights, complementos nutricionais, leites, farinhas, geléias, gelatinas, papinhas, sopas e cremes para recém nascidos, entre outros, e pequenos presentes, desde que os referidos produtos estejam em local distinto do destinado a medicamentos.

Parágrafo Único - Fica vedada, para os fins previstos na presente lei, a comercialização de produtos perecíveis.

Art. 2° - Fica o Executivo Municipal autorizado a baixar, mediante decreto, normas complementares à execução da presente lei.

Art. 3° - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 4° - Revogam-se as disposições em contrário.

(...)”

Entretanto, a lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2)    DA FUNDAMENTAÇÃO

O ato normativo ora impugnado viola o princípio federativo que se manifesta na repartição constitucional de competências (arts. 1º e 144 da Constituição Paulista).

A atividade comercial praticada por farmácias e drogarias está disciplinada em normas federais, com fundamento na competência concorrente da União e dos Estados prevista no art. 24, XII da Constituição Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde.

Assim, a Lei Federal nº 5.991/73, que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, e dá outras Providências definiu, em seu art. 4º, IV, produtos “correlatos” como sendo:

“(...)

IV - Correlato - a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários;

(...)”

Definiu, ainda, o conceito de farmácia e de drogaria no art. 4º, incisos X e XI, do modo a seguir transcrito:

“(...)

X - Farmácia - estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica;

XI - Drogaria - estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais;

(...)”

 

Desta forma, a União, exercendo sua competência concorrente para disciplinar a proteção e defesa da saúde (art. 24, XII da CR), delimitou os produtos que podem ser objeto de comercialização em farmácias e drogarias.

A pretexto de exercer competência suplementar com fundamento no art. 30, II da CR, não há espaço para o legislador municipal ampliar os produtos aptos a serem comercializados em farmácias e drogarias, sob pena de converter a competência suplementar do Município em competência concorrente, da qual a comuna não dispõe.

A competência suplementar do Município aplica-se, nos assuntos que são da competência legislativa da União ou dos Estados, àquilo que seja secundário ou subsidiário relativamente à temática essencial tratada na norma superior.

Assim, na hipótese em análise, seria admissível, por exemplo, que o município legislasse de modo suplementar a respeito do horário de funcionamento das farmácias ou drogarias, por tratar-se de assunto de interesse local, sendo pacífico o entendimento do Col. STF nesse particular: AI 622.405-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-5-2007, Segunda Turma, DJ de 15-6-2007; AI 729.307-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 27-10-2009, Primeira Turma, DJE de 4-12-2009; RE 189.170, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 1º-2-2001, Plenário, DJ de 8-8-2003; RE 321.796-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 8-10-2002, Primeira Turma, DJ de 29-11-2002; RE 237.965-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 10-2-2000, Plenário, DJ de 31-3-2000; RE 182.976, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 12-12-1997, Segunda Turma, DJ de 27-2-1998; ADI 3.731-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 29-8-2007, Plenário, DJ de 11-10-2007.

Nessa mesma linha de raciocínio, pode ainda o município legislar sobre edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança em imóveis destinados a atendimento ao público (AI 491.420-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 21-2-2006, Primeira Turma, DJ de 24-3-2006).

Não pode o legislador municipal, contudo, a pretexto de legislar sobre assuntos de interesse local ou suplementar à legislação federal ou estadual de ordem geral, invadir a competência legislativa destes entes federativos superiores (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre União, Estado e Município. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que a Lei Municipal nº 4.020, de 06 de junho de 2001, de Indaiatuba, violou a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto nos arts. 1º e 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo.

Cumpre recordar que um dos princípios constitucionais estabelecidos é o denominado princípio federativo, que está assentado nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, dentre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).

Um dos aspectos de maior relevo, que representa a dimensão e o alcance do princípio do pacto federativo adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

Anota a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida que “avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.” Daí a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências é “‘a chave da estrutura do poder federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’” (Competências na Constituição Federal de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 19/20).

A preservação do princípio federativo tem contado com a anuência do C. STF, pois como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:

"(...)

a idéia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones — revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I). (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).

(...)”

 

Por essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que a Lei Municipal que trate de matéria cuja competência é do legislador federal ou estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

A prescrição de que os municípios devem observar os princípios constitucionais estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O art. 29, caput, da CR/88, prevê que os municípios, ao editarem suas leis orgânicas deverão respeitar os “princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado”.

Adite-se, por último e não menos importante, que esse Col. Órgão Especial já reconheceu, em mais de uma oportunidade, a inconstitucionalidade de leis municipais similares à que é objeto desta ação direta. Confira-se:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei que autoriza farmácias e drogarias a comercializarem artigos diversos. Inconstitucionalidade configurada tanto frente à Constituição Federal, quanto frente à Constituição Estadual (ADIN n° 110.607.0/8-00 – Comarca de Cajuru – Rel. Des. Vallim Bellochi – j. 28.09.2005).

(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6367/03.01.2006 do Município de Araraquara, que ‘Dispõe sobre a comercialização de produtos não farmacêuticos e prestação de serviços de menor complexidade útil ao público por farmácias e drogarias e dá outras providências’ – evidente invasão do Município na competência privativa da União e dos Estados de concorrentemente legislar sobre proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII), pois esse campo compreende a vigilância ou o controle sanitário, este que obrigatoriamente há de mirar inclusive o que se vende nas farmácias e drogarias – controle tal que é regido, em todo o território nacional (art. 1º), pela Lei Federal 5991/73, nessa não se vendo a abertura que foi dada pela lei aqui atacada às mercadorias e aos serviços que as farmácias e drogarias de Araraquara puderam passar a vender e a prestar, num claro sinal de incompatibilidade vertical entre ambas, igualmente revelador da inconstitucionalidade da segunda – no setor sanitário cabe ao Município legislar suplementarmente à legislação federal e estadual; suplementar a legislação federal e estadual é completá-la, adaptá-la a um interesse local; não se pode entender como exercício de competência suplementar lei municipal que disponha contra a federal, como aqui induvidosamente se deu – violação aos artigos 1º e 144 da Constituição Federal. Ação procedente (TJSP, ADI 990.10.057262-8, rel. Palma Bisson, j. 03.11.2010)

(...)

Ação direta de inconstitucionalidade de lei — Lei 3.265/07, do Município de Amparo - Disciplina o comércio de artigos de conveniência em farmácias e drogarias — Competência residual do Município — Matéria já regulamentada nas esferas federal e estadual – Matéria que se contrapõe às determinações da ANV1SA - Desatenção ao princípio da Legalidade previsto no art. 111 da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 158.466-0/4-00, rel. Ribeiro dos Santos, j. 25.06.2008).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ~ Lei n° 9.801, de 30 de maio de 2003, do Município de Ribeirão Preto, que autoriza farmácias e drogarias a comercializarem produtos não farmacêuticos — Legislação que versa questão atinente à proteção e defesa da saúde, afeta à competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, na forma imposta pelo art. 24, inciso XII, da CF - Inexistência, outrossim, de interesse local na matéria objeto da legislação impugnada, impedindo o exercício de eventual competência suplementar do Município, com esteio no art. 30, incisos I e II, da CF - Questão, ademais, que já havia sido inteiramente regulamentada nas esferas federal e estadual, impedindo a edição de ato normativo em sentido contrário pelo ente público local - Alardeada invasão de competência legislativa de outros entes federados pelo Município que restou mesmo evidenciada - Precedentes desta Corte - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (TJSP, ADIN 0180001-63.2012.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. 23.01.2013).

(...)”

 

3)    DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.020, de 06 de junho de 2001, de Indaiatuba.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Indaiatuba, bem como que seja citado o Procurador Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 31 de julho de 2012.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

aca


 

Protocolado nº 047.752/2013

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.020, de 06 de junho de 2001, de Indaiatuba

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 31 de julho de 2013.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca