EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 109.156/12

 

 

 

Ementa: 1. Arts. 4º e 5º e Anexos I a V, da Lei nº 1.403, de 16 de fevereiro de 2011, do Município de Torrinha, que institui empregos de provimento em comissão na Câmara Municipal, aos quais não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento, mas funções próprias dos cargos de provimento efetivo. 2. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. 3. Sujeição de emprego público comissionado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. 4. Violação aos artigos 30; 98 a 111; 115, II e V; e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. 5. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade material das expressões que identificam tais empregos.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 4º e 5º, e Anexos I a V da Lei Complementar nº 1.403, de 16 de fevereiro de 2011, do Município de Torrinha, nas partes em que foram previstos os seguintes cargos de provimento em comissão: Assessor Jurídico, Assessor Legislativo, Assessor Parlamentar, Diretor da Secretaria Administrativa e Assessor Administrativo, contidos em seus Anexos I a V, pelos fundamentos a seguir expostos.

I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 1.403, de 16 de fevereiro de 2011, do Município de Torrinha, que “Dispõe sobre a Estrutura e Quadro de Pessoal dos Servidores Públicos da Câmara Municipal de Torrinha e dá outras providências” (fls. 09/14), criou, em seu art. 5º, os seguintes cargos de provimento em comissão, previstos no Anexo II, cujas atribuições encontram-se definidas no Anexo V, abaixo transcritas:

         1.1. Assessor Jurídico;

         1.2. Assessor Legislativo;

         1.3. Assessor Parlamentar;

         1.4. Diretor da Secretaria Administrativa;

         1.5. Assessor Administrativo.

ATRIBUIÇÕES:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


O Anexo III da Lei n. 1.403, de 16 de fevereiro de 2011, do Município de Torrinha, tratou da Escala de Referências Salariais, enquanto que o Anexo IV, da Tabela Inicial de Vencimentos, e o Anexo V da descrição das atribuições dos cargos impugnados.

Com efeito, assim dispõe o art. 5º, da impugnada Lei:

         Art. 5º.  Ficam criados os empregos públicos de provimento em comissão, regidos pelo critério de confiança, de livre nomeação e exoneração por parte da Presidência da Câmara, de acordo com o art. 37, da Constituição Federal, constantes do Anexo II que faz parte integrante desta Lei Complementar e abrange várias atividades, compreendendo:

         I – Atividades de Nível Superior – ANS: empregos públicos a que sejam inerentes as atividades compreendidas nas áreas de Ciência e Tecnologia e de Ciências Humanas e Sociais, indispensáveis ao pleno funcionamento dos órgãos que integram a Estrutura Organizacional da Câmara;

         II – Direção e Assessoramento – DAS – empregos públicos que sejam inerentes a atividades compreendidas em áreas de nível médio, indispensáveis ao pleno funcionamento dos órgãos;”

Por outro lado, observa-se que art. 4º da impugnada lei ocupou-se em criar apenas empregos de provimento em comissão na Câmara Municipal de Torrinha, deixando-a desprovida daqueles arregimentados através de concurso público, evidenciando com isso a desproporcionalidade entre ambas as espécies de provimento de cargos e empregos públicos.

Essa situação revela, com clareza, a violação do princípio da razoabilidade, previsto no art. 111 da Constituição Paulista, e que na Constituição da República decorre do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CR/88), que, em sua perspectiva substancial, exige proporcionalidade e razoabilidade no que diz respeito às leis que delimitam aquilo que conhecemos como Direito Material.

Como anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins”, tendo importância tanto quando da criação da norma, como quando de sua aplicação (Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101). Também nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95).

Em sede doutrinária, Gilmar Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade pelo Col. STF, anotoude maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83).

Para superar o denominado “teste de razoabilidade”, é necessário que a lei preencha, em síntese, três requisitos:

 (a) necessidade;

(b) adequação; e

 (c) proporcionalidade em sentido estrito.

Em outras palavras, é imperativo que o diploma legal se mostre efetivamente indispensável (necessidade), que se apresente apropriado aos fins a que se destina (adequação), e, por último, que os sacrifícios ou encargos dele decorrentes sejam aceitáveis do ponto de vista dos benefícios que produzirá (proporcionalidade em sentido estrito).

O exacerbado número de cargos de provimento em comissão, no caso em exame, não passa pelo “teste de razoabilidade”, pois se mostra desnecessário, inadequado, e desproporcional.

O provimento de cargos sem concurso só é necessário em pequena medida (excepcionalidade), e isso é indispensável à sua adequação e para que o ônus que recai sobre o erário, nesse quadro, se mostre aceitável (proporcionalidade).

Note-se que o Col. STF já afirmou, em mais de uma oportunidade, que deve haver certa correlação entre o número de cargos de provimento efetivo e o número de cargos de provimento em comissão, para que estes não se relevem inconstitucionais.

E à falta de um parâmetro constitucional numérico objetivo, mostra-se legítima a conclusão de que, se os cargos de confiança têm natureza excepcional, seu número não pode jamais superar o número de cargos de provimento efetivo.

Nesse sentido:

“Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do poder público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. (RE 365.368-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22-5-2007, Primeira Turma, DJ de 29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 4.125, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-6-2010, Plenário, DJE de 15-2-2011.

Em outras palavras, o número de cargos de provimento em comissão não pode ser maior que o número de cargos de provimento efetivo, sob pena de violação do art. 111 da Constituição Paulista.

A – CRIAÇÃO ABUSIVA DE CARGOS COMISSIONADOS

No entanto, a previsão normativa desses cargos de provimento em comissão não condiz com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, nem com o artigo 115, incisos II e V, da Constituição Estadual.

É o que será demonstrado a seguir.

II – DO DIREITO

A Constituição em vigor consagrou o município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da Constituição Federal (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261).

A autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).

A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) autoadministração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).

Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

No caso em exame, o Legislador Municipal criou cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa vinculação.

Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (Constituição Federal, art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).

Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. Ed., São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de empregos dessa natureza.

É incontestável que os cargos de Assessor Jurídico, Assessor Legislativo, Assessor Parlamentar, Diretor da Secretaria Administrativa e Assessor Administrativo, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exijam relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargos comuns, de natureza profissional, que devem ser assumidos em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

Em recente julgado (ADIN n° 157 951-0/0. Rel. Des. Sousa Lima. j. 25.6.2008), aliás, esse E. Tribunal de Justiça declarou a inconstitucionalidade de dispositivos de lei municipal que instituiu os seguintes cargos de provimento em comissão, alguns dos quais análogos e/ou com denominações equivalentes aos impugnados, a saber: 1) Assistente Administrativo Escolar; 2) Diretor de Escola; 3) Supervisor de Ensino Fundamental; 4) Agente Municipal de Crédito; 5) Assistente Administrativo Escolar; 6) Chefe de Serviços de Acervo Histórico e Difusão Cultural; 7) Chefe de Serviços de Cadastro Único; 8) Chefe de Serviços de Comunicação; 9) Chefe de Serviços de Esportes Comunitários e de Rendimento; 10) Chefe de Serviços de Fiscalização de Tributos e Posturas; 11) Chefe de Serviços de Turismo; 12) Chefe de Serviços de Gerenciamento da Patrulha Agrícola; 13) Administrador do Ginásio de Esportes; 14) Administrador do Centro de Convivência; 15) Coordenador Geral de Creches; 16) Coordenador Médico; 17) Coordenador Odontológico; 18) Agente Administrativo Financeiro; 19) Agente Administrativo de Recursos Humanos; 20) Supervisor de Saneamento; 21) Assessor Administrativo; 22) Diretor Técnico do Centro de Reabilitação; 23) Assessor Administrativo da Guarda Municipal; 24) Assessor Pedagógico; e 25) Assessor de Diretor.

Para finalizar, lembra-se que o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça entende ser possível declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora de cargos em comissão (ADIN n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA), cuja natureza não correspondia às características próprias dessas funções, daí porque, também aqui se impõe declarar a insubsistência dos seguintes cargos de Assessor Jurídico, Assessor Legislativo, Assessor Parlamentar, Diretor da Secretaria Administrativa e Assessor Administrativo, previstos na lei impugnada, por serem incompatíveis com os arts. 111; 115, incisos I, II e V e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Acrescente-se, também, que no tocante ao cargo de Assessor Jurídico, de rigor observar-se a profissionalidade da advocacia pública, isto é, a necessidade de os cargos a ela respectivos, incumbidos da assessoria e da consultoria jurídicas de órgãos e entes públicos, serem de provimento efetivo, e preenchimento por aprovação em concurso público de provas e títulos. Neste sentido, pronuncia a jurisprudência (Supremo Tribunal Federal, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., Dje 20-08-2010).

Aliás, em se tratando de Assessor Jurídico, o divórcio também se caracteriza por outros fundamentos para além dos arts. 111 e 115, II e V, que albergam os princípios de moralidade e de impessoalidade na gestão pública. Com efeito, manifesta-se incompatibilidade vertical com os arts. 30, 98, §§ 1º a 3º, 99 a 101, da Constituição do Estado de São Paulo, in verbis:

“Art. 30. À Procuradoria da Assembleia Legislativa compete exercer a representação judicial, a consultoria e o assessoramento técnico-jurídico do Poder Legislativo.

Parágrafo único - Lei de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa organizará a Procuradoria da Assembleia Legislativa, observados os princípios e regras pertinentes da Constituição Federal e desta Constituição, disciplinará sua competência e disporá sobre o ingresso na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos.

(...)

Art. 98. A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º. Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos. 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º. Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo;

§ 3º. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Art. 99. São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

VII - propor ação civil pública representando o Estado;

VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

Art. 101. Vinculam-se à Procuradoria Geral do Estado, para fins de atuação uniforme e coordenada, os órgãos jurídicos das universidades públicas estaduais, das empresas públicas, das sociedades de economia mista sob controle do Estado, pela sua Administração centralizada ou descentralizada, e das fundações por ele instituídas ou mantidas.

Parágrafo único - As atividades de representação judicial, consultoria e assessoramento jurídico das universidades públicas estaduais poderão ser realizadas ou supervisionadas, total ou parcialmente, pela Procuradoria Geral do Estado, na forma a ser estabelecida em convênio.

Se o município é dotado de autonomia normativa e administrativa, o exercício de suas competências deve observância às normas de observância compulsória constantes das Constituição Federal (art. 29) e Estadual (art. 144), em especial às que regulam a Administração Pública, como os arts. 98, 99, 101, 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, que reproduzem o caput e os incisos II e V do art. 37 e os arts. 131 e 132 da Constituição Federal. Bem a propósito, merecem destaque estes dois últimos, incorporados ao texto da Constituição Estadual pelo art. 297, na redação dada pela Emenda n. 19/98 à Constituição Federal:

“Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

(...)

§ 2º. O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

(...)

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias”.

Verifica-se, para além da necessidade de a função ser desempenhada por servidor público investido em cargo de provimento efetivo após aprovação em concurso público, a imprescindibilidade do regime estatutário pela translúcida indicação, na Constituição, de caracterizar atividade exclusiva de Estado. E tal e qual acima destacado, não houve alteração substancial do texto, porquanto o art. 132 da Constituição Federal em sua redação originária assim dispunha:

“Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas, organizados em carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, observado o disposto no art. 135”.

No caso de advogados públicos é absolutamente incompatível o regime de provimento em comissão do cargo. Neste sentido, a jurisprudência da Suprema Corte:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

(...).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

Comunga deste entendimento o colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em recente julgamento (ADI 173.260-0/4-00, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

B – REGIME JURÍDICO CELETISTA DOS CARGOS COMISSIONADOS

O regime jurídico previsto na impugnada Lei é o celetista, como se pode ver no art. 2º, in verbis:

“Art. 2º O Regime Jurídico instituído pela Câmara Municipal de Torrinha para seus empregados públicos, é o trabalhista, regido pela C. L. T. – Consolidação das Leis do Trabalho, que ora fica ratificado pela presente Lei Complementar.”

Contudo, a sujeição dos ocupantes de cargos comissionados ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, é inconciliável o cargo de provimento em comissão de livre provimento e exoneração com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

Com efeito, o cargo comissionado é de instituição permanente e, por natureza, de provimento instável e precário, porque se liga à concepção de execução de diretrizes políticas superiores que são exigentes de relação de confiança.

É por essa razão que a Constituição Federal prevê liberdade no provimento e na exoneração (dispensando qualquer motivação e a regra do concurso público) dos cargos de provimento em comissão.

A inserção desses cargos no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

De fato, o desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

Da mesma forma entende o Superior Tribunal de Justiça em venerando acórdão assim ementado:

4. A nomeação para cargo em comissão, por se tratar de relação jurídica própria de direito público estabelecida entre a Administração e o comissionado, é regulada pelo regime estatutário, ou seja, essa relação não tem natureza contratual, mas institucional, de modo que não se lhe aplicam as disposições pertinentes ao emprego público, subordinado, basicamente, ao regime celetista” (STJ, REsp 621.647-DF, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, 21-03-2006, v.u., DJ 10-04-2006, p. 130).

A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade. Examinando preceito da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul que assegurava “aos ocupantes de cargos de que trata este artigo será assegurado, quando exonerados, o direito a um vencimento integral por ano continuado na função, desde que não titulem outro cargo ou função pública” (art. 32, § 3º), estimou o Supremo Tribunal Federal:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

Desse julgamento merece destaque o seguinte excerto:

“9. Se, por força da cláusula constitucional explícita, a exoneração do cargo em comissão é livre, não pode estar subordinada a nenhuma condição. A exigência do pagamento de indenização equivalente a um mês de vencimentos, por ano de exercício de cargo em comissão, restringe o poder discricionário da Administração de livremente nomear e exonerar o ocupante do cargo, por considerações ligadas aos encargos financeiros decorrentes, tudo de forma a inibir essas prerrogativas da Administração, emanadas da Constituição.

10. A indenização prevista nas normas impugnadas, dessa forma, é inconciliável com a regra contida na segunda parte do inciso II do art. 37 da Constituição Federal”.

Outro precedente da Suprema Corte é mais expressivo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

Nesse julgamento assinalou o eminente Ministro Paulo Brossard que:

“Os titulares dos cargos ou das funções sujeitos à investidura por concurso público gozam de garantias previstas na Constituição: são garantias inerentes ao exercício do cargo, que não são concedidas às pessoas como privilégio, mas para garantir o exercício das funções dentro dos estritos limites da lei, a salvo de pressões e injunções de toda ordem; para estes o ordenamento jurídico entende que é necessária alguma garantia.

Ao contrário, os que ascendem a cargos não sujeitos à investidura por concurso, ficando à mercê da dispensa ou exoneração ad nutum, convivem a todo instante com o dever de fidelidade para com a execução da diretriz política que lhe foi confiada e com o caráter transitório da sua presença na administração pública; para estes não é desejável nenhuma garantia além daquela que advém do correto e eficiente desempenho das tarefas que lhe foram confiadas, e que aceitaram delas desincumbir-se.

5. Concluo entendendo que a relevância da matéria está posta no interesse da Administração, e não do servidor, e que a manutenção da disposição impugnada é desaconselhada pelo art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal, porque se a nomeação é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração, o dever de indenizar restringe essa liberdade”.

Avulta na hipótese examinada a inadmissibilidade de extensão ao cargo comissionado de parcela ou da íntegra da disciplina do regime estatutário ou do celetista incompatível com a sua natureza.

Pois, da mesma forma que se edifica a incompossibilidade de sua sujeição ao regime contratual (celetista), também se denota a inviabilidade plena e absoluta da concessão de elementos integrantes do regime legal (estatutário) peculiares e exclusivos dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo ou dissonantes da natureza do cargo de provimento em comissão – situando-se, por exemplo, nesta latitude, a estabilidade ordinária ou anômala (STF, RE-AgR 181.727-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 23-08-2005, v.u., DJ 09-12-2005, p. 14, RT 848/150; STF, RE 146.332-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Octávio Gallotti, 15-09-1992, v.u., DJ 06-11-1992, p. 20.109, RTJ 143/335), a estabilidade sindical provisória (STF, RE 183.884-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 08-06-1999, v.u., DJ 13-08-1999, p. 14) e as “horas-extras” (TJSP, AC 158.793-5/4-00, Limeira, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio C. Malheiros, v.u., 11-10-2005; TJSP, AC 118.215-5-00, Nhandeara, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Rulli, v.u., 16-10-2002; TJSP, AC 128.751-5/9-00, Ribeirão Preto, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Geraldo Lucena, v.u., 14-05-2003; TJSP, AC 257.045-5/3-00, Cubatão, 12ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Prado Ferreira, v.u., 16-08-2006). Neste contexto, pronuncia venerando acórdão que “indenizações rescisórias e FGTS são incompatíveis para os ocupantes dos cargos providos em comissão” (TJSP, AC 323.630-5/9, São Carlos, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Castilho Barbosa, 27-03-2007).

Complementando esta digressão, a doutrina pondera que “o servidor que exercer cargo público em comissão poderá ser demitido ad nutum, não ficando sujeito às formas demissionárias dos servidores públicos efetivados” [Claudionor Duarte Neto. O Estatuto do Servidor Público (Lei n° 8.112/90) à luz da Constituição e da Jurisprudência, São Paulo: Atlas, 2007, p. 51], e, por isso, se na Administração Pública direta é admissível a sujeição dos servidores públicos lato sensu ao regime celetista como empregados públicos, a Lei n. 9.962/00, de âmbito federal, exclui dessa possibilidade os cargos de provimento em comissão (art. 1°, § 2°, b).

Sob outro prisma, é inegável o reconhecimento de franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, a lei municipal viola ambos os princípios. Como os cargos comissionados constituem exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por critérios pessoais e subjetivos, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

Ora, o padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de cargo comissionado, à luz da conformação constitucional que realça a liberdade de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente políticos. Em suma, a sujeição do cargo comissionado ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza do cargo público cuja marca eloquente é a instabilidade do provimento ditada pela relação de confiança.

III – CONCLUSÃO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

IV – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito legal do Município de Torrinha apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até o final julgamento desta ação.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas (e impostas obrigações ao Município de Torrinha) que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados ao servidor público municipal nomeado para ocupar tal cargo, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia da norma impugnada evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para a suspensão da eficácia, até o final e definitivo julgamento desta ação, na parte em que criou os cargos de provimento em comissão, previstos no Anexo II da Lei Complementar nº 1.403, de 16 de fevereiro de 2.011, do Município de Torrinha.

V – Pedido

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade em face dos arts. 4º e 5º e Anexos I a V da Lei Complementar nº 1.403, de 16 de fevereiro de 2.011, do Município de Torrinha, nas partes em que foram previstos os seguintes cargos de provimento em comissão: Assessor Jurídico, Assessor Legislativo, Assessor Parlamentar, Diretor da Secretaria Administrativa e Assessor Administrativo, contidos em seus Anexos I a V.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 30 de julho de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 109.156/12

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos arts. 4º e 5º e Anexos I a V da Lei Complementar nº 1.403, de 16 de fevereiro de 2.011, do Município de Torrinha, nas partes em que foram previstos os seguintes cargos de provimento em comissão: Assessor Jurídico, Assessor Legislativo, Assessor Parlamentar, Diretor da Secretaria Administrativa e Assessor Administrativo, contidos em seus Anexos I a V, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 30 de julho de 2013.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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